maio 14, 2009

Capítulo 352 – Revelações

_ Esta caverna poderá nos abrigar. No entanto, se os inimigos saírem da torre para nos procurar, é certo que nos procurarão aqui, mais cedo ou mais tarde! Mas se nos afastarmos mais, encontrar um abrigo na floresta será mais difícil. O melhor a fazer é ficarmos por aqui – disse o dragão azul.

_ Vamos dormir aqui. Faremos turno de guarda para prevenir qualquer coisa – disse Anix, conduzindo seus amigos para dentro do abrigo.

_ Não será necessário! – gritou uma voz abafada. Era Sam Rael – Se tiverem por ai algum pedaço de cristal para me arrumar, poderei camuflá-los!

Legolas forneceu uma jóia para o bardo usar em seu plano, aproximando a pedra do pingente de Orion. Dentro do colar, Sam encostou a mão espalmada na parede vítrea que o separava do mundo externo e que estava em contato com o cristal de Legolas. Concentrado, o bardo recitou um curto poema sobre heróis que buscavam refúgio seguro, mas só o encontravam em seus lares. Dentro da caverna começou a surgir uma semi-esfera cinzenta ao redor de Orion, que se mesclava às paredes e teto do abrigo até ocupar quase toda a extensão do esconderijo.

_ Entrem na esfera, amigos! – disse o bardo. – Isso é apenas uma ilusão, mas os manterá escondidos por quase um dia inteiro. Se alguém vier bisbilhotar por aqui, verá apenas uma caverna com várias pedras enormes no fundo. Ninguém de fora da esfera poderá vê-los aqui dentro, mas vocês poderão enxergar qualquer um que se aproxime.

Um a um os heróis entraram no ambiente criado por Sam. Mexkialroy, desconfiado, foi o último de todos.

_ Sam, quanto tempo isso irá durar? – perguntou Anix.

_ Quase um dia inteiro, amigo. Umas vinte horas, se minha percepção estiver correta. Desde que eu, ou, creio, aquele que me carrega não saia daqui de dentro, vocês estarão protegidos aqui. Poderão entrar e sair livremente e nem chuva, nem vento os atingirão. A menos é claro, que sejamos atingidos por um furacão. Tirando isso, todos poderão dormir tranqüilamente e recuperar suas forças.

_ Bom, não vamos perder mais tempo. Minha magia não vai durar para sempre. Temos que descobrir o que a caçadora sabe sobre nossos inimigos antes que ela pare de nos compreender – disse Squall.

_ Sim, isso mesmo! – concordou Legolas. – Yesha, quando a magia terminar, nós não conseguiremos mais conversar como agora. Quando isso acontecer, eu prometo que a levarei daqui. Enquanto isso, diga-nos há quanto tempo estava presa na torre, e conte-nos tudo que lhe aconteceu, tudo que viu e ouviu por lá.

_ Está bem, contarei tudo! – disse a mulher. – Faz duas luas que fui capturada pelos brancos! Minhas companheiras e eu caçávamos aqui por perto, quando eles apareceram e nos prenderam. Fomos jogadas naquela sala, onde vocês me acharam, junto com todos aqueles mortos. Eles já tinham capturado e matado muitos outros thera além de nós. Corredores, voadores e dragões de chifre, inclusive. Mataram todas as minhas companheiras na minha frente e disseram que me manteriam viva para que eu os levasse até minha tribo. O chefe dos brancos disse que queria escravizar todo o meu povo.

_ Como era o chefe deles? – perguntou Anix.

_ Era branco também, bebeu meu sangue, assim como os outros. Ele era muito alto e forte e usava panos compridos como os seus e tinha um cabelo muito comprido e preto.

_ Você sabe o nome dele? – continuou o mago.

_ Eles disseram, eu acho que era Galt...Golt...

_ Gulthias?

_ Sim, era esse mesmo, Gulthias!

