dezembro 19, 2007

Capítulo 297 – Tempo de compras 1 – Squall, Orion e o mercado negro

Capítulo 297 Tempo de compras 1 Squall, Orion e o mercado negro

Estavam em Vectora. E carregavam consigo toda a enorme quantidade de dinheiro, jóias e tudo mais que haviam reunido até então, os tesouros e espólios das grandes aventuras que tinham vivido até ali. E estavam em Vectora, o maior e mais famoso mercado de Arton. Era tempo de compras. Assim o grupo se dividiu: Nailo, acompanhado da noiva, do lobo e do amigo Lucano, guiado por um garoto chamado Jimmy; Anix, seus pais, Enola, Silfo e Rael formavam o grupo mais numeroso, orientados por uma pequena elfa chamada Silmara, cujo nome trouxe más lembranças a Anix; Legolas avançava pelas ruas acompanhado de sua esposa e seu cavalo, sem ajuda de guias; Squall e Orion ficaram com Seelan, que já conhecia a cidade e carregava em sua mochila mágica o dinheiro do feiticeiro. Assim os aventureiros fizeram uma pausa em suas carreiras heróicas para fazer um merecido e esperado passeio ao lado das pessoas que amavam, e para reforçar seu arsenal de armas, armaduras e instrumentos mágicos, ficando assim, mais preparados para os desafios vindouros.

Pouca coisa digna de nota pode ser mencionada sobre um dia comum de compras de um grupo de aventureiros acostumados a enfrentar perigos que fariam qualquer monarca chorar de pavor. Entretanto, mesmo as coisas mundanas, quando realizadas por aquele grupo de jovens heróis, mostravam enorme potencial para se transformarem em jornadas épicas. Era como se eles atraíssem confusão ou, como já lhes fora dito antes por Velta, era como se eles atraíssem a desgraça, onde quer que fossem. Pois foi em Vectora, onde dificilmente alguma coisa poderia sair errada que Squall quase foi preso por porte ilegal de pólvora.

Como se sabe, o feiticeiro tinha grande fascínio por esse tipo de equipamento e carregava consigo armas que pertenceram ao goblin engenhoqueiro que trabalhava para a bruxa Silmara. E essas armas tinham um aspecto semelhante ao das armas usadas por piratas e outros foras da lei, que circulavam ocultos pelo reinado cometendo crimes e usando o temível e instável pó negro para abastecerem suas armas.

Imprudente, Squall tentou vender as armas que possuía, e foi apanhado pela milícia da cidade, que confundiu as armas do Vermelho com armas de fogo comuns. Foi salvo graças a Seelan que interveio e o livrou da prisão, explicando tudo aos soldados. Foi assim que Squall e Orion descobriram que Seelan era grande amigo dos soldados e um antigo morador de Vectora, com um renome considerável.

Espertamente, Orion aproveitou a influência do capitão para obter da milícia uma autorização especial que lhe permitia portar e negociar as armas do goblin, identificadas como armas mágicas ao invés de armas de pólvora, como se podia supor. Felizmente, os soldados (e até mesmo Orion, Squall e Seelan) não suspeitavam que algumas das armas de Grinch de fato utilizavam pólvora e outros compostos químicos semelhantes para acionar seus intrigantes poderes. Sem suspeitar desse fato, Orion, Squall e Seelan retornaram para as ruas, para as compras.

Distraídos com toda a exuberância da cidade, onde tudo podia ser encontrado, desde uma comida estranha como filé de mantícora a armas mágicas que cantavam e dançavam, Squall e Orion acabaram por se separar de Seelan. Tentaram encontrá-lo em vão, era quase impossível localizar alguma pessoa no meio da multidão que circulava pelas ruas apertadas e esfumaçadas de Vectora. Desistindo da busca, decidiram procurar um lugar adequado onde pudessem vender as armas do goblin e fazer algum dinheiro para gastarem, especialmente Squall, cujo dinheiro estava guardado dentro da mochila de Seelan, sabe-se lá onde.

Contrataram um guia. Seu nome era Tião, um homem simples de olhar alerta e boa lábia. Pagaram adiantado uma grande quantia em ouro, para que ele os conduzisse até o mercado negro, o lugar onde produtos ilegais eram vendidos livremente, longe dos olhos as autoridades – ou talvez com o consentimento destas – e onde eles poderiam vender as armas que carregavam e que muito se pareciam com as proibidas armas de pólvora.

