Dezenas de metros
abaixo o grupo encontrou novamente o solo. Atravessaram o longo escuro túnel
voando. Legolas e Lucano montados na vassoura mágica, Orion carregado por
Galanodel, Nailo transportado por Squall, que ainda mantinha a forma dracônica
após o embate contra o elemental, e Mexkialroy voando sozinho ao lado de Alven
e Cloud. Por fim, a coruja gigante retornou mais duas vezes, até trazer Katia e
seus companheiros para baixo.
Pousaram em um piso
rochoso coberto por uma pilha de cinzas, ossos quebrados, escombros pedregosos
e sujeira amontoada sob a abertura acima de suas cabeças. O cheiro de morte
antiga permeava o ambiente sufocante e abafado. Pelas condições do lugar e pelo
tanto que haviam descido, era certo que estavam abaixo do nível do solo, abaixo
da torre.
Legolas iluminou o
ambiente com seu arco e viu que a pequena saleta onde estavam se abria para um
corredor que se estendia ao sul por quase vinte metros. Uma série de alcovas
rasas e cobertas de sujeira tomavam as duas paredes laterais do corredor e, em
sua extremidade sul, uma porta os isolava dos perigos externos. No chão, diante
do grupo, um pilar baixo de pedra exibia o sinistro adorno da árvore de
Gulthias.
_ Vampiro nojento! – praguejou Legolas, cuspindo na marca do
inimigo. Depois se abaixou e estendeu a mão, canalizando o poder ensinado por
Glorin e congelando a pequena rocha. – Tente
nos espionar agora, maldito!
O grupo seguiu,
cautelosamente, pelo corredor até a porta de saída. Pelo tanto que tinha
caminhado, tinham a certeza de que haviam deixado os limites da torre. Nailo
abriu a porta num movimento ligeiro. Legolas apontou seu arco para fora,
esperando alvejar Flint, mas não havia sinal do halfling. Só havia um novo
corredor, que seguia para leste e oeste e cuja largura reduzida obrigou Squall
a retomar a forma élfica.
Tomaram o caminho da
esquerda e viram que o túnel se dividia em dois, um caminho seguindo adiante e
terminando numa porta à esquerda, e o outro caminho seguindo pela esquerda e
terminando em outra porta em sua extremidade. Abriram as duas portas com a
mesma cautela de antes, uma após a outra, mas só encontraram mais lixo e
detritos.
Retornaram, seguindo
para oeste. No final do corredor havia uma porta à direita e, antes desta, um
novo túnel que se estendia vários metros na direção norte. E do túnel vinha uma
voz familiar.
_ Venham, seus insetos! – provocava a voz de
Flint Stone. – Venham me pegar, se
tiverem coragem.
_ Ora, seu pedaço de gente! – retrucou Legolas. – Não somos nós que ficamos fugindo o tempo
todo. Você sim é um covarde!
_ Pois então venham pegar este covarde aqui. Vocês não
passam de moscas e eu vou acabar com todos vocês assim – todos ouviram o bater
de palmas do halfling e logo depois o som de seus passos, velozes pequeninos,
afastando-se dali. Porém, eram incapazes de vê-lo. A luz do arco se expandia até
certo ponto no corredor e então cessava em uma zona de escuridão total, de
escuridão mágica. E a voz vinha de dentro dela.
Nailo correu
velozmente, com as espadas em punho apontadas para frente. Mas, ao invés do
esperado som de mithral cortando carne ou o de lâminas se cruzando, o que os
demais ouviram foi um estranho e sutil som como se Nailo tivesse atolado os pés
em uma profunda e densa poça de lama.
_ Nailo? – chamou Legolas. Não houve resposta, apenas
o som de um rastejar e daquilo que parecia serem os pés de Nailo tentando se
livrar do atolamento. Os ruídos foram ficando mais altos, mais próximos, e o
grupo viu com espanto quando uma grotesca criatura emergiu da escuridão. Era
uma coisa grande, que tomava todo o corredor, como uma parede grossa, mas
trêmula e transparente, de protoplasma. Tinha coloração verde azulada e três
metros de largura e de altura, um verdadeiro cubo gelatinoso. Em seu interior,
Nailo se debatia com dificuldade.
Legolas avançou na
direção do monstro, enfiando sua mão no interior de seu corpo e agarrando Nailo
pelo colarinho. Puxou o companheiro e saltou para trás com ele a tempo de
evitar ser também engolfado pela criatura. Mas foi por pouco, pois a massa
gelatinosa atingiu-o em cheio enquanto avançava lentamente na direção dos
heróis. Legolas sentiu seu corpo formigar e arder, como se o inimigo fosse
feito de ácido. Ignorando a dor, o elfo disparou uma saraivada de flechas, ao
mesmo tempo em que Nailo, já refeito do susto, cortava velozmente com suas
espadas gêmeas. O monstro desmanchou-se numa grande poça gosmenta e inerte, e o
grupo finalmente pode avançar.
