janeiro 25, 2007

Campanha B - Capítulo 7 – Contratação

Capítulo 7 Contratação

O posto da milícia era não mais do que uma grande casa encravada nas proximidades da taverna Olho de Grifo. Um pequeno salão com um banco de espera e uma escrivaninha para o soldado atendente recepcionava as pessoas que precisassem da ajuda das autoridades. Uma pequena porta ao lado da escrivaninha dava acesso a um salão um pouco maior, onde alguns presos acotovelavam-se em dois grandes bancos de madeira, enquanto aguardavam pela sua vez de prestar depoimento. Duas outras portas existiam nesse salão. Uma delas, sempre fechada, conduzia a um longo corredor com várias portas que davam acesso a uma cozinha simples, aos arquivos do posto de guarda, ao depósito de armas, um banheiro e um alojamento para os soldados descansarem, no final do corredor, uma porta dava acesso à área das celas. A outra porta, sempre aberta, conduzia à sala do capitão da guarda, que chefiava os soldados do posto. Foi para onde o grupo que lutou contra os goblins na taverna foi levado.

Passaram pelo salão anterior ao escritório do capitão, onde um bêbado algemado ocupava um dos bancos. Viram com satisfação que no outro banco, também algemado, estava o louco que há pouco havia causado tumulto na cidade, assustando todos os passantes com um enorme esqueleto animado. Sentaram-se num grande banco de madeira, diante de uma escrivaninha, atrás da qual estava o chefe dos soldados. O homem os recebeu amistosamente, levantou-se e pegou alguns papéis num armário ao lado da mesa e começou a tomar nota dos fatos ocorridos. Começou pelos nomes dos envolvidos, suas ocupações, os motivos pelos quais estavam na taverna. Depois, pediu que contassem detalhadamente o que tinha acontecido na taverna. Kallas começou explicando o que tinha acontecido, sobre a chegada dos goblins e a evacuação da taverna, sobre os goblins intimidarem o taverneiro, e sobre terem-no ofendido.

_ Eu só liguei uma coisa à outra! Eles entraram, todos saíram, sinal de encrenca! Depois vi o Jonas entregando uma bolsa que parecia ter moedas para ele, só podia ser extorsão! – dizia Kallas, enquanto o chefe da guarda anotava tudo pacientemente.

_ Faz sentido! – disse uma voz distante, vinda de fora da sala, do corredor.

_ Quem disse isso? – perguntou Kallas.

_ Ah! É um prisioneiro que estava causando tumulto na cidade! Ele está lá no corredor! Cale sua boca ai fora! – respondeu o capitão.

_ É, eu o vi fazendo isso quando estava indo pra taverna! Ele disse que foi um show, mas não gostei nem um pouco desse show! – completou o mago.

Nirvana acrescentou, contando sobre o goblin que a havia abordado quando saia de sua joalheria. Um a um foi contando o que sabia, acrescentando fatos à história, até que restava apenas uma coisa a esclarecer, o que havia na bolsa dada pelo taverneiro. Então, finalmente ele resolveu se pronunciar e confirmou aquilo que todos já suspeitavam. Havia dinheiro na bolsa, moedas de ouro, que seriam dadas aos goblins como taxa de proteção. Jonas disse que já havia sido procurado por eles, várias vezes, e intimidado a pagar pela taxa para que ele não fosse vítima de atentados. Acuado e temendo por sua vida e de sua família, Jonas resolveu aceitar pagar a tal taxa.

_ Bem, na verdade não é a primeira vez que isso acontece por aqui! Já recebemos várias denúncias de comerciantes que vem sendo extorquidos por esses goblins! Sabemos que eles devem ser apenas os soldados rasos de alguma guilda de criminosos! Mas, infelizmente, ainda não temos nenhuma pista de quem está por trás disso! Eu peço a colaboração de vocês, caso vejam alguma coisa de suspeita, para nos manterem informados de tudo! – disse o capitão.

_ Sim, se eu souber de alguma coisa suspeita, eu o avisarei! – gritou o homem no corredor, novamente se intrometendo na conversa.

_ Você fique quieto ai fora! Soldados, façam com que ele se cale! – gritou o capitão.

Dois soldados cercaram o homem, armados com clavas, prontos para fazê-lo dormir do pior jeito. O homem se levantou, pedindo que os guardas esperassem um momento e começou a cantar. Cantava sorrindo alegremente, como se estivesse se apresentando para uma platéia gigantesca. Os soldados ficaram parados, catatônicos, olhando para a estranha cena, e chegaram a uma conclusão.

_ Capitão! Esse louco deve ser um clérigo de Nimb! É totalmente maluco! – disseram os soldados. Os dois guardas, com pena da pobre criatura desmiolada, resolveram não bater nele. No escritório do capitão, a conversa prosseguiu.

_ Mas o que vocês pretendem fazer com relação a esses goblins? – perguntou Nirvana.

_ Bem, estamos investigando, ainda! Mas, assim que tivermos alguma pista, iremos prender todos eles! – respondeu o capitão.

_ Bem, eu posso ajudar de alguma maneira, já que eles provavelmente irão me procurar novamente! – propôs a mulher.

_ Eu tenho uma proposta! Vocês já viram o que eu posso fazer! Posso ajudar em troca da minha liberdade! gritou o homem no corredor.

_ Cale-se! – gritou um dos soldados.

_ Aquele goblin continua vivo? – perguntou Kallas.

_ Sim, ele está inconsciente, mas ainda está vivo!

_ Que tal se nós o curássemos, e deixássemos ele fugir daqui! Poderíamos segui-lo até o esconderijo dele e descobrir quem está por trás de tudo isso! – sugeriu o mago.

_ Isso, ótima idéia! Eu posso curá-lo! Eu tenho esse poder! – gritou o homem no corredor.

_ Eu estou procurando emprego, seria uma boa oportunidade para eu trabalhar ajudando vocês nesse caso! – disse Kallas.

_ Nós também! Todos estamos em busca de algo assim! Se você quiser nos contratar, poderíamos investigar esse caso para vocês! – falou Lohranus.

_ Eu também! E eu nem cobrarei por isso! Basta que me libertem! – intrometeu-se novamente o louco fora da sala.

_ É uma proposta interessante! Deixe-me pensar um pouco sobre isso! Não gostaria de envolver pessoas sem treinamento, mas vocês já mostraram possuir boas habilidades naquela taverna! Dêem-me um minuto! – concluiu o comandante, retirando-se da sala e indo para os fundos da base.

Enquanto aguardavam, Serena contou aos seus novos companheiros tudo que tinha visto o intrometido do corredor fazer nas ruas. Contou sobre o tumulto com o rato, e sobre a confusão com o esqueleto. Também mencionou sobre o desejo dele de se tornar um lich.

_ Que história é essa de lich? – Lohranus se levantou e foi até o corredor, seguido pelos outros. Encarou o homenzinho com firmeza e interrogou-o.

_ Ah! Você ouviu! Ah, eu resolvi que eu mereço! – respondeu o homem, orgulhoso.

_ Como assim merece?

_ Calma, eu provo!

_ Vou lhe dizer uma coisa, sua mãe está morta, não está?

Lohranus calou-se, segurando-se para não empalá-lo ali mesmo com seus chifres. Sua mãe, ao menos quando ele havia partido de sua terra, estava viva e gozando de farta saúde. Dizer aquilo era uma ofensa imperdoável, mas o minotauro revelou, levando em consideração a insanidade daquele homem.

_ Sua mãe está viva, eu sei! Thyatis me escolheu! A grande fênix de fogo me escolheu! – continuou o lunático.

_ Como assim escolheu você? Escolheu você pra se tornar um lich? – Lohranus ficava cada vez mais confuso.

_ Não, isso não vem ao caso! Na verdade a transformação em lich é uma forma de eu atingir a imortalidade! E tem também minha irmã! Eu tenho que ajudá-la! Ela foi assassinada por uns bandidos e por isso eu tenho que dar a imortalidade para ele, transformando-a num zumbi! – respondeu o homem, deixando todos ainda mais confusos.

_ Espere um pouco! Você está me dizendo que vai transformar sua irmã num zumbi? – perguntou o minotauro.

_ Sim! Quer que eu faça com você? – ofereceu o rapaz.

Todos ficaram espantados com tamanha demência, ou ousadia talvez. Mas o fato é que aquele homem não era uma pessoa normal. Enquanto Lohranus tentava entender a mente distorcida do rapaz, o capitão retornou, pensativo.

_ Vejam bem, eu aceito a oferta de vocês! Vocês serão contratados para ajudar a investigar esse caso! Eu lhes darei uma recompensa de mil tibares de ouro caso consigam descobrir alguma pista importante sobre o caso! E eu tenho uma proposta a lhes fazer! Eu lhes dou trezentos tibares de ouro agora se vocês levarem esse insano pra bem longe daqui e não o tragam de volta! O que me dizem? – disse o oficial.

_ Levar esse maluco com a gente? Hum...precisamos pensar! O que vocês acham? – Lohranus coçou o queixo e se voltou para seus companheiros, a sombra da dúvida pairava sobre seu semblante.

_ Bem, ele tem alguns poderes que a gente poderia aproveitar! – lembrou Serena.

_ Sim! Eu tenho poderes! Vou mostrar! Estão vendo aquela barata na parede? Joguem-na em mim, por favor! – pediu o rapaz.