Tião os conduziu por ruas cada vez mais apertadas, tortuosas e sujas do bairro Mucro, o bairro das armas, onde qualquer tipo de arma, armadura ou semelhante poderia ser encontrada. Mucro era reduto de ferreiros e artesões que trabalhavam com maestria os diversos tipos de metais e outros materiais. Espadas, machados, arcos, bestas e muitas outras eram encontradas com facilidade ali e em muitas versões. Armas mágicas que cuspiam fogo, gelo eletricidade ou qualquer outra coisa que se pudesse imaginar, catapultas de punho, lanças que se dobravam até caber em um bolso de camisa, cotas de malha capazes de refletir magias contra o conjurador, peitorais com asas e armaduras de batalha que se vestiam sozinhas no corpo do dono, tudo isso e muito mais era encontrado em Mucro. Isso porque, além de contar com os melhores profissionais de Arton, Vectora transitava também por outros mundos, por outros universos onde coisas difíceis de sequer serem imaginadas existiam.

Em uma praça, oculta pelos prédios, onde várias pequenas vielas se encontravam, ficava o mercado proibido. Tião deixou seus dois clientes em um beco, enquanto entrava numa taverna para comprar a passagem segura deles pelo local. Em um porão suspeito encontraram uma grande casa de jogos clandestina, onde clientes incautos perdiam suas economias e bens, além de se deleitarem com diversos tipos de alucinógenos, como Achbuld e outras drogas. No fundo do cassino havia uma porta baixa, aveludada e escura, quase imperceptível à distância, por onde Tião os conduziu após fornecer a senha correta.

Além da porta havia uma sala não muito espaçosa onde alguns poucos móveis – nada além de duas estantes recheadas de livros e arquivos e uma escrivaninha – dividiam espaço com seus ocupantes. Havia dois homens altos e fortes, de pele bronzeada e coberta de desenhos e inscrições ritualísticas, cada um deles protegendo um flanco da escrivaninha com grandes lanças em punho e espadas e outros equipamentos mortais atados em seus cintos (uma das poucas peças de roupa que usavam). Atrás da escrivaninha havia um homem gordo e com pouco cabelo, enfiado em roupas suadas e amareladas, que pareciam não terem sido confeccionadas para alguém daquele tamanho. Tinha um longo cachimbo na boca, do qual puxou uma longa tragada antes de depositá-lo em um cinzeiro de madeira sobre a escrivaninha. E em seu colo havia uma halfling com o rosto já tomado por algumas rugas e seios pendentes à mostra, que o homem apertava e puxava como a um brinquedo.

_ Sejam bem vindos – disse o homem sorrindo. – O que o traz aqui, Tião?

_ Bem, senhor Gorco, esses dois cavalheiros desejam fazer negócios com o senhor – respondeu o guia, com mesura. – Eles possuem armas que podem interessar ao senhor.

Gorco deu as boas vindas aos dois aventureiros. Era um homem extremamente confiante de si, um tanto arrogante até. Dava altas gargalhadas e não hesitava em interromper quem quer que fosse, como se apenas suas palavras tivessem importância.

Tentando demonstrar esperteza, Squall indagou-o sobre as taxas cobradas por Tião e sobre a necessidade de subornarem alguém dentro da taverna para poderem passar pelo lugar. Tentou se impor, falando do mercado negro, de negócios e produtos proibidos como se dissesse “Sei que você é um criminoso e se algo me acontecer eu o denuncio”. Gorco, no entanto, não demonstrou sequer uma nesga de preocupação ou respeito.

O homem pediu para que lhe fossem mostrados os produtos logo, interrompendo Squall. O feiticeiro mostrou as armas de Grinch, mas não foi capaz de explicar (ou não desejou) seu funcionamento. Gorco reagiu com tranqüilidade e ordenou a Tião que fosse buscar alguém. Minutos ele retornou acompanhado uma mulher de cabelo loiro, amarrado numa longa trança e delicadamente embalada em roupas de couro batido ornadas com jóias exóticas. Ela estava armada, uma espada garbosa e uma arma de fogo pendiam de sua cintura em ameaça.

_ Sandy, quero que você dê uma olhada nessas armas para mim – pediu Gorco, sério. – Esses cavalheiros estão querendo negociá-las comigo e preciso saber o que fazem e quanto valem.

Sandy era uma mulher bela, mas dona de um olhar frio e cruel. Tomou as armas da mão de Squall e pôs-se a examiná-las. Squall fez um gracejo, deixando claro que conhecia o funcionamento da arma e estava apenas testando as habilidades da moça.