Atravessaram a
escuridão mágica e após uns dez metros chegaram até a porta. Nailo a arrombou
sem desperdiçar tempo e seguiu em frente. Logo após a porta, o corredor se
dividia, abrindo-se à esquerda e à direita. Ambos os caminhos terminavam
abruptamente na rocha, mas, antes do final do lado direito, havia uma saída,
outro túnel que seguia rumo ao norte. Este, por sua vez, era cortado por outros
dois túneis, e em todos eles, espalhados pelo chão, estavam os restos de corpos
apodrecidos e sarcófagos destruídos. Os heróis avançaram, mas ao adentrarem a
catacumba foram atacados.
Esqueletos se
ergueram do chão, cambaleando para os lados, como marionetes presas por seus
fios. As ossadas eram preenchidas e envoltas numa massa gosmenta de cor
arroxeada, da qual se projetavam tentáculos cujas extremidades terminavam em
garras pontiagudas. As criaturas lançaram-se sobre os heróis, atacando-os com
pancadas e arranhões. Lucano foi o primeiro a ser atingido. Estava mais atrás,
junto com Squall, enquanto Legolas e Nailo combatiam à frente. O corpo do
clérigo foi imediatamente paralisado ao receber a picada venenosa do inimigo.
Squall, em desespero, tentou acudir o amigo, mas acabou tendo o mesmo destino
de Lucano.
As criaturas
avançaram sobre os dois elfos indefesos prontas a devorá-los. Pequenas bocas
circulares, cobertas de dentes afiados se abriram nas pontas dos tentáculos,
salivando veneno. Nailo e Legolas nada podiam fazer para ajudar, cercados por
vários daqueles repugnantes mortos-vivos, lutavam incessantemente, tombando um
inimigo atrás do outro, sofrendo diversos ataques, mas sem nunca conseguirem
alcanças os amigos indefesos. Mexkialroy, Galanodel e Cloud ajudavam como
podiam, mas seus ataques eram pouco eficazes contra as criaturas. Parecia o fim
para Lucano e Squall, os dentes cada vez mais próximos de seus corpos
indefesos.
_ Mohrgs malditos! Afastem-se de meu irmão! – a voz de Anix ecoou
pelos túneis das catacumbas.
O elfo saltou de seu cajado,
disparando rajadas de energia contra os monstros. Orion avançou contra as criaturas,
destroçando seus cadáveres animados com a espada que apanhara na caverna, sem
sequer se dar conta disto. Com o reforço recém-chegado, os aventureiros
conseguiram encurralar as criaturas e destruir todas e poucos minutos. O
inimigo fora derrotado, mas ainda havia problemas a serem resolvidos.
_ E agora, o que faremos? – perguntou Nailo. – Com o Lucano e o Squall deste jeito, como
poderemos continuar?
_ Teremos que esperar o efeito do veneno passar – respondeu o Anix. – Não temos magias ou poções para curá-los no
momento. Mas o efeito deve passar rapidamente.
_ Ótimo! – disse Legolas. - E enquanto aguardamos, vou verificar aquela porta ao lado da entrada do
corredor.
Legolas retornou pela
passagem, passando pelos restos do limo derrotado por eles e parou diante da
porta, ainda fechada. Sem hesitar, empurrou a porta com força com seu pé
direito e invadiu a sala num salto, apontando seu arco para dentro de forma
ameaçadora.
Seis girallons
trabalhavam, removendo entulho do chão da sala de nove por nove metros para a
qual dava a passagem. O elfo começou a gritar, mandando os gorilas renderem-se.
Confusas, algumas criaturas tentavam dialogar, outras ameaçaram fugir, e duas
tentaram atacar, provocando a fúria do arqueiro.
Legolas invocou seu
poder sobrenatural, transformando dois dos gorilas em estátuas de gelo. Todos
os outros ficaram paralisados de medo. Legolas caminhou sala adentro, olhando
fixamente cada uma das criaturas. O som de passos ecoou atrás do elfo e
segundos depois a figura de um dragão azul apareceu no arco da porta.
_ Bom trabalho, elfo! – comemorou Mexkialroy. – Eu estava mesmo com fome. Não gosto de
comida gelada, mas abrirei uma exceção desta vez.
O dragão saltou sobre
um dos macacos congelados, derrubando-o no chão. O cadáver se partiu em diversos
pedaços e Mex começou a comê-los calmamente.
