No início da manhã do
dia dezenove os viajantes avistaram
uma floresta mais densa, para onde conduzia a estrada em que estavam. Agora com
a luz do sol sobre suas cabeças, podiam ver detalhes da paisagem até então
ocultos de seus olhos. Havia uma enorme cordilheira de picos escarpados ao
norte da floresta e a noroeste existia uma gigantesca montanha que se erguia
quilômetros acima do solo até ultrapassar as nuvens, seu pico era nevado e o
topo não podia ser visto, pois estava oculto entre as nuvens. Continuaram a
jornada, atravessando a mata. O sol já se aproximava da metade do céu, quando
chegaram ao centro da floresta. A estrada se abria numa gigantesca clareira de
vários quilômetros de extensão. Erguendo-se no centro da clareira havia uma
colina baixa e verdejante e encravada nela uma enorme cidade murada. A muralha
erguia-se a mais de vinte metros do solo e seis torres circulares se elevavam
mais seis metros rumo ao céu, igualmente dispostas de modo a formar um colossal
hexágono de pedras. Era possível ver outra muralha dentro da cidade, que
protegia um grande e luxuoso palácio. Suas torres eram ainda mais altas,
atingindo facilmente os trinta metros de altitude. Internamente, no porão leste
da cidade, havia uma torre ainda mais alta, de topo abobadado no formato de uma
gota d’água que refletia a luz do sol de forma ofuscante. À medida que se
aproximavam, podiam distinguir mais e mais detalhes. Havia dezenas de soldados
circulando no topo da muralha, muitos deles em prontidão, com seus arcos
apontando para fora por trás das ameias. Outros soldados guardavam o portão de
entrada, que ficava no centro da porção sul da muralha, abordando cada pessoa
que tentasse entrar, interrogando-os e revistando seus pertences quando
conveniente. Uma cavalaria alada chamava a atenção de todos, vários grifos
circundavam a poderosa metrópole, comandados por seus cavaleiros atentos. Finalmente,
após a longa caminhada, o grupo chegou diante da entrada de Triunphus. Aguardaram
na fila até a sua vez de serem entrevistados, quando foram abordados por dois
soldados fortemente armadados.
_ Soldado, boa tarde! – cumprimentou Anix.
_ Quem são vocês e o que vieram fazer em Triunphus? – devolveu um dos
guardas, com frieza.
_ Sou o sargento Anix, do exército de Tollon. Temos
assuntos a tratar na cidade.
_ Que tipo de assuntos? O que desejam fazer aqui? – insistiu o homem.
_ Assuntos particulares, a mando do capitão Lars Sween!
_ Deixe que eu cuido disso, sargento – adiantou-se Legolas,
sorridente. – Viemos em busca de ajuda
para alguns amigos nossos.
_ Capitão quem? – perguntou o soldado, ignorando totalmente
Legolas.
_ Lars Sween! – respondeu o mago.
_ Não conheço ninguém com este nome – o soldado deu de
ombros.
_ Pois deveria, é um ótimo capitão – rebateu Anix.
_ Bom, não importa. Quanto tempo ficarão aqui em
Triunphus?
_ O mínimo possível. Viemos apenas procurar uma coisa
aqui e sairemos assim que a encontrarmos.
_ E estes animais? Eles entrarão com vocês?
_ Não são animais, são companheiros – respondeu Anix, começando
a ficar irritado.
_ Não perguntei o que são, perguntei se eles entrarão com
vocês.
_ Sim – respondeu Anix baixando a voz.
_ Tudo bem, passagem liberada. Mas não se metam em confusão
aqui. Saibam que estaremos de olho em vocês – avisou o homem, olhando com
desaprovação para o dinossauro, o lobo, a coruja e o dragão que faziam parte da
comitiva.
O grupo seguiu
calado, atravessando os pesados portões que davam acesso à cidade. Lá dentro as
ruas fervilhavam. Centenas de pessoas iam e vinham cuidando de seus afazeres,
iniciando o dia de trabalho. Carregavam carroças com bens de um lado para
outro, negociando seus produtos e serviços. As casas ao redor eram todas feitas
de pedra e exibiam certo requinte. Eram todas muito bem acabadas e conservadas,
revelando a condição social favorecida dos seus donos. Adiante, a muitos metros
de distância, estava a muralha interna, uma versão menor de sua contraparte
externa. Além dela era possível ver um luxuoso palácio, sede do governo da
cidade. À direita era visível a gigantesca torre que tinham visto da estrada. Era
feita de mármore branco e se destacava das demais construções por sua beleza. Erguia-se
a partir de uma enorme mansão, também construída do mesmo material, com quatro
torres pequenas de cúpulas abobadas e com uma redoma em forma de gota cobrindo
o teto do palacete. Por todos os lados havia comércio. Lojas e barraquinhas
dividiam espaço, tornando as ruas apertadas. Os estabelecimentos aumentavam em
número à medida que se caminhava para o oeste onde podia se ver uma grande
praça comercial tomada de barracas e inundada por um mar de pessoas barulhentas.
