Um brilho inundou a
alcova onde o guerreiro e o mago tinham aparecido e seus aliados saltaram de lá
de dentro velozmente ao avistarem o perigo. Os rugidos de Orion pareciam
estremecer as paredes.
_ Cuidado! – gritou Yczar. – São bruxas da noite!
O paladino
preparava-se para o combate de espada em punho diante da porta da saleta para a
qual haviam se teletransportado.
_ Elas são imunes ao fogo! Possuem poderes dracônicos,
como o Squall – alertou
Anix enquanto voava sobre Yczar e se posicionava acima da câmara de teleporte.
– Suas peles também são resistentes à
maioria das armas e suas mentes não podem ser controladas nem enganadas.
_ Vão morrer mesmo assim! - gritou Legolas,
levando a mão à aljava. Lembrou-se tardiamente que gastara todas as suas
flechas na batalha contra o exército de mortos-vivos no fundo da caverna e
pensou em usar seus poderes gélidos. Entretanto, o elfo teve uma grande
surpresa ao ver que em sua aljava ainda havia dez setas de prata, setas que ele
sabia não deveriam estar ali. Sem hesitar, ele disparou contra as bruxas. Seus
projéteis voaram certeiros e cravaram-se nos corpo das criaturas. E Legolas
ficou ainda mais surpreso ao ver que em sua aljava ainda havia dez flechas de
prata. Ao que parecia, elas eram inesgotáveis.
Do alto, agarrado à
sua vassoura mágica, Anix proferiu um encanto. Gritou para que seus amigos se
abaixassem e disparou de seu olho amaldiçoado uma rajada de energia que
cintilava em diversas tonalidades ao mesmo tempo. Três das bruxas foram
atingidas pelo raio colorido. Uma delas, para desespero de Anix, nada sofreu ao
ser alvejada pelo facho de luz anil, revelando que as criaturas também eram
resistentes à magia. As outras duas, no entanto, sucumbiram ao poder do mago. A
primeira, tal qual acontecera antes com Relâmpago, desapareceu em pleno ar,
sendo enviada para outra dimensão ao ser tocada pela rajada violácea. A outra foi
ao chão, sem vida, ao receber no peito a luz esverdeada de Anix.
Sem comemorar, Orion
avançou contra a terceira bruxa. O guerreiro estava irritado, a criatura à sua
frente o incomodava e ele sentia-se compelido a atacá-la, não apenas pela
necessidade de sobrevivência, mas pelo puro desejo de matar. Sem suspeitar, o
guerreiro se deixava influenciar pelo poder maléfico de sua nova armadura, tal
qual Yczar havia advertido. A visão do enorme guerreiro, emoldurado em aço
negro com o formato de uma caveira, avançando sobre o inimigo era assustadora.
A bruxa poderia ter resistido à magia de Anix, mas certamente não resistiria à
fúria de Orion. A espada devoradora de almas desceu sobre a adversária como um
pesado martelo. O peito da criatura explodiu em sangue ao receber o golpe, cujo
som ecoou pelo salão como um trovão. A bruxa foi ao chão com violência, ferida
e enfraquecida. Seu corpo bateu com força no solo e quicou, subindo novamente
até a cintura de Orion. O guerreiro golpeou novamente, jogando a bruxa
novamente ao chão, sentindo com prazer a energia vital da inimiga fluir para
dentro de seu corpo através de sua espada amaldiçoada. Um novo golpe garantiu
que a bruxa não voltasse a se levantar, deixando-a prostrada no solo
completamente atordoada e quase totalmente ensurdecida pelo som dos impactos.
Yczar e Guiltespin
espantaram-se com o poder dos amigos. Pareciam capazes de sozinhos liquidarem
aquelas criaturas. Os dois nem tinham agido ainda, apenas observando o combate,
procurando a melhor maneira de atacar, e mais da metade dos inimigos já estava
fora da batalha. Mas as criaturas ainda eram capazes de surpreender a todos,
tanto quanto Anix e Orion tinham acabado de fazer. As duas bruxas restantes
reposicionaram-se no salão, voltando a fechar o cerco sobre os heróis e, antes
estes que pudessem pensar em reagir, cuspiram chamas sobre todos.
