Amanheceu. Era o vigésimo
quinto dia do mês de Lunaluz, o sol brilhava forte naquela manhã de primavera. Não
fosse pelo lugar e situação em que se encontravam, os aventureiros poderiam
alegrar-se com aquele clima.
Nailo foi o primeiro
a despertar e encontrou Carion, que cochilava à beira da entrada. O meio-elfo
contou-lhe que a noite transcorrera tranquila, sem surpresas. Mas chamara-lhe a
atenção o estado em que Anix estava quando retornara poucos minutos antes. O
mago estava estranho, incomunicável, e flutuara do planalto até a caverna, sem
dizer palavra alguma, com as roupas rasgadas e o corpo todo sujo de terra e
sangue. Mais tarde, quando despertou, Anix explicou a todos sobre o pacto que
fizera com o beholder. O elfo agora teria controle dos poderes mágicos de seu
terceiro olho, o olho maligno que lhe fora implantado em Vectora. Isso seria de
grande ajuda ao grupo, porém havia um preço. Durante o sono de Anix, o Beholder
assumiria o controle de seu corpo e estaria livre para fazer o que bem
entendesse. Ele prometera não atacar o grupo e até o momento, cumprira sua
promessa.
Pouco a pouco todos
foram despertando, fazendo seu desjejum e preparando seus equipamentos para
partirem novamente. Legolas e Anix conversavam reservadamente, tramando alguma
coisa, o que irritava Nailo por demais. Não bastava ele ver seus amigos todos
sendo corrompidos pelo poder maligno, agora eles ainda se isolavam dos outros,
como se não pudessem confiar uns nos outros. Irritado, o ranger deixou a
caverna.
_ Vou embora – disse Nailo, resoluto. – Este grupo está rachado. O mal está nos dominando aos poucos. Temos um
dragão maligno nos acompanhando, – olhou para Mexkialroy, que apenas sorriu
com sarcasmo – agora Orion conversa com
esta espada maligna e nos ignora, Legolas está virando canibal e Anix um
monstro ou sei lá o que. Não vejo muitas esperanças para nós deste jeito. Vou
embora!
Lucano ainda tentou
dissuadi-lo, mas era impossível convencer Nailo a desistir. O Guardião deixou a
gruta e escalou até o platô logo acima, onde ficou a maior parte do tempo
recostado em uma árvore, pensativo.
Apesar da atitude
alarmista de Nailo, Legolas e Anix decidiram continuar com seu plano mesmo
assim.
_ Amigos – chamou o mago. – Legolas e eu partiremos por algumas horas. Temos um plano e, se tudo
der certo como planejamos, voltaremos com ajuda.
E sem mais explicações,
Anix usou seus poderes para teleportar ele e Legolas para muito longe dali.
● ● ● ● ● ●
O mundo ao redor
tornou-se turvo, como se ele se entortasse e girasse ao mesmo tempo ao redor de
Anix e Legolas. Era como agitar as águas de um lago e desfazer a imagem nele
refletida. Mas em uma fração de segundo tudo que os cercava voltou a ganhar
forma e a tornar-se nítido. Num instante, Anix e Legolas estavam em uma
clareira, cercada de árvores de tronco negro. Estavam em Tollon.
_ Este é o lugar em que acampamos quando encontramos
Yczar pela última vez – comentou Anix. –
Esperava encontrá-lo aqui, mas parece que não deu certo.
_ Não seja tolo, Anix – ralhou Legolas. – Lembre-se que Yczar disse que estava indo
para Bielefeld, para o Castelo da Luz em Norm. Ele disse que iria até a Ordem
da Luz, para se tornar cavaleiro. É para Norm que temos que ir.
_ Tem razão! Empreste-me um mapa, preciso saber
exatamente as coordenadas para nos transportar para lá.
