setembro 06, 2012

Capítulo 371 – Moscas na teia


Dezenas de metros abaixo o grupo encontrou novamente o solo. Atravessaram o longo escuro túnel voando. Legolas e Lucano montados na vassoura mágica, Orion carregado por Galanodel, Nailo transportado por Squall, que ainda mantinha a forma dracônica após o embate contra o elemental, e Mexkialroy voando sozinho ao lado de Alven e Cloud. Por fim, a coruja gigante retornou mais duas vezes, até trazer Katia e seus companheiros para baixo.

Pousaram em um piso rochoso coberto por uma pilha de cinzas, ossos quebrados, escombros pedregosos e sujeira amontoada sob a abertura acima de suas cabeças. O cheiro de morte antiga permeava o ambiente sufocante e abafado. Pelas condições do lugar e pelo tanto que haviam descido, era certo que estavam abaixo do nível do solo, abaixo da torre.
Legolas iluminou o ambiente com seu arco e viu que a pequena saleta onde estavam se abria para um corredor que se estendia ao sul por quase vinte metros. Uma série de alcovas rasas e cobertas de sujeira tomavam as duas paredes laterais do corredor e, em sua extremidade sul, uma porta os isolava dos perigos externos. No chão, diante do grupo, um pilar baixo de pedra exibia o sinistro adorno da árvore de Gulthias.
_ Vampiro nojento! – praguejou Legolas, cuspindo na marca do inimigo. Depois se abaixou e estendeu a mão, canalizando o poder ensinado por Glorin e congelando a pequena rocha. – Tente nos espionar agora, maldito!
O grupo seguiu, cautelosamente, pelo corredor até a porta de saída. Pelo tanto que tinha caminhado, tinham a certeza de que haviam deixado os limites da torre. Nailo abriu a porta num movimento ligeiro. Legolas apontou seu arco para fora, esperando alvejar Flint, mas não havia sinal do halfling. Só havia um novo corredor, que seguia para leste e oeste e cuja largura reduzida obrigou Squall a retomar a forma élfica.
Tomaram o caminho da esquerda e viram que o túnel se dividia em dois, um caminho seguindo adiante e terminando numa porta à esquerda, e o outro caminho seguindo pela esquerda e terminando em outra porta em sua extremidade. Abriram as duas portas com a mesma cautela de antes, uma após a outra, mas só encontraram mais lixo e detritos.
Retornaram, seguindo para oeste. No final do corredor havia uma porta à direita e, antes desta, um novo túnel que se estendia vários metros na direção norte. E do túnel vinha uma voz familiar.
_ Venham, seus insetos! – provocava a voz de Flint Stone. – Venham me pegar, se tiverem coragem.
_ Ora, seu pedaço de gente! – retrucou Legolas. – Não somos nós que ficamos fugindo o tempo todo. Você sim é um covarde!
_ Pois então venham pegar este covarde aqui. Vocês não passam de moscas e eu vou acabar com todos vocês assim – todos ouviram o bater de palmas do halfling e logo depois o som de seus passos, velozes pequeninos, afastando-se dali. Porém, eram incapazes de vê-lo. A luz do arco se expandia até certo ponto no corredor e então cessava em uma zona de escuridão total, de escuridão mágica. E a voz vinha de dentro dela.
Nailo correu velozmente, com as espadas em punho apontadas para frente. Mas, ao invés do esperado som de mithral cortando carne ou o de lâminas se cruzando, o que os demais ouviram foi um estranho e sutil som como se Nailo tivesse atolado os pés em uma profunda e densa poça de lama.
_ Nailo? – chamou Legolas. Não houve resposta, apenas o som de um rastejar e daquilo que parecia serem os pés de Nailo tentando se livrar do atolamento. Os ruídos foram ficando mais altos, mais próximos, e o grupo viu com espanto quando uma grotesca criatura emergiu da escuridão. Era uma coisa grande, que tomava todo o corredor, como uma parede grossa, mas trêmula e transparente, de protoplasma. Tinha coloração verde azulada e três metros de largura e de altura, um verdadeiro cubo gelatinoso. Em seu interior, Nailo se debatia com dificuldade.
Legolas avançou na direção do monstro, enfiando sua mão no interior de seu corpo e agarrando Nailo pelo colarinho. Puxou o companheiro e saltou para trás com ele a tempo de evitar ser também engolfado pela criatura. Mas foi por pouco, pois a massa gelatinosa atingiu-o em cheio enquanto avançava lentamente na direção dos heróis. Legolas sentiu seu corpo formigar e arder, como se o inimigo fosse feito de ácido. Ignorando a dor, o elfo disparou uma saraivada de flechas, ao mesmo tempo em que Nailo, já refeito do susto, cortava velozmente com suas espadas gêmeas. O monstro desmanchou-se numa grande poça gosmenta e inerte, e o grupo finalmente pode avançar.