Lohranus estranhou o pedido, mas, como tudo que vinha daquele homem era estranho, atendeu ao pedido. O minotauro pegou o inseto, que caminhava tranqüilamente pela parede da prisão, e o atirou com força na testa do rapaz. A pequena barata explodiu, espalhando um muco pegajoso no rosto do sujeito.

_ Ah não! Você a matou! – suspirou, decepcionado, o jovem.

_ Não era pra matar? Mas você não me avisou! Qual era o propósito disso? – perguntou o minotauro.

_ Eu queria provar que eu posso ferir!

Quase não acreditaram na resposta que acabaram de ouvir. Ferir uma barata era coisa que qualquer criança podia fazer sem se vangloriar disso. Não restava dúvidas de que aquele rapaz era de fato insano. Mas, como necessitavam de seu poder para curar o goblin ferido, e, já que todos precisavam de algum dinheiro extra, concordaram em levá-lo com eles. Entretanto, ao invés do dinheiro extra, Kallas pediu que lhes fossem dados cavalos para que pudessem seguir mais facilmente a sua presa.

_ E como faremos para segui-lo sem que ele nos perceba? – perguntou Nirvana.

_ Deixem isso comigo! Auran nos guiará! – respondeu Kallas.

_ E quem é Auran? – perguntou Serena.

_ É minha coruja de estimação! Na verdade ela é mais que um animal de estimação, ela é parte de mim! Ela é aquilo que nós magos chamamos de familiar! Eu me comunico mentalmente com ela, e ela me entende perfeitamente! Tudo o que precisaremos fazer é deixar que Auran siga o goblin e nos guie! – explicou o mago.

_ Bom, nesse caso, pedirei a Nikki que ajude também! Nikki é meu familiar, uma coruja também! – completou Nirvana.

_ Bem, vamos fazer o seguinte, então! O goblin está desacordado, logo não sabe de nada que está acontecendo! Vamos fingir que fomos presos por matar os amigos dele, enquanto ele será solto! O louco, clérigo de Nimb, ali ficará na mesma cela que o goblin para ele não desconfiar de nada e irá curá-lo! Assim que ele sair, seus animais começarão a segui-lo, e nós iremos logo atrás! Quando ele entrar no esconderijo dele, nós chegaremos de surpresa e acabaremos com a quadrilha toda! Como é seu nome mesmo, garoto? – disse Lohranus.

_ Meu nome é Susrak Delzhan! E eu sou um clérigo de Tenebra! – respondeu, contrariado, o rapaz.

Todos concordaram com o plano e ele foi posto em prática. O goblin despertou de seu sono dolorido. Seus ferimentos estavam fechados e não mais doíam, embora faltasse um pedaço aqui e ali e sua face. Abriu os olhos e viu que estava dentro de uma cela. Diante dele, estava um homem, vestido com uma túnica branca, sorrindo para ele com cara de bobo.

_ Pronto, está feito! São cinqüenta tibares de ouro! – disse Susrak.

_ Cinqüenta tibares pelo que? Do que está falando? – perguntou o goblin, ainda meio atordoado.

_ Por eu ter curado você! Você chegou aqui todo ferido, e eu te curei! São cinqüenta tibares de ouro! – respondeu Susrak.

_ Ah tá! Depois eu te pago! Agora vai saindo de perto que eu não sou chegado a homens! Nós estamos presos, é? – o goblin levantou-se e afastou-se do homem, desconfiado, e começou a examinar o lugar onde estava.

_ Eu também não sou muito chegado a homens! E, sim, estamos presos! Mas parece que você vai ser solto logo! Ao menos foi o que os soldados me disseram! Parece que eles prenderam umas pessoas que mataram uns amigos seus!

_ Ah, isso é ótimo! Já era tempo!

Poucos instantes depois, surgiram dois soldados, abrindo a cela onde estavam os dois. Com um gesto, chamaram o goblin e apontaram espadas para Susrak, mantendo-o afastado das grades.

_ Você está solto! Pode ir embora! – disse um dos soldados.

_ Ótimo! Já não agüentava mais ficar aqui! Diga-me uma coisa! O que aconteceu com as pessoas que me agrediram? – tagarelava o goblin, enquanto caminhava pelo corredor.

_ Ah, foram presos! Estão naquela cela! – apontou o soldado.

O goblin passou lentamente diante da cela, olhando cada um dos presos com ar de superioridade. Fez um gesto obsceno sem que os soldados notassem e saiu rindo, sem desconfiar de nada.

_ Ei! Onde é sua casa? – gritou Susrak.

_ Pra que você quer saber? – perguntou o goblin.

_ Pra eu ir buscar o dinheiro que você me deve por eu ter lhe curado! – respondeu o clérigo.

_ Ah! Bem, eu moro ao norte daqui! Uns quinze quilômetros pro norte! – respondeu o goblin, após pensar por um instante.

Susrak disse adeus ao seu novo “amigo”. O goblin deixou o posto da milícia e saiu alegremente pelas ruas da cidade. Alguns minutos depois, o grupo contratado pelo capitão saiu e começou a preparar seus cavalos.

_ Bem, vou fazer contato com Auran, para saber onde está o goblin! – disse Kallas.

_ Não precisa! Ele foi pro norte! Ele me disse onde era a casa dele! – falou Susrak, orgulhoso de sua astúcia.

_ Bem, ao menos já sabemos que ele vai para o sul, então! – completou Kallas.

Enquanto preparavam os cavalos para partir, Lohranus esperava por todos no portão, a pé. Minotauros não montavam, era como uma questão de honra para eles. Susrak viu aquilo e se aproximou do minotauro.

_ Eu posso montar em você? – perguntou o clérigo, sorrindo.

_ Por acaso você não dá valor à sua vida? – disse o minotauro, furioso, levando a mão ao cabo da espada.

_ Eh...bem...não! – respondeu Susrak.

_ Bom, já que é assim, posso acabar com ela agora mesmo! – disse Lohranus, já sacando a espada.

_ Não! Melhor esperar até eu estar mais poderoso! Ai a gente pode fazer isso! – respondeu o clérigo, parecendo feliz com a proposta de ser morto. Susrak desistiu de montar no minotauro, pegou seu cavalo e, junto com seus novos companheiros, partiu pelas ruas de Valkaria, seguindo o caminho indicado por Auran, a coruja.

janeiro 23, 2007

Campanha B - Capítulo 6 – Goblins...confusão na taverna

Capítulo 6 Goblins...confusão na taverna

Aos poucos a confusão dentro da taverna Olho de Grifo foi se desfazendo. As pessoas retornaram pouco a pouco às suas mesas, logo após o distúrbio causado pelo estranho rapaz do lado de fora.

Nirvana e Serena estavam conversando numa das mesas, discutindo seus interesses comuns, o desejo de sair pelo mundo em busca de aventura, fama e riqueza. Enquanto conversavam, sentiram a aproximação de alguém. Outro bêbado idiota, pronto para fazer um gracejo, pensou Serena. Mas, quando as duas mulheres se viraram, se depararam com uma surpresa. Não era um bêbado comum como imaginava Serena, era uma criatura enorme, de torso humano e cabeça de boi, um minotauro, que observava Serena e Nirvana atentamente.

_ Pois não? Posso ajudar? – perguntou Nirvana, levando sutilmente sua mão em direção à sua lança. O clima tornava-se tenso.

_ Posso conversar com vocês? – perguntou o minotauro, em tom sério.

_ Depende? O que você quer? – Serena encarou-o com um olhar frio e falava de forma dura e ríspida.

_ Aventura! – respondeu o ser táurico.

_ Olha, você está falando com as pessoas erradas! As mulheres da vida são aquelas ali! – Nirvana respondeu de forma até simpática, entendendo que tudo não passava de um simples mal entendido. Apontou para algumas prostitutas que circulavam pela taverna, oferecendo seus corpos abertamente aos fregueses. Já Serena, por sua vez, já estava quase a ponto de arrancar os chifres daquele abusado com sua espada.

_ Eu disse aventura! Não sexo! – resmungou o minotauro em tom firme.

_ E o que você chama de aventura, então? Seja mais específico! – perguntou Serena. Sua voz e seu olhar transmitiam todo o desprezo que sentia naquele momento. Se aquele ser ousasse fazer um gracejo, por mínimo que fosse, pagaria caro por isso.

_ Estou procurando algo como um emprego! Quero encontrar um grupo de aventureiros para me juntar a ele e viajar pelo mundo em busca de aventuras e tesouros!

Serena e Nirvana olharam-se por um instante, provavelmente pensaram a mesma coisa. Eram três pessoas ali reunidas, com o mesmo interesse. As duas mulheres examinaram o minotauro, viram suas armas e armadura, e concluíram que não se tratava de um bêbado de taverna. Era um aventureiro, um guerreiro. A má impressão inicial logo se desfez, e as duas concordaram que era uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada.

_ Se é assim, sente-se então! – disse Nirvana – Essa aqui é a Serena, e eu sou Nirvana!

_ Muito prazer, eu sou Lohranus! – o minotauro fez um aceno de cabeça para as moças, puxou uma cadeira e sentou-se.

Aquelas três pessoas começaram a conversar, a falar de seus interesses e desejos, contar as habilidades que possuíam e o que costumavam fazer e de onde vinham. Enquanto conversavam, distraidamente, pessoas entravam e saiam da taverna a todo instante. Entre essas pessoas, estava alguém especial. Alguém em cujas veias corria o sangue maldito e impuro dos demônios. Seu nome era Kallas.

