outubro 22, 2012

Capítulo 377 – Fogo e bruxaria


Um brilho inundou a alcova onde o guerreiro e o mago tinham aparecido e seus aliados saltaram de lá de dentro velozmente ao avistarem o perigo. Os rugidos de Orion pareciam estremecer as paredes.

_ Cuidado! – gritou Yczar. – São bruxas da noite!
O paladino preparava-se para o combate de espada em punho diante da porta da saleta para a qual haviam se teletransportado.
_ Elas são imunes ao fogo! Possuem poderes dracônicos, como o Squall – alertou Anix enquanto voava sobre Yczar e se posicionava acima da câmara de teleporte. – Suas peles também são resistentes à maioria das armas e suas mentes não podem ser controladas nem enganadas.
_ Vão morrer mesmo assim! - gritou Legolas, levando a mão à aljava. Lembrou-se tardiamente que gastara todas as suas flechas na batalha contra o exército de mortos-vivos no fundo da caverna e pensou em usar seus poderes gélidos. Entretanto, o elfo teve uma grande surpresa ao ver que em sua aljava ainda havia dez setas de prata, setas que ele sabia não deveriam estar ali. Sem hesitar, ele disparou contra as bruxas. Seus projéteis voaram certeiros e cravaram-se nos corpo das criaturas. E Legolas ficou ainda mais surpreso ao ver que em sua aljava ainda havia dez flechas de prata. Ao que parecia, elas eram inesgotáveis.
Do alto, agarrado à sua vassoura mágica, Anix proferiu um encanto. Gritou para que seus amigos se abaixassem e disparou de seu olho amaldiçoado uma rajada de energia que cintilava em diversas tonalidades ao mesmo tempo. Três das bruxas foram atingidas pelo raio colorido. Uma delas, para desespero de Anix, nada sofreu ao ser alvejada pelo facho de luz anil, revelando que as criaturas também eram resistentes à magia. As outras duas, no entanto, sucumbiram ao poder do mago. A primeira, tal qual acontecera antes com Relâmpago, desapareceu em pleno ar, sendo enviada para outra dimensão ao ser tocada pela rajada violácea. A outra foi ao chão, sem vida, ao receber no peito a luz esverdeada de Anix.
Sem comemorar, Orion avançou contra a terceira bruxa. O guerreiro estava irritado, a criatura à sua frente o incomodava e ele sentia-se compelido a atacá-la, não apenas pela necessidade de sobrevivência, mas pelo puro desejo de matar. Sem suspeitar, o guerreiro se deixava influenciar pelo poder maléfico de sua nova armadura, tal qual Yczar havia advertido. A visão do enorme guerreiro, emoldurado em aço negro com o formato de uma caveira, avançando sobre o inimigo era assustadora. A bruxa poderia ter resistido à magia de Anix, mas certamente não resistiria à fúria de Orion. A espada devoradora de almas desceu sobre a adversária como um pesado martelo. O peito da criatura explodiu em sangue ao receber o golpe, cujo som ecoou pelo salão como um trovão. A bruxa foi ao chão com violência, ferida e enfraquecida. Seu corpo bateu com força no solo e quicou, subindo novamente até a cintura de Orion. O guerreiro golpeou novamente, jogando a bruxa novamente ao chão, sentindo com prazer a energia vital da inimiga fluir para dentro de seu corpo através de sua espada amaldiçoada. Um novo golpe garantiu que a bruxa não voltasse a se levantar, deixando-a prostrada no solo completamente atordoada e quase totalmente ensurdecida pelo som dos impactos.
Yczar e Guiltespin espantaram-se com o poder dos amigos. Pareciam capazes de sozinhos liquidarem aquelas criaturas. Os dois nem tinham agido ainda, apenas observando o combate, procurando a melhor maneira de atacar, e mais da metade dos inimigos já estava fora da batalha. Mas as criaturas ainda eram capazes de surpreender a todos, tanto quanto Anix e Orion tinham acabado de fazer. As duas bruxas restantes reposicionaram-se no salão, voltando a fechar o cerco sobre os heróis e, antes estes que pudessem pensar em reagir, cuspiram chamas sobre todos.
