novembro 17, 2012

Capítulo 391 – Triunphus


No início da manhã do dia dezenove os viajantes avistaram uma floresta mais densa, para onde conduzia a estrada em que estavam. Agora com a luz do sol sobre suas cabeças, podiam ver detalhes da paisagem até então ocultos de seus olhos. Havia uma enorme cordilheira de picos escarpados ao norte da floresta e a noroeste existia uma gigantesca montanha que se erguia quilômetros acima do solo até ultrapassar as nuvens, seu pico era nevado e o topo não podia ser visto, pois estava oculto entre as nuvens. Continuaram a jornada, atravessando a mata. O sol já se aproximava da metade do céu, quando chegaram ao centro da floresta. A estrada se abria numa gigantesca clareira de vários quilômetros de extensão. Erguendo-se no centro da clareira havia uma colina baixa e verdejante e encravada nela uma enorme cidade murada. A muralha erguia-se a mais de vinte metros do solo e seis torres circulares se elevavam mais seis metros rumo ao céu, igualmente dispostas de modo a formar um colossal hexágono de pedras. Era possível ver outra muralha dentro da cidade, que protegia um grande e luxuoso palácio. Suas torres eram ainda mais altas, atingindo facilmente os trinta metros de altitude. Internamente, no porão leste da cidade, havia uma torre ainda mais alta, de topo abobadado no formato de uma gota d’água que refletia a luz do sol de forma ofuscante. À medida que se aproximavam, podiam distinguir mais e mais detalhes. Havia dezenas de soldados circulando no topo da muralha, muitos deles em prontidão, com seus arcos apontando para fora por trás das ameias. Outros soldados guardavam o portão de entrada, que ficava no centro da porção sul da muralha, abordando cada pessoa que tentasse entrar, interrogando-os e revistando seus pertences quando conveniente. Uma cavalaria alada chamava a atenção de todos, vários grifos circundavam a poderosa metrópole, comandados por seus cavaleiros atentos. Finalmente, após a longa caminhada, o grupo chegou diante da entrada de Triunphus. Aguardaram na fila até a sua vez de serem entrevistados, quando foram abordados por dois soldados fortemente armadados.

_ Soldado, boa tarde! – cumprimentou Anix.
_ Quem são vocês e o que vieram fazer em Triunphus? – devolveu um dos guardas, com frieza.
_ Sou o sargento Anix, do exército de Tollon. Temos assuntos a tratar na cidade.
_ Que tipo de assuntos? O que desejam fazer aqui? – insistiu o homem.
_ Assuntos particulares, a mando do capitão Lars Sween!
_ Deixe que eu cuido disso, sargento – adiantou-se Legolas, sorridente. – Viemos em busca de ajuda para alguns amigos nossos.
_ Capitão quem? – perguntou o soldado, ignorando totalmente Legolas.
_ Lars Sween! – respondeu o mago.
_ Não conheço ninguém com este nome – o soldado deu de ombros.
_ Pois deveria, é um ótimo capitão – rebateu Anix.
_ Bom, não importa. Quanto tempo ficarão aqui em Triunphus?
_ O mínimo possível. Viemos apenas procurar uma coisa aqui e sairemos assim que a encontrarmos.
_ E estes animais? Eles entrarão com vocês?
_ Não são animais, são companheiros – respondeu Anix, começando a ficar irritado.
_ Não perguntei o que são, perguntei se eles entrarão com vocês.
_ Sim – respondeu Anix baixando a voz.
_ Tudo bem, passagem liberada. Mas não se metam em confusão aqui. Saibam que estaremos de olho em vocês – avisou o homem, olhando com desaprovação para o dinossauro, o lobo, a coruja e o dragão que faziam parte da comitiva.
O grupo seguiu calado, atravessando os pesados portões que davam acesso à cidade. Lá dentro as ruas fervilhavam. Centenas de pessoas iam e vinham cuidando de seus afazeres, iniciando o dia de trabalho. Carregavam carroças com bens de um lado para outro, negociando seus produtos e serviços. As casas ao redor eram todas feitas de pedra e exibiam certo requinte. Eram todas muito bem acabadas e conservadas, revelando a condição social favorecida dos seus donos. Adiante, a muitos metros de distância, estava a muralha interna, uma versão menor de sua contraparte externa. Além dela era possível ver um luxuoso palácio, sede do governo da cidade. À direita era visível a gigantesca torre que tinham visto da estrada. Era feita de mármore branco e se destacava das demais construções por sua beleza. Erguia-se a partir de uma enorme mansão, também construída do mesmo material, com quatro torres pequenas de cúpulas abobadas e com uma redoma em forma de gota cobrindo o teto do palacete. Por todos os lados havia comércio. Lojas e barraquinhas dividiam espaço, tornando as ruas apertadas. Os estabelecimentos aumentavam em número à medida que se caminhava para o oeste onde podia se ver uma grande praça comercial tomada de barracas e inundada por um mar de pessoas barulhentas. Próxima à praça mercante havia uma igreja, um prédio retangular de telhado agudo, rodeado por altas torres, se elevava acima das casas e lojas. Sobre o telhado, diante da fachada da igreja, havia uma monstruosa estátua de um pássaro com as asas abertas, uma fênix, revelando tratar-se do templo de Thyatis, o Deus da ressurreição e profecia. E muito além da praça comercial havia um bairro de aparência antiga, todo povoado por casebres de madeira amontoados desordenadamente na porção noroeste da cidade.
_ Bem, estamos em Triunphus, afinal. Agora só nos resta encontrar a tal vidente que Sam nos falou – disse Anix.
_ Melhor nos separarmos, não acha? – perguntou Orion.
_ Acho que tem razão. Eu vou pela direita e você pela esquerda. Nailo fica aqui e toma conta dos nossos animais e de Legolas. Tudo bem, Nailo?
_ Sim – respondeu o elfo envelhecido, com dificuldade.
_ E você, Galarden? – indagou Legolas. – Já está entregue. Você queria vir a Triunphus conosco e já está aqui. O que pretende fazer agora?
_ Bem, não tenho compromissos aqui, apenas vim conhecer o lugar. Sendo assim, vou ajudá-los por enquanto a procurar essa tal vidente.
Tudo acordado, o grupo começou a se separar. Orion começou a caminhar com Galanodel rumo à praça de comércio. Galarden seguia em direção parecida, mas afastando-se pouco a pouco em direção ao templo. Anix virou e começou a rumar para o leste, onde o palacete de mármore fulgurava absoluto. Foi então que o alarme soou.

