Elisabeth Taylor era nativa do reino de Deheon, o reino capital
do mundo de Arton. Nasceu e se criou em um vilarejo pequeno e simples, chamado
Cavalo Branco, próximo à cordilheira conhecida como Montanhas de Teldiskan.
Teve uma infância simples e pobre, já que o sustento da família ficava a cargo
exclusivamente de sua mãe, a senhora Natali Taylor. Seu pai morrera, ainda
muito jovem, defendendo a vila de um ataque orc. Treze anos antes a vila fora
invadida por um grupo de Orcs sedentos por destruição e, já que na vila não
havia nenhuma pessoa com coragem ou habilidade suficiente para enfrentá-los, o
senhor Nolan Taylor se viu encarregado de agir e proteger sua família e aquelas
pessoas indefesas. Confiava que se ele desse o primeiro passo a fim de expulsar
os invasores, a vila o acompanharia e o ajudaria em sua investida. Ledo engano.
Ele se viu sozinho, cercado por sete monstros imensos, enquanto seus olhos
procuravam ajuda. Um único golpe foi desferido, Nolan foi decapitado e saqueada
pelas criaturas.
Assim Lisbeth cresceu sem pai. Sentia um grande orgulho dele,
considerava-o um verdadeiro herói. E odiava os orcs com todas as suas forças,
seriam seus inimigos mortais para sempre. A história trágica de seu pai a
inspirava e, sempre que um bardo passava pela vila ela lhe pedia que contasse
feitos dos grandes heróis do mundo. Assim ela foi crescendo e junto com ela o
desejo de se tornar também uma heroína, de sair pelo mundo e viver aventuras.
Foi aos dezessete anos que seus desejos foram finalmente ouvidos por alguém.
Foi numa noite tempestuosa que ela teve o primeiro sonho. Já
sonhara antes, claro, mas não como daquela vez. Em seu sonho, uma garotinha
ruiva caminhava em sua direção com um sorriso estampado no rosto, ao mesmo
tempo em que seus olhos mostravam certa preocupação. Ela se aproximou e tomou
sua mão, olhou profundamente em seus olhos e disse:
_ Olá minha jovem! Eu ouvi
suas suplicas por uma vida diferente e estou aqui para lhe oferecer isso.
Estarei olhando por você e te ajudarei e te guiarei por toda vida caso queira,
entretanto esteja ciente de que, caso você aceite, estará sempre sendo posta à
prova.
Mesmo acreditando que tudo não passava de um sonho esquisito,
Lisbeth acreditava nas palavras da garotinha e não as tirava da cabeça. Na
noite seguinte não voltou a sonhar com a menina, nem nos dias seguintes.
Somente depois de uma semana ela retornou aos seus sonhos. Desta vez vinha
saltitando por um campo de flores que desabrochavam à sua passagem. Disse que a
vila corria perigo, que uma grande seca viria nos dias seguintes e que todos
deveriam se prevenir.
Na manhã seguinte, Lisbeth reuniu a vila, subiu em um barril e
anunciou sua profecia. Todos riram dela e a deixaram plantada no meio da rua,
sozinha. Apenas um garoto, de cerca de dez anos, lhe deu crédito e permaneceu
ao seu lado. Uma grande amizade começou naquele momento e juntos foram
armazenar comida e água. Apesar de estarem protegidos das frias Montanhas
Uivantes pelas Teldiskan, uma forte onda de frio veio antes do inverno chegar,
congelando os riachos próximos a afastando as chuvas. As plantações foram pegas
repentinamente na geada e morreram. Mas, graças a Lisbeth e a seu novo amigo, D’Arc,
a vila tinha alguma reserva de comida que permitiu que sobrevivessem, ainda que
com privações, por dois meses até a seca findar. Os aldeões, então, começaram a
dar algum crédito para a jovem profeta.
Quatro meses se passaram até Lisbeth ter um novo sonho profético.
Desta vez a garota tinha ar extremamente preocupado. Disse que uma doença se
espalharia, transmitida por coelhos. Todos deveriam tomar um chá de ervas específicas
durante três dias quando vissem os animais rodeando a vila ou muitos morreriam.
No dia seguinte ela reuniu os moradores na taverna e anunciou o perigo. Mas a
ideia de uma doença de coelhos “pegar em gente” era tão absurda que ela foi
novamente ridicularizada em público. Os dias se passaram e nada aconteceu, nem
sinal de coelhos ou doença chegou a Cavalo Branco. A fé de Lisbeth na garotinha
dos sonhos era posta à prova.