Com a ajuda do mapa,
Anix mentalizou seu destino e murmurou o feitiço. Num estalar de dedos, os dois
estavam do outro lado do mundo, em uma cidade movimentada. Diante deles estava
uma das sete maravilhas do mundo, um enorme castelo, repleto de torres de prata
e marfim que se elevavam ao céu com formato igual ao da espada do Deus da
Justiça. Era o Castelo Luz.
Os dois caminharam
pelas ruas, admirados com as peculiaridades do lugar. Não bastasse o imponente
palácio, de cujas paredes emanava um tênue brilho, a cidade tinha toda uma
atmosfera única. Tudo ali era voltado à cavalaria. Diversas estrebarias, ferrarias
e celeiros se espalhavam aqui e ali. Lojas vendiam lanças de justa, armas e
armaduras típicas de cavaleiros, bem como flâmulas, bandeiras e tudo mais que
representasse as famílias nobres que compunham a Ordem da Luz. Ainda
maravilhados, os dois viajantes pararam diante do portão principal do palácio,
onde um guarda armado os abordou.
_ O que desejam ai parados? – perguntou o homem.
Sua expressão era de desprezo ao olhar o estado das roupas dos dois forasteiros,
especialmente no caso de Anix, que estava só em farrapos.
_ Procuramos um cavaleiro amigo nosso. Precisamos muito
falar com ele. Seu nome é Yczar Artorion – respondeu Anix.
_ Amigos de Sir Yczar? Vocês? Não creio que isto seja
possível – redarguiu
o homem, com desdém.
_ Não nos julgue por nossas vestes – retrucou Legolas com
firmeza. – Enfrentamos diversas batalhas
para chegar aqui e precisamos conversar com Yczar. Se não acredita em nós,
apenas mande a ele um recado. Diga que os sargentos Legolas e Anix do exército
de Tollon estão aqui.
Ainda desconfiado, o
soldado chamou um mensageiro e lhe cochichou um recado. O rapaz correu até o
interior do castelo e, minutos depois retornou com a resposta.
_ Sir Yczar pediu que os visitantes fossem escoltados até
o pátio. Ele os encontrará em breve.
Legolas e Anix
passaram pelo portão, com ar de deboche para o vigia. Caminharam por um longo
corredor até o pátio central do castelo. Por todos os lados o escudo de Khalmyr
adornava portas e paredes. No pátio, uma majestosa estátua do Deus da Justiça,
de sessenta metros de altura, dividia espaço com árvores frutíferas e flores. Lá
aguardaram por cerca de vinte minutos, sem suas armas, até que finalmente uma
voz familiar os chamou.
_ Amigos! Que bom revê-los! – era Yczar.
Yczar e Batloc
estavam juntos, e melhores do que nunca. Trajavam belas vestes e em seus peitos
estava estampado o símbolo de Khalmyr, uma espada sobreposta a uma balança. Os
amigos se abraçaram e conversaram durante algum tempo, matando as saudades que
sentiam. Então, sem demora Anix contou das aflições que estavam passando e
disse que precisavam de ajuda. Yczar os guiou até um alojamento, onde os dois
puderam se lavar e comer alguma coisa enquanto contavam detalhadamente o que
lhes acontecera desde a separação. Ao ouvir o relato, e descobrir que Teztal
poderia espalhar maldades novamente, Yczar se enfureceu. O paladino pediu
licença aos amigos, deixando-os na companhia de Batloc, e foi ter com o líder
dos Cavaleiros da Luz. Vários minutos passaram até que finalmente Yczar
retornou.
_ Venham comigo – pediu ele, taciturno.
O grupo se dirigiu ao
salão principal do castelo, onde um home de pele morena os aguardava em uma espécie
de trono. Seu corpo era volumoso e seu olhar era frio. Sua pele e seus cabelos
enrolados denunciavam tratar-se de um nativo da União Púrpura, um bárbaro,
portanto. Mas ele era mais que isso, era o líder da Ordem da Luz. Seu nome era
Alen Toren Greenfield.
