
Relâmpagos voltaram a iluminar o céu e o topo da torre. Distanciavam-se, a tempestade cessava. Os heróis se preparavam, conferiam armas e munição. A entrada não fora difícil de encontrar. Um buraco redondo no centro do piso circular dava acesso ao interior da fortaleza. Em poucos minutos os jovens desbravadores invadiriam o covil do inimigo para se vingarem, para fazer justiça. Squall era o único que não precisava de preparação. Em sua forma dracônica, o feiticeiro sentia-se pronto para qualquer desafio. Enquanto seus amigos conferenciavam e planejavam a invasão, o Vermelho decidiu investigar o local.
Havia grande quantidade de moedas acumuladas nas bordas da torre, ocultas sob a sujeira composta de escombros e carcaças de animais devorados. Provavelmente o dragão negro que Tork mencionara tinha feito aquele pináculo de covil e reunido ali todo seu tesouro. Seu reinado deve ter caído quando Zulil e seus asseclas chegaram à torre, matando o dragão, caçando outros de sua espécie e acordando os mortos. Um mistério permanecia sobre as razões da tal Cria da Lua caçar os dragões. Mas, não restava dúvidas, pela fúria com que investira contra Squall ,de que, além de vigiar a entrada, o monstro caçava as feras aladas para seu mestre. Três carcaças jaziam ali para provar esta perturbadora teoria. Legolas já esticava os olhos sobre o couro do animal branco, clamando para si a posse de sua pele para fazer a sua sonhada armadura. Se tudo desse certo, o poderoso Coração de Gelo forjaria sua indumentária com aquele couro e escamas. Curioso com as carcaças, Squall foi até onde as três repousavam para investigá-las. Passou silenciosamente ao lado do fosso de entrada, não queria chamar a atenção dos inimigos, e foi até o lado oposto da torre onde os dragões jaziam. Súbito, o grande peso de seu corpo transmutado em dragão fez com que o chão antigo e deteriorado pelo tempo cedesse. Duas placas enormes de pedra se desprenderam sob os pés de Squall e despencaram para o andar debaixo levando o dragão consigo. As placas giraram e, enquanto uma extremidade ia para baixo, a outra subia velozmente. As placas se chocaram e se espedaçaram, criando um amontoado de estilhaços que cobriu o buraco por onde Squall caíra. Todos correram assustados, preocupados com o companheiro. Por uma pequena fresta nos escombros, Nailo conseguiu enxergar o amigo quase dez metros abaixo de si, cercado de inimigos.
Squall despencara quase dez metros, sem ter tido tempo de se agarrar à borda do buraco ou de bater as asas para voar. Seu pesado corpo vermelho se chocou contra o chão violentamente. Refeito do susto, tentou descobrir onde estava. Cerrou os olhos e observou os arredores. Estava em uma sala comprida que terminava numa das bordas da torre. Tudo estava escuro. Somente alguns lampejos de luzes fracas e bruxuleantes chegavam a seus olhos, vindos da direita. O Dragão não precisava de luz para enxergar, logo, Squall não se preocupou. O salão onde estava parecia um cemitério. Meia dúzia de tumbas de pedra tomavam conta do solo, todas fechadas. Squall não se preocupou. Ouviu um som. Sussurros. Vozes ritmadas como num cântico entoando versos no idioma dos dragões. Squall olhou para a direita, para a direção de onde vinham os sons e as luzes. A parede estava destruída, corroída por algum ácido muito forte ou pelo tempo, restando apenas pedaços esparsos
Dez pessoas vestidas com mantos cerimoniais vermelhos estavam ao redor de um altar de pedra. Tinham a pela estranhamente pálida, pareciam mortos. Entoavam cantos em coro, faziam gestos ritmados. Participavam de algum ritual que Squall logo compreendeu do que se tratava. O que parecia conduzir a cerimônia empunhava uma adaga prateada, apontando-a para baixo, para o altar. Sobre o altar, rodeado de velas negras, havia uma criatura que seria sacrificada. Um dragão azul. Ao notarem Squall, os homens interromperam o ritual.
_ Um intruso! – gritou um deles.
_ Um vermelho! – alertou outro.
_ Um vermelho era o único que faltava. Vamos pegá-lo! – gritou o que brandia o punhal. – Será o próximo sacrifício. Peguem-no!
Os dez homens se voltaram para Squall, fecharam os punhos
_ Fuja daqui vermelho! São vampiros!
Squall tremeu. Vampiros. Mortos-vivos da pior espécie. Seu único temor, seu ponto fraco. Precisava fugir.
_ Squall! – gritou Nailo, que assistia a tudo do lado de fora. – Squall está em perigo! Temos que ajudá-lo! Vampiros!