Kallas entrou na taverna e foi em direção ao balcão, onde um homem de meia idade trabalhava arduamente, atendendo aos fregueses. No caminho, pouco mais que uns quinze passos, parou diante de uma parede onde dezenas de papéis estavam pendurados com recados, anúncios, propagandas e outras mensagens. Leu alguns que lhe interessavam e terminou seu trajeto, indagando o taverneiro sobre os tais anúncios. Queria saber quem os havia colocado ali, quem deveria procurar para se candidatar a alguma das vagas disponíveis. Entre todos, o que mais lhe chamava a atenção, era uma mensagem, escrita a punho com letras mal traçadas em um pedaço de papel velho e sujo dizendo: “Precisa-se de caçador de tesouros”.

_ Olha isso ai é de um rapaz que aparece por aqui mais ou menos uma vez por semana, apenas para saber se alguém se interessou pelo anúncio! Se você quiser, eu aviso que você ficou interessado assim que ele vier novamente! É só você...ah, droga...era tudo o que eu não precisava hoje! - o taverneiro, um homem gordo e calvo, de olhar cansado e voz rouca, explicava a Kallas sobre o tal anúncio calmamente, quando seus olhos se voltaram na direção da porta e sua boca emudeceu de repente. Afastou-se um ou dois passos para trás e pôs-se a limpar uma caneca com um pedaço de pano velho.

Kallas olhou disfarçadamente por cima de seu ombro, e viu que um enorme minotauro, que estava sentado numa das mesas com duas garotas, prostitutas provavelmente, ia na direção dos anúncios da parede. Um pouco mais longe dali, na entrada do estabelecimento, um pequeno grupo de goblins adentrava o salão, caminhando lentamente, enquanto observavam maliciosamente cada pessoa ali presente. Ao mesmo tempo, várias pessoas levantaram-se de seus lugares, apressadamente, e foram embora do lugar. Era um claro sinal de problemas, pressentiu o sulfure, que disfarçadamente enfiou a mão dentro de seu manto e agarrou sua adaga, como forma de precaução.

Os goblins andaram em linha reta até o balcão, fizeram um gracejo para uma das amigas do minotauro e sentaram-se, ao lado de Kallas, empurrando-o para o lado.

_ Vai mais pra lá, ô seu elfo nojento! – disse um dos goblins com sua voz gutural, empurrando Kallas para perto da parede. Por causa das orelhas pontudas, a criaturinha achou tratar-se de um elfo, sem sequer desconfiar da real origem de Kallas.

Os goblins se alinharam no balcão, ocupando os seis bancos de madeira que se espalhavam diante dele. Kallas permanecia em pé, próximo da parede, com a cabeça baixa e a adaga preparada sob o manto, observando tudo que se passava com seus olhos de sulfure.

A alguns passos dali, Lohranus retornava para junto de suas novas amigas, também atento ao que se passava no balcão da taverna. Serena rangia os dentes, tentando conter o ódio e o desejo que tinha de trucidar aquelas repugnantes criaturas ali mesmo. Nirvana, acostumada com a rotina da grande capital, olhava calmamente para os goblins, tentando distinguir se algum deles era o que a havia abordado na porta da joalheria. As demais pessoas continuavam a abandonar o lugar aos poucos, restando apenas pouco mais de uma dezena de pessoas no local.

_ Não adianta disfarçar não Jonas! Nós viemos buscar aquilo! Então, deixe logo de enrolação! – disse o pequenino, intimidando o taverneiro.

_ Está bem, está bem! Tome, aqui está! Agora, vão logo embora daqui! – Jonas tinha a voz trêmula e insegura. Interrompeu o que fazia e levou a mão para trás do balcão, num lugar onde Kallas não podia enxergá-la. Quando ela surgiu novamente, carregava uma pequena bolsa de pano que foi atirada sobre o balcão, para os goblins.

_ Ei! Afinal, o que está acontecendo? – Kallas girou a cabeça, encarando os goblins.

_ Nada! Não é da sua conta! Fique quieto ai que será melhor pra você! – respondeu o goblin em tom de ameaça.

O pequenino esticou sua mão direita sobre o balcão e colocou-a sobre a bolsa. Antes que ele pudesse recolhê-la, uma lâmina fria e afiada enterrou-se profundamente em sua mão, pregando-a no balcão de madeira. O goblin olhou para a direita, espantado, e viu os olhos cheios de ira de Kallas encarando-o. Antes que pudesse soltar um único grito, viu o sulfure se levantar e jogar seu corpo sobre o dele, empurrando-o com todas as forças.

Os goblins foram todos atingidos pelo ataque de Kallas, que conseguiu jogar três deles no chão. O primeiro a ser atingido, preso ao balcão pela mão atravessada pela adaga, gritava ordens para que seus companheiros matassem Kallas, que rolava no chão para escapar da mira dos inimigos. Em poucos segundos, a taverna esvaziou-se. Sobraram apenas os goblins, Kallas, Jonas, deitado atrás do balcão, e outras três pessoas, Serena, Nirvana e Lohranus.

_ Um contra um!!! Que seja uma luta de um contra um!!! – gritou Lohranus, levantando-se de sua cadeira e sacando sua gigantesca arma.

Enquanto o líder dos goblins gritava de dor e dava ordens, seus seguidores sacaram pequenas espadas e avançaram contra o homem que os derrubara no chão. Mas, antes que alguém pudesse fazer qualquer coisa, uma flecha atravessou o crânio de um dos goblins, indo da nuca à testa, e tirando-lhe a vida. Serena comemorou por dentro ao ver aquela criatura desprezível cair morta. Rapidamente sua mão foi à aljava, buscando a segunda flecha, enquanto Lohranus avançava pelo salão, espada em punho, em direção aos goblins.

A lâmina de aço atravessou o ventre de um dos inimigos de um lado ao outro, dividindo o goblin ao meio. Seu torso girava no ar, espalhando seu sangue pútrido por toda a taverna e tingindo o corpo do minotauro, enquanto a parte inferior tombava inerte no chão. Os quatro restantes ficaram espantados, obrigando seu líder a tomar medidas emergenciais.

_ Vão buscar reforços! Tragam ajuda, seus inúteis! – gritou o goblin, em seu próprio idioma.

Mas teve tempo de terminar a frase, quando um orbe de pura energia o atingiu no rosto. Suas pernas fraquejaram, e seu rosto ficou totalmente desfigurado, deformado pelo poder da magia lançada por Nirvana. No chão, Kallas gritava aos que o ajudavam, as palavras do inimigo, traduzidas para o idioma Valkar.

Os goblins, ouvindo as ordens de seu líder, tentaram cumpri-las de imediato. Os que estavam caídos se levantaram para fugir em busca de ajuda. Mas, um deles nem ao menos conseguiu terminar seu movimento. A espada de Lohranus atravessou suas costas, levando-o ao chão novamente, destruindo parte do piso da taverna e tirando-lhe a vida.

Outro dos inimigos conseguiu correr para a porta. Serena tentou pará-lo com uma rasteira, mas o inimigo foi mais rápido e conseguiu saltar e escapar do ataque. Lohranus o perseguiu e, antes que a criatura pudesse sair do salão, conseguiu decapitá-lo com um violento golpe de espada.

Ao mesmo tempo, Nirvana arrancava a orelha de um dos poucos inimigos que restavam com uma de suas magias. Quase simultaneamente, Kallas disparou de suas mãos um jato de chamas no rosto do pequeno monstro. O goblin ainda tentava se recuperar dos ataques, quando viu um maciço de aço vindo em sua direção. A espada de Lohranus enterrou-se no peito da criatura, matando-a. O líder dos goblins, o único ainda vivo, já estava inconsciente, pendurado ao balcão, pela mão ferida. O combate estava vencido.

Vultos começaram a se aproximar da porta da taverna, chamando a atenção dos combatentes. Todos se prepararam, esperando que novos inimigos entrassem no salão, mas, ao invés de goblins, eles viram homens. Soldados da milícia.

Rapidamente, Lohranus pegou a bolsa que estava no balcão e entregou ao taverneiro.

_ Tome Jonas! Rápido, onde é a saída dos fundos? – perguntou o minotauro.

_ Não tem isso aqui! – respondeu, gaguejando, o taverneiro.

Sem opção, querendo evitar ser preso ou envolver-se numa luta com os soldados, Lohranus saltou pela janela lateral da taverna, aterrissando desconfortavelmente na rua. Mas, o barulho atraiu a atenção de outros soldados que chegavam ao local. Lohranus foi cercado por vários homens armados e não teve escolha, rendeu-se. O minotauro foi desarmado e algemado.

Enquanto isso, dentro do Olho de Grifo, os oficiais entravam, armados de lanças, arcos e espadas, e testemunhavam, atônitos, o massacre que ocorrera ali. Nirvana chorava embaixo de uma mesa, fingindo estar assustada, tentando enganar os soldados. De forma semelhante, Kallas se atirou no chão, ao lado do balcão, e fingiu estar desmaiado, como se tivesse apanhado durante o combate. Serena não se preocupava em fingir, fugir ou se esconder. Desejava apenas saborear a vitória obtida sobre aquelas criaturas que ela tanto odiava.

_ O que aconteceu aqui? - perguntou um dos soldados.