O sopro de fogo das duas bruxas não era nem um pouco parecido com o de Squall. Suas chamas tinham um brilho intenso, ofuscante, e o calor se elevava muitos graus acima do esperado pelos heróis. Orion e Guiltespin não tiveram como evitar serem engolidos pelo fogo. Suas peles arderam e, para desespero e espanto, incendiaram-se. O mesmo aconteceu com suas roupas, armaduras e armas e mesmo o solo incendiou-se ao ser atingido pelas chamas que grudavam em tudo o que atingiam como se fosse cola flamejante. E, como se não fosse suficiente, as criaturas ainda atacaram Anix que se encontrava no alto a salvo do fogo. Projéteis de energia atingiram o mago sem dar-lhe qualquer chance de defesa. Anix agarrou-se à vassoura, evitando a queda enquanto pensava em como contra-atacar as inimigas.
Em pânico, Guiltespin recuou, afastando-se das chamas, tentando apagá-las de seu corpo, e foi até Legolas em busca de auxílio. Uma das poções mágicas do arqueiro minimizou os ferimentos no anão, mas não o livrou do fogo que ardia por todo seu corpo. O arqueiro permanecia frio diante do desespero do anão.
Orion arqueou o corpo para frente, quase desfalecendo ante a gravidade dos ferimentos. Entretanto, não sentia dor alguma, apenas uma pesada sonolência que era inferior apenas à raiva que sentia das criaturas que haviam despejado aquelas chamas sobre ele. E essa raiva foi crescendo e tomando conta da mente de Orion, até suplantar qualquer outro desejo ou intenção que o humano pudesse ter, inclusive a vontade de se entregar ao sono da morte. Então, a fúria de Orion explodiu.
O urro do humano tomou conta do salão, fazendo com que os inimigos, aliados e mesmo as paredes ao redor dele estremecessem. Orion ergueu-se novamente, arfante. Sua boca espumava como a de um touro enlouquecido, seus olhos eram a mais pura representação do ódio insano que possuía. Sem se importar com o fogo que o consumia, sem nem sequer notar a presença de Yczar ao seu lado, canalizando o poder do Deus da Justiça para cicatrizar as queimaduras do guerreiro, Orion começou a golpear freneticamente a bruxa caída ao seu lado, enquanto esta, ainda atordoada, tentava desesperadamente se levantar. E como um animal selvagem fora de controle, Orion retalhou o corpo da bruxa até que os pedaços espalhados pelo chão parassem de se mexer. Ainda tomado pela fúria, o Guerreiro voltou sua atenção para as bruxas restantes que hesitaram, temendo por suas vidas. Naquele instante era difícil distinguir quem era o verdadeiro monstro ali, Orion ou as bruxas.
Já recomposto, Anix disparou uma rajada de energia escura contra uma das mulheres, retirando-lhe parte de sua força vital. Yczar avançou contra a mesma adversária, clamando por Khalmyr e desferindo um potente golpe de espada contra o torso quase nu da mulher. Enfraquecida e gravemente ferida, a bruxa começou a recuar, preparando-se para lançar uma magia. Sua companheira, após drenar as forças de Orion com um feitiço, voou em direção ao teto, como se despencasse para cima, chocando-se violentamente contra a laje. Guiltespin sorriu ao ver que sua magia surtira efeito na mulher, deixando-a confusa sob os efeitos da gravidade invertida. E o último trunfo das inimigas desapareceu subitamente, deixando-as em clara desvantagem. Legolas usou seus poderes para apagar as chamas que castigavam os heróis e o salão. Concentrando-se ao máximo, o arqueiro fez com que a temperatura na sala diminuísse drasticamente, até que uma densa nevasca se precipitasse por todos os lados, encobrindo a visão e congelando o piso de pedra.
_ Ei sua bruxa nojenta! Pode me ouvir? – gritou Anix. A risada da bruxa não só respondeu sua pergunta com serviu para guiá-lo até o alvo. O elfo voou em meio à neve densa e parou exatamente sobre a bruxa, disparando uma corrente de relâmpagos mágicos em direção ao chão. Anix regozijou-se ao ouvir os gritos de dor da monstruosa mulher.