O sopro de fogo das
duas bruxas não era nem um pouco parecido com o de Squall. Suas chamas tinham
um brilho intenso, ofuscante, e o calor se elevava muitos graus acima do
esperado pelos heróis. Orion e Guiltespin não tiveram como evitar serem
engolidos pelo fogo. Suas peles arderam e, para desespero e espanto,
incendiaram-se. O mesmo aconteceu com suas roupas, armaduras e armas e mesmo o
solo incendiou-se ao ser atingido pelas chamas que grudavam em tudo o que
atingiam como se fosse cola flamejante. E, como se não fosse suficiente, as
criaturas ainda atacaram Anix que se encontrava no alto a salvo do fogo. Projéteis
de energia atingiram o mago sem dar-lhe qualquer chance de defesa. Anix
agarrou-se à vassoura, evitando a queda enquanto pensava em como contra-atacar
as inimigas.
Em pânico, Guiltespin
recuou, afastando-se das chamas, tentando apagá-las de seu corpo, e foi até
Legolas em busca de auxílio. Uma das poções mágicas do arqueiro minimizou os
ferimentos no anão, mas não o livrou do fogo que ardia por todo seu corpo. O
arqueiro permanecia frio diante do desespero do anão.
Orion arqueou o corpo
para frente, quase desfalecendo ante a gravidade dos ferimentos. Entretanto,
não sentia dor alguma, apenas uma pesada sonolência que era inferior apenas à
raiva que sentia das criaturas que haviam despejado aquelas chamas sobre ele. E
essa raiva foi crescendo e tomando conta da mente de Orion, até suplantar
qualquer outro desejo ou intenção que o humano pudesse ter, inclusive a vontade
de se entregar ao sono da morte. Então, a fúria de Orion explodiu.
O urro do humano tomou
conta do salão, fazendo com que os inimigos, aliados e mesmo as paredes ao
redor dele estremecessem. Orion ergueu-se novamente, arfante. Sua boca espumava
como a de um touro enlouquecido, seus olhos eram a mais pura representação do ódio
insano que possuía. Sem se importar com o fogo que o consumia, sem nem sequer
notar a presença de Yczar ao seu lado, canalizando o poder do Deus da Justiça
para cicatrizar as queimaduras do guerreiro, Orion começou a golpear
freneticamente a bruxa caída ao seu lado, enquanto esta, ainda atordoada,
tentava desesperadamente se levantar. E como um animal selvagem fora de
controle, Orion retalhou o corpo da bruxa até que os pedaços espalhados pelo
chão parassem de se mexer. Ainda tomado pela fúria, o Guerreiro voltou sua
atenção para as bruxas restantes que hesitaram, temendo por suas vidas. Naquele
instante era difícil distinguir quem era o verdadeiro monstro ali, Orion ou as
bruxas.
Já recomposto, Anix
disparou uma rajada de energia escura contra uma das mulheres, retirando-lhe
parte de sua força vital. Yczar avançou contra a mesma adversária, clamando por
Khalmyr e desferindo um potente golpe de espada contra o torso quase nu da
mulher. Enfraquecida e gravemente ferida, a bruxa começou a recuar,
preparando-se para lançar uma magia. Sua companheira, após drenar as forças de
Orion com um feitiço, voou em direção ao teto, como se despencasse para cima,
chocando-se violentamente contra a laje. Guiltespin sorriu ao ver que sua magia
surtira efeito na mulher, deixando-a confusa sob os efeitos da gravidade
invertida. E o último trunfo das inimigas desapareceu subitamente, deixando-as
em clara desvantagem. Legolas usou seus poderes para apagar as chamas que
castigavam os heróis e o salão. Concentrando-se ao máximo, o arqueiro fez com
que a temperatura na sala diminuísse drasticamente, até que uma densa nevasca
se precipitasse por todos os lados, encobrindo a visão e congelando o piso de
pedra.
_ Ei sua bruxa nojenta! Pode me ouvir? – gritou Anix. A
risada da bruxa não só respondeu sua pergunta com serviu para guiá-lo até o
alvo. O elfo voou em meio à neve densa e parou exatamente sobre a bruxa,
disparando uma corrente de relâmpagos mágicos em direção ao chão. Anix
regozijou-se ao ouvir os gritos de dor da monstruosa mulher.