Legolas olhava para o
dragão, olhava para as criaturas amedrontadas e de novo para o dragão. Sua
mente confusa, cheia de ira. Levou a mão à aljava e uma saraivada de flechas
matou todos os outros girallons ali presentes. Legolas arfava, um pouco mais
calmo após descarregar sua fúria contida nos pobres escravos. Mex se aproximou.
_ Parabéns, elfo! – sorriu o dragão, com malícia. – É assim que deves agir sempre. Nada de
piedade com estas criaturas inferiores. Eles não passam de gado para seres
superiores como eu... E como tu podes vir a ser algum dia, se continuares neste
caminho.
O arqueiro não sabia
se aquilo tinha sido um elogio ou uma ofensa. O que quer que fosse não lhe
importava, pois tinha assuntos mais importantes a tratar. Sua fúria se
dissipara por completo, e ele voltava a raciocinar com clareza. Devia voltar
aos demais rapidamente para prosseguirem em sua jornada. Mas, uma voz preencheu
as catacumbas, enervando-o novamente.
_ Venham, moscas! A aranha está aguardando! – era Flint Stone,
provocando-os novamente.
Legolas e Mex
dispararam pelo corredor e não demoraram a alcançar os companheiros que já
saiam no encalço do halfling. Squall e Lucano iam mais atrás, já livres da
paralisia, mas ainda um pouco atordoados. Atravessaram os corredores dos
sarcófagos e chegaram a uma pequena câmara. Arrombaram a porta que levava
adiante, sem nem se importarem com o símbolo de Gulthias que adornava uma pedra
no chão da saleta. Chegaram a um novo corredor, largo o suficiente para quatro
homes lutarem lado a lado, que seguia ao norte por quinze metros antes de virar
noventa graus à direita. Havia quatro portas, igualmente distribuídas, na
parede esquerda e outras três na direita. Uma última porta ficava na extremidade,
diretamente oposta à entrada por onde os heróis haviam acabado de passar. Uma
nova provocação do pequenino revelou-lhes que ele não se encontrava em qualquer
daquelas salas.
_ Venham, seus insetos nojentos! Já estou farto de
esperar!
– gritou Flint. Sua voz vinha da continuação do corredor.
O grupo avançou,
seguindo pela passagem em velocidade espantosa. O túnel virava à direita
novamente após outros quinze metros. Outra porta, na extremidade leste,
ocultava mais perigos desconhecidos. O grupo estacou, logo após passarem diante
da porta, ao verem que o corredor terminava em trevas impenetráveis por suas
fontes de luz.
_ O que foi? Estão com medinho? Moscas! – provocou o
halfling. Sua voz vinha de logo depois da escuridão.
_ Maldito Flint! – rugiu Nailo. – Seus truques mágicos não vão mantê-lo seguro desta vez.
O Guardião invocou o
poder mágico de suas espadas gêmeas, que brilharam como a face de Azgher. Ele
avançou cautelosamente e mergulhou as lâminas na zona escura diante dele. A
escuridão encolheu, como que absorvida pelas Rosas Gêmeas, cujo brilho também
se apagava lentamente. Em um curto instante de tempo, a escuridão mágica se
dissipou e os heróis puderam finalmente ver seu inimigo.
Flint estava a poucos
metros de Nailo, armado com duas espadas de lâminas levemente curvadas. Poucos
metros atrás dele, o corredor terminava em uma pesada porta dupla e, diante
dela, havia uma criatura imensa, corpulenta, feita inteiramente de pedra. Era
um golem. De suas mãos rochosas emanava uma aura negra de morte. O monstro
começou a se mover lentamente na direção dos heróis. Flint Stone ergueu as
espadas e sorriu.
_ Enfim as moscas chegaram à teia. Hora da aranha se
banquetear! – falou
o pequeno.
_ Cale a boca, seu cotoco de tocha! Nós vamos acabar com
você!
– respondeu Legolas.
_ Nossa como ele está nervosinho. Fique calminho que logo,
logo essa raiva vai passar, Legolas. Vai passar desta para uma melhor – rebateu Flint.
_ Seu nanico de merda! – rugiu o arqueiro. – Eu vou arrancar seu coração e vou comê-lo na
sua frente, com você olhando antes de morrer.