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Diliel Falácia se levantou naquela manhã ensolarada, olhando pela janela do alojamento do templo de Thyatis. O sol estava quente naquele dia, estranhamente quente. Diliel sabia que aquilo era um mau augúrio. Tentou tirar a preocupação da cabeça e foi começar o seu dia. Ela se lavou, fez o desjejum e foi cuidar de seus afazeres. Fez suas orações diárias, pediu ao Deus da ressurreição que lhe emprestasse seu poder divino para que ela o utilizasse para ajudar as pessoas da cidade. Viver como uma clériga não era algo difícil em Triunphus. Diliel ajudava as pessoas necessitadas, auxiliava na limpeza e manutenção do templo, treinava combate e magia e, vez ou outra, ajudava algum recém-ressuscitado a encontrar o rumo quando este retornava do mundo dos mortos. Porém, a rotina a desanimava. Passara a maior parte da vida ali, fazendo as mesmas coisas todos os dias sempre. Só quando o Moóck aparecia é que as coisas ficavam um pouco mais movimentadas, mas mesmo as aparições do flagelo de Triunphus já tinham se tornado rotineiras para ela. Diliel era uma mulher jovem, mas já alcançara grande poder e perícia nos anos em que passara servindo e treinando no templo. Ela desejava mais. Queria medir a extensão de seus poderes, testar seu valor. Mas se sentia presa ali, sem uma esperança de mudança, e Thyatis gostava de renovação, então as coisas deveriam mudar algum dia. Ao menos era o que ela desejava.
Após comer e orar, Diliel pegou suas coisas para sair. Naquele dia em especial decidiu levar todo seu equipamento, como se pressentisse que algo ruim estava para acontecer. Assim, saiu às ruas de armas em punho e armadura completa, como se fosse para a guerra. Porém, iria apenas até a parte velha da cidade, tratar das pessoas doentes e pobres, que viviam em condições sub-humanas, maltratados e explorados guildas criminosas que dominavam a metrópole às escuras. Passar o dia ministrando curas e dando conselhos, nada além de sua velha e tediosa rotina, era o que ela imaginava que iria fazer naquele dia. Porém, ao sair para as ruas, Diliel notou que algo estava diferente na cidade. Não muito longe dali, perto do portão sul, ela avistou algo incomum. Um elfo muito velho caminhava a passos lentos e alquebrados, acompanhado de um lobo negro cujo pelo brilhava sob a luz do sol. Junto a eles estava um animal estranho e volumoso, cheio de escamas e chifres pontudos, algo que ela só havia ouvido nos contos dos bardos das tavernas de Triunphus: um dinossauro. E não era só isto, pois um dragão vermelho, do tamanho de uma casa pequena, caminhava ao lado do velho, conversando com ele, enquanto carregava em suas costas outro dragão menor, de cor azul, que parecia dormir tranquilamente.
Diliel parou confusa enquanto observava àquela cena curiosa. Deu um meio sorriso e virou-se para ir à parte velha da cidade, cuidar de sua própria vida. Foi quando as trombetas tocaram.
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Enuma Elishmoon tivera uma vida difícil, recheada de tragédias e tristezas. Desde muito nova fora abandonada, junto com a mãe, por seu pai. Sua mãe se esforçava para dar uma boa vida à filha e fizera um ótimo trabalho, suprindo com mérito a ausência do pai. Apesar das dificuldades, Enuma era uma garota alegre. Um dia, porém, a alegria foi substituída pelo sofrimento. Homens invadiram sua casa à procura de seu há muito desaparecido pai e mataram sua mãe diante de seus olhos. Enuma fugiu e se escondeu por dias, até ser encontrada por um misterioso homem que a adotou como pupila. O homem cuidava de Enuma e ensinou-a a lutar para se proteger. Ele a ensinou uma maneira peculiar de combate desarmado. Ela aprendia coisas estranhas como canalização de energia espiritual e formas incomuns de fortalecer o corpo além dos limites humanos. Pouco a pouco seu corpo foi se tornando quase tão forte quanto o aço e sua mente tão perspicaz quando a de uma raposa.