Atravessaram a escuridão mágica e após uns dez metros chegaram até a porta. Nailo a arrombou sem desperdiçar tempo e seguiu em frente. Logo após a porta, o corredor se dividia, abrindo-se à esquerda e à direita. Ambos os caminhos terminavam abruptamente na rocha, mas, antes do final do lado direito, havia uma saída, outro túnel que seguia rumo ao norte. Este, por sua vez, era cortado por outros dois túneis, e em todos eles, espalhados pelo chão, estavam os restos de corpos apodrecidos e sarcófagos destruídos. Os heróis avançaram, mas ao adentrarem a catacumba foram atacados.
Esqueletos se ergueram do chão, cambaleando para os lados, como marionetes presas por seus fios. As ossadas eram preenchidas e envoltas numa massa gosmenta de cor arroxeada, da qual se projetavam tentáculos cujas extremidades terminavam em garras pontiagudas. As criaturas lançaram-se sobre os heróis, atacando-os com pancadas e arranhões. Lucano foi o primeiro a ser atingido. Estava mais atrás, junto com Squall, enquanto Legolas e Nailo combatiam à frente. O corpo do clérigo foi imediatamente paralisado ao receber a picada venenosa do inimigo. Squall, em desespero, tentou acudir o amigo, mas acabou tendo o mesmo destino de Lucano.
As criaturas avançaram sobre os dois elfos indefesos prontas a devorá-los. Pequenas bocas circulares, cobertas de dentes afiados se abriram nas pontas dos tentáculos, salivando veneno. Nailo e Legolas nada podiam fazer para ajudar, cercados por vários daqueles repugnantes mortos-vivos, lutavam incessantemente, tombando um inimigo atrás do outro, sofrendo diversos ataques, mas sem nunca conseguirem alcanças os amigos indefesos. Mexkialroy, Galanodel e Cloud ajudavam como podiam, mas seus ataques eram pouco eficazes contra as criaturas. Parecia o fim para Lucano e Squall, os dentes cada vez mais próximos de seus corpos indefesos.
_ Mohrgs malditos! Afastem-se de meu irmão! – a voz de Anix ecoou pelos túneis das catacumbas.
O elfo saltou de seu cajado, disparando rajadas de energia contra os monstros. Orion avançou contra as criaturas, destroçando seus cadáveres animados com a espada que apanhara na caverna, sem sequer se dar conta disto. Com o reforço recém-chegado, os aventureiros conseguiram encurralar as criaturas e destruir todas e poucos minutos. O inimigo fora derrotado, mas ainda havia problemas a serem resolvidos.
_ E agora, o que faremos? – perguntou Nailo. – Com o Lucano e o Squall deste jeito, como poderemos continuar?
_ Teremos que esperar o efeito do veneno passar – respondeu o Anix. – Não temos magias ou poções para curá-los no momento. Mas o efeito deve passar rapidamente.
_ Ótimo! – disse Legolas. - E enquanto aguardamos, vou verificar aquela porta ao lado da entrada do corredor.
Legolas retornou pela passagem, passando pelos restos do limo derrotado por eles e parou diante da porta, ainda fechada. Sem hesitar, empurrou a porta com força com seu pé direito e invadiu a sala num salto, apontando seu arco para dentro de forma ameaçadora.
Seis girallons trabalhavam, removendo entulho do chão da sala de nove por nove metros para a qual dava a passagem. O elfo começou a gritar, mandando os gorilas renderem-se. Confusas, algumas criaturas tentavam dialogar, outras ameaçaram fugir, e duas tentaram atacar, provocando a fúria do arqueiro.
Legolas invocou seu poder sobrenatural, transformando dois dos gorilas em estátuas de gelo. Todos os outros ficaram paralisados de medo. Legolas caminhou sala adentro, olhando fixamente cada uma das criaturas. O som de passos ecoou atrás do elfo e segundos depois a figura de um dragão azul apareceu no arco da porta.
_ Bom trabalho, elfo! – comemorou Mexkialroy. – Eu estava mesmo com fome. Não gosto de comida gelada, mas abrirei uma exceção desta vez.
O dragão saltou sobre um dos macacos congelados, derrubando-o no chão. O cadáver se partiu em diversos pedaços e Mex começou a comê-los calmamente.