Nirvana se levantou chorando, e correu na direção dos guardas, pedindo ajuda. Os soldados tentaram acalmá-la, enquanto a jovem fazia seu número para tentar ganhar tempo para seus companheiros de batalha fugirem. Jonas, o taverneiro, contou, hesitante, que os goblins haviam tentado lhe assaltar, mas que haviam sido impedidos por Serena. Com seu falso choro, Nirvana confirmou a versão do taverneiro, dizendo que Serena havia salvado sua vida. Os soldados olharam para o arco nas mãos da elfa e para a flecha cravada no crânio de um dos goblins, e ficaram espantados com a violência do disparo.

_ Esse aqui ainda está vivo, sargento! – anunciou um soldado ao se aproximar do líder dos goblins, que estava debruçado sobre o balcão.

_ Ótimo, vamos levá-lo para a cadeia! Moça, será que a senhorita poderia nos acompanhar até o posto da guarda, para nos contar com detalhes tudo que aconteceu aqui? – disse o oficial que estava no comando.

_ Foi horrível! Eu não quero lembrar! Eles eram maus! Eu quero ir para minha casa! – choramingava a mulher, abraçada ao soldado.

_ Calma, calma! Tudo vai ficar bem, eu prometo! Nós só vamos até a cadeia levar esse ladrãozinho e fazer umas perguntas para você! Depois, prometo que a levaremos para casa! Ei, taverneiro, arranje um copo de vinho para acalmar essa moça, rápido! – o soldado tentava consolar Nirvana, e secar suas lágrimas falsas, enquanto seus subordinados recolhiam os cadáveres espalhados pela taverna. Quando todos estavam quase de saída, Kallas se levantou.

Os soldados rapidamente cercaram o mago sulfure, apontando suas armas para ele. Imitando Nirvana, o rapaz fingiu estar atordoado, como se tivesse sido agredido pelos goblins. Mas, a tensão do momento, bem como a escolha das palavras erradas, fizeram com que o plano de Kallas falhasse.

_ Pare logo com essa ladainha, seu bêbado idiota! Você vem com a gente também, e vai explicar direitinho o que estava fazendo na hora da confusão! – ordenou o sargento, fazendo um gesto para os soldados cercarem Kallas.

_ Esperem! Já que eu vou com vocês, então esperem até eu recolher minha adaga! – Kallas livrou-se dos braços que tentavam agarrá-lo e foi até o líder dos goblins. Arrancou sua adaga do balcão num movimento vigoroso, deixando o corpo desmaiado do goblin precipitar-se no chão.

_ Foi você que fez isso? – perguntaram os soldados, pasmos.

_ Sim! – respondeu Kallas.

_ É verdade! Ele também me ajudou! – choramingou Nirvana.

_ Vamos até o posto, lá você vai nos explicar direito essa história! Taverneiro, você também vem com a gente! – completou o sargento.

Já do lado de fora, encontraram Lohranus subjugado pelos soldados, sem suas armas e com as mãos algemadas. Serena saiu em defesa do minotauro, dizendo que ele também ajudara a derrotar os goblins e a impedir o assalto. O minotauro teve as algemas retiradas e se juntou ao grupo. Assim, todos foram até o posto da milícia mais próximo, para explicar todos os detalhes da confusão que ocorrera na taverna.

janeiro 18, 2007

Campanha B - Capítulo 5 – Servo das trevas

Capítulo 5 Servo das trevas

Início da noite. Susrak Delzhan despertava finalmente após um longo dia de sono. O jovem rapaz alongou seu corpo e se levantou. Fez uma refeição rápida e saiu do templo onde estivera alojado todo o dia. Agradeceu ao anão que o acolhera na saída do templo e ambos trocaram uma saudação em louvor a Tenebra, típica entre os sacerdotes da deusa das trevas.

Susrak era um clérigo, um sacerdote que servia a Tenebra, a deusa das trevas, senhora da escuridão e criadora de todas as criaturas que nela habitavam. Tenebra era uma deusa temida e odiada pela maioria da população de Arton. Não que Tenebra fosse uma deusa maligna ou coisa parecida, tampouco ela era benigna, mas, o que assustava as pessoas era o fato de ela, segundo os teólogos, ser a responsável por criações bizarras, que ameaçavam a segurança das pessoas, como os mortos vivos, os trogloditas, os licantropos, e outras criaturas noturnas e subterrâneas e noturnas. Por esse fato, era comum que pessoas de má índole decidissem servir à senhora da noite, aumentando ainda mais o temor da população. Mas, também havia pessoas boas que a serviam, e que a defendiam exaltando o lado positivo das criações da deusa. Segundo esses clérigos, Tenebra havia criado os mortos-vivos para oferecer desafios para os aventureiros de Arton, não para prejudicar as pessoas do mundo. Também, argumentavam eles, a noite, sempre cheia de perigos, seria uma bênção da deusa para aplacar a ira das chamas de Azgher, o deus sol. Mesmo com a defesa a seu favor feita por seus sacerdotes, Tenebra ainda sim era temida e até mesmo odiada. O culto a ela era evitado pelas pessoas, e até mesmo proibido, na maior parte dos reinos. Assim, o culto a Tenebra sobrevivia ironicamente às escuras, oculto da população em templos secretos e conduzido na calada da noite por seus sacerdotes, fossem eles maus ou bons, e por Susrak.

Susrak era também um servo da deusa da escuridão, mas era diferente do que se esperava de um servo das trevas. Ao contrario do que diria a maioria das pessoas, ele não era mau, mas, tampouco era uma pessoa boa, principalmente no que se referia à sua sanidade. Um fato trágico em seu passado, levara-no a tornar-se aquilo que muitos chamariam de louco. Fato esse, que o jovem sacerdote pretendia reverter algum dia.

Susrak nascera em Valkaria, a grande capital. Morava com seus pais e sua irmã e, ainda menino, conheceu a famosa cidade de Triumphus, no reino de Hongari. Foi em Triumphus, a lendária cidade atacada pelo Moóck e encantada com a bênção/maldição que dava a quem ali morresse o poder da imortalidade, que Susrak teve contato com a ordem de Thyatis, o deus da ressurreição e da profecia. Ficou fascinado com o poder de prever o futuro de seus clérigos, com a imortalidade de seus paladinos e com todas as histórias fantásticas que eles contavam.

O garoto passou sua infância com aquelas histórias na sua mente, e nunca mais as esqueceu. Talvez, se o destino não tivesse sido tão cruel, ele até teria se tornado um servo da grande fênix. Mas, o destino decidiu ser cruel, e Nimb rolou os piores dados possíveis. Um dia, quando Susrak retornava para casa no fim do dia, após brincar com os amigos, encontrou seus pais aos prantos. Sua doce e querida irmã havia sido assassinada por assaltantes.

Sua irmã foi sepultada, e os assassinos nunca foram encontrados. O tempo foi passando, e o desejo de vingança foi crescendo dentro de Susrak, até que um dia um fato mudou sua vida completamente. Quando voltava de uma viagem, e estava perdido no meio de uma campina, Susrak teve uma visão. Ele viu a fênix de fogo, Thyatis, erguer-se das chamas diante dele, trazendo com ele a sua irmã querida. Mas, a irmã de Susrak era agora uma morta-viva, um zumbi, desprovido de mente e vontade própria. Talvez a fixação pela morte trágica da irmã, bem como o fascínio que possuía pelas histórias dos sacerdotes de Thyatis, tivessem influenciado sua mente. Talvez fosse apenas um delírio, causado pelos cogumelos ingeridos momentos antes por ele. Talvez até, fosse tudo real tal qual ele acreditava. Susrak entendeu que ele havia sido escolhido por Thyatis. Escolhido para trazer sua irmã do mundo dos mortos, transformada numa morta-viva. E, para fazer isso, tal qual a grande fênix havia lhe ordenado, Susrak decidiu tornar-se seguidor daquela que criara os mortos-vivos, Tenebra. Assim, ele se tornou um clérigo da deusa das trevas e acreditava que com o poder concedido por ela, ele um dia traria sua irmã de volta dos mortos. Mais, Susrak acreditava que desta forma, sua irmã retornaria evoluída, já que os mortos-vivos não envelheciam nem adoeciam. Ela seria imortal. Assim, para ele, tornar-se um morto-vivo era uma forma de evoluir, ascender para uma forma de existência mais perfeita. Susrak, então, decidiu que queria transformar todas as pessoas em mortos-vivos, inclusive ele próprio. Na mente distorcida do clérigo pulsava o desejo de evoluir para a forma mais perfeita criada por sua deusa, um tipo de mago morto-vivo, o lich.

Lichs eram mortais que, por vontade própria, transformavam-se em criaturas mortas-vivas. Mas, diferente dos mortos-vivos comuns, como zumbis, esqueletos, fantasmas e outros, o lich conservava sua mente intacta, e com ela todas as habilidades que possuía em vida. Para heróis aventureiros, um lich era uma dos piores e mais perigosos inimigos que poderiam existir. Para Susrak, era a ascensão para uma forma mais perfeita. Agora, após viajar por um longo período, ele estava finalmente de volta à sua cidade natal para cumprir seus objetivos. Parara para descansar em um templo erguido secretamente em homenagem à sua deusa por uma comunidade de anões que a veneravam. Acreditavam os anões terem sido criados pela união entre Tenebra e Khalmyr, o deus da justiça. Por isso era comum que os anões a adorassem no reinado, mesmo que o culto a ela fosse discriminado. Susrak passou todo o dia no templo, dormindo, já que os servos de Tenebra não podiam jamais serem tocados pelos raios do sol, eterno rival da deusa da noite, sob a punição de perderem todos os seus poderes. Quando a noite finalmente chegou, Susrak decidiu que era o momento de ir procurar seus pais e deixou o templo. Mas, os dados de Nimb e as profecias de Thyatis mostravam que ele não chegaria ao seu destino naquela noite. Os deuses haviam lhe reservado um destino diferente.