_ E ele sempre ia tomar seu sangue? – perguntou Legolas.

_ Não, ele não. Só de vez em quando. Mas os outros brancos sempre chupavam meu sangue. E tinham outros... – a expressão da caçadora mudou, a calma desapareceu e deu lugar ao pavor. – Tinham os dourados...

Nesse momento, foi a vez dos aventureiros perderem a calma e entrarem em desespero. Dourados só poderia significar uma coisa: genasis!

_ Yesha! Diga-nos, como eram esses dourados. É muito importante! – pediu Anix.

_ Era dois deles. Tinham o corpo todo dourado e usavam espadas. Surgiam das sombras e me agarravam, me mordiam e chupavam meu sangue até eu desmaiar.

Anix empalideceu. Genasis de ouro e vampiros. Seus problemas aumentavam cada vez mais.

_ Yesha, um desses dourados por acaso se chamava Guncha? – perguntou Nailo.

_ Não! Não lembro seus nomes, mas nenhum deles tinha um nome assim.

_ E o que mais aconteceu? – perguntou Squall.

_ Bom, tinham outros que vinham e me torturavam. Um deles era menor que eu, pequeno como uma criança. Vinha com espadas, sorrindo como se fosse um amigo. Mas ele cortava meu corpo e ficava rindo da minha dor. Ele gostava de me ver sofrer.

_ Maldito halfling! – resmungou Legolas ao ouvir a descrição de Flint Stone. Yesha prosseguiu.

_ Havia também um prateado! Foi ele quem fez a magia em mim para que eu pudesse conversar com eles. Ele era muito mau. Dizia que era melhor me matar logo.

_ Por acaso o nome dele era...Teztal? – perguntou Lucano, trêmulo.

_ Não! O nome dele era... – Yesha pensou calada por um instante antes de responder. – Yupan! Esse era o nome dele!

_ Não restam dúvidas! Zulil está realmente aqui, como disse Marah. E os seguidores de Teztal também! – disse Anix.

_ Zulil? Também ouvi o nome dele! Ele é o chefe de todos! – disse Yesha. – O prateado dizia que matar os dragões era inútil. Dizia que era Zulil quem ia ressuscitar o Axu...Axo...

_ Ashardalon? – perguntou Anix.

_ Sim! Ashardalon! Era esse o nome. Esse Zulil, o prateado falou que ele ia trazer o Ashardalon de volta, que os sacrifícios não serviam para nada. Mas o chefe dos brancos, o Gulthias, falou que os sacrifícios iam deixar o Ashardalon mais forte quando ele voltasse à vida. Gulthias falava que quando esse Zulil o havia libertado, tinha prometido que traria Ashardalon de volta à vida e ainda mais poderoso. E os sacrifícios iriam deixar Ashardalon ainda mais forte.

_ Então os sacrifícios eram para isso. Para trazer Ashardalon de volta – disse Legolas. – Mas quem é esse Ashardalon afinal?

_ É o deus daqueles bastardos! – respondeu Mexkialroy. – Eles querem trazer o deus deles de volta à vida.

_ Sam! Você sabe alguma coisa sobre Ashardalon? – perguntou Anix.

_ Sim, claro que sei. É uma lenda, uma história contada pelos bardos. Ashardalon era um dragão vermelho extremamente poderoso. Seu poder era tanto que ele era considerado um deus por seus seguidores. Diz a lenda que um dia ele arrancou seu próprio coração e o escondeu nas profundezas de seu esconderijo. No lugar dele, Ashardalon colocou o coração de um demônio para ter ainda mais poder.

_ Como é que é? Ele arrancou o próprio coração? Que coisa estranha? – disse Orion.

_ O chefe dos brancos falou alguma coisa disso! – disse Yesha. – Ele falou que ia usar o coração de Ashardalon para transformar meu povo em escravos. Disse que ia nos fazer ficar igual a eles.