_ VAI MORRER, ELFO! – gritou o halfling. Seus olhos
encheram-se de fúria e ele avançou a passos largos, surpreendendo a todos. Seus
pés diminutos moviam-se mais rapidamente que os de qualquer outro ali. Legolas
disparou uma flecha, que foi facilmente evitada por Flint. O inimigo deu um
pequeno salto para frente, rodopiando com graça no ar e esquivando-se do
disparo. Ele caiu diante de Nailo cortando seu ventre com rápidos e precisos
golpes e logo em seguida rodopiou no ar novamente, caindo diante de Orion. Sem
que o humano tivesse tempo de reagir, Flint deu uma cambalhota no ar, ao mesmo
tempo em que rasgava a perna a o braço de Orion e avançava na direção de
Legolas. Flint pousou suavemente no chão, de frente para o arqueiro. Estava
apoiado nas pontas dos pés, com o corpo esticado e os braços erguidos,
apontando as lâminas para o alto. Era como se ele dançasse enquanto golpeava,
enquanto matava. Seus olhos miraram os de Legolas por uma fração de tempo que
pareceu uma eternidade para o elfo.
_ Morra! – sussurrou Flint, antes de despejar uma
chuva de ataques sobre o inimigo. O halfling passou a girar ao redor de
Legolas, saltando, rodopiando, inclinando o corpo de forma ritmada e bela. O
Sangue do herói preenchia o ar, acompanhando o ritmo do bailarino. Flint
continuou sua dança mortal, afastando-se de Legolas e chegando até Anix, que
estava logo na entrada do corredor. Sorriu para o mago, enquanto rodopiava no
ar.
_ Agora é a sua vez! A aranha vai matar todas as moscas! – ameaçou.
Anix estava quase em
choque. Flint tinha passado por todos os seus amigos, atravessado o longo
corredor e chegado até ele num piscar de olhos. E para piorar as coisas, Nailo
e Orion estavam gravemente feridos. Já Legolas, jazia morto no chão frio da
catacumba. O mago comandou sua vassoura e subiu até ficar rente ao teto e fora
do alcance do inimigo.
_ Ah, está com medinho, mosquitinho ridículo? Não adianta
fugir, já vou pegar você, já, já! – Flint voltou à sua dança sanguinária, indo
em direção aos demais. Das sombras no chão surgiram dois vampiros de pele
dourada e atacaram Nailo e Orion. Os filhos de Guncha deixaram o humano caído
no chão à beira da morte, enquanto o elfo por pouco não perdeu a consciência
também. O golem dirigia-se lentamente aos dois heróis indefesos, pronto para
findar suas existências, enquanto os vampiros já buscavam por novas vítimas.
Mexkialroy avançou
pela passagem, cuspindo relâmpagos do alto sobre o halfling. Squall, Kátia,
Luskan, Carion e Rafael atacavam à distância, com magia e flechas, mas Flint
esquivava sem dificuldade de cada ataque. Sorrindo, como se brincasse com a
comida, pequenino avançou na direção dos aventureiros.
Em uma ação
desesperada, Nailo decidiu arriscar tudo. Cravou suas espadas no solo rochoso e
invocou seu poder.
_ Gammi gmafi! Terra, Trema!!! – gritou Nailo. E o
chão começou a tremer.
Toda a estrutura
profana do templo de Ashardalon começou a chacoalhar violentamente. Pedaços do
teto se desprenderam, paredes racharam. Com exceção de Nailo, agarrado ás suas
espadas, Anix e Mex que voavam, todos os outros caíram. Flint foi jogado ao
solo, caindo de costas no canto do corredor. Rogando maldições o pequenino
tentava em vão se levantar. Quando tudo se acalmou, os heróis tinham a chance
que precisavam.
Squall, ainda
deitado, criou um muro de energia invisível, prendendo o halfling no canto da
parede. Ao mesmo tempo, Lucano clamou por Glórienn, envolvendo os amigos em um
círculo de energia mágica e salvando Orion da morte certa.
_ Agrupem-se! – gritou Anix. – Vou tirar todos daqui!
Todos que estavam
mais atrás correram até onde Nailo estava. Mex mergulhou, pegando Legolas num
rasante e juntou-se aos demais. Todos se deram as mãos e Anix chegou do alto,
mergulhando em direção ao grupo, montado na vassoura mágica. Seus olhos
fechados, sua mente concentrada e seus lábios proferindo aos versos do feitiço.
Ao se tocarem, todos desapareceram da câmara. Puderem ainda ver com espanto o
halfling saltitando, batendo as pequeninas botas na rocha e na parede
invisível, ganhando cada vez mais altura, tentando saltar por cima dela.
Flint finalmente
saltou a muralha, pousando no chão sem provocar ruído. Guardou as espadas
lentamente, limpando o sangue antes de embainhá-las. Depois, olhou para os dois
vampiros.
_ É, parece que as moscas conseguiram fugir da teia – disse ele. – Mas não tem problema. Montem guarda dentro
da câmara do coração.
_ O que o senhor fará? – perguntou um dos genasis.
_ Vou caçar as moscas em seu ninho! Está será a última
noite deles neste mundo! – e, dizendo estas palavras, Flint caminhou cantarolando em
direção à saída da torre.
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