A pedido de Yczar,
Anix e Legolas repetiram seu relato a Alen Toren. Yczar completava a história,
acrescentando detalhes de seu martírio na ilha de Ortenko, tempos atrás, sempre
frisando a crueldade de Teztal e seus asseclas. Ao final, Alen falou:
_ Yczar, você sabe muito bem a estima que tenho por você.
Você que entrou para a Ordem sem título de nobreza, quebrando diversas regras a
que estamos presos aqui, apenas por seu valor e por ser um dos mais poderosos
guerreiros sagrados que possuímos aqui. Você muito bem o quão importante é sua
presença aqui. Por isso não posso permitir que você se afaste para correr
tamanho risco indo ajudar seus amigos – Alen Toren Greenfield deu uma pausa. Yczar
parecia consternado e queria protestar, mas foi detido pelo seu superior. – Não acabei ainda. Como disse, não posso
permitir que corra tal risco, mas entendo a gravidade da situação. Um mal como
este, ainda que tão distante de nós, não pode ser ignorado. Além disso, mesmo
que próprio não sendo um paladino, sigo os preceitos de nosso Deus e não posso
jamais recusar um pedido de ajuda. Então, eu, Alen Toren Greenfield, ordeno que
você parta com seus amigos e extermine este mal de uma vez. Mas você não irá
sozinho. Leve um pelotão com você. Eu lhes fornecerei armas e equipamento. Peça
a Sir Bernard Branalon para ajudá-lo nos preparativos e tome muito cuidado. Os
tempos são sombrios, mesmo dentro das paredes de nosso castelo, mas não podemos
deixar que este mal fique impune. Portanto, cumpra sua missão e retorne o mais
breve possível para nós.
Yczar fez uma reverência
a sir Toren, agradecendo-o. Os quatro deixaram o salão e foram para a área
externa do castelo. Lá encontraram com sir Bernard Branalon, conhecido como
Paquiderme Galante. Era um home muito grande e gordo, mas de bom coração e uma
simpatia inigualável. Sempre brincalhão, ajudou Yczar a reunir os soldados que
o acompanhariam, incluindo dois jovens paladinos e um sacerdote. Prepararam as
provisões, que incluíam poções mágicas e água benta. Anix também recebeu roupas
novas para substituir os trapos que o beholder rasgara na noite anterior em sua
caçada.
Sir Bernard já se
dirigia aos estábulos com os soldados para prepararem os cavalos, quando Anix
explicou que eles iriam para muito longe e que os cavalos em nada ajudariam.
_ Galrasia? – indagou Batloc, espantado. – Por que não disse antes? Como iremos para lá?
_ Posso usar magia de teletransporte, mas não sei se
conseguirei transportar todos para lá – respondeu Anix.
_ Bem, neste caso, acho que teremos que pedir ajuda – Yczar tinha um
sorriso no rosto. – Tenho certeza de que
ele não irá se recusar. Mas antes terei que fazer uma coisa.
O guerreiro sagrado
partiu sem dar explicações. Voltou depois de alguns minutos, trazendo um
pequeno disco de madeira na mão.
_ Fui buscar isto aqui – disse Yczar,
mostrando o objeto que trouxera. Era um pequeno medalhão de madeira, com a figura
de um pássaro esculpida em baixo relevo. Anix e Legolas já conheciam aquilo. – Bom, Khalmyr proíbe o uso de itens feitos
com magia arcana por seus servos, já que isto pode tornar um combate
desequilibrado e injusto. Então, peço que um de vocês utilize isto por mim.
Basta colocá-lo na mão e o amuleto virará um pássaro. Depois é só entregar-lhe
este bilhete e ele fará o resto do trabalho. Não deverá demorar muito. Podemos
almoçar enquanto isto.
Anix apanhou o
amuleto e tal qual Yczar descrevera, o pássaro apareceu. Colocou o pequeno
pedaço de papel em seu bico e a ave voou em velocidade espantosa rumo ao norte.
Horas depois, enquanto almoçavam, um mensageiro chegou apressado, chamando por
Yczar.