Guiado pelos gritos,
Orion disparou contra a bruxa, mas o chão escorregadio e traiçoeiro impediu-o
de sair do lugar. As bruxas gargalharam, como se conseguissem ver o que
acontecia ao humano e suas risadas foram se tornando cada vez mais baixas até
desaparecer totalmente.
_ Yczar! A bruxa está ai perto de você ainda? – gritou Anix.
_ Não! Minha espada não consegue alcançá-la mais. Ela
fugiu. Vou tentar localizar sua aura maligna – respondeu o paladino. Usando seus
poderes sagrados para procurar pelas criaturas, Yczar não encontrou qualquer
vestígio das bruxas. – Não consigo sentir
a presença delas! Desapareceram!
_ Deixe-me tentar! – disse Guiltespin. Com seu poder mágico, o
anão tentou encontrar as criaturas, mas só detectou as auras mágicas dos
artefatos carregados pelos companheiros.
Legolas evocou o
poder dos ventos polares e dissipou a neve que nublava a visão de todos.
Estavam sozinhos no salão e não havia qualquer rastro das bruxas onde quer que
olhassem.
_ Elas devem ter se teletransportado – disse Anix.
_ Bem, vamos seguir adiante, então – respondeu Legolas,
abrindo uma das portas que levavam para fora da câmara. Além dela havia uma
sala vazia, exceto pela poeira espalhada pelo chão.
_ Esperem! Eu preciso descansar alguns minutos! – queixou-se Orion,
arfante.
_ Você parece mal, Orion. Como se sente? Está muito ferido? – preocupou-se
Yczar.
_ Não tenho ferimentos. Só estou muito cansado, empreguei
energia demais no combate e preciso retomar o fôlego – o guerreiro
sentou-se e retirou o elmo que cobria sua cabeça e parte da face. Yczar
espantou-se ao ver o rosto de Orion todo queimado pelo fogo.
_ Orion, seu rosto está todo queimado. Como pode dizer
que não está ferido?
_ Sério? – espantou-se o guerreiro levando a mão à face
deformada. – Que estranho...Não sinto dor
alguma.
_ Como isso é possível? – perguntou Anix.
_ Acho que deve ser esta armadura – respondeu Orion. – Depois que a vesti, senti-me revigorado, e a
dor dos ferimentos causados pelos mortos-vivos desapareceu. Não dei importância
naquele momento, mas agora estou entendendo o que aquilo significava.
_ Algo perigoso, é isso o que significa. Se você não
sente dor, pode muito bem morrer sem nem perceber a gravidade de seus
ferimentos. Além do mais, durante a luta você mais parecia um bárbaro sem
cérebro. Esqueceu-se de se proteger e de se livrar do fogo em seu corpo – advertiu Yczar.
_ É, eu sei. Descontrolei-me, desculpem. Mas depois que
as bruxas cuspiram aquele fogo em mim, meu único pensamento era arrancar as
cabeças delas. Acho que isso também tem a ver com esta armadura. Depois que a
coloquei, comecei a ficar meio irritado.
_ Bom, deixemos isso para lá por hora. Orion, trate
destas feridas com poções mágicas depressa – disse Anix. – Depois é melhor voltarmos para onde os outros soldados ficaram.
Lembrem-se que só viemos checar se o corredor tinha saída, até que o Orion
desapareceu na sala de teleporte.
Enquanto Orion,
Guiltespin e Yczar se curavam, Anix revistava os corpos das bruxas derrotadas.
Encontrou um colar com cada uma delas, semelhante ao que Orion portava e que
tinha sido retirado da bruxa que tinham derrotado na vila de Lucano. Anix
guardou os colares consigo, pois sabia que seriam úteis para protegê-los de
doenças e outros males. Enquanto isso, Legolas tentava entrar na sala anexa,
porém, uma armadilha o impedia. O chão tornava-se eletrificado, disparando
faíscas para todos os lados, quando alguém o tocava. Legolas só não fora ferido
por causa de sua grande agilidade, mas sua rapidez não iria protegê-lo por
muito tempo, caso decidisse entrar na sala.
