outubro 14, 2012

Capítulo 374 – Ordem da Luz


Amanheceu. Era o vigésimo quinto dia do mês de Lunaluz, o sol brilhava forte naquela manhã de primavera. Não fosse pelo lugar e situação em que se encontravam, os aventureiros poderiam alegrar-se com aquele clima.
Nailo foi o primeiro a despertar e encontrou Carion, que cochilava à beira da entrada. O meio-elfo contou-lhe que a noite transcorrera tranquila, sem surpresas. Mas chamara-lhe a atenção o estado em que Anix estava quando retornara poucos minutos antes. O mago estava estranho, incomunicável, e flutuara do planalto até a caverna, sem dizer palavra alguma, com as roupas rasgadas e o corpo todo sujo de terra e sangue. Mais tarde, quando despertou, Anix explicou a todos sobre o pacto que fizera com o beholder. O elfo agora teria controle dos poderes mágicos de seu terceiro olho, o olho maligno que lhe fora implantado em Vectora. Isso seria de grande ajuda ao grupo, porém havia um preço. Durante o sono de Anix, o Beholder assumiria o controle de seu corpo e estaria livre para fazer o que bem entendesse. Ele prometera não atacar o grupo e até o momento, cumprira sua promessa.
Pouco a pouco todos foram despertando, fazendo seu desjejum e preparando seus equipamentos para partirem novamente. Legolas e Anix conversavam reservadamente, tramando alguma coisa, o que irritava Nailo por demais. Não bastava ele ver seus amigos todos sendo corrompidos pelo poder maligno, agora eles ainda se isolavam dos outros, como se não pudessem confiar uns nos outros. Irritado, o ranger deixou a caverna.
_ Vou embora – disse Nailo, resoluto. – Este grupo está rachado. O mal está nos dominando aos poucos. Temos um dragão maligno nos acompanhando, – olhou para Mexkialroy, que apenas sorriu com sarcasmo – agora Orion conversa com esta espada maligna e nos ignora, Legolas está virando canibal e Anix um monstro ou sei lá o que. Não vejo muitas esperanças para nós deste jeito. Vou embora!
Lucano ainda tentou dissuadi-lo, mas era impossível convencer Nailo a desistir. O Guardião deixou a gruta e escalou até o platô logo acima, onde ficou a maior parte do tempo recostado em uma árvore, pensativo.
Apesar da atitude alarmista de Nailo, Legolas e Anix decidiram continuar com seu plano mesmo assim.
_ Amigos – chamou o mago. – Legolas e eu partiremos por algumas horas. Temos um plano e, se tudo der certo como planejamos, voltaremos com ajuda.
E sem mais explicações, Anix usou seus poderes para teleportar ele e Legolas para muito longe dali.