Legolas olhava para o dragão, olhava para as criaturas amedrontadas e de novo para o dragão. Sua mente confusa, cheia de ira. Levou a mão à aljava e uma saraivada de flechas matou todos os outros girallons ali presentes. Legolas arfava, um pouco mais calmo após descarregar sua fúria contida nos pobres escravos. Mex se aproximou.
_ Parabéns, elfo! – sorriu o dragão, com malícia. – É assim que deves agir sempre. Nada de piedade com estas criaturas inferiores. Eles não passam de gado para seres superiores como eu... E como tu podes vir a ser algum dia, se continuares neste caminho.
O arqueiro não sabia se aquilo tinha sido um elogio ou uma ofensa. O que quer que fosse não lhe importava, pois tinha assuntos mais importantes a tratar. Sua fúria se dissipara por completo, e ele voltava a raciocinar com clareza. Devia voltar aos demais rapidamente para prosseguirem em sua jornada. Mas, uma voz preencheu as catacumbas, enervando-o novamente.
_ Venham, moscas! A aranha está aguardando! – era Flint Stone, provocando-os novamente.
Legolas e Mex dispararam pelo corredor e não demoraram a alcançar os companheiros que já saiam no encalço do halfling. Squall e Lucano iam mais atrás, já livres da paralisia, mas ainda um pouco atordoados. Atravessaram os corredores dos sarcófagos e chegaram a uma pequena câmara. Arrombaram a porta que levava adiante, sem nem se importarem com o símbolo de Gulthias que adornava uma pedra no chão da saleta. Chegaram a um novo corredor, largo o suficiente para quatro homes lutarem lado a lado, que seguia ao norte por quinze metros antes de virar noventa graus à direita. Havia quatro portas, igualmente distribuídas, na parede esquerda e outras três na direita. Uma última porta ficava na extremidade, diretamente oposta à entrada por onde os heróis haviam acabado de passar. Uma nova provocação do pequenino revelou-lhes que ele não se encontrava em qualquer daquelas salas.
_ Venham, seus insetos nojentos! Já estou farto de esperar! – gritou Flint. Sua voz vinha da continuação do corredor.
O grupo avançou, seguindo pela passagem em velocidade espantosa. O túnel virava à direita novamente após outros quinze metros. Outra porta, na extremidade leste, ocultava mais perigos desconhecidos. O grupo estacou, logo após passarem diante da porta, ao verem que o corredor terminava em trevas impenetráveis por suas fontes de luz.
_ O que foi? Estão com medinho? Moscas! – provocou o halfling. Sua voz vinha de logo depois da escuridão.
_ Maldito Flint! – rugiu Nailo. – Seus truques mágicos não vão mantê-lo seguro desta vez.
O Guardião invocou o poder mágico de suas espadas gêmeas, que brilharam como a face de Azgher. Ele avançou cautelosamente e mergulhou as lâminas na zona escura diante dele. A escuridão encolheu, como que absorvida pelas Rosas Gêmeas, cujo brilho também se apagava lentamente. Em um curto instante de tempo, a escuridão mágica se dissipou e os heróis puderam finalmente ver seu inimigo.
Flint estava a poucos metros de Nailo, armado com duas espadas de lâminas levemente curvadas. Poucos metros atrás dele, o corredor terminava em uma pesada porta dupla e, diante dela, havia uma criatura imensa, corpulenta, feita inteiramente de pedra. Era um golem. De suas mãos rochosas emanava uma aura negra de morte. O monstro começou a se mover lentamente na direção dos heróis. Flint Stone ergueu as espadas e sorriu.
_ Enfim as moscas chegaram à teia. Hora da aranha se banquetear! – falou o pequeno.
_ Cale a boca, seu cotoco de tocha! Nós vamos acabar com você! – respondeu Legolas.
_ Nossa como ele está nervosinho. Fique calminho que logo, logo essa raiva vai passar, Legolas. Vai passar desta para uma melhor – rebateu Flint.
_ Seu nanico de merda! – rugiu o arqueiro. – Eu vou arrancar seu coração e vou comê-lo na sua frente, com você olhando antes de morrer.
_ VAI MORRER, ELFO! – gritou o halfling. Seus olhos encheram-se de fúria e ele avançou a passos largos, surpreendendo a todos. Seus pés diminutos moviam-se mais rapidamente que os de qualquer outro ali. Legolas disparou uma flecha, que foi facilmente evitada por Flint. O inimigo deu um pequeno salto para frente, rodopiando com graça no ar e esquivando-se do disparo. Ele caiu diante de Nailo cortando seu ventre com rápidos e precisos golpes e logo em seguida rodopiou no ar novamente, caindo diante de Orion. Sem que o humano tivesse tempo de reagir, Flint deu uma cambalhota no ar, ao mesmo tempo em que rasgava a perna a o braço de Orion e avançava na direção de Legolas. Flint pousou suavemente no chão, de frente para o arqueiro. Estava apoiado nas pontas dos pés, com o corpo esticado e os braços erguidos, apontando as lâminas para o alto. Era como se ele dançasse enquanto golpeava, enquanto matava. Seus olhos miraram os de Legolas por uma fração de tempo que pareceu uma eternidade para o elfo.
