Um som ensurdecedor
ecoava pelas ruas de Triunphus. Cornetas soavam por todos os lados, anunciando o
perigo, gritos se juntavam a elas, produzindo uma cacofonia caótica. Pessoas corriam
de um lado para outro em pânico, tentando se abrigar, buscando a salvação. Entre
seus gritos histéricos de desespero apenas uma palavra podia ser entendida: Moóck!
_ Moóck! Moóck! – gritavam os moradores assustados. Ao lado
de Nailo, o lobo negro eriçou os pelos de seu corpo, como se pressentisse a
tragédia. Nailo, bem como o restante de seus amigos, não entendia o que
acontecia. Mas a resposta para sua dúvida surgiu logo, vinda dos céus em uma
gigantesca forma alada. O Moóck de Triunphus atacava.
Vindo da cordilheira
ao norte da cidade, um colossal pássaro vermelho voava em grande velocidade. Abriu
suas asas, tão grandes quanto a igreja de Thyatis, e planou sobre as construções
abaixo dele. Suas duas cabeças se agitaram, seus bicos emitindo um som
estridente que revelava o porquê de seu nome.
_ Moóck! – gritou o pássaro. As ruas tremeram com seu
pio ensurdecedor e o rufar de suas asas. Suas duas caudas com forma de serpente
se moveram, chicoteando o ar e seus bicos se abriram, cuspindo duas esferas de
chamas sobre a cidade. As bolas de fogo explodiram, destruindo casas e
lançando, além das chamas, escombros sobre os cidadãos que tentavam se
proteger. O imenso animal avançou, cuspindo mais fogo e entulho sobre a cidade,
destruindo construções, ceifando vidas e espalhando o caos.
Em pouco tempo as
ruas se tornaram desertas, somente o grupo de aventureiros permanecia na
avenida que levava à praça comercial. Sobre a cidade a cavalaria de grifos se
movimentava, tentando expulsar o Moóck com seus ataques ineficazes. Sentindo o
perigo, Legolas agarrou o braço de Nailo e falou:
_ Nailo, leve-me até um lugar seguro! - o velho conduziu o
amigo cego até o interior de uma loja próxima. Lá, Legolas pediu: Agora, leve-me até a porta e direcione meu arco
para o inimigo. Depois volte aqui para dentro e se abrigue, amigo.
Do lado de fora,
Orion já saltava nas costas de Galanodel, inconsequente como sempre, de espada
em punho. Os dois voaram até ficarem cara a cara com o imenso inimigo. A
desproporção era gritante, era como se Orion lutasse sozinho contra um castelo.
Flechas voavam do alto em direção ao pássaro, tentando obrigá-lo a recuar. Orion
e Galanodel, vendo a ineficácia da guarda da cidade, continuaram a voar em
direção ao inimigo. Mas, antes de chegar à distância de ataque, Orion foi
atingido por uma violenta bicada da cabeça direita do animal, que destruiu
parte de sua armadura e quase o derrubou de sua montaria alada. O guerreiro se
agarrou às penas com dificuldade, já que tinha apenas um braço para lutar e se
segurar.
_ Soul Eater! – gritou Orion. Esta alma está boa para você?
_ SIM! – gritou a espada em resposta.
O guerreiro se aproximou
mais do inimigo. Galanodel tremia, mas mesmo assim não abandonava seu amigo e
continuava avançando contra o adversário.
Creio que chegou o momento de eu me revelar – pensou Yule. – Minha Senhora tinha razão, eles precisam de
muita ajuda. Cinco minutos nesta cidade e já estão em perigo. Por Allihanna,
como eu gostaria de não ter vindo a este lugar. Preciso fazer alguma coisa rápido
para salvá-los – olhou em volta e viu a situação dos seus protegidos: um
cego, outro velho, um dragão morto. – Allihanna,
dai-me sua força!
No chão, uma nuvem
densa e gélida surgiu ao redor de onde estavam Squall e os outros, envolvendo-os
e protegendo-os. – Legolas – pensou Anix,
que observava a cena do alto. Seus amigos estariam a salvo dentro da nevasca,
abrigados contra o fogo e os estilhaços.
_ Grande Senhora, mãe dos animais e plantas. Sua filha pede
seu auxílio nesta hora de necessidade – Yule orava com fervor, oculta dentro da névoa
que criara. Esperava que a Deusa mais uma vez entrasse em contato com ela como
fizera antes quando pedira que Yule fosse ao encontro dos elfos e do humano. Para
sua felicidade, sua prece foi atendida.