O grupo se pos
Nailo despencou até o piso inferior. Suas pernas doeram ao se chocar no piso, sentiu uma fisgada na coxa esquerda. Por pouco não partira um osso. Estava em um corredor. Portas por todos os lados, velas chamejando nas paredes sobre candelabros de metal com a forma de um dragão se erguendo para voar. À sua direita, além de um buraco que tomava quase toda a extensão da parede, viu os inimigos lançando seus olhares maldosos sobre ele. À sua frente uma porta de pedra que, conforme vira de cima, conduziria até a sala onde Squall estava. Olhou a fechadura. Complexa, difícil de abrir até para um profissional. Notou algo estranho. Um símbolo cunhado no metal da tranca, a cabeça de um dragão estilizada. Igual ao desenho que aparecera na fronte de Squall após o confronto com Escamas da Noite. Nailo ficou intrigado com aquilo, Mas não tinha tempo para charadas, viu os inimigos se aproximando pelo corredor, ouviu o rugido de Squall além da porta e a chutou. Sorte. Não estava trancada. Nailo abriu uma rota de fuga para o amigo que já combatia contra vários inimigos. Anix pousou ao seu lado, suave, ainda sobre efeito da magia de vôo. Evocou seu poder mágico e disparou diversos relâmpagos nos inimigos que surgiam no corredor. Os raios atravessaram os corpos sem feri-los. Lembrou-se tarde demais do que aprendera nos livros. Vampiros eram resistentes contra eletricidade.
_ Nailo! – gritou o mago. – Suas espadas não funcionarão! Eles são fortes contra eletricidade. E se regeneram rápido.
_ Como posso feri-los então? – perguntou Nailo já preparando o corpo para interceptar o ataque do primeiro inimigo que corria em sua direção.
_ Prata! Eles são vulneráveis a prata! – respondeu Anix, num grito.
Os inimigos saltaram sobre os dois. Atacavam de mãos limpas, mas com força e técnica tamanhas que pareciam lutar armados. Além de sacrificar dragões em rituais profanos e tomar sangue, aqueles vampiros ocupavam seu tempo infinito com algo mais. Seus corpos eram treinados, verdadeiras máquinas de combate, capazes de enfrentar inimigos armados de igual para igual.
Nailo foi rapidamente cercado. Os inimigos avançavam em velocidade espantosa pelo corredor, faziam acrobacias para desviar dos companheiros e num segundo estavam às costas de seus alvos. Um deles saltou na parede e continuou correndo por ela como se andasse no solo. Os malditos mostravam seu poder. Mostraram os dentes pontiagudos e atacaram. Socos, pontapés. Nailo e Anix sentiram a dor dos golpes e algo mais. O ar parecia escapar dos pulmões, as pernas amoleciam. Os golpes rasgavam a alma, tiravam a energia vital dos inimigos na mesma proporção que tiravam sangue. A cada novo golpe os vampiros enchiam os pulmões de ar, coisa que não necessitavam, e socavam ao mesmo tempo que expiravam e emitiam brados de guerra. Eram os piores golpes além da dor no corpo e na alma, pareciam carregados de uma estranha energia que envolvia os atingidos e fazia seus corpos formigarem, seus músculos enrijecerem. Por pouco Nailo e Anix não ficaram completamente paralisados.
No alto, do lado de fora, Legolas banhava suas flechas com o pó mágico que recebera dos anões de Cold Valley. O reflexo prateado aderia magicamente às pontas dos projéteis. Se a prata era a única coisa capaz de ferir os vampiros, então Legolas os faria comer prata. Sem perder tempo, Lucano despejava o poder de Glórienn no arqueiro, fechando as feridas do último combate e deixando-o em igualdade com os seus próximos adversários. Orion mandou Galanodel e sua filha se abrigarem e correu para o amontoado de escombros que cobriam o buraco onde Squall caíra. Saltou. O peso de seu corpanzil, somado ao de sua armadura foi suficiente para provocar um desmoronamento. As pedras ruíram, levando o que restava das duas lajes e Orion para o andar debaixo. O guerreiro se ergueu, todo empoeirado e com ferimentos leves, e brandiu sua espada contra um inimigo que se aproximava. Era o líder dos vampiros.
_ Humano! Junte-se a nós! Por que anda com esses elfos? Junte-se a mim e eu lhe darei poder ilimitado. Farei-te imortal. Junte-se a nós e quando nosso mestre retornar, tua recompensa será grande – sussurrou o líder das criaturas para o guerreiro.
_ Nunca! Jamais me unirei a vocês! Estou aqui apenas para matá-los, Malditos! – respondeu Orion.
_ Você não entendeu, tolo. Isso não foi uma sugestão, não foi um pedido. Foi uma ordem! – gritou o vampiro líder. Seus olhos chamejaram, vermelhos, hipnóticos. Orion sentiu sua mente latejando, vozes em sua cabeça falando da glória do líder dos vampiros alguém com um nome estranho.