Já restabelecido,
Guiltespin tomou a dianteira e, conjurando um feitiço sobre si próprio, invadiu
a câmara engatinhando pelas paredes como uma aranha. O anão procurou pelo
mecanismo da armadilha e por uma forma de desarmá-lo, mas não foi capaz de
encontrar qualquer coisa que os ajudasse. Frustrado, o pequeno mago voltou para
junto dos companheiros.
_ Bem, vamos voltar então e encontrar os outros – disse o anão. Mal
terminou suas palavras, as duas bruxas materializaram-se diante de seus olhos,
cercando o grupo e cuspindo novamente suas chamas mortais sobre todos. Anix
desabou pesadamente no chão, seu corpo totalmente tomado pelas chamas. Para
piorar, a bruxa que havia sido ferida pelo mago e por Yczar estava
completamente recuperada dos machucados.
Legolas, que estava
corpo a corpo com uma das criaturas, ergueu sua mão para o alto, evocando um
frio sobrenatural. Sua mão brilhou e uma camada de gelo começou a se depositar
sobre a bruxa lentamente. Mas, para sua frustração, a criatura também era imune
ao frio e, ao contrário do que desejava o arqueiro, seu corpo não congelou.
_ Khalmyr!!! – gritou Yczar, atacando com todas as forças a
criatura que ferira antes. Sua espada brilhou, irradiando energia positiva ao
rasgar com violência o corpo da bruxa. O guerreiro sagrado continuou golpeando
com rapidez e avançando sobre a bruxa, deixando-a prostrada no chão, incapaz de
fazer outra coisa que não fosse esquivar-se da lâmina do paladino.
Acuada, a bruxa
tornou-se presa fácil para Orion. O guerreiro estava novamente dominado por uma
fúria insana e atacava a inimiga com ferocidade. Na outra ponta da câmara, o
corpo de Legolas era rasgado pelas presas e garras da mulher que o enfrentava.
Guiltespin, ignorando as chamas que o consumiam, concentrou-se e lançou um
poderoso feitiço na criatura. Os pés da bruxa ficaram colados ao solo,
transformando-se em pedra sólida. A transformação tomou conta do restante do
corpo da mulher lentamente, até que a poderosa bruxa transformou-se em uma
estátua assustadora, porém inofensiva.
Orion, após
esquartejar a segunda bruxa e após sua espada deliciar-se com a alma da mulher,
partiu em disparada na direção da criatura petrificada e a destruiu com sua
lâmina negra. Com as inimigas derrotadas, o guerreiro recuperou a sanidade e
caiu novamente na exaustão devido ao esforço intenso que fizera.
Legolas usou
novamente seus poderes para apagar o fogo e todos correram em direção a Anix.
Mas, o corpo inconsciente do elfo já se levantava, dominado por seu hospedeiro
maligno.
_ O que acontece? Por que estão todos acordados? – resmungou o
beholder.
_ Não é noite ainda, senhor. Por favor, um amigo está
ferido, precisa de cuidados. Deixe-me cuidar dele, deixe que ele desperte – pediu Legolas.
_ Se não é noite, então por que ele dormiu? – perguntou a
criatura.
_ Ele foi ferido em combate. Quase
morreu e perdeu a consciência por causa dos ferimentos. Por favor, volte a
dormir e nos deixe cuidar de Anix.
_ Não, tenho um acordo com aquele fracote imprestável.
Durante a noite eu domino e, em troca, durante o dia ele pode usar meus poderes.
_ Mas ainda não é noite, eu juro.
_ E como posso confiar em você?
_ Eu lhe dou minha palavra de honra. Pode confiar em mim.
_ Não tenho porque confiar em você. E por hora vou
apenas me alimentar, deixe-me em paz – e dizendo isso, o monstro dentro de Anix
inclinou-se sobre o corpo da bruxa morta e pôs-se a devorá-la. Legolas teve
tempo de apenas retirar o colar mágico da bruxa. A cena era grotesca e,
assustados, Yczar e Guiltespin afastaram-se lentamente enquanto assistiam ao
odioso banquete daquele que já fora o grande amigo a quem admiravam e a quem eram
gratos por estarem vivos.
>>> Próximo episódio: Bem vindos ao culto!
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