_ Diga minha filha – a voz de Allihanna preencheu a mente de
Yule, como de uma floresta inteira se manifestasse, mas de forma suave e
acalentadora. – Do que precisa, criança?
_ Senhora, peço que impeça este ataque. Fale com o senhor
desta criatura e peça a ele que ordene a retirada de sua cria.
_ Isto é algo que está além do meu alcance, menina. Não
tenho poderes para intervir nisto. Mas ao menos falarei com a Fênix e pedirei a
ele que interceda. Enquanto isto, tente manter todos vivos.
_ Sim, minha senhora – concordou Yule, fazendo uma reverência
mental. Sentiu a presença divina se distanciando de sua mente. Saiu do transe e
voltou a ouvir o som da batalha. – Agora,
salvar aquele humano tolo! – decidiu por fim.
No alto, Orion
golpeava com sua espada negra com ferocidade. O som do impacto de cada golpe
era como o bater de um martelo em um gongo. Ainda assim, o pássaro parecia não
sofrer qualquer dano e continuava planando sobre o céu de Triunphus, agitando
suas asas de forma destruidora, arrancando pedaços da cidade com o vento
gerado. O pássaro revidou, desferindo poderosas bicadas e coices contra o
humano. Partes da armadura negra despencaram no solo, junto com uma torrente de
sangue. Orion não sentia dor alguma, mas era capaz de ver e compreender o seu
estado. A lateral de seu corpo estava rasgada, ferida pelas poderosas garras do
Moóck, e quem o observasse do solo podia ver seus órgãos pulsando dentro de seu
corpo, enquanto ele se mexia para atacar e se defender.
Legolas apareceu na
porta da loja, guiado por Nailo. O ranger se espantou ao ver que tudo estava
coberto por uma densa névoa. Não conseguia enxergar seus amigos, nem mesmo o Moóck.
_ Nesta direção, uns quarenta metros adiante – gemeu Nailo,
posicionando o arco de Legolas no meio da bruma. O arqueiro agradeceu e
disparou uma saraivada. As flechas saltaram da bruma, rasgando o céu como
cometas ascendentes. Três delas colidiram contra o peito do monstro e
explodiram em gelo. O Moóck pareceu não se abalar diante do ataque.
Voando um pouco mais
atrás, Anix olhou com preocupação para os amigos e viu Próximo dali viu
Galarden observando o combate distraidamente, vulnerável a uma estranha mulher
que se aproximava dele de forma furtiva, com uma espada nas mãos.
_ Galarden, cuidado! – aviou Anix. O elfo e a mulher
começaram um acirrado combate nas ruas, ignorando a ameaça maior que pairava no
céu. Anix nada viu disto, pois fechou os olhos, enquanto ganhava altura montado
em sua vassoura, e começou uma conjuração. De sua mão voaram duas pequenas
esferas brilhantes e em grande velocidade. Os orbes se chocaram contra o Moóck,
gerando duas explosões estrondosas. Chamas gélidas se espalharam pelo corpo do
animal, envolvendo-o por completo e causando-lhe ferimentos em diversos lugares.
O monstro emitiu um grito de dor ante o ataque. Mesmo assim, a fera alada avançou
sobre o diminuto alvo em sua frente e continuou atacando-o.
Mais sangue choveu sobre
a cidade, junto com pedaços do corpo de Orion. Suas vísceras ficaram
dependuradas, pendendo de sua barriga rasgada. O humano revidou, abrindo um
grande talho na garganta da criatura, que para ela não passava de um pequeno
arranhão.
Diliel estava
espantada. Pega de surpresa pelo ataque repentino do monstro, não se abrigara. Estava
espantada. Já testemunhara diversas vezes os efeitos dos ataques do Moóck, mas
aquela era a primeira vez que presenciava de tão perto a fúria do animal. Mas outra
coisa a espantava: o grupo que avistara ao sair para as ruas enfrentava o pássaro.
Ou eram poderosos demais, ou loucos. Diliel viu ao redor deles uma nuvem de
neve e gelo surgindo magicamente e pensou ser um ótimo abrigo, além de uma boa
oportunidade para se aproximar daquele exótico grupo. Sem hesitar, ela saltou
dentro da névoa e, invocando o nome de Thyatis, lançou sobre o Moóck sua magia
mais poderosa em auxílio aos insanos combatentes.
