Anix despertou com
dor. Algo o golpeava no rosto. Ergueu o corpo com dificuldade, pronto para
atacar, quando viu que Yczar o acordava. Xingou o amigo pelos tapas no rosto e
olhou ao redor. Viu o corpo de Gulthias no chão, logo após ter despencado de
dentro do coração explodido, ser degolado por Orion. Levantou.
_ Depressa! Vocês tem que ir embora daqui o quanto antes – alertou Yczar.
_ Por que? – quis saber Anix.
_ Este lugar os corrompeu por demais – começou a explicar
o paladino. – Veja o estado em que vocês
estão. Se ficarem mais tempo aqui, com certeza morrerão. Além disso, olhe para
aquilo – Yczar apontou para o alto. Uma esfera negra flutuava, em chamas, e
pulsava. O coração estava se regenerando. Yczar apontou para Squall, no chão. O
dragão sufocava e tinha espasmos cada vez mais fortes a cada batida do coração
negro. – O coração está drenando as suas
forças. Vocês tem que ir embora, devem ficar afastados deste lugar antes que
seja tarde.
_ E quanto a você?
_ Eu ficarei aqui. Minha missão aqui ainda não terminou.
Vou purificar este lugar, expurgar o mal que o habita. Encontrarei vocês quando
for possível.
_ Não! Nós ficaremos para ajudar! – protestou Anix.
_ Impensável! Vocês devem primeiro cuidar de vocês. Veja
o estado de seus amigos – Anix olhou ao redor e viu como seus companheiros
estavam. Legolas, cego, era guiado por um dos cavaleiros. Nailo era
praticamente carregado. Orion guardava seu braço decepado na mochila, a carne
de seu ombro estava queimada numa tentativa precária de estancar a hemorragia.
Squall, desacordado, voltava a ser elfo após um dos soldados retirarem o anel
de seu dedo e era carregado para o andar inferior. Galanodel carregava o corpo
de Mexkialroy para fora. O paladino continuou: Vocês devem sair daqui e tratarem de seus ferimentos. Além disso, tem
outra missão a cumprir: devem localizar Teztal, descobrir para onde o maldito
foi. Ficarei aqui com os soldados e iremos expurgar o mal deste local. Tentarei
encontrar vocês depois disso.
_ Está certo. Mas fique com isto – Anix entregou a
Yczar um medalhão em forma de pena. – Você
sabe como usá-lo. O pássaro nos encontrará.
_ Está bem! Agora parta, meu amigo. E que Khalmyr guie
seus passos.
Yczar e Anix se
despediram. Dois soldados vieram ajudar o elfo a caminhar. Estava enfraquecido
e sua cabeça doía muito. Seu corpo continuava negro e os olhos estavam
fechados. Antes de sair, voou com a vassoura, e notou que necessitava de um
tremendo esforço para controla-la. Colocou o pequeno coração dentro de um
frasco de vidro e tentou movê-lo, mas não conseguiu. Desistindo, o mago desceu,
extremamente exausto. Anix deixou o salão, ajudado pelos cavaleiros. Caminharam
pelos corredores escuros das catacumbas e subiram de volta à torre,
atravessando a saída aberta por Guilterpin. Batloc liderava o pelotão, sempre
atento com seu poderoso machado em punho, até que finalmente chegaram ao lado
de fora.
_ Amigos, aqui me despeço de vocês novamente – disse o genasi. – Retornarei para junto de Yczar. Ele
precisará de todo o poder divino que dispuser para destruir este local impuro –
Batloc se despediu rapidamente dos amigos e retornou para o interior da
torre. Um a um, os soldados repetiam os passos do genasi. Deixavam os objetos
dos companheiros aos seus pés, se despediam e partiam. Por fim, quatro soldados
depositaram o corpo de Gulthias no chão e partiram. O céu estava nublado, mas a
fraca luminosidade que atravessava as nuvens foi suficiente para dissolver o
corpo do vampiro lentamente, até ele se transformar numa nuvem de fumaça que se
dissipou com o vento. Então, foi a vez de Lucano se despedir.