Meses se passaram e muitos outros sonhos provaram ser apenas
alarmes falsos. Lisbeth foi totalmente desacreditada e tida como louca e ela própria
passou a não mais acreditar e começou a ignorar seus sonhos. Somente o jovem D’Arc
continuava a seu lado, confortanto-a.
Numa manhã de valag, logo após completar seu vigésimo aniversário,
Lisbeth olhou para o céu e teve um mau pressentimento. O sol estava pálido e a
brisa vinda das montanhas trazia um tênue cheiro de sangue. Algo ruim estava
para acontecer. Foi quando o sol estava a pino que tudo começou. A correria se
instalou na aldeia e gritos e choro puderam ser ouvidos à distância. A vila era
novamente invadida por orcs.
Os monstros caminhavam impunes pelas ruas, armados de machados,
deixando rastros de sangue e destruição por onde passavam. Então algo
inesperado os deteve. Parada no meio da rua, encarando as bestas imundas,
estava Lisbeth. A exemplo de seu pai, o herói que tanto admirava, iria
enfrentar os invasores. Mas, não sozinha. Ao seu lado estava D’Arc,
demonstrando mais coragem que toda a vila junta. A dupla investiu contra as
criaturas, Lisbeth empunhando um rastelo desgastado e D’Arc armado com uma
espada de madeira.
Os orcs acharam graça daquela cena. Uma mulher e uma criança os
desafiando com armas de brinquedo. Confabularam em seu idioma grotesco e um
deles deu um passo à frente, de peito descoberto, para receber os golpes dos
dois humanos e humilhá-los antes de exterminá-los. O rastelo se desfez em
pedaços ao tocar o couro fétido do monstro, para desespero de Lisbeth. Mas a
espada de madeira, a arma mais improvável de todas, se cravou profundamente no
peito da besta, fazendo-a tombar. O garotinho retirou sua espada do corpo do
inimigo morto, virou-se para a amiga, deu um sorriso e fez um gesto de vitória.
Lisbeth mal teve tempo de comemorar, pois um machado voou na direção do amigo,
cravando-se em suas costas antes que ela pudesse fazer qualquer coisa para
acudi-lo.
Lisbeth agarrou o corpo sem vida de D’Arc e gritou, enfurecida.
Seu rugido podia ser ouvido a quilômetros, era algo sobrenatural. Os orcs
abandonaram a vila amedrontados. Lisbeth lamentava a morte de seu amigo,
amaldiçoando-se por não ser capaz de usar as magias de cura que os anciões e
bardos diziam existir. Foi em meio ao seu ódio e desespero que a garotinha dos
sonhos tornou a aparecer, como uma voz em sua mente. Lisbeth a culpava pela
morte do menino. Se tivesse recebido um sonho de alerta, aquela tragédia teria
sido evitada. Mas a garotinha a advertiu.
_ Acalme-se, jovem! Seu povo,
por um bom tempo, duvidou de seus sonhos e até mesmo você perdeu a fé, e por
isso eu não lhe concedi mais os sonhos e deixei de lhe visitar. Mas não se
preocupe, minha criança, pois eu jamais deixei de lhe acompanhar e lhe
proteger, até mesmo agora contra essas criaturas do Deus da Morte, eu a protegi.
Mas tive que lhe dar uma lição para que você recuperasse a fé. Do mesmo jeito
que no mundo há vida, também temos que compreender a morte. Isso é natural na
existência. Eu afugentei aqueles monstros para que você não os enfrentasse em
seu ímpeto de fúria. Você ainda não está preparada para tal desafio, mas, se
seu desejo de ajudar pessoas como esse garotinho for de fato verdadeiro, assim
como o de se tornar uma heroína, como seu pai, você deve ter fé em mim e seguir
minhas palavras. Parta desta vila quando achar que está pronta e comece sua jornada.
Você não é planta para criar raízes num lugar assim. Deve sair pelo mundo treinando
e ajudando meus filhos, e lembre-se que o desejo de ajudar o próximo deve ser
mais forte do que qualquer sentimento de vingança!
Um mês depois da tragédia, Lisbeth deixou Cavalo Branco,
despedindo-se apenas de sua mãe. Rumou para o norte durante 4 dias e quatro
noites, margeando as montanhas, quando finalmente encontrou uma enorme construção.