Do alto, Anix viu uma
mulher, vestida com uma armadura metálica, saltando dentro da proteção que
julgava ter sido criada por seu amigo. Segundos depois, viu o Moóck curvar seu
corpo, como se sentisse alguma dor, e depois abrir as asas e continuar a atacar
Orion. – Alguém tentou feri-lo com magia,
mas não conseguiu – pensou ele. Viu a misteriosa mulher que atacara
Galarden procurando-o após ele desaparecer nas sombras. E viu também quando seu
irmão surgiu de dentro da névoa, voando em direção ao inimigo.
Squall colocou o
corpo de Mexkialroy no chão cuidadosamente e lançou-se ao ar, batendo as asas
com força. Deixou a bruma para trás, abrindo um buraco em sua passagem. Usou
seus poderes mágicos e fez surgir cinco cópias mágicas de si mesmo. Lado a
lado, os seis Squalls se colocaram diante do Moóck, desafiando-o para dar tempo
a Orion de escapar. O imenso pássaro se distraiu por um instante, confuso com
tantos inimigos à sua volta. Nunca antes ele havia sido desafiado daquela
forma. Legolas usou seu poder para criar uma parede de gelo, ligando dois prédios
um no outro, de forma a protegê-los como um escudo. No chão, vendo a cena através
do buraco criado por Squall na névoa, Yule percebeu que era chegada a hora de
agir.
_ Chegou o momento de eu me revelar. Que Allihanna me
guie – sussurrou
Yule baixinho. Seu focinho se moveu, murmurando uma prece curta e ela retornou à
sua forma original: uma linda mulher cuja aparência mesclava características élficas
e dracônica. Seus cabelos eram longos e negros como a noite, seus olhos eram
como prata líquida, sua pele alva e macia era coberta por uma túnica vermelho
sangue e protegida por uma armadura feita de escamas de dragão vermelho. Adereços
diversos, todos de origem dracônica, adornavam seu belo corpo e em sua pontuda orelha
direita, um delicado brinco em forma de guizo tilintava suavemente. Yule se
concentrou e fez surgirem suas asas que estavam magicamente escondidas. Elas se
expandiram, refletindo a luz do sol num brilho prateado. Ela saltou, batendo as
asas e serpenteando sua cauda prateada, ganhando altura. Em uma fração de
segundo, suas mãos já alcançavam o humano cuja vida se esvaia diante do Moóck.
_ Orion, cuidado! – Gritou Anix ao ver a estranha, porém bela,
criatura sair da névoa e avançar contra o amigo. Squall a viu passando ao seu
lado e lançando as mãos de garras afiadas sobre o guerreiro. Sem hesitar, o
Vermelho a atacou. Os seis dragões vermelhos, o real e suas cópias ilusórias,
abocanharam o ombro da mulher com violência.
Yule sentiu seu corpo
sendo rasgado. A dor era profunda, mas também prazerosa. Havia muito tempo que
não sentia aquilo, o calor da batalha em suas veias. Porém, não era momento
para se divertir, ela tinha uma missão urgente. Yule agarrou o humano, que
tentou resistir ao seu delicado, porém forte, abraço, e o puxou para trás. Apoiou
o pé nas costas da coruja, tomando impulso, e abriu as asas, usando-as como
velas ao aproveitar a força do vento criado pelo bater de asas do Moóck. Yule
se afastou rapidamente do inimigo, carregando Orion consigo ao mesmo tempo em
que cuspia uma rajada congelante contra o animal monstruoso, ferindo-o no peito.
Mas então, uma voz invadiu sua mente. Ela tentou resistir, mas o poder
investido contra ela era muito grande e ela foi forçada a obedecer.
_ Desça meu amigo devagar até o chão – ordenava Anix
mentalmente, usando seus poderes mágicos para controlar as ações de Yule. Enquanto
não a agredisse, ela estaria à sua mercê.
Sem opção e seguindo
aquilo que já era sua intenção, Yule foi descendo em direção ao chão. Em sua
descida, ela ouviu novamente em sua mente uma voz cálida, elevando-se acima da
voz do elfo, como o rugido de uma centena de animais.
Está feito, criança! O Moóck irá embora! – disse Allihanna. Yule
comemorou em silêncio, mas sua alegria durou pouco.