_ Espere ai! – gritou Legolas. – Está dizendo que o coração desse dragão poderoso, que era quase um deus, está dentro da torre?

_ Não sei, mas foi o que o tal do Gulthias falou – respondeu a mulher.

_ Esperem! Sam! Esse coração, por acaso não seria... – começou Anix. Foi o bardo quem terminou a frase.

_ O coração negro que pulsa sob a montanha! Acabei de pensar nisso também. Talvez a cor negra represente a maldade, as sombras, no coração de Ashardalon. Ele era muito mau.

_ E o que aconteceu com ele, Sam? – perguntou Nailo.

_ Desapareceu. Há várias versões sobre seu fim. Dizem que foi morto por um dragão mais poderoso. Alguns dizem que ele foi derrotado por uma druida poderosa chamada Dydd. Outras versões contam que o demônio de quem ele tirou o coração retornou para se vingar e o matou. Noutra versão ele foi destruído pelos Deuses, como castigo por sua ambição. Não há como saber exatamente o que aconteceu com ele, mas é certo que não existe mais, e, de acordo com as visões que tivemos no passado e as palavras desse Gulthias, Ashardalon está morto.

_ Bom, se ele era ou queria se tornar um deus, talvez ele fosse rei dos dragões vermelhos. Talvez ele fosse o rei antes de Schar surgir – sugeriu Legolas. - E você sabe alguma sobre Gulthias, Sam? – perguntou Legolas.

_ Bem, não. Mas já ouvi esse nome antes. Quando estava indo para Valkaria com Lana, paramos em um vilarejo já dentro de Deheon. O menestrel da cidade foi quem disse esse nome. Segundo ele, certa vez a cidade estava sendo atacada por alguns goblins que viviam num abismo perto da vila, que eles chamavam de cidadela. Ele me contou que um grupo de heróis foi até a cidadela para combater os goblins e que eles retornaram depois de alguns dias dizendo que tinham cumprido a missão a destruído a árvore Gulthias. Mas, pelo que estou entendo, o Gulthias de quem vocês estão falando não é uma árvore, mas sim um vampiro, certo?

_ Talvez esses heróis tenham inventado esta história de árvore para despistar os curiosos. Quem eram eles, Sam, você sabe? – perguntou Legolas novamente.

_ Não! Só sei que eram dois elfos, um halfling e...goblins... – Sam emudeceu.

_ Zulil! Era o bando de Zulil! – gritou Anix. – Foram eles. De alguma forma Zulil libertou Gulthias e os dois se aliaram. Yesha nos disse que o próprio Gulthias falou que Zulil o tinha libertado de algum lugar.

_ Então Zulil libertou Gulthias de algum lugar e se aliou a ele, prometendo ressuscitar o deus dragão dele. Depois Zulil se aliou aos asseclas de Teztal e todos vieram parar aqui neste lugar – concluiu Legolas. – Genasis, vampiros, um necromante maldito e um dragão deus com coração de demônio. O que mais está faltando nos acontecer?

_ Falta esclarecer uma coisa ainda! – disse Anix. – Sam, esse nome, Ashardalon, não sai da minha cabeça. Ele quer me dizer alguma coisa. Tenho a impressão que já o ouvi em algum lugar e algo me diz que isso é uma coisa importante. Só que não consigo descobrir onde ouvi esse nome. Pode me contar algo mais sobre Ashardalon? Ou então alguém que tivesse nome muito parecido com ele?

_ Bem, sobre Ashardalon acho que não tenho mais nada a contar. Agora, algum nome parecido? Deixa eu ver...Megatron, Doraemon, Rachomon, Daelon, Daarshalon...

_ ISSO! – gritou Anix. – Daarshalon! Era por isso que o nome não me era estranho.

_ Mas o que é esse negócio de Daarshalon, Anix? – perguntou Legolas.

_ Era o meu tataravô! – respondeu o mago.