_ Ele chegou! Vamos recebê-lo – disse o homem, com
entusiasmo.
Caminharam rumo à
entrada do castelo, onde uma figura diminuta os aguardava. Vestia robes
intrincados e tinha a cabeça coberta por um manto aveludado. O visitante acenou
para Yczar, e depois para Anix e Legolas, como se os conhecesse também.
_ Há quanto tempo não os vejo, amigos. É bom reencontrá-los
– disse
o pequenino. Anix e Legolas imediatamente reconheceram a voz do anão que se
dirigia a eles. Era Guitespin.
O anão abraçou com
alegria os amigos que haviam ajudado a salvá-lo da prisão de Ortenko. Anix
contou-lhe os problemas que estavam enfrentando e o pequeno concordou em ajudá-los.
Entretanto, para conseguir teleportar os soldados, precisava saber com exatidão
a localização da torre. Assim, Guitespin tentou em vão ler a mente de Anix, que
bloqueava seus pensamentos temendo que descobrissem em sua mente o beholder. Já
Legolas não ofereceu resistência e deixou que Guitespin acessasse suas memórias,
descobrindo a localização da espiral amaldiçoada. Então, Guiltespin e Anix
invocaram seus poderes e num piscar de olhos, todos foram teletransportados.
● ● ● ● ● ●
Nailo ficou alarmado
quando avistou um grupo de pessoas descendo a rampa que levava até a torre. Correu
para a caverna, onde encontrou Squall, já em forma de dragão, também de prontidão.
Uma voz familiar gritou no meio da pequena turba que caminhava, fazendo com que
a vassoura mágica saísse da caverna e fosse até os recém-chegados.
_ É só o Anix – disse Orion. Subindo nas costas de Galanodel,
o guerreiro foi ao encontro dos amigos.
_ Mas quem o está acompanhando? – questionou Nailo.
_ Não sei, mas vou descobrir! – respondeu Squall,
sorrindo. O Vermelho se lançou no ar e Nailo saltou em suas costas. Kátia, Lucano
e todos os outros começaram a descer pela encosta. Mexkialroy se espreguiçou
antes de alçar vôo, enquanto observava a movimentação lá em baixo.
_ Espero que sejam saborosos – sibilou o dragão,
e voou ao encontro dos outros.
Juntos, dragões
coruja deram um rasante sobre as cabeças dos soldados, assustando a todos. Squall
cuspiu fogo para o alto, deixando todos ainda mais apreensivos. Yczar já
preparava uma ordem de ataque quando Anix o impediu.
_ Não ataquem! São nossos amigos. O Vermelho é o Squall.
O grupo finalmente se
reuniu novamente. Anix explicou a Guiltespin e ao cavaleiros tudo sobre as
transformações de seus amigos. Squall ainda cobrou do anão satisfações por ele
ter desaparecido em Malpetrim sem se despedir de ninguém. Mas o anão rebateu a
acusação, dizendo, com razão, que os heróis é que havia sumido repentinamente.
Com todos devidamente apresentados, os soldados cercaram a torre, traçando ao
redor dela um perímetro de segurança.
_ Não há entradas, senhor! – constatou um dos
cavaleiros.
_ A entrada é por cima. Teremos que escalar e depois
descer cinco andares – explicou Nailo.
_ Não será necessário – disse o anão,
sorrindo. – Há um modo mais rápido.
Guiltespin invocou
uma magia poderosa, direcionando-a contra a parede da torre. As rochas
começaram a amolecer e a desmanchar, como se fossem feitas de lama. Os
cavaleiros rapidamente improvisaram um aríete com um tronco e arrombaram a
torre. Uma nova entrada estava criada, finalmente o refúgio de Gulthias, Teztal
e Zulil começava a cair. Yczar gritou ordens aos seus soldados que entraram em
formação e invadiram a espiral. Felizes com a ajuda, mas ainda não muito certos
do que isto acarretaria, os heróis correram no encalço dos cavaleiros da luz.
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