Próxima à praça mercante havia uma igreja, um prédio retangular de telhado
agudo, rodeado por altas torres, se elevava acima das casas e lojas. Sobre o
telhado, diante da fachada da igreja, havia uma monstruosa estátua de um pássaro
com as asas abertas, uma fênix, revelando tratar-se do templo de Thyatis, o
Deus da ressurreição e profecia. E muito além da praça comercial havia um
bairro de aparência antiga, todo povoado por casebres de madeira amontoados
desordenadamente na porção noroeste da cidade.
_ Bem, estamos em Triunphus, afinal. Agora só nos resta
encontrar a tal vidente que Sam nos falou – disse Anix.
_ Melhor nos separarmos, não acha? – perguntou Orion.
_ Acho que tem razão. Eu vou pela direita e você pela
esquerda. Nailo fica aqui e toma conta dos nossos animais e de Legolas. Tudo
bem, Nailo?
_ Sim – respondeu o elfo envelhecido, com dificuldade.
_ E você, Galarden? – indagou Legolas. – Já está entregue. Você queria vir a
Triunphus conosco e já está aqui. O que pretende fazer agora?
_ Bem, não tenho compromissos aqui, apenas vim conhecer o
lugar. Sendo assim, vou ajudá-los por enquanto a procurar essa tal vidente.
Tudo acordado, o
grupo começou a se separar. Orion começou a caminhar com Galanodel rumo à praça
de comércio. Galarden seguia em direção parecida, mas afastando-se pouco a
pouco em direção ao templo. Anix virou e começou a rumar para o leste, onde o
palacete de mármore fulgurava absoluto. Foi então que o alarme soou.
· · · · · ·
Diliel Falácia se levantou naquela manhã ensolarada,
olhando pela janela do alojamento do templo de Thyatis. O sol estava quente
naquele dia, estranhamente quente. Diliel sabia que aquilo era um mau augúrio.
Tentou tirar a preocupação da cabeça e foi começar o seu dia. Ela se lavou, fez
o desjejum e foi cuidar de seus afazeres. Fez suas orações diárias, pediu ao
Deus da ressurreição que lhe emprestasse seu poder divino para que ela o
utilizasse para ajudar as pessoas da cidade. Viver como uma clériga não era
algo difícil em Triunphus. Diliel ajudava as pessoas necessitadas, auxiliava na
limpeza e manutenção do templo, treinava combate e magia e, vez ou outra,
ajudava algum recém-ressuscitado a encontrar o rumo quando este retornava do
mundo dos mortos. Porém, a rotina a desanimava. Passara a maior parte da vida
ali, fazendo as mesmas coisas todos os dias sempre. Só quando o Moóck aparecia é
que as coisas ficavam um pouco mais movimentadas, mas mesmo as aparições do
flagelo de Triunphus já tinham se tornado rotineiras para ela. Diliel era uma
mulher jovem, mas já alcançara grande poder e perícia nos anos em que passara
servindo e treinando no templo. Ela desejava mais. Queria medir a extensão de
seus poderes, testar seu valor. Mas se sentia presa ali, sem uma esperança de
mudança, e Thyatis gostava de renovação, então as coisas deveriam mudar algum
dia. Ao menos era o que ela desejava.
Após comer e orar,
Diliel pegou suas coisas para sair. Naquele dia em especial decidiu levar todo
seu equipamento, como se pressentisse que algo ruim estava para acontecer. Assim,
saiu às ruas de armas em punho e armadura completa, como se fosse para a
guerra. Porém, iria apenas até a parte velha da cidade, tratar das pessoas
doentes e pobres, que viviam em condições sub-humanas, maltratados e explorados
guildas criminosas que dominavam a metrópole às escuras. Passar o dia
ministrando curas e dando conselhos, nada além de sua velha e tediosa rotina, era
o que ela imaginava que iria fazer naquele dia. Porém, ao sair para as ruas,
Diliel notou que algo estava diferente na cidade. Não muito longe dali, perto
do portão sul, ela avistou algo incomum. Um elfo muito velho caminhava a passos
lentos e alquebrados, acompanhado de um lobo negro cujo pelo brilhava sob a luz
do sol. Junto a eles estava um animal estranho e volumoso, cheio de escamas e
chifres pontudos, algo que ela só havia ouvido nos contos dos bardos das
tavernas de Triunphus: um dinossauro. E não era só isto, pois um dragão
vermelho, do tamanho de uma casa pequena, caminhava ao lado do velho,
conversando com ele, enquanto carregava em suas costas outro dragão menor, de
cor azul, que parecia dormir tranquilamente.
Diliel parou confusa
enquanto observava àquela cena curiosa. Deu um meio sorriso e virou-se para ir à
parte velha da cidade, cuidar de sua própria vida. Foi quando as trombetas
tocaram.