_ Não! Saia da minha cabeça, desgraçado! Vou matar vocês! – gritou Orion, libertando-se da hipnose do inimigo.
_ Então você selou seu destino, humano, inferior. Morrerá como todos os outros!
O vampiro deu ordem de ataque aos seus asseclas. Os olhos brilharam intensamente e os caninos brotaram para fora das bocas
_ Eles são muito fortes? - perguntou Squall ao dragão azul.
_ Sim, são fortes. Mas pior que isso, são traiçoeiros – respondeu o prisioneiro. – Fuja vermelho! Salve sua pele antes que eles o sacrifiquem também.
_ Não, eu vou lutar! – respondeu Squall rugindo.
_ Então ajuda-me a escapar daqui. Liberta-me e terá minha gratidão. Servir-te-ei como paga! – resmungou o azul.
_ Como posso matá-los? – perguntou Squall. – Qual o ponto fraco deles?
_ Queima-os! – respondeu o azul, sorrindo maldosamente. A bocarra de Squall se abriu, cuspindo fogo sobre os vampiros, mostrando aos companheiros o modo de combater a ameaça.
Do lado de fora do mausoléu, Nailo brandia suas espadas e via seus golpes surtirem pouco efeito nos inimigos. Os vampiros curavam-se dos cortes com velocidade espantosa e a cada golpe desferido em retaliação, Nailo ficava cada vez mais fraco. A situação era desesperadora. Ao seu lado, Anix recuou sob uma chuva de socos mortais. Seu corpo formigava, enrijecendo aos poucos. Anix evocou o poder do seu cajado mágico, o poder dos dragões e com isso fortaleceu seu corpo e seu espírito. Estava pronto para contra-atacar. Fora dali, no andar de cima, Lucano e Legolas estavam sobre o fosso por onde Squall despencara.
_ Dililiümi! Preciso de seu poder! Inimigos dos elfos tentam matar meus irmãos. Ajude-nos, Caçadora Prateada! – bradou o clérigo. A espada ardeu tomada pelas chamas e uma pedra incandescente voou para dentro do campo de batalha. Chamas explodiram e se alastraram, queimando os corpos dos vampiros. Lucano repetiu o truque da espada, conjurando também uma bola de fogo sobre os inimigos. O fogo chegou até o corredor onde Nailo combatia, atingindo-o levemente. Para surpresa de todos, os próprios vampiros pouco tinham se ferido. Hábeis, treinados durante os longos anos de servidão ao seu mestre profano, esquivavam-se e evitavam todo o poder das chamas do elfo. Mas ao menos a distração provocada pelas explosões permitiu a Orion apanhar um dos monstros de surpresa. O guerreiro desferiu um poderoso golpe, atravessando o tórax do vampiro que estava a sua frente. O monstro transformou-se em névoa e começou a flutuar lentamente até um dos esquifes que existiam no salão.
Já livres do fogo, os vampiros voltaram a atacar. Seus socos potentes feriam corpo e alma dos aventureiros. Mesmo Squall e Orion, com suas couraças impenetráveis, sentiram o toque mortal dos monstros roubando-lhes a vida e tentando paralisá-los. O líder das criaturas continuava tentando dominar a mente de Orion, mas o guerreiro resistia bravamente.
_ Renda-se, mortal! Ataque os elfos e torne-se meu servo. Junte-se a nós e torne-se imortal! - gritava o vampiro chefe.
_ Nunca! – rebatia Orion enquanto golpeava os inimigos.
_ Una-se a nós e venha louvar o retorno de nosso mestre, nosso deus, o poderoso Ashardalon! – insistia o inimigo. Ao ouvir o nome, um calafrio percorreu a espinha de Anix. Ouvira aquele nome antes.
_ Nunca! Vou matar esse seu Asharda-vaca! Maldito!
Imitando seu líder, alguns vampiros mudavam de tática. Tentavam jogar os invasores uns contra os outros. Tolo, um dos vampiros tentava romper a vontade de pedra do dragão vermelho a sua frente. No corredor, um dos inimigos desafiava Nailo quando ouviu um latido vindo do alto. Era Relâmpago. Nailo sentiu um temor tomando conta de seu corpo, algo ruim poderia estar acontecendo. Olhou para cima, assustado, e viu o amigo lobo latindo para ele através da entrada, tentando afugentar os monstros. O vampiro notou a preocupação do ranger com alegria. Encontrara um ponto fraco.
_ Venha animal! Desça aqui e ajude-me a liquidar esse imprestável! – os olhos do vampiro brilharam com fervor. Relâmpago deu um ganido e logo em seguida começou a rosnar. Saltou. O lobo caiu desajeitadamente no solo, ferindo-se na queda. Ergueu-se e avançou contra Nailo, mordendo-o.