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O mundo ao redor tornou-se turvo, como se ele se entortasse e girasse ao mesmo tempo ao redor de Anix e Legolas. Era como agitar as águas de um lago e desfazer a imagem nele refletida. Mas em uma fração de segundo tudo que os cercava voltou a ganhar forma e a tornar-se nítido. Num instante, Anix e Legolas estavam em uma clareira, cercada de árvores de tronco negro. Estavam em Tollon.
_ Este é o lugar em que acampamos quando encontramos Yczar pela última vez – comentou Anix. ­– Esperava encontrá-lo aqui, mas parece que não deu certo.
_ Não seja tolo, Anix – ralhou Legolas. – Lembre-se que Yczar disse que estava indo para Bielefeld, para o Castelo da Luz em Norm. Ele disse que iria até a Ordem da Luz, para se tornar cavaleiro. É para Norm que temos que ir.
_ Tem razão! Empreste-me um mapa, preciso saber exatamente as coordenadas para nos transportar para lá.
Com a ajuda do mapa, Anix mentalizou seu destino e murmurou o feitiço. Num estalar de dedos, os dois estavam do outro lado do mundo, em uma cidade movimentada. Diante deles estava uma das sete maravilhas do mundo, um enorme castelo, repleto de torres de prata e marfim que se elevavam ao céu com formato igual ao da espada do Deus da Justiça. Era o Castelo Luz.
Os dois caminharam pelas ruas, admirados com as peculiaridades do lugar. Não bastasse o imponente palácio, de cujas paredes emanava um tênue brilho, a cidade tinha toda uma atmosfera única. Tudo ali era voltado à cavalaria. Diversas estrebarias, ferrarias e celeiros se espalhavam aqui e ali. Lojas vendiam lanças de justa, armas e armaduras típicas de cavaleiros, bem como flâmulas, bandeiras e tudo mais que representasse as famílias nobres que compunham a Ordem da Luz. Ainda maravilhados, os dois viajantes pararam diante do portão principal do palácio, onde um guarda armado os abordou.
_ O que desejam ai parados? – perguntou o homem. Sua expressão era de desprezo ao olhar o estado das roupas dos dois forasteiros, especialmente no caso de Anix, que estava só em farrapos.
_ Procuramos um cavaleiro amigo nosso. Precisamos muito falar com ele. Seu nome é Yczar Artorion – respondeu Anix.
_ Amigos de Sir Yczar? Vocês? Não creio que isto seja possível – redarguiu o homem, com desdém.
_ Não nos julgue por nossas vestes – retrucou Legolas com firmeza. – Enfrentamos diversas batalhas para chegar aqui e precisamos conversar com Yczar. Se não acredita em nós, apenas mande a ele um recado. Diga que os sargentos Legolas e Anix do exército de Tollon estão aqui.
Ainda desconfiado, o soldado chamou um mensageiro e lhe cochichou um recado. O rapaz correu até o interior do castelo e, minutos depois retornou com a resposta.
_ Sir Yczar pediu que os visitantes fossem escoltados até o pátio. Ele os encontrará em breve.
Legolas e Anix passaram pelo portão, com ar de deboche para o vigia. Caminharam por um longo corredor até o pátio central do castelo. Por todos os lados o escudo de Khalmyr adornava portas e paredes. No pátio, uma majestosa estátua do Deus da Justiça, de sessenta metros de altura, dividia espaço com árvores frutíferas e flores. Lá aguardaram por cerca de vinte minutos, sem suas armas, até que finalmente uma voz familiar os chamou.
_ Amigos! Que bom revê-los! – era Yczar.
Yczar e Batloc estavam juntos, e melhores do que nunca. Trajavam belas vestes e em seus peitos estava estampado o símbolo de Khalmyr, uma espada sobreposta a uma balança. Os amigos se abraçaram e conversaram durante algum tempo, matando as saudades que sentiam. Então, sem demora Anix contou das aflições que estavam passando e disse que precisavam de ajuda. Yczar os guiou até um alojamento, onde os dois puderam se lavar e comer alguma coisa enquanto contavam detalhadamente o que lhes acontecera desde a separação. Ao ouvir o relato, e descobrir que Teztal poderia espalhar maldades novamente, Yczar se enfureceu. O paladino pediu licença aos amigos, deixando-os na companhia de Batloc, e foi ter com o líder dos Cavaleiros da Luz. Vários minutos passaram até que finalmente Yczar retornou.
_ Venham comigo – pediu ele, taciturno.
O grupo se dirigiu ao salão principal do castelo, onde um home de pele morena os aguardava em uma espécie de trono. Seu corpo era volumoso e seu olhar era frio. Sua pele e seus cabelos enrolados denunciavam tratar-se de um nativo da União Púrpura, um bárbaro, portanto. Mas ele era mais que isso, era o líder da Ordem da Luz. Seu nome era Alen Toren Greenfield.
A pedido de Yczar, Anix e Legolas repetiram seu relato a Alen Toren. Yczar completava a história, acrescentando detalhes de seu martírio na ilha de Ortenko, tempos atrás, sempre frisando a crueldade de Teztal e seus asseclas. Ao final, Alen falou:
_ Yczar, você sabe muito bem a estima que tenho por você. Você que entrou para a Ordem sem título de nobreza, quebrando diversas regras a que estamos presos aqui, apenas por seu valor e por ser um dos mais poderosos guerreiros sagrados que possuímos aqui. Você muito bem o quão importante é sua presença aqui. Por isso não posso permitir que você se afaste para correr tamanho risco indo ajudar seus amigos – Alen Toren Greenfield deu uma pausa. Yczar parecia consternado e queria protestar, mas foi detido pelo seu superior. – Não acabei ainda. Como disse, não posso permitir que corra tal risco, mas entendo a gravidade da situação. Um mal como este, ainda que tão distante de nós, não pode ser ignorado. Além disso, mesmo que próprio não sendo um paladino, sigo os preceitos de nosso Deus e não posso jamais recusar um pedido de ajuda. Então, eu, Alen Toren Greenfield, ordeno que você parta com seus amigos e extermine este mal de uma vez. Mas você não irá sozinho. Leve um pelotão com você. Eu lhes fornecerei armas e equipamento. Peça a Sir Bernard Branalon para ajudá-lo nos preparativos e tome muito cuidado. Os tempos são sombrios, mesmo dentro das paredes de nosso castelo, mas não podemos deixar que este mal fique impune. Portanto, cumpra sua missão e retorne o mais breve possível para nós.
Yczar fez uma reverência a sir Toren, agradecendo-o. Os quatro deixaram o salão e foram para a área externa do castelo. Lá encontraram com sir Bernard Branalon, conhecido como Paquiderme Galante. Era um home muito grande e gordo, mas de bom coração e uma simpatia inigualável. Sempre brincalhão, ajudou Yczar a reunir os soldados que o acompanhariam, incluindo dois jovens paladinos e um sacerdote. Prepararam as provisões, que incluíam poções mágicas e água benta. Anix também recebeu roupas novas para substituir os trapos que o beholder rasgara na noite anterior em sua caçada.
Sir Bernard já se dirigia aos estábulos com os soldados para prepararem os cavalos, quando Anix explicou que eles iriam para muito longe e que os cavalos em nada ajudariam.
_ Galrasia? – indagou Batloc, espantado. – Por que não disse antes? Como iremos para lá?
_ Posso usar magia de teletransporte, mas não sei se conseguirei transportar todos para lá – respondeu Anix.
_ Bem, neste caso, acho que teremos que pedir ajuda – Yczar tinha um sorriso no rosto. – Tenho certeza de que ele não irá se recusar. Mas antes terei que fazer uma coisa.
O guerreiro sagrado partiu sem dar explicações. Voltou depois de alguns minutos, trazendo um pequeno disco de madeira na mão.
_ Fui buscar isto aqui – disse Yczar, mostrando o objeto que trouxera. Era um pequeno medalhão de madeira, com a figura de um pássaro esculpida em baixo relevo. Anix e Legolas já conheciam aquilo. – Bom, Khalmyr proíbe o uso de itens feitos com magia arcana por seus servos, já que isto pode tornar um combate desequilibrado e injusto. Então, peço que um de vocês utilize isto por mim. Basta colocá-lo na mão e o amuleto virará um pássaro. Depois é só entregar-lhe este bilhete e ele fará o resto do trabalho. Não deverá demorar muito. Podemos almoçar enquanto isto.
Anix apanhou o amuleto e tal qual Yczar descrevera, o pássaro apareceu. Colocou o pequeno pedaço de papel em seu bico e a ave voou em velocidade espantosa rumo ao norte. Horas depois, enquanto almoçavam, um mensageiro chegou apressado, chamando por Yczar.
_ Ele chegou! Vamos recebê-lo – disse o homem, com entusiasmo.
Caminharam rumo à entrada do castelo, onde uma figura diminuta os aguardava. Vestia robes intrincados e tinha a cabeça coberta por um manto aveludado. O visitante acenou para Yczar, e depois para Anix e Legolas, como se os conhecesse também.
_ Há quanto tempo não os vejo, amigos. É bom reencontrá-los – disse o pequenino. Anix e Legolas imediatamente reconheceram a voz do anão que se dirigia a eles. Era Guitespin.
O anão abraçou com alegria os amigos que haviam ajudado a salvá-lo da prisão de Ortenko. Anix contou-lhe os problemas que estavam enfrentando e o pequeno concordou em ajudá-los. Entretanto, para conseguir teleportar os soldados, precisava saber com exatidão a localização da torre. Assim, Guitespin tentou em vão ler a mente de Anix, que bloqueava seus pensamentos temendo que descobrissem em sua mente o beholder. Já Legolas não ofereceu resistência e deixou que Guitespin acessasse suas memórias, descobrindo a localização da espiral amaldiçoada. Então, Guiltespin e Anix invocaram seus poderes e num piscar de olhos, todos foram teletransportados.