Susrak caminhava tranqüilamente pelas ruas da cidade, quando passou em frente à estátua de Valkaria, no centro da cidade. Parou por alguns instantes e começou a olhar para a fantástica obra, admirando-a, como há muito não fazia. Veio-lhe a mente uma porção de lembranças de momentos felizes que passara em frente àquela estátua ao lado de sua irmã querida e seus pais. Lembrou-se também de outras coisas, entre elas, o mendigo louco, Tilliann, e os muitos rumores que cercavam a estátua. Lembrou-se especialmente de um boato, uma lenda, que dizia que a estátua era capaz de drenar os poderes mágicos da pessoa ou objeto que a tocasse, ainda que por um instante. Agora que havia sido ordenado clérigo de Tenebra, Susrak tinha condições de provar se a tal teoria era verdade.

Havia um punhado de ratos perto dali, deliciando-se com um farto banquete, restos de comida abandonados pro algum turista que estava na cidade para as comemorações do dia da Grande Batalha. Susrak aproximou-se silenciosamente dos animais e agarrou um deles pelo rabo. Enquanto o pequeno animal se debatia tentando fugir, Susrak invocou o nome de Tenebra e conjurou uma magia sobre ele, uma magia simples de proteção. Depois, atirou o pobre rato com toda força na direção da estátua. O animal se chocou com grande violência na rocha e caiu no chão, morto.

Susrak pegou o animal do chão e, como não sentiu nenhuma aura mágica nele, concluiu que a tal lenda era verdade. A estátua de Valkaria havia sugado do rato a magia conjurada por Susrak. Mas, ele havia chegado a essa conclusão apenas por dedução, sem usar meios mágicos para confirmar seu teste. Então, ele resolveu pedir ajuda aos transeuntes.

_ Eu preciso de um mago! Magos! Magos! Aproximem-se! Eu tenho nas minhas mãos a prova definitiva de que a estátua de Valkaria é capaz de drenar poderes mágicos! – gritava Susrak, exibindo o rato em sua mão.

Aos poucos uma pequena multidão foi se formando para ouvir o que aquele homem vestido de branco tinha para dizer. As pessoas ouviram o discurso do clérigo e ficaram todas fascinadas ao ver que a “estátua tinha tirado a vida do rato”. Saíram conversando uns com os outros, debatendo a prova apresentada por Susrak e criando novas teorias e rumores sobre a estátua. Susrak ficou ali, sozinho com o rato morto na mão, sem que nenhum mago passasse se prontificasse a usar seus poderes para detectar se a magia do clérigo ainda estava ativa no animal. Desconcertado, Susrak guardou o pequeno cadáver em sua bolsa e prosseguiu em sua insana jornada.

Mais alguns passos e novamente ele parou, dessa vez admirado com uma das criações de sua deusa, um esqueleto. A poucos metros dele, havia uma carroça deslocando-se vagarosamente, que transportava uma pesada carga. Era uma carroça de fundo plano de madeira, e laterais compostas de grades de metal, uma jaula. Dentro da jaula, havia uma criatura gigantesca, de formato humanóide e olhos vermelhos e brilhantes como duas chamas. Era um esqueleto. Talvez fosse os restos mortais de um troll ou um ogro, que havia sido reanimado magicamente por algum mago, ou coisa parecida. Susrak olha para aquilo admirado. Um esqueleto sendo transportado por quatro halflings, no meio da cidade. Só poderia ser um sinal, uma mensagem de Tenebra para ele.

_ Irmãos! Irmãos! Em nome de Tenebra eu vos saúdo, meus irmãos! – gritava Susrak, empolgado, correndo em direção aos halflings, até que os pequeninos parassem a carroça e lhe dessem atenção.

_ Que irmão o quê! Olha pra mim, rapaz e veja se eu tenho cara de quem tem um irmão do seu tamanho! – respondeu rispidamente um dos pequeninos que caminhava ao lado da carroça, armado com uma lança e uma clava.

_ Sim, irmãos sim! Irmãos de fé! Somos todos servos de Tenebra, nossa deusa! – insistia o clérigo.

_ Que nossa deusa nada! Eu rezo é pra Hynnin! Não tenho nada a ver com Tenebra! - retrucou o halfling, apontando a lança na direção do humano para afastá-lo antes que ele se entusiasmasse demais e resolvesse abraçá-lo.

_ Mas...você não é um servo de Tenebra? Então, por que está transportando esse esqueleto? Por acaso vai levá-lo para algum clérigo de Tenebra? – perguntou o jovem, um pouco decepcionado.

_ Não! Não somos clérigos coisa nenhuma, principalmente de Tenebra! Nós estamos transportando essa coisa ai para o professor Vladislav Tpish da Academia Arcana! Isso é uma encomenda pra ele! – respondeu secamente o halfling.

_ Ah! Entendi! Eu achei que vocês fossem clérigos, mas estão apenas transportando uma encomenda pro Vladislav! Tchau! – Susrak compreendeu a confusão que fizera, e começou a se explicar, mas, no meio do seu discurso, simplesmente deu adeus aos halflings. Os quatro pequeninos olharam, confusos, para o rapaz, e decidiram que era melhor se afastarem daquele tipo estranho. Afrouxaram as rédeas e os dois cavalos começaram a andar, arrastando lentamente a pesada carroça. Enquanto ela se afastava, Susrak observava atentamente o esqueleto preso lá dentro. A criatura também fitava os olhos do clérigo. Então, Susrak pensou “eu quero ele”. Ergueu seu símbolo sagrado na direção da criatura, um medalhão em com a forma de uma estrela negra de cinco pontas, e evocou o mais uma vez o nome de sua deusa.

O esqueleto começou a rastejar dentro da jaula, indo na direção de Susrak, fascinado pelo seu medalhão. Quando chegou até a grade, e percebeu que não tinha mais como se aproximar, a criatura se levantou abruptamente, levando consigo o teto da jaula, arrebentando-a por completo. O monstro saiu de sua jaula e correu na direção do clérigo, parando diante dele. Susrak ordenou que a criatura se abaixasse, para que ele alcançasse seu rosto esquelético, e começou a acariciá-la como se brincasse com um animalzinho.

Imediatamente, o pânico e o caos tomaram conta das ruas. As pessoas que por ali passavam ficaram desesperadas e começaram a correr feito loucas, gritando e chocando-se umas nas outras, enquanto tentavam fugir do monstro que estava á solta. O tumulto atraiu a atenção de pessoas que estavam em tavernas e casas próximas, que saíram às ruas para ver o que estava acontecendo. Susrak, não entendia o porquê de tanta confusão.

­_ Calma! Não é culpa dele! Ele não vai causar pânico! Não precisam correr! – tentava explicar o rapaz, causando ainda mais pânico e confusão.

_ Pula! – ordenou Susrak. A criatura obedeceu imediatamente, dando um pequeno salto. – Não! Pula lá na carroça! – corrigiu o atrapalhado clérigo, ordenando de forma desastrosa que o monstro retornasse para sua jaula, onde os halflings observavam atônitos. O esqueleto deu uma corrida curta e saltou sobre a carroça, destruindo-a, afundando-a no chão e erguendo os pobres cavalos que estavam presos a ela. – E esse foi o show desta noite! Espero que tenham todos gostado! Caso tenham gostado, estou aceitando doações! Obrigado! Obrigado! Quem gostou, por favor, doe cinco tibares de prata, para que este velho clérigo possa se transformar em um lich! Obrigado,obrigado!!! – Susrak fingiu ter a situação sob controle, para minimizar o caos que havia se instalado na região. Mas, como ninguém lhe deu ouvidos, decidiu escapar dali o mais rápido possível. – Tchau!!! – disse ele, acenando para o esqueleto. Deu um passo para trás, atraindo a atenção da criatura que demonstrava clara intenção de segui-lo. – Não! Fique ai! Senta! – ordenou ele. O monstro sentou-se como mandado. Sentou-se em cima dos cavalos que puxavam a carroça, matando os pobres animais esmagados. Percebendo o desastre que havia provocado, ele decidiu sair dali o mais depressa possível. Mas, já não havia mais tempo para isso, Susrak foi abordado pelos oficiais da milícia que estavam por perto, antes que pudesse dar mais um passo.

­_ Eh...boa noite! Gostaram do show? – perguntou Susrak aos soldados, tentando ludibriá-los.

_ Show? Que show? Chama todo esse caos que você causou de show? – respondeu o oficial, secamente.

_ Psiu...! Não espalhe, mas tudo foi um acidente! Não foi show não, foi um acidente! – sussurrou o clérigo, olhando ao redor, como se quisesse esconder a verdade das pessoas que nem ali estavam mais.

_ Acidente? Sei...vamos esclarecer isso com a gente lá no quartel! – ironizou o soldado.

_ Vocês não gostaram? – voltou a perguntar Susrak.

_ Como assim gostamos? Do que você está falando, rapaz?

_ Ora essa, eu é que pergunto! Um Show tão maravilhoso! Não há como não terem gostado! Duvido que algum de vocês seja capaz de fazer igual!