Guiado pelos gritos, Orion disparou contra a bruxa, mas o chão escorregadio e traiçoeiro impediu-o de sair do lugar. As bruxas gargalharam, como se conseguissem ver o que acontecia ao humano e suas risadas foram se tornando cada vez mais baixas até desaparecer totalmente.
_ Yczar! A bruxa está ai perto de você ainda? – gritou Anix.
_ Não! Minha espada não consegue alcançá-la mais. Ela fugiu. Vou tentar localizar sua aura maligna – respondeu o paladino. Usando seus poderes sagrados para procurar pelas criaturas, Yczar não encontrou qualquer vestígio das bruxas. – Não consigo sentir a presença delas! Desapareceram!
_ Deixe-me tentar! – disse Guiltespin. Com seu poder mágico, o anão tentou encontrar as criaturas, mas só detectou as auras mágicas dos artefatos carregados pelos companheiros.
Legolas evocou o poder dos ventos polares e dissipou a neve que nublava a visão de todos. Estavam sozinhos no salão e não havia qualquer rastro das bruxas onde quer que olhassem.
_ Elas devem ter se teletransportado – disse Anix.
_ Bem, vamos seguir adiante, então – respondeu Legolas, abrindo uma das portas que levavam para fora da câmara. Além dela havia uma sala vazia, exceto pela poeira espalhada pelo chão.
_ Esperem! Eu preciso descansar alguns minutos! – queixou-se Orion, arfante.
_ Você parece mal, Orion. Como se sente? Está muito ferido? – preocupou-se Yczar.
_ Não tenho ferimentos. Só estou muito cansado, empreguei energia demais no combate e preciso retomar o fôlego – o guerreiro sentou-se e retirou o elmo que cobria sua cabeça e parte da face. Yczar espantou-se ao ver o rosto de Orion todo queimado pelo fogo.
_ Orion, seu rosto está todo queimado. Como pode dizer que não está ferido?
_ Sério? – espantou-se o guerreiro levando a mão à face deformada. – Que estranho...Não sinto dor alguma.
_ Como isso é possível? – perguntou Anix.
_ Acho que deve ser esta armadura – respondeu Orion. – Depois que a vesti, senti-me revigorado, e a dor dos ferimentos causados pelos mortos-vivos desapareceu. Não dei importância naquele momento, mas agora estou entendendo o que aquilo significava.
_ Algo perigoso, é isso o que significa. Se você não sente dor, pode muito bem morrer sem nem perceber a gravidade de seus ferimentos. Além do mais, durante a luta você mais parecia um bárbaro sem cérebro. Esqueceu-se de se proteger e de se livrar do fogo em seu corpo – advertiu Yczar.
_ É, eu sei. Descontrolei-me, desculpem. Mas depois que as bruxas cuspiram aquele fogo em mim, meu único pensamento era arrancar as cabeças delas. Acho que isso também tem a ver com esta armadura. Depois que a coloquei, comecei a ficar meio irritado.
_ Bom, deixemos isso para lá por hora. Orion, trate destas feridas com poções mágicas depressa – disse Anix. – Depois é melhor voltarmos para onde os outros soldados ficaram. Lembrem-se que só viemos checar se o corredor tinha saída, até que o Orion desapareceu na sala de teleporte.
Enquanto Orion, Guiltespin e Yczar se curavam, Anix revistava os corpos das bruxas derrotadas. Encontrou um colar com cada uma delas, semelhante ao que Orion portava e que tinha sido retirado da bruxa que tinham derrotado na vila de Lucano. Anix guardou os colares consigo, pois sabia que seriam úteis para protegê-los de doenças e outros males. Enquanto isso, Legolas tentava entrar na sala anexa, porém, uma armadilha o impedia. O chão tornava-se eletrificado, disparando faíscas para todos os lados, quando alguém o tocava. Legolas só não fora ferido por causa de sua grande agilidade, mas sua rapidez não iria protegê-lo por muito tempo, caso decidisse entrar na sala.