_ Morra! – sussurrou Flint, antes de despejar uma chuva de ataques sobre o inimigo. O halfling passou a girar ao redor de Legolas, saltando, rodopiando, inclinando o corpo de forma ritmada e bela. O Sangue do herói preenchia o ar, acompanhando o ritmo do bailarino. Flint continuou sua dança mortal, afastando-se de Legolas e chegando até Anix, que estava logo na entrada do corredor. Sorriu para o mago, enquanto rodopiava no ar.
_ Agora é a sua vez! A aranha vai matar todas as moscas! – ameaçou.
Anix estava quase em choque. Flint tinha passado por todos os seus amigos, atravessado o longo corredor e chegado até ele num piscar de olhos. E para piorar as coisas, Nailo e Orion estavam gravemente feridos. Já Legolas, jazia morto no chão frio da catacumba. O mago comandou sua vassoura e subiu até ficar rente ao teto e fora do alcance do inimigo.
_ Ah, está com medinho, mosquitinho ridículo? Não adianta fugir, já vou pegar você, já, já! – Flint voltou à sua dança sanguinária, indo em direção aos demais. Das sombras no chão surgiram dois vampiros de pele dourada e atacaram Nailo e Orion. Os filhos de Guncha deixaram o humano caído no chão à beira da morte, enquanto o elfo por pouco não perdeu a consciência também. O golem dirigia-se lentamente aos dois heróis indefesos, pronto para findar suas existências, enquanto os vampiros já buscavam por novas vítimas.
Mexkialroy avançou pela passagem, cuspindo relâmpagos do alto sobre o halfling. Squall, Kátia, Luskan, Carion e Rafael atacavam à distância, com magia e flechas, mas Flint esquivava sem dificuldade de cada ataque. Sorrindo, como se brincasse com a comida, pequenino avançou na direção dos aventureiros.
Em uma ação desesperada, Nailo decidiu arriscar tudo. Cravou suas espadas no solo rochoso e invocou seu poder.
_ Gammi gmafi! Terra, Trema!!! – gritou Nailo. E o chão começou a tremer.
Toda a estrutura profana do templo de Ashardalon começou a chacoalhar violentamente. Pedaços do teto se desprenderam, paredes racharam. Com exceção de Nailo, agarrado ás suas espadas, Anix e Mex que voavam, todos os outros caíram. Flint foi jogado ao solo, caindo de costas no canto do corredor. Rogando maldições o pequenino tentava em vão se levantar. Quando tudo se acalmou, os heróis tinham a chance que precisavam.
Squall, ainda deitado, criou um muro de energia invisível, prendendo o halfling no canto da parede. Ao mesmo tempo, Lucano clamou por Glórienn, envolvendo os amigos em um círculo de energia mágica e salvando Orion da morte certa.
_ Agrupem-se! – gritou Anix. – Vou tirar todos daqui!
Todos que estavam mais atrás correram até onde Nailo estava. Mex mergulhou, pegando Legolas num rasante e juntou-se aos demais. Todos se deram as mãos e Anix chegou do alto, mergulhando em direção ao grupo, montado na vassoura mágica. Seus olhos fechados, sua mente concentrada e seus lábios proferindo aos versos do feitiço. Ao se tocarem, todos desapareceram da câmara. Puderem ainda ver com espanto o halfling saltitando, batendo as pequeninas botas na rocha e na parede invisível, ganhando cada vez mais altura, tentando saltar por cima dela.
Flint finalmente saltou a muralha, pousando no chão sem provocar ruído. Guardou as espadas lentamente, limpando o sangue antes de embainhá-las. Depois, olhou para os dois vampiros.
_ É, parece que as moscas conseguiram fugir da teia – disse ele. – Mas não tem problema. Montem guarda dentro da câmara do coração.
_ O que o senhor fará? – perguntou um dos genasis.
_ Vou caçar as moscas em seu ninho! Está será a última noite deles neste mundo! – e, dizendo estas palavras, Flint caminhou cantarolando em direção à saída da torre.


---> Próximo episódio: Céu Rubro

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