_ Causar pânico na população como você fez? Claro que não fazemos! Estamos aqui para manter a ordem, não para espalhar o caos! Venha conosco para o posto da milícia imediatamente! – gritou o soldado, já irritado com a insanidade de Susrak.

_ Espere ai! Vocês querem me prender?! Não podem fazer isso! Conversem com Vladislav Tpish! Ele vai garantir que...garanto que ele vai gostar!

_ Gostar do que? De vê-lo preso? Nós também vamos adorar isso! Agora deixe de enrolação e venha com a gente! – disse o oficial, com um sorriso sarcástico no rosto e fazendo um gesto para que os soldados prendessem susrak.

_ Esperem! Eu peço que vocês falem com Vladislav primeiro! Aquele esqueleto era uma encomenda dele! Ele vai querer saber quem fez aquilo! Não podem me prender! – Susrak começou a ficar desesperado ao ver que os soldados o cercavam.

_ Ah! Encomenda do Vladislav, o professor? Ele vai adorar saber quem destruiu a carroça e matou os cavalos dele! Você vai contar essa história, direitinho, mas lá na cadeia! Agora vamos! – completou o oficial. E Susrak foi preso e levado para a cadeia.

No posto da milícia, Susrak foi algemado e todos os seus pertences foram retirados pelos guardas. O jovem e atrapalhado clérigo foi atirado num banco para, ao lado de outros criminosos, aguardar até que fosse chamado para prestar depoimento e então ser definitivamente preso. Mas, ele não desejava permanecer ali, nem via motivos para isso, já que em sua confusa mente, não tinha feito nada de errado.

_ Eu quero ir embora! Vocês não podem me deixar aqui! Chamem Vladislav Tpish! – gritava o rapaz, inconformado com sua condição.

­_ E chama minha mãe! Traz ela aqui que ela vai soltá nóis dois! – gritou em seguida um bêbado que dividia o banco com Susrak. O bêbado encostou seu corpo alcoolizado em Susrak, e o clérigo viu ali uma oportunidade de conseguir um aliado.

_ Ei amigo! Tenho uma proposta a lhe fazer! Por acaso você não gostaria de obter a imortalidade? – indagou o clérigo, obviamente pensando em obter um voluntário para ser transformado em morto-vivo.

_ Eu prefiro um vinho! Hic! Cê num tem um ai? – respondeu o homem, soluçando e tropeçando nas palavras.

_ Vamos fazer o seguinte! Quando a gente for embora daqui, você vai comigo até o cemitério! O que você me diz? – insistiu Susrak. Uma pessoa comum que observasse a conversa, teria sérias dúvidas sobre qual dos dois estava sóbrio.

_ Emitéio? Issé vinho? É bom?

_ Sim, é muito bom! Vinho élfico! – vendo que era possível conversar de forma “racional”, o rapaz decidiu fazer o jogo do bêbado para convencê-lo de forma mais fácil.

_ Óia! Nois vamu lá tomá um emitéio! Vambora!!! – gritou o homem embriagado para os guardas, levantando-se do banco e puxando Susrak para ir com ele. Rapidamente, uma multidão de soldados cercou o homem e pôs-se a espancá-lo até que ele caísse, inconsciente.

_ Calma! Calma! Pra que toda essa violência? Isso é absolutamente desnecessário! Se desejarem, eu posso controlá-lo facilmente sem precisar machucá-lo! – disse Susrak, tentando mostrar-se útil aos soldados.

_ Olha rapaz! É melhor você se controlar, antes que nós resolvamos controlar você machucando-o! – gritou um dos soldados, irritado.

_ Calma, está bem, eu fico quieto! Mas, e peço que chamem Vladislav Tpish aqui! Melhor! Não precisam nem chamá-lo aqui! Apenas digam a ele o que está acontecendo! Tenho certeza que ele ficará interessado! Eu tive uma relação com ele! – insistiu ele, encolhendo-se no banco para não ser espancado também. Os soldados se entreolharam, confusos, enquanto carregavam o corpo desmaiado do bêbado para uma cela.

_ Ora! Fique quieto ai e espere até o sargento chamar você! E mantenha essa boca fechada! – gritou o soldado, apontando o dedo ameaçadoramente para Susrak. Sem outra opção, o clérigo finalmente se calou e pôs-se a esperar, decepcionado, enquanto lá fora as pessoas aproveitavam a noite e os prazeres que ela proporcionava. Era noite quente de final de verão que apenas acabava de começar. E, sem dúvida alguma, não seria uma noite comum como as outras, era, enfim, uma noite promissora.







janeiro 12, 2007

Campanha B - Capítulo 4 – Sangue demoníaco

Capítulo 4 Sangue demoníaco

É verdade que Arton era um mundo cheio de heróis, mas também cheio de perigos para esses heróis enfrentarem. E é verdade também que muitos desses perigos não eram nativos de Arton. Eles vinham de outros planos, outros mundos, alguns já conhecidos pelos maiores estudiosos do mundo, outros nunca antes sonhados pelos mortais e até pelos próprios deuses. Um desses inúmeros perigos que ameaçavam a vida em Arton eram as criaturas demoníacas, vindas de dimensões repletas de maldade, também conhecidas como demônios. Os demônios eram criaturas maléficas, cujo único objetivo era praticar a maldade com quem quer que fosse. Estudiosos da grande Academia Arcana escreviam enormes tratados sobre eles, os classificavam por tipo, Baatezu, Tanari e outros. Mas, o principal a respeito dessas criaturas era do conhecimento de todos, sua maldade sem limites. Embora tivessem outros problemas menores, mas mais próximos com que se preocupar, a maioria das pessoas em Arton temia os demônios. Mas, havia aqueles que não os temiam, tanto por serem tão cruéis quanto os próprios demônios, quanto por quaisquer outras razões. Algumas pessoas más chegavam ao cúmulo de venerar os demônios como deuses, firmar pactos sombrios com eles e até mesmo usar magia para tornar-se um deles. Outros, apenas os utilizavam como fonte de pesquisa ou ajuda durante algum combate, trazendo-os temporariamente para Arton através de magias de invocação. Fosse por convocação de algum mago, ou por vontade própria, vários demônios circulavam à solta pelo mundo, incógnitos em covis escondidos, ou sob disfarces. E se existia um local onde os demônios fossem mais numerosos, esse lugar só poderia ser o reino de Wynnla.

Wynnla era o reino dos magos e feiticeiros. Um lugar místico, onde a magia se comportava de formas estranhas, assustadoras até. Ninguém sabia explicar a razão, mas naquele pequeno reino a leste do continente, existiam locais onde a magia funcionava de maneira muito mais forte que o habitual. Em outros, os efeitos mágicos eram simplesmente invertidos, geralmente voltando-se contra o conjurados. E, havia outros lugares, onde a magia simplesmente não funcionava. Outros fatos estranhos ocorriam ocasionalmente, inclui-se ai chuvas de rum e outras coisas bizarras. Justamente por causa desses estranhos fenômenos que o reino de Wynnla atraia tanto o interesse de magos e outros estudiosos. Durante sua colonização, o reino foi invadido por caravanas de magos, feiticeiros, pesquisadores diversos, em busca de respostas para os mistérios que aquele lugar guardava. O tempo passou e os que tinham ido atrás de respostas terminaram por se fixar e povoar o reino. Assim, Wynnla era o lugar com maior concentração de magos em todo o mundo. Mantos e chapéus pontudos eram o tipo de roupa mais comum no lugar e pelas ruas era comum ver golens, mortos-vivos e outros tipos de ajudantes bizarros, inclusive os demônios.

Os magos e outros usuários de magia costumavam invocar demônios, fosse para servi-los em combate, fosse para fazer-lhes perguntas, ou para simplesmente escravizá-los. Wynnla era o lugar onde existia o maior número deles, trazidos a Arton pelos conjuradores que viviam naquele lugar. Embora os magos controlassem as criaturas invocadas por eles, algumas vezes, principalmente em Wynnla, a magia saia do controle, e a criatura acabava por se libertar da magia e fugir. Esses demônios errantes buscavam retornar para seu próprio mundo, mas alguns optavam por permanecer em Arton e encontrar ali o seu lugar. E, assim como qualquer criatura viva, eles buscavam alguém para se relacionar, alguém com quem pudessem procriar, fosse forçadamente, fosse por livre e espontânea vontade. E da bizarra união entre demônios e humanos, elfos, anões e outros, nasciam os meio-demônios, também conhecidos como sulfure.

Por sua herança demoníaca, os sulfure geralmente eram criaturas solitárias, rejeitadas e desprezadas por todos que os cercavam. Suas vidas nunca tinham paz, sempre sendo expulsos dos locais onde se fixavam, sempre sendo caçados quando suas identidades eram descobertas, vivendo aqui e ali como eternos renegados. Muitos herdavam de seus pais demoníacos também a maldade e não se importavam, aproveitando o desprezo para tornarem-se ainda mais malignos. Outros, traziam em seus corações a bondade herdada de sua ascendência não demoníaca, e buscavam coexistir pacificamente com as outras criaturas. Assim era a vida de Kallas.