Anos se passaram e novamente o sofrimento bateu à porta da garota. Homens invadiram sua nova casa e atacaram seu mestre, acusando-o de assassinato. O homem foi ferido de maneira fatal e, enfurecida, Enuma atacou-os de mãos limpas, usando seus poderes e matando-os um a um. Em seu leito de morte, o mestre de Enuma revelou ser na verdade o seu pai desaparecido. Ele lhe entregou um pergaminho e a instruiu a procurar por um homem chamado Rajar, em um vilarejo escondido no meio das Montanhas Sanguinárias. Assim, Enuma enterrou seu pai e partiu em busca de seu destino. Escalou as Sanguinárias e vagou por muito tempo até conseguir encontrar a tal Vila das Sombras. Lá encontrou o tal Rajar e lhe entregou a mensagem de seu pai. Rajar, vendo o papiro, sabia que aquilo era o sinal que esperava há muito tempo. Assim ele adotou Enuma, tornando-a sua aprendiz. Rajar comandava um pequeno exército de homens que, assim como ele, tinham olhos pequenos e puxados e se autodenominavam os Ninja da Lua Crescente. Assim Enuma passou a fazer parte de uma misteriosa seita secreta de origem tamuraniana e adquiriu diversos conhecimentos. Tornou-se uma lutadora exemplar, superando diversos companheiros de clã em habilidade e força.
Aos dezenove anos Enuma recebeu permissão para deixar o clã e percorrer o mundo para aprimorar suas habilidades. Enuma vagou por meses, encontrou muitas pessoas e aprendeu diversas coisas. O destino a levou para o reino de Hongari, conduzindo-a até a cidade de Triunphus, onde decidiu parar por algum tempo. A metrópole impressionava por seu tamanho e excentricidade. Lá, em uma das muitas tavernas que se espalhavam pelas ruas, Enuma acabou encontrando um homem que, pelo modo como se portava, gestos e palavras, a garoto descobriu tratar-se de um companheiro de clã.
Shiro, como ele se chamava, estava à caça de um traidor, um ex-membro do clã que traíra os preceitos da Sociedade da Lua Crescente. Por tal crime o traidor deveria ser punido com a morte. Shiro pediu a ajuda de Enuma que, conforme as leis da Ordem, não pode recusar o pedido. Ela deveria caçar um homem sem nome, chamado apenas de Morcego, e que vagava por Triunphus pondo em risco os segredos da Ordem.
Sem opção, Enuma saiu à caça do traidor e não tardou a encontrá-lo. Numa bela manhã, enquanto caminhava em direção a uma taverna para tomar o desjejum, Enuma avistou o Morcego. Era uma figura envolta em um manto negro que se mexia como as asas de um morcego. Sua missão seria concluída em breve, pensou ela. No entanto, algo a atrapalhava. O tal Morcego não estava sozinho, e, para piorar, era acompanhado de figuras estranhas e perigosas. Dois dragões, um lobo e um imenso lagarto quadrúpede, assim como um humano trajando uma pesada armadura negra e um grupo de elfos muito bem armados o acompanhavam. Seria preciso aguardar um momento oportuno para cumprir a missão, pensou Enuma. Enquanto isto não acontecia, iria segui-lo de perto. E assim ela fez, acompanhando o Morcego de uma distância segura, à espera do momento para matá-lo. Não demorou muito para que ele se afastasse de seu exótico grupo. Enuma sentiu que aquela era sua chance e começou a se aproximar do homem. Estava pronta para enfiar a lâmina de sua espada nas costas dele. Faltavam apenas alguns centímetros para sua espada tornar-se rubra de sangue. Foi quando as cornetas soaram.

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