_ Desgraçado! – gritou Nailo. O vampiro machucara seu melhor amigo, jogara-o contra ele. Fizera algo imperdoável. - Ëüpü nabirga-já! – gritou o Guardião. Chamas se ergueram sob seu comando, acompanhando o movimento de suas espadas gêmeas, incinerando dois monstros ao seu lado que combatiam Anix. Soltou as espadas a foi de encontro ao maldito que dominara Relâmpago. Fechou os punhos com força, estalando os ossos, mostrou-os para o vampiro em desafio. – Você vai me pagar, maldito! – Dessa vez eram os olhos de Nailo que começavam a se acender.
Legolas Saltara rodopiando no ar e disparando projéteis cobertos de prata e gelo. O vampiro atingido ficou fora de combate, sentindo a dor causada pelo metal argênteo. Squall aproveitou a chance e escapou dos inimigos, colocou-se entre os vampiros e aquele que considerava um parente distante, o dragão azul. O próximo a chegar foi Lucano, saltando após Legolas no buraco. O medalhão de prata brilhava, exibindo glorioso o símbolo da Mãe dos elfos, transformando vampiros em névoa e enviando-os de volta para suas tumbas. No corredor, Anix evocava seu poder maldito.
_ Olhe para mim, desgraçado! Morra! – gritou o mago. Seu olho, o terceiro, brilhou, roxo, e um raio esverdeado serpenteou na direção do vampiro. O monstro tremeu em agonia e seu corpo explodiu numa nuvem negra que se dissolveu sem deixar vestígios. Nada sobrara. O vampiro tinha sido desintegrado completamente. Anix gargalhava, apreciando seus novos poderes, estreitando a ligação com seu hóspede maldito. No salão de sacrifício, Orion fazia mais um dos oponentes transformar-se em fumaça com sua espada flamejante. Os monstros começavam a perder a batalha.
_ Malditos! Subestimei vocês. Mas não são páreo para Zulil, nem para Gulthias! Vou cumprir minha tarefa para que nosso senhor Ashardalon retorne e esmague todos vocês! – o vampiro mestre gargalhou ensandecido e correu até o altar. Apanhou o punhal e cravou sua lâmina nas costas do dragão azul. Legolas disparou uma flecha certeira na cabeça do inimigo que se desmaterializou e se tornou uma nuvem de vapor graças ao poder mágico da prata. O dragão azul desfaleceu. Estava morrendo.
No corredor os vampiros apelavam para suas táticas sujas e traiçoeiras. Tentaram dominar a vontade de Anix, mas o mago, dotado de uma mente prodigiosa e auxiliado pelo simbionte em seu corpo, resistiu. O maldito que dominara Relâmpago saltou sobre Nailo.
_ Não vai fazer nada imbecil! Sugarei seu sangue até a última gota! – cravou os caninos pontudos na jugular do elfo, sorvendo o precioso líquido rubro. Nailo gritou. Dor. Ódio. Fúria. Livrou-se dos dentes do maldito e começou a golpear o rosto da criatura com força insana. Seus olhos pareciam brilhar como os dos vampiros. Nailo Urrava como um monstro enlouquecido, seu corpo parecia inchado de ódio, sua força aumentara com a fúria. O maldito morreria. A chuva de golpes desfigurou uma metade do rosto pálido do adversário, mas ainda não era suficiente. Num piscar de olhos, o vampiro se curou.
_ Malditooooo!!! Diga adeus aos seus amigos! – Nailo gritou enfurecido, seu urro parecia capaz de acordar os mortos. Abriu a boca do monstro com as mãos e jogou algo lá dentro. Sorriu. Vencera. O vampiro explodiu, transformou-se em névoa como os demais. De seu corpo caiu uma imensa quantidade de água que atingiu o monstro ao seu lado, queimando sua carne pútrida. Era água benta. O precioso pó-da-seca, comprado em Vectora e utilizado para secar uma tina de água abençoada por Lucano, mostrava todo o seu poder. O elfo deu as costas para o inimigo vencido sem testemunhar seu fim. Recolheu suas armas do chão e foi ao encontro dos amigos no salão de sacrifício. Lá dentro, a situação era preocupante.
Squall abandonara a forma de dragão para socorrer o parente moribundo. Jogou apressadamente uma poção mágica na boca da fera, forçando-a a engolir o líquido mágico. O dragão despertou.
_ Vermelho? É você? Sim, reconheço seu cheiro e sua marca! Salvaste minha vida. Estou em dívida com ti – disse o dragão azul.
_ Apenas ajudei um irmão! – respondeu Squall, lançando fogo contra as correntes que prendiam o prisioneiro. Legolas o ajudava.
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