Já restabelecido, Guiltespin tomou a dianteira e, conjurando um feitiço sobre si próprio, invadiu a câmara engatinhando pelas paredes como uma aranha. O anão procurou pelo mecanismo da armadilha e por uma forma de desarmá-lo, mas não foi capaz de encontrar qualquer coisa que os ajudasse. Frustrado, o pequeno mago voltou para junto dos companheiros.
_ Bem, vamos voltar então e encontrar os outros – disse o anão. Mal terminou suas palavras, as duas bruxas materializaram-se diante de seus olhos, cercando o grupo e cuspindo novamente suas chamas mortais sobre todos. Anix desabou pesadamente no chão, seu corpo totalmente tomado pelas chamas. Para piorar, a bruxa que havia sido ferida pelo mago e por Yczar estava completamente recuperada dos machucados.
Legolas, que estava corpo a corpo com uma das criaturas, ergueu sua mão para o alto, evocando um frio sobrenatural. Sua mão brilhou e uma camada de gelo começou a se depositar sobre a bruxa lentamente. Mas, para sua frustração, a criatura também era imune ao frio e, ao contrário do que desejava o arqueiro, seu corpo não congelou.
­_ Khalmyr!!! – gritou Yczar, atacando com todas as forças a criatura que ferira antes. Sua espada brilhou, irradiando energia positiva ao rasgar com violência o corpo da bruxa. O guerreiro sagrado continuou golpeando com rapidez e avançando sobre a bruxa, deixando-a prostrada no chão, incapaz de fazer outra coisa que não fosse esquivar-se da lâmina do paladino.
Acuada, a bruxa tornou-se presa fácil para Orion. O guerreiro estava novamente dominado por uma fúria insana e atacava a inimiga com ferocidade. Na outra ponta da câmara, o corpo de Legolas era rasgado pelas presas e garras da mulher que o enfrentava. Guiltespin, ignorando as chamas que o consumiam, concentrou-se e lançou um poderoso feitiço na criatura. Os pés da bruxa ficaram colados ao solo, transformando-se em pedra sólida. A transformação tomou conta do restante do corpo da mulher lentamente, até que a poderosa bruxa transformou-se em uma estátua assustadora, porém inofensiva.
Orion, após esquartejar a segunda bruxa e após sua espada deliciar-se com a alma da mulher, partiu em disparada na direção da criatura petrificada e a destruiu com sua lâmina negra. Com as inimigas derrotadas, o guerreiro recuperou a sanidade e caiu novamente na exaustão devido ao esforço intenso que fizera.
Legolas usou novamente seus poderes para apagar o fogo e todos correram em direção a Anix. Mas, o corpo inconsciente do elfo já se levantava, dominado por seu hospedeiro maligno.
_ O que acontece? Por que estão todos acordados? – resmungou o beholder.
_ Não é noite ainda, senhor. Por favor, um amigo está ferido, precisa de cuidados. Deixe-me cuidar dele, deixe que ele desperte – pediu Legolas.
_ Se não é noite, então por que ele dormiu? – perguntou a criatura.
_ Ele foi ferido em combate. Quase morreu e perdeu a consciência por causa dos ferimentos. Por favor, volte a dormir e nos deixe cuidar de Anix.
_ Não, tenho um acordo com aquele fracote imprestável. Durante a noite eu domino e, em troca, durante o dia ele pode usar meus poderes.
_ Mas ainda não é noite, eu juro.
_ E como posso confiar em você?
_ Eu lhe dou minha palavra de honra. Pode confiar em mim.
_ Não tenho porque confiar em você. E por hora vou apenas me alimentar, deixe-me em paz – e dizendo isso, o monstro dentro de Anix inclinou-se sobre o corpo da bruxa morta e pôs-se a devorá-la. Legolas teve tempo de apenas retirar o colar mágico da bruxa. A cena era grotesca e, assustados, Yczar e Guiltespin afastaram-se lentamente enquanto assistiam ao odioso banquete daquele que já fora o grande amigo a quem admiravam e a quem eram gratos por estarem vivos.


>>> Próximo episódio: Bem vindos ao culto!

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