Tendo nascido meio-demônio, Kallas buscava seu lugar no mundo. O preconceito das outras raças fez com que ele ainda jovem se lançasse ao mundo, abraçando uma vida de aventuras e perigos. Nativo de Wynnla, Kallas aprendeu desde cedo a manipular a magia, tornando-se um competente mago. O gosto pela magia fez dele também um pesquisador. Viajando de vila em vila, o jovem sulfure buscava manter sua ascendência demoníaca oculta, bem como aumentar seu conhecimento. Kallas percorreu grande parte do reino de Wynnla, até decidir que aquilo não bastava para ele. Desejava conhecer mais do mundo. Desvendar seus mistérios, adquirir conhecimento e viver aventuras. Assim, ele abandonou seu reino natal e decidiu viajar por Arton. O primeiro destino de sua viagem foi nada menos do que a capital de todo o mundo conhecido, Valkaria.

Kallas chegou a Valkaria no décimo dia do quinto mês, 1398 anos após a lendária chegada dos elfos a Lenórienn. O meio-demônio já tinha visto muitas coisas impressionantes em sua curta vida. Mas, aquele lugar era diferente de tudo que ele conhecia. Valkaria era imensa, fantástica. Um lugar cheio de possibilidades. Um lugar a ser explorado, desvendado.

Kallas caminhou durante toda a manhã, conhecendo lugares, conversando com as pessoas, adquirindo conhecimento. Descobriu que naquele lugar poderia encontrar parte do que busca em sua vida. Valkaria tinha muitas pessoas de todos os tipos. Não seria difícil para ele encontrar ali alguém que não se importasse com sua porção demoníaca. Não seria difícil encontrar pessoas que aceitassem se juntar a ele para viajar pelo mundo e ajudá-lo a encontrar o conhecimento que ele tanto desejava. Conhecimento, este, que talvez estivesse ali mesmo, esquecido nas muitas bibliotecas da cidade.

Sim, bibliotecas. Valkaria possuía muitas delas, mantidas em sua maioria pela ordem de Tanna-toh, a deusa do conhecimento. Era do saber de todos que os servos da também chamada Mãe da Palavra eram proibidos de ocultar qualquer conhecimento. Jamais podiam se recusar a responder uma pergunta, e deveriam fazê-lo sempre da melhor forma possível. Levar a sabedoria a todas as criaturas, esse era o dever dos clérigos de Tanna-Toh. Assim sendo, esses sacerdotes assumiam a responsabilidade de alfabetizar as pessoas em Arton e de disponibilizar o saber para todos. Muitas bibliotecas do mundo eram criadas e administradas por essa ordem, levando o conhecimento a todas as pessoas de Arton.

Kallas decidiu aproveitar a boa vontade dos clérigos de Tanna-Toh e dirigiu-se a uma dessas bibliotecas. Lá ele passou todo o restante do dia, concentrado em suas pesquisas. Tratados de magia, livros sobre mecânica e outros se empilhavam aos montes sobre a mesa ocupada por ele. Kallas permaneceu ali, lendo e fazendo anotações, até que a noite finalmente chegou. Uma clériga pediu gentilmente que ele se retirasse, para que ela pudesse fechar o templo e descansar, e convidou-o a voltar no dia seguinte.

Kallas levantou e esticou seu corpo, fazendo seus ossos estalarem. Levantou-se da cadeira e agradeceu pela hospitalidade da clériga. Deixou uma pequena doação em ouro para a manutenção da biblioteca e partiu.

Kallas caminhava pelas ruas de Valkaria, observando tudo com curiosidade. Andou várias quadras, seguindo a direção para onde rumava a maioria das pessoas. Seu desejo por aumentar seu conhecimento, o levava para onde havia grande concentração de pessoas, para onde certamente haveria coisas interessantes para se ver.

Finalmente chegou a uma larga avenida onde uma pequena multidão se formava diante da gigantesca estátua da deusa que dava nome à cidade. Kallas passou pela multidão e seguiu adiante, ouvindo rumores estranhos sobre a estátua, algo sobre ela supostamente drenar o poder mágico de pessoas e objetos. Temendo ficar sem sua mágica, Kallas decidiu afastar-se daquele monumento rapidamente.

Dobrou uma esquina antes de passar em frente ao palácio imperial, sede do governo do reino. E, encontrou uma nova multidão, dessa vez dispersando-se desesperadamente, gritando enlouquecidamente, até que a ruela ficou praticamente deserta. Diante dele havia um homem, vestido com uma túnica branca, que parecia brincar com um gigantesco esqueleto animado por magia. Kallas sorriu, e teve certeza que num lugar tão exótico como aquele, com todas aquelas excentricidades, ele finalmente encontraria o que procurava. Olhou ao redor e viu uma taverna movimentada, pra onde muitas pessoas retornavam após verem o homem brincando com o morto-vivo. Dentre as pessoas que entravam na taverna, a presença de um enorme minotauro chamou a atenção do mago. Era um humanóide alto e forte, com grandes músculos e que portava uma enorme espada de duas mãos. Com certeza, deveria ser um aventureiro, e aquela taverna deveria ser um reduto deles. Aventureiros, era isso que Kallas precisava. Pessoas que tivessem informações sobre mistérios e tesouros, e, principalmente, sobre conhecimentos perdidos, esquecidos em tumbas e templos abandonados. Conhecimentos que Kallas pretendia adquirir e dominar, para assim se tornar um grande e poderoso mago.

Assim, Kallas também entrou na taverna Olho de Grifo, uma das mais famosas de Valkaria. Atravessou todo o salão, ocupado por bêbados, criminosos, pessoas de boa índole, prostitutas e, esperava ele, aventureiros. O mago olhava cada pessoa dentro do estabelecimento, perdeu alguns segundos lendo um punhado de avisos que estavam pregados em uma parede, e sentou-se num banco, diante do balcão, onde um taverneiro recebia os pedidos de seus clientes. Kallas ficou ali, aguardando até ser atendido pelo homem que parecia ocupado e distraído enxugando uma caneca com um pedaço de pano velho. Ficou ali, aguardando por uma oportunidade de conversar com algum aventureiro, até que a oportunidade finalmente veio, na forma de goblins.

janeiro 10, 2007

Campanha B - Capítulo 3 – A exilada

Capítulo 3 A exilada

Era o fim da tarde quando Serena atravessou a muralha e adentrou na cidade de Valkaria. Cansada, após uma longa viagem, aquela imensa cidade era o primeiro local “civilizado” que a jovem elfa via há horas. Serena caminhava pelas ruas pavimentadas da metrópole, desviando das muitas pessoas que circulavam por elas naquele dia. Ao longe ela podia ver a imensa estátua da deusa Valkaria, imponente e magnífica, mas também solitária. Diferente dos turistas ocasionais, e até mesmo de muitos dos moradores do local, Serena não estava nem um pouco admirada com aquela obra gigantesca. Nem mesmo a cidade em si, com toda sua variedade cultural e racial, com todas as suas lojas exóticas, seus templos, suas ruas iluminadas, nada disso a impressionava.

Sim, para Serena aquele local era completamente sem graça, desagradável até. Em parte isso se devia ao fato de ela estar acostumada a viver longe das cidades. Serena era uma caçadora, ou, como preferiam dizer os aventureiros e mercenários, uma ranger. A jovem passava seus dias em meio à natureza, percorrendo as matas e bosques, nadando nos rios, pescando, caçando e coletando seu próprio alimento. Já estava desacostumada com a vida da cidade, e estar ali, naquele ambiente populoso, a fazia sentir-se pouco à vontade.

Mas, não era somente a preferência por lugares mais “selvagens” que a fazia sentir-se daquele jeito. Para Serena, aquela cidade que todos, especialmente os humanos, tanto falavam e admiravam não passava de um lugar cinzento, sujo, distorcido. Embora estivesse há alguns minutos percorrendo uma região nobre da cidade, para ela as ruas pareciam imundas e mal-cheirosas. Os prédios tinham uma arquitetura que lhe feria os olhos. Além disso tudo, as ruas estavam tomadas pelos ignorantes e gananciosos humanos, criaturas que não se importavam nem um pouco em avançar por cima do mundo como uma nuvem de gafanhotos faminta, devastando tudo o que encontrasse em seu caminho. Além deles, existiam os sempre alegres e simpáticos halflings, mas também os sempre rudes e estúpidos anões. Mas, o que mais a incomodava naquele lugar, era a presença abundante dos goblins. Essas pequeninas e ignorantes criaturas eram cidadãos de segunda classe em todo o território do reinado, mas eram cidadãos e como tal gozavam dos mesmos direitos que outras criaturas possuíam. Trabalhavam em serviços braçais ou como serviçais e, freqüentemente, muitos deles se tornavam criminosos. Serena irritava-se ao ver aquelas criaturas que ela tanto odiava circulando livremente pelas ruas da cidade e, em alguns casos, sendo tratados melhor do que os se sua raça. Era certo que Valkaria era uma cidade próspera, viva e pulsante, mas, para Serena, aquele era um lugar decadente, imundo e repugnante, muito diferente de sua amada e saudosa Lenórienn.