· · · · · ·
Enuma Elishmoon tivera uma vida difícil, recheada de tragédias
e tristezas. Desde muito nova fora abandonada, junto com a mãe, por seu pai. Sua
mãe se esforçava para dar uma boa vida à filha e fizera um ótimo trabalho,
suprindo com mérito a ausência do pai. Apesar das dificuldades, Enuma era uma
garota alegre. Um dia, porém, a alegria foi substituída pelo sofrimento. Homens
invadiram sua casa à procura de seu há muito desaparecido pai e mataram sua mãe
diante de seus olhos. Enuma fugiu e se escondeu por dias, até ser encontrada
por um misterioso homem que a adotou como pupila. O homem cuidava de Enuma e
ensinou-a a lutar para se proteger. Ele a ensinou uma maneira peculiar de
combate desarmado. Ela aprendia coisas estranhas como canalização de energia
espiritual e formas incomuns de fortalecer o corpo além dos limites humanos. Pouco
a pouco seu corpo foi se tornando quase tão forte quanto o aço e sua mente tão perspicaz
quando a de uma raposa.
Anos se passaram e
novamente o sofrimento bateu à porta da garota. Homens invadiram sua nova casa
e atacaram seu mestre, acusando-o de assassinato. O homem foi ferido de maneira
fatal e, enfurecida, Enuma atacou-os de mãos limpas, usando seus poderes e
matando-os um a um. Em seu leito de morte, o mestre de Enuma revelou ser na
verdade o seu pai desaparecido. Ele lhe entregou um pergaminho e a instruiu a
procurar por um homem chamado Rajar, em um vilarejo escondido no meio das
Montanhas Sanguinárias. Assim, Enuma enterrou seu pai e partiu em busca de seu
destino. Escalou as Sanguinárias e vagou por muito tempo até conseguir
encontrar a tal Vila das Sombras. Lá encontrou o tal Rajar e lhe entregou a
mensagem de seu pai. Rajar, vendo o papiro, sabia que aquilo era o sinal que
esperava há muito tempo. Assim ele adotou Enuma, tornando-a sua aprendiz. Rajar
comandava um pequeno exército de homens que, assim como ele, tinham olhos pequenos
e puxados e se autodenominavam os Ninja
da Lua Crescente. Assim Enuma passou a fazer parte de uma misteriosa seita
secreta de origem tamuraniana e adquiriu diversos conhecimentos. Tornou-se uma
lutadora exemplar, superando diversos companheiros de clã em habilidade e
força.
Aos dezenove anos
Enuma recebeu permissão para deixar o clã e percorrer o mundo para aprimorar
suas habilidades. Enuma vagou por meses, encontrou muitas pessoas e aprendeu
diversas coisas. O destino a levou para o reino de Hongari, conduzindo-a até a
cidade de Triunphus, onde decidiu parar por algum tempo. A metrópole
impressionava por seu tamanho e excentricidade. Lá, em uma das muitas tavernas
que se espalhavam pelas ruas, Enuma acabou encontrando um homem que, pelo modo
como se portava, gestos e palavras, a garoto descobriu tratar-se de um
companheiro de clã.
Shiro, como ele se chamava, estava à caça de um traidor, um
ex-membro do clã que traíra os preceitos da Sociedade da Lua Crescente. Por tal crime o traidor deveria ser
punido com a morte. Shiro pediu a ajuda de Enuma que, conforme as leis da
Ordem, não pode recusar o pedido. Ela deveria caçar um homem sem nome, chamado apenas
de Morcego, e que vagava por Triunphus pondo em risco os segredos da Ordem.
Sem opção, Enuma saiu
à caça do traidor e não tardou a encontrá-lo. Numa bela manhã, enquanto
caminhava em direção a uma taverna para tomar o desjejum, Enuma avistou o
Morcego. Era uma figura envolta em um manto negro que se mexia como as asas de
um morcego. Sua missão seria concluída em breve, pensou ela. No entanto, algo a
atrapalhava. O tal Morcego não estava sozinho, e, para piorar, era acompanhado
de figuras estranhas e perigosas. Dois dragões, um lobo e um imenso lagarto
quadrúpede, assim como um humano trajando uma pesada armadura negra e um grupo
de elfos muito bem armados o acompanhavam. Seria preciso aguardar um momento
oportuno para cumprir a missão, pensou Enuma. Enquanto isto não acontecia, iria
segui-lo de perto. E assim ela fez, acompanhando o Morcego de uma distância
segura, à espera do momento para matá-lo. Não demorou muito para que ele se
afastasse de seu exótico grupo. Enuma sentiu que aquela era sua chance e
começou a se aproximar do homem. Estava pronta para enfiar a lâmina de sua
espada nas costas dele. Faltavam apenas alguns centímetros para sua espada
tornar-se rubra de sangue. Foi quando as cornetas soaram.
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