_ Amigos, é hora de nos separarmos – disse o clérigo. – O mal deste lugar nos afetou e está matando
o Squall agora. Batloc está certo. Yczar precisará de todo o poder divino
disponível e eu tenho que ajudar a parar isto antes que seja tarde. Fujam para
longe da torre e protejam-se. E encontrem as jóias das almas o mais depressa
possível, elas não podem ficar nas mãos de Teztal. Eu voltarei a me reunir com
vocês tão logo seja possível. Adeus! – com lágrimas nos olhos, Lucano se
virou e partiu escuridão adentro.
_ Nós também ficaremos – anunciou Luskan. – O poder de Kátia também será útil agora. E
nós não a abandonaremos, é nossa companheira. Adeus amigos e até breve. E foi
uma honra trabalhar ao seu lado, Nailo. – os quatro jovens aventureiros
correram para dentro da espiral. Restava apenas o anão.
_ Bem, é óbvio que eles vão precisar de poder arcano
também. Então também ficarei. Protejam-se, amigos, e nos veremos em breve – disse Guiltespin,
com um sorriso. - Ah! Isto aqui estava na
bancada do da torre, deve pertencer ao vampiro. Fique com você, Anix. Poderá
ser útil – o anão entregou ao elfo dois tomos. Um de capa de couro negro,
dentro do qual Anix viu várias inscrições em idioma arcano. Era um grimório,
provavelmente de Gulthias ou de Zulil. O outro livro, de capa marrom com
detalhes que faziam o couro parecer pedra, tinha em seu interior diversas
figuras e escritos ensinando como montar uma criatura de pedra. Era um manual
completo com instruções para se fabricar um golem de pedra. Guiltespin girou
nos calcanhares e deu um passo, mas voltou imediatamente. – Ah! Quase esqueço. Vocês estão fracos e se precisarem de ajuda na
floresta, basta chamem por khashiyrk
e ela os ajudará – Guiltespin entregou a Anix uma pequena estátua de marfim
em formato de grifo. Despediu-se de todos e partiu.
Orion e Nailo já
tinham recolhido os pertences de Gulthias do chão que, agora que sua morte era
definitiva, tinham finalmente se desprendido dele. Sem mais demora, o grupo
partiu, indo em direção à rampa que conduzia para fora do vale. Anix sentia-se
fraco e não conseguia usar sua magia. Com muita dificuldade era capaz de ativar
o poder mágico de seu cajado e comandar a vassoura voadora, mas nada além
disso. Nailo guiava Legolas e se apoiava nele. Orion carregava Squall no ombro,
calado. E Galanodel carregava o corpo do dragão azul, voando baixo ao lado dos
amigos. A caminhada até a rampa demorou um longo tempo. Quando chegaram até
ela, Squall despertou e pode caminhar, embora tivesse que ser ajudado por
Orion. O feiticeiro sentia seu corpo dolorido e respirava com dificuldade, sua
mente estava confusa.
A subida foi ainda
mais dura. Contornavam com dificuldade as pedras que se espalhavam pelo caminho
e o céu voltou a ameaçá-los com trovões e relâmpagos. Quando finalmente
chegaram perto do topo da rampa, um vulto surgiu rápido, vindo da floresta na
direção do grupo. Anix reagiu rápido e com grande esforço usou o poder de seu
cajado. Cuspiu uma baforada de fogo, obrigando o inimigo a deter sua carreira
antes deles. Quando as chamas se dissiparam, puderam ver quem se aproximara.
Era uma criatura
enorme. Tinha três metros de altura e mais de seis de comprimento. Seu corpo
era protegido por uma couraça de escamas e por saliências ósseas pontiagudas.