O Moóck começou a se
afastar, como se desistisse do combate. O pássaro bateu suas asas, criando um
vendaval poderoso e recuou quase cem metros. Suas duas cabeças se juntaram,
abrindo os bicos simultaneamente. Duas bolas de fogo foram cuspidas na direção
dos heróis, juntando-se em uma única e devastadora esfera de chamas. A bola
explodiu de forma devastadora, derrubando casas, matando cidadãos e atingindo
Yule, Orion, Galanodel e Squall. O Vermelho nada sofreu com o ataque, permanecendo
imóvel enquanto as chamas se espalhavam ao seu redor lhe causando prazer. Yule
tentou defender o corpo de Orion com suas asas, mas não foi rápida o bastante. O
fogo os envolveu, queimando seus corpos furiosamente. Ela agarrou Orion com força,
vendo-o tornar-se uma massa carbonizada diante de seus olhos. Assistiu também
impotente à morte de Galanodel, que se precipitou rumo ao chão como uma bola
preta de carvão após ser fulminada pelo ataque do Moóck. O pássaro bateu
novamente as asas, afastando-se mais e mais, e a cada recuo que dava, mais fogo
ele cuspia sobre a cidade. Parte de Triunphus foi destruída e um grande incêndio
se espalhou pela parte mais velha da cidade, tirando tudo daqueles que nada
tinham.
Yule finalmente tocou
o chão suavemente. Ao seu lado Anix já pousava também, ordenando-a que soltasse
o corpo carbonizado de Orion. Distante no horizonte, o Moóck finalmente
desaparecia na cordilheira que levava seu nome, onde aguardaria até que sua fúria
novamente despertasse. Mais uma vez o pássaro fracassara em seu intento.
· · · · · ·
Enquanto as pessoas
comuns se escondiam e seus companheiros de viagem enfrentavam o Moóck, Galarden
se deparava com um desafio inesperado. Uma nuvem de gás sufocante se formou ao
seu redor, cegando-o e envenenando-o. O elfo correu, afastando-se daquela névoa
esverdeada que tentava matá-lo, procurando com os olhos quem era o causador
daquilo. Sem encontrar o inimigo, ele saltou na sombra de uma casa próxima onde
se escondeu e desapareceu da vista do inimigo, graças à sua capa mágica.
Enuma praguejou ao
ver o oponente escapar de eu truque mágico. Pegou a espada e foi procurá-lo. O
Morcego pagaria por sua traição e seria morto por suas mãos. Ela seguiu os
passos do homem que caçava e começou a tatear em busca de seu alvo. Dobrou a
esquina, esgueirando-se entre caixotes e barracas destruídas pelo desespero das
pessoas em fuga, então sua mão tocou em algo macio. Ela olhou e viu que tocava
o peito do inimigo, que estava encostado na parede. Estranhou não tê-lo visto
antes ali, mas, como notou que ele não reagira à sua presença, atacou-o com sua
espada.
Galarden conseguiu se
esquivar da misteriosa mulher que trombara com ele. Achava tratar-se de um morador
em fuga, mas percebeu o engano ao ter que escapar do ataque de sua espada. Sem
hesitar, ele apanhou o arco mágico e a atacou com suas flechas.
Enuma foi sendo pouco
a pouco vencida pelo adversário, que lutava de forma desonrada. Se fosse
realmente um membro da ordem, por que ele não usava as técnicas que aprendera lá?
Ao invés disso ele cravava flechas em, seu peito, que coruscavam no impacto e
lhe causavam potentes choques elétricos. Enuma revidava com sua espada, sem
conseguir ferir o homem com gravidade. Sentindo que perderia se continuasse a
lutar daquela forma, Enuma recuou e parou em meditação, canalizando a energia
de seu corpo para fechar os ferimentos que recebera. O homem mostrou-se
realmente desonrado, um traidor dos fundamentos da Sociedade da Lua Crescente, já
que continuou atacando-a, mesmo enquanto ela estava em estado de transe.
Enuma foi ao chão,
inconsciente, vítima das flechas de Galarden. O elfo notou que ela ainda
respirava e, mesmo sem entender porque fora atacado, não teve clemência. Foi até
ela, apanhou uma flecha na aljava e espetou a garganta de Enuma. Exausto,
recostou-se na parede e sentou para recuperar o fôlego enquanto tentava
localizar seus companheiros de viagem.
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