_ Como assim seu tataravô? – indagou o bardo. – Está me dizendo que você é descendente do Daarshalon de Lenórienn? Está querendo dizer que Inuviel era sua tataravó?

_ Sim, isso mesmo, Sam – respondeu Anix. – Minha mãe me contou esta história há algum tempo atrás.

_ Mas que história? Do que estão falando! – berrou o arqueiro.

_ Deixe que eu conte, Anix. Isso é uma história élfica, de Lenórienn, o reino dos elfos em Lamnor. Inuviel era uma das mais belas e cobiçadas elfas do reino. Era constantemente cortejada por um elfo conhecido como Gehörnt. Um dia ela encontrou um elfo chamado Daarshalon e se apaixonou por ele. Os dois elfos lutaram em disputa pelo amor de Inuviel, e Daarshalon saiu vitorioso. Há várias versões neste ponto da narrativa. Numa delas Daarshalon mata Gehörnt, na outra Gehörnt se rende ao perceber que seu oponente era superior, em outra eles não lutaram, mas sim apostaram uma corrida a nado que durou cinco dias. O certo é que Inuviel no final se casou com Daarshalon e não com Gehörnt. As versões em que Gehörnt permaneceu vivo mencionam um tesouro cobiçado até hoje por exploradores. Dizem uns que era uma jóia belíssima, que brilhava como uma estrela, e que Inuviel usou na testa no dia do casamento. Outros dizem que era um anel dourado de grandes poderes, e outros que era um bracelete. Em algumas versões o tesouro é dado por Gehörnt a Inuviel como um presente de casamento e como reconhecimento da superioridade do oponente. Noutras o tesouro tinha que ser recuperado pelos dois elfos na disputa e que Daarshalon o pegou primeiro, mas o perdeu ao ser atacado por um monstro. Segundo essa versão, seu oponente encontrou o tesouro depois, mas foi honrado e o devolveu ao legítimo dono.

_ A versão que minha mãe me contou deve ser a correta Sam. Daarshalon derrotou Gehörnt e retornou para Lenórienn após o duelo. Gehörnt apareceu então com um bracelete como presente de casamento – disse Anix.

_ Sim, nessa versão o bracelete teria duas figuras forjadas nele, um dragão e um demônio. O dragão, vencedor, era Daarshalon. E o derrotado, visto como um demônio, seria Gehörnt. Conheço essa história também, amigo – disse o bardo.

_ E afirmo que ela é real porque foi minha mãe quem me contou. Ela não teria porque mentir para mim. E, além de tudo, eu peguei o tesouro em minhas mãos. Era uma herança de família. Minha mãe o passou para mim, para que eu o desse a Enola. Foi assim que eu a pedi em casamento.

_ Mas o que essa história tem a ver com tudo isso? – quis saber Orion, impaciente.

_ A resposta é simples, meu novo amigo... – disse Sam, hesitante. – Anix, pegue um graveto e escreva o nome de seu tataravô no chão.

O mago apanhou um galho seco no chão da caverna e fez como pedido:

DAARSHALON

_ Agora apague as duas primeiras letras! – disse o bardo.

ARSHALON

_ Agora mude o “erre” de lugar. Coloque-o entro o segundo “a” e o “ele” – continuou o menestrel.

ASHARLON

_ Para completar, coloque de volta as letras que tiramos do começo, o “dê” e o “a”. Coloque-os nessa ordem logo após o “erre” – pediu Sam.

ASHARDALON

E o mistério se desfez.

_ Espere ai, Sam! Está me dizendo que meu tataravô era esse dragão deus demônio? Mas como? Não pode ser! – gritou Anix, confuso. Squall sorriu discretamente, entusiasmado com a possibilidade de ser descendente de alguém tão poderoso quando Ashardalon.

_ Como isso é possível eu não sei. Mas é possível que seja verdade, meu amigo – completou o bardo.

_ Grande coisa... – resmungou Mexkialroy entediado, indo deitar-se no fundo da caverna.

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