Sua cabeça era envolta por uma coroa óssea cheia de pequenos espinhos ósseos. A
criatura estava parada, diante deles, observando-os, apontando-lhes três
enormes chifres que saiam de sua cabeça, como se os ameaçasse ou se se
protegesse de um novo ataque.
_ Não ataquem – Nailo tomou a dianteira, encarando o dinossauro
tentando não mostrar hostilidade. Tirou as espadas de suas bainhas e as
depositou no chão em sinal de paz. Olhou para o animal, um enorme tricerátops e
usou o dom de Allihanna para falar com ele. – Somos amigos! Não queremos fazer mal. O que você quer com a gente? Só
queremos passar. - A fera continuava a observar, sem nada responder, embora
Nailo tivesse certeza de que fora entendido.
Então outro vulto
surgiu do meio das árvores, ainda mais veloz que o dinossauro, e saltou sobre
as costas dele. Era um grande lobo, negro como a noite, de olhos prateados como
se fosse feitos de prata líquida. O animal farejou o ar, como se cheirasse o
grupo. Tinha os pelos eriçados, as orelhas esticadas para trás, estava
totalmente tenso. Começou a rosnar e a encarar cada um deles lentamente, como
se os medisse de cima abaixo. Depois ergueu a cabeça para o alto e deu um longo
e profundo uivo. O som do animal podia ser ouvido a quilômetros, pensavam os
heróis. Não era um som comum de um animal caçando ou chamando seus
companheiros, ou mesmo prestando homenagem à lua. Era algo triste, um lamento
em forma de uivo, como se o lobo, sensibilizado pelo estado lastimável dos
aventureiros, chorasse por sua desgraça. O animal se virou e saltou do dorso do
dinossauro e pousou suavemente no chão da mata. Depois olhou para trás, como se
chamasse os heróis e correu para dentro da floresta. O tricerátops o acompanhou
em seguida.
_ Acho que eles querem que nós os sigamos – sussurrou Nailo,
exausto.
_ Você acha que é seguro? – perguntou Anix.
_ Não tenho certeza, mas acho que sim. Se quisessem nos
atacar, eles já o teriam feito. Só o que posso dizer é que isto é muito
estranho.
_ Vamos segui-los então, e descobrir o que está se
passando. - Disse
Anix. Lentamente todos deixaram a rampa, seguindo os dois. Uma pesada chuva
começou a cair, como se os próprios deuses pranteassem o infortúnio dos heróis.
O grupo caminhou por
quilômetros, seguindo o lobo e o dinossauro. Nailo tentava se comunicar com os
dois, mas não tinha resposta alguma. Os animais pareciam não querer conversar
com ele. Fora isso, nenhuma palavra era dita. Apenas o som dos passos e da
respiração forçada dos aventureiros podia ser ouvido na mata em meio à chuva. Depois
de um longo tempo, avistaram uma clareira. Nela, no topo de uma pequena colina
ficava um círculo de pedras gigantescas, semelhante àquele em que tinham
conversado com Marah e Lena.
O lobo entrou no círculo
e se deitou ao lado do monólito central, observando os heróis, como se
esperasse que os seguissem. O dinossauro o acompanhou e deitou mais atrás. Um a
um os combatentes entraram no círculo e se entregaram ao cansaço. Todos se
deitaram na relva verdejante que crescia na colina. Nailo tentou se aproximar
do lobo, para afagar seu pelo, mas o animal recuou rosnando e se afastou. O
ranger encostou seu corpo no monólito e, tal qual seus amigos, adormeceu.
Despertaram tempos
depois, sem ter noção de quanto tempo tinham ficado desacordados. Uma música
suave ecoava pela mata, como uma prece, trazendo consolo aos seus corações e espíritos
atormentados. No centro da clareira, frutas frescas e água jaziam sobre a grama,
um verdadeiro banquete apetitoso. Sem pestanejar, os heróis combalidos
lançaram-se sobre a comida, gratos por aquela bênção.
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