_ Não me provoque, ou irei testar essa arma em sua cabeça – irritou-se ela, apontando a arma com flechas para a cabeça de Squall.

_ Você não vai atirar – desafiou, achando tratar-se de um blefe. Não era.

Sandy pressionou o gatilho e disparou a arma. As setas se projetaram, presas por fios metálicos ao cano da arma, fizeram uma curva perto do rosto de Squall e retornaram, fincando-se no chão ao redor de Sandy.

_ É mágica! – exclamou a mulher. – Yago, diga o que isso faz! – gritou por fim.

Uma voz surgiu atrás de Gorco, onde não havia ninguém (ou ao menos ninguém que pudesse ser visto), murmurando versos mágicos. Cinco projéteis de luz intensa surgiram no ar e avançaram em direção à mulher. Mísseis mágicos, como deduziu Squall. Os dardos de energia tentaram penetrar na barreira formada pelos fios metálicos que cercavam Sandy e iam em direção às flechas no chão. Então, faíscas brotaram dos fios e atingiram cada projétil, desintegrando-os.

_ Isso é como um pequeno globo de invulnerabilidade. Magias de baixo poder não conseguem atravessá-lo para lhe atingir – exclamou a voz grave e fantasmagórica atrás de Gorco. Era o tal Yago.

Sandy puxou uma seqüência de alavancas na arma e os fios foram liberados, pendendo frouxos até caírem no chão. Anunciou que havia apenas mais duas cargas de projéteis na arma e depois começou a análise da segunda arma. Era um pequeno revólver, com um cone de pele esticada em lugar de um cano para disparar projéteis.

_ Cuidado Sandy! Esse cone parece ser capaz de vibrar e produzir algum tipo de som . Se for alto isso pode ser usado para atordoar ou até matar – alertou Yago.

­_ Eu sei – respondeu ela, com desdém.

Não havia mais muitas cargas também na arma de Orion, como anunciou a mulher. Apenas dois ou três cartuchos capazes de disparar uma explosão dentro do cone a acionar o efeito da arma, de modo que ela não foi testada. Sandy colocou as armas sobre a mesa de Gorco e uma voz sussurrou no ouvido do homem gordo os preços que as armas valiam, não mais de 2000 tibares de ouro, como conseguiu ouvir Squall. Gorco anunciou seu preço, mas Squall recusou.

_ Olha senhor Gorco, não posso lhe vender as armas agora. Elas pertencem a mim e a meus amigos, e nós pretendemos dividir o dinheiro da venda. Por isso, antes de fechar o negócio, preciso consultá-los.

_ Então quer dizer que você tem amigos envolvidos no negócio? E eles são assim como você? – perguntou o homem.

_ Sim, mais ou menos... – respondeu Squall, sem entender direito a pergunta.

_ Pois então, meu rapaz, vá consultá-los. E se tiverem mais armas como essas, ou outros itens interessantes para negociar, tragam-nos e lhe garanto que faremos um bom negócio. Agora, por que não aproveitam e se divertem um pouco em minha casa, é por minha conta, uma cortesia – Gorco sorriu e olhou para a halfling em seu colo. – Tinara, acompanhe os cavalheiros e dê-lhes um pouco de diversão e prazer. Pegue uma das outras meninas e divirtam nossos convidados.

A pequenina assentiu sorridente, roçando vagarosamente os pequenos seios na perna de Squall.

_ Senhor, agradeço a oferta, mas não posso ficar tenho que encontrar logo meus amigos. Além do mais, estou pagando o Tião por hora e não posso perder tempo – disse Squall, afastando-se de Tinara.

_ Está bem, eu compreendo. Mas, como prova de boa fé, eu pagarei as duas primeiras horas dos serviços de Tião para você. Tinara, dê o dinheiro ao Tião.

A mulherzinha seminua pegou uma bolsa de couro recheada de moedas em uma gaveta e entregou ao guia. Tião agradeceu e caminhou em direção à porta, junto de Orion. Squall permanecia parado.

_ Senhor Gorco. Tenho um favor a lhe pedir. Será que o senhor se importaria em me vender esse seu cachimbo, ou em me dizer onde conseguir um igual. É presente para um dos meus amigos.

_ Olha rapaz, eu gostei de você. E se é para um de seus amigos, pode levar como presente. Agora vá, meu rapaz, ficarei aguardando ansioso pelo seu retorno. Gorco entregou o cachimbo para o feiticeiro, após limpá-lo, e sorriu. Squall, Orion e Tião se despediram e saíram.