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Nailo ficou alarmado quando avistou um grupo de pessoas descendo a rampa que levava até a torre. Correu para a caverna, onde encontrou Squall, já em forma de dragão, também de prontidão. Uma voz familiar gritou no meio da pequena turba que caminhava, fazendo com que a vassoura mágica saísse da caverna e fosse até os recém-chegados.
_ É só o Anix – disse Orion. Subindo nas costas de Galanodel, o guerreiro foi ao encontro dos amigos.
_ Mas quem o está acompanhando? ­– questionou Nailo.
_ Não sei, mas vou descobrir! – respondeu Squall, sorrindo. O Vermelho se lançou no ar e Nailo saltou em suas costas. Kátia, Lucano e todos os outros começaram a descer pela encosta. Mexkialroy se espreguiçou antes de alçar vôo, enquanto observava a movimentação lá em baixo.
_ Espero que sejam saborosos – sibilou o dragão, e voou ao encontro dos outros.
Juntos, dragões coruja deram um rasante sobre as cabeças dos soldados, assustando a todos. Squall cuspiu fogo para o alto, deixando todos ainda mais apreensivos. Yczar já preparava uma ordem de ataque quando Anix o impediu.
_ Não ataquem! São nossos amigos. O Vermelho é o Squall.

O grupo finalmente se reuniu novamente. Anix explicou a Guiltespin e ao cavaleiros tudo sobre as transformações de seus amigos. Squall ainda cobrou do anão satisfações por ele ter desaparecido em Malpetrim sem se despedir de ninguém. Mas o anão rebateu a acusação, dizendo, com razão, que os heróis é que havia sumido repentinamente. Com todos devidamente apresentados, os soldados cercaram a torre, traçando ao redor dela um perímetro de segurança.
_ Não há entradas, senhor! – constatou um dos cavaleiros.
_ A entrada é por cima. Teremos que escalar e depois descer cinco andares – explicou Nailo.
_ Não será necessário – disse o anão, sorrindo. – Há um modo mais rápido.
Guiltespin invocou uma magia poderosa, direcionando-a contra a parede da torre. As rochas começaram a amolecer e a desmanchar, como se fossem feitas de lama. Os cavaleiros rapidamente improvisaram um aríete com um tronco e arrombaram a torre. Uma nova entrada estava criada, finalmente o refúgio de Gulthias, Teztal e Zulil começava a cair. Yczar gritou ordens aos seus soldados que entraram em formação e invadiram a espiral. Felizes com a ajuda, mas ainda não muito certos do que isto acarretaria, os heróis correram no encalço dos cavaleiros da luz.

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