Pessoas treinavam arte militar e outras praticavam orações e magia em um pátio
murado diante do prédio imponente cravado na base da cordilheira. No centro do
pátio murado havia uma enorme estátua de uma mulher ajoelhada como a face a as
mãos ao alto em súplica. Era um templo erigido à Deusa da Humanidade, Valkaria.
Lisbeth se sentiu confortável e estranhamente atraída por aquele
lugar. Foi recebida por uma bela mulher de orelhas pontudas, uma elfa.
Contou-lhe sua história e foi saudada pela elfa. Seu nome era Galar e explicou
que aquele o que era aquele lugar. Todos ali, fossem sacerdotes, guerreiros
sagrados ou simples cavaleiros, serviam à deusa Valkaria, combatendo o mal e
cuidando da segurança das fronteiras do reino. Eram conhecidos como os
Patrulheiros da Deusa e Lisbeth foi convidada a se juntar a eles.
Cinco meses se passaram desde a chegada de Lisbeth ao templo
quando ela voltou a sonhar com a garotinha. Desta vez, entretanto, a menina
vinha na forma de uma mulher adulta, semelhante à estátua do templo.
_ Finalmente você
encontrou sua vocação, criança. Por isso vim abençoá-la – disse Valkaria. –
E trago-lhe também um presente – ao lado
da deusa estava um garoto que ela bem conhecia, era D’Arc. O menino sorria para
a amiga, não havia qualquer sinal do ferimento que causara sua morte. Estava
feliz. – De hoje em diante você será uma
de minhas enviadas, para espalhar minha palavra pelo mundo e proteger meus
filhos e ensiná-los a superar qualquer desafio, mesmo que seja a própria
vontade dos Deuses. - Lisbeth foi abençoada e tornou-se uma guerreira
sagrada, uma paladina a serviço de Valkaria.
Cinco anos se passaram, Lisbeth vivia feliz patrulhando as
fronteiras de Deheon, aventurando-se, vencendo perigos e sendo heroína como seu
pai. Mas seus dias de alegria teriam um fim, um trágico fim numa noite sem lua,
em 22 de salizz do ano de 1400, uma data que não sairia de sua mente. Retornava
para casa após sua primeira e bem sucedida missão solo. Conseguira rechaçar um
grupo de orcs que atacava uma pequena vila rural. Não tinha derrotado os
inimigos sozinha, mas suas atitudes tiveram peso decisivo na vitória. Armara e
treinara os aldeões, planejara uma estratégia de resistência, preparara
armadilhas. Ao final da noite de batalha, os orcs estavam todos vencidos. Os
poucos restantes não voltariam tão cedo a atacar, e, se o fizessem, seriam
recebidos com flechas.
Ansiava por rever novamente o templo e por estar entre seus
irmãos de fé uma vez mais. Mas, aquilo que era um sonho prestes a se realizar,
tornou-se um terrível pesadelo. Antes de sequer poder avistar o templo na curva
da estrada, Lisbeth já podia ouvir os gritos. Sacerdotes e guerreiros sagrados,
destemidos e protegidos por sua deusa gritavam em pânico, como se a deusa os
tivesse abandonado. Lisbeth acelerou a cavalgada e viu o templo tomado por
chamas.
Correu como o vento, atravessando os portões e viu, com
assombro, que o fogo engolia tudo. Clérigos se arrastavam pelo chão, aos
prantos, enquanto as labaredas os consumiam. Mas, havia algo errado. As chamas
eram azuladas e, embora arruinassem a estrutura do templo, não emitiam qualquer
traço de calor, nem fumaça. Então Lisbeth viu algo que quase a deixou em
choque. Um dos noviços rastejava até ela, pedindo por auxílio. O fogo azul
envolvia seu corpo com ferocidade. O jovem tombou a meio metro da guerreira,
sem vida. Seu corpo tornou-se cinzento, não negro como era esperado, e
transformou-se em uma estátua de pedra porosa e fria. O fogo desapareceu do
corpo do jovem junto com sua vida.
Lisbeth percorreu os corredores do templo, que agora era
adornado por estátuas suplicantes de seus antigos habitantes. No átrio que
ficava atrás do templo testemunhou uma cena horrível. Galar estava de quatro no
chão, ofegando. Diante dela, um robusto orc empunhava um enorme machado, Era um
orc parrudo, protegido por uma grossa couraça de metal brilhante. Em seu peito
um estandarte, de uma rosa vermelha rodeada por cristais de gelo, adornava a
armadura. A criatura olhava para Galar, com desprezo. Ergueu a arma acima da
cabeça e num só golpe degolou a elfa.
Lisbeth correu em direção ao monstro, mas uma voz em sua mente a
deteve.
_ Não vá! Cuidado! Não
toque as chamas! – era D’Arc.
Lisbeth deteve-se e assistiu, impotente, enquanto o orc recolhia
a cabeça do solo e enfiava em um saco. A criatura deu as costas para a humana e
começou a escalar o muro no fundo do templo. Lisbeth arremessou sua espada,
atingindo-o de raspão na cintura.
_ Desgraçada! – cuspiu
o orc. – Se eu não tivesse uma missão
para cumprir para a feiticeira, eu acabaria com você agora mesmo. Mas não quero
me demorar e tomar outra bronca dela. Se tiver coragem, me procure no reino da
madeira negra e eu acabarei com você lá, sua vadia!
O monstro saltou por sobre o muro. Lisbeth correu, dando a volta
e evitando as chamas, mas, quando chegou ao fundo do templo, não encontrou
qualquer vestígio da criatura. Tinha sumido como que por mágica.
Lisbeth tentou encontrar sobreviventes no templo, mas ela era a
única que sobrara, não havia mais ninguém que pudesse vingar aquelas pessoas e
punir aquele monstro. Pior, o fogo sombrio que consumira as vidas e
transformara os corpos em estátuas tinha alguma propriedade estranhamente
maligna. Lisbeth sabia que as almas dos seus irmãos de fé não tinham partido
para o reino de sua deusa. Coisa que a voz de D’Arc lhe confirmou.
_ Eles jamais poderão
descansar em paz se você não fizer algo, Lisbeth. Suas almas sofrerão tormento
eterno se você não os ajudar – disse o espírito do menino.
Ela, então, tomou uma decisão. Faria a justiça ela mesma.
Caçaria o animal fétido e o mataria.
Assim, Lisbeth montou em seu cavalo e partiu. Viajou muitas
léguas até finalmente chegar a Tollon, o reino da madeira negra. Seguindo pela
estrada principal, foi em direção à capital. Começaria sua busca por lá. Mas,
numa noite sem lua, enquanto cavalgava a passos lentos, para poupar seu animal
do esforço excessivo, Lisbeth ouviu o som da flauta de Mavastus e o delicioso
cheiro dos cogumelos e pensou se poderia dividir a fogueira e descansar um
pouco. No fim, acabou se unindo a um bando de desconhecidos, com histórias
parecidas, e derrotado um enorme troll ao lado deles.
_ É como disse Mavastus, o
que aconteceu com seu templo é parecido ao que aconteceu em meu acampamento
– disse Griel, quando Lisbeth terminou seu relato. A paladina não revelara os
detalhes de sua infância, apenas os eventos no templo de Valkaria. – Você disse que aconteceu numa noite de
lua em treva. Foi o mesmo comigo, com Theon e agora, hoje, em Vallahim.Com vocês
também foi o mesmo? – perguntou, apontando para Toph, Celerin e Mhurren.
_ É, eu também estava
pensando justamente nisto – disse Cieri. – Parece que é algum tipo de ritual, que só pode ser feito em noites de
lua em treva. Você, menina! – dirigiu-se para Toph. – me encheu a paciência há pouco mas até agora não disse nada sobre você.
Vamos lá, comece a tagarelar, menina.
A garota retrucou o comentário rude de Cieri e depois contou a
todos o que acontecera em Kazordoon. Ao final, fez uma nova provocação à
meio-demônia.
_ Não vão começar
novamente vocês duas! – era Griel, interrompendo o início de uma nova
discussão. Theon o apoiou. – E quanto a
você, tem algo parecido a nos contar? – disse, dirigindo-se a Celerin. – Será que não confia nem mesmo em um irmão elfo
para contar sua história.
Celerin se levantou, retirando o capuz e confirmando a todos o
que Griel já sabia. Era um elfo. Mas não vinha da mesma linhagem que Griel, ele
tinha uma ascendência diferente, algo que ele resolveu ocultar por ora,
limitando-se a revelar apenas o que fosse pertinente naquele momento.