Serena era, assim como boa parte dos elfos que restavam em Arton, uma exilada. Os elfos, outrora uma civilização poderosa e próspera, haviam sido recentemente massacrados e derrotados por uma horda de goblinóides chamada de Aliança Negra. A maravilhosa cidade élfica Lenórienn, com suas torres de marfim, seus palácios suntuosos e sua magnífica arquitetura emoldurada em harmonia no meio da floresta, havia caído após um longo período de resistência contra os hobgoblins, na chamada infinita guerra. Os elfos, orgulhosos e imponentes, sempre foram superiores e rechaçavam cada investida hobgoblin com facilidade. Isso até o surgimento do lendário Twor Ironfist. Twor era um bugbear gigantesco até para os padrões de sua raça. Tão grande quanto ele mesmo era sua inteligência. Percorrera o mundo aprendendo táticas de guerra até finalmente retornar à sua tribo, tornar-se seu líder e começar a reunir seu exército. Twor foi aos poucos derrotando os outros chefes de tribos, tornando-se líder de cada uma delas, até finalmente se transformar no líder de todos os bugbears. Seu próximo passo foi unir-se aos hobgoblins, ajudando-os a derrotar os elfos. Twor sozinho invadiu a cidade de Lenórienn e seqüestrou a princesa dos elfos, fazendo-a de refém. Graças a isso, às máquinas de guerra dos hobgoblins, e às táticas sujas de Twor, em pouco tempo, a infinita guerra teve um fim. E os elfos foram derrotados. Lenórienn foi invadida e devastada pelos hobgoblins, que agora a faziam de lar. O pacto entre Twor e os hobgoblins se fortaleceu e o bugbear continuou em sua empreitada, unindo todas as espécies goblinóides que existiam na porção sul do continente e formando um grande exército, que agora marchava rumo ao norte, rumo ao reinado. Em seu caminho, nada restou em pé. Os antigos reinos humanos do continente sul, Lamnor, foram completamente destruídos. Aos poucos sobreviventes, fossem eles elfos, humanos, ou até mesmo anões e outras criaturas, restou apenas uma saída, fugir. Os que sobreviveram à carnificina promovida pela Aliança Negra fugiam para o norte, buscando abrigo no território do reinado. E Serena estava entre esses fugitivos.

Assim como muitos, Serena trazia em seu coração uma grande amargura. Sua família, seus amigos e vizinhos tinham sido brutalmente assassinados pelos soldados de Twor Ironfist. A jovem estava fora de sua casa quando tudo aconteceu. As muralhas de Lenórienn caíram sob uma chuva de rochas lançada pelas catapultas hobgoblins, soterrando diversas vidas. Todos fugiam desesperados, tentando buscar abrigo contra o bombardeio inimigo. Alguns elfos, orgulhosos de sua suposta superioridade, recusavam-se a acreditar no que estava acontecendo com sua cidade. Morreram na ilusão de que jamais seriam vencidos.

Serena, por sua vez, era astuta e ágil, o que lhe garantiu uma fuga rápida e segura. Entretanto, em Lenórienn não havia mais algum lugar sequer que fosse seguro, e ela entendeu isso rápido. Serena correu para sua casa, para se juntar à sua família e com ela fugir para a floresta. Mas, por onde ela passava encontrava batalhas e morte. Enquanto os soldados combatiam ferozmente, tentando impedir a invasão, ou no mínimo tentando ganhar tempo para o povo poder fugir, Serena desviava-se da flechas que voavam e das pedras que choviam, orando a Glórien, a deusa dos elfos, para que ela a protegesse e à sua família. Mas, quando Serena finalmente chegou à sua casa, já era tarde demais.

Seus olhos brilharam ao ver sua casa, construída em meio às árvores como se fizesse parte da vegetação. Mas, também se encheram de lágrimas ao ver que o telhado e madeira e palha estava em chamas. Suas pernas estremeceram e paralisaram por completo logo depois. Sua respiração cessou por longos e intermináveis segundos. Então, para seu alívio, a porta se abriu. Sua família estava segura, pensou ela, mas, de dentro da casa, ao invés de elfos, só o que saiu foi um bando de hobgoblins e goblins apressado. Portavam armas, escudos e vestiam armaduras, todos manchados de sangue. Sangue élfico. Serena assistiu à cena, paralisada, impotente, enquanto os goblinóides deixavam sua casa e corriam em direção ao centro de Lenórienn, em busca de mais vítimas. Minutos depois, quando suas pernas finalmente obedeceram e ela pode se mover novamente, Serena avançou até sua casa, a passos curtos, lentos e pesarosos.

Lá dentro, a jovem encontrou a dor. Seu pai jazia bem diante da porta com o pescoço profundamente rasgado pela lâmina de algum maldito hobgoblin. Sua mãe, mais adentro, estava imóvel no chão, com uma flecha rudimentar cravada no dentro de suas costas. Seus olhos ainda vertiam lágrimas, enquanto sua mão tentava alcançar a do marido morto. A irmã de Serena estava sobre a mesa da cozinha, ensangüentada. Sua roupa de seda e linho estava rasgada, seus braços amarrados firmemente nos pés da mesa. Suas pernas abertas traziam as marcas da violência na forma de arranhões feitos por mãos goblinóides. Havia sido brutalmente violentada, até que seu delicado corpo estivesse sem vida. O irmão menor de Serena, vítima do mesmo tipo de violência, jazia morto no chão com o pescoço quebrado, e totalmente despido. Pernas, nádegas e costas apresentavam arranhões e cortes, deixando evidente o que lhe acontecera. Talvez seu irmão tivesse servido de brinquedo nas mãos dos goblins, enquanto os hobgoblins se divertiam violentando sua irmã.

Serena chorou. Chorou silenciosamente, enquanto cobria os corpos daqueles que tanto amava. Com uma tocha, terminou de atear fogo ao que um dia fora um lar feliz, e assim sepultou sua amada família. Quando suas lágrimas secaram, o silêncio finalmente foi quebrado. Serena gritou e urrou, como uma fera selvagem. Em sua mente estavam agora apenas os rostos daqueles miseráveis que haviam matado seus familiares. A elfa saiu correndo pelas ruas de Lenórienn, enfurecida. Recolheu um arco, flechas e uma espada de um dos seus antigos amigos, agora morto, e saiu em busca de vingança.

Serena juntou-se a um pequeno grupo de sobreviventes, e junto com eles conseguiu reunir muitos dos que haviam escapado do massacre para fugirem de sua antiga cidade. Também com eles, ela aprendeu várias técnicas que a tornaram uma combatente e uma caçadora competente. E, o tipo de presa favorito de suas caçadas era, óbvio, goblinóides. Serena não descansou até conseguir matar um a um os desgraçados que haviam invadido sua casa e matado sua família. Ela fazia questão de olhar nos olhos de cada um deles, enquanto os matava lenta e dolorosamente com suas flechas ou sua espada. Quando finalmente sua vingança estava cumprida, Serena decidiu que era hora de abandonar Lamnor e se juntar aos refugiados no continente norte.

Assim, a bela e ressentida elfa passou seus dias viajando, escondida entre a floresta para ocultar-se do exército goblinóide que se tornava cada vez mais numeroso. Vários anos se passaram, desde a destruição do reino dos elfos no sul, Serena viajou por incontáveis léguas, escapou de dezenas de perigos, suportou as mais duras privações até que finalmente conseguiu atravessar o Istmo de Hangpharstyth, o estreito pedaço de terra que unia as porções norte (Remnor) e sul (Lamnor) de Arton.

Agora, anos após a trágica perda de sua família, Serena andava pelas ruas de Valkaria. Já não era mais a inocente e alegre elfa que costumara ser. A vida e suas tragédias tinham-na moldado uma mulher forte, corajosa e independente. Serena caminhava pelas vielas da cidade com passos firmes e decididos. Seus belos olhos verdes encaravam com frieza e desprezo os que a observavam. E o desprezo se transformava em ódio cada vez que seu olhar encontrava algum goblin que passava.

Serena tinha um objetivo claro para estar naquela cidade. Estava cansada de andar sozinha. Embora suas habilidades com o arco fossem inegavelmente extraordinárias, Serena sabia que havia muitos perigos espalhados pelo mundo, perigos demais para serem enfrentados sozinha. Principalmente em se tratando de uma elfa formosa como ela.

Os elfos eram desprezados em Arton, um comportamento que remonta à época em que apenas Lamnor era povoado. Os reinos humanos que começavam a se formar e a prosperar buscaram fazer alianças com os elfos de Lenórienn. Mas, os elfos se recusaram a negociar com aqueles que eles consideravam inferiores. Sendo assim, os reinos humanos assinaram um tratado de não interferência em assuntos élficos. Com esse tratado, os humanos jamais se intrometeriam em qualquer assunto ligado ao reino élfico, fosse para bem, fosse para mal. Dessa forma, os humanos não se importaram quando o reino dos elfos foi destruído. Quando o regente dos elfos percebeu que precisava da ajuda dos humanos, já era tarde demais. Assim, por conta desse fato no passado distante de Arton, os elfos eram todos considerados arrogantes e prepotentes pelos humanos e demais raças. Isso, aliado ao fato de possuir uma grande beleza física, tornava ainda mais difícil a vida de Serena. Ora desprezada, ora atacada, fosse por monstros ou por algum pervertido interessado em se aproveitar dela, Serena estava sempre correndo perigo, em tudo que fazia. E para enfrentar esses perigos iminentes, nada melhor do que poder contar com amigos. Assim, Serena pretendia encontrar um grupo de pessoas que compartilhassem dos mesmos gostos, das mesmas idéias, do mesmo amor pela vida livre e pela aventura e, principalmente, do mesmo ódio pelos goblins, hobgoblins, bugbears, orcs... Enfim, Serena desejava encontrar um grupo de aventureiros, com quem pudesse percorrer todo aquele imenso mundo em busca de emoção, experiência e tesouros.

E, não havia melhor lugar no mundo para se encontrar qualquer tipo de pessoa que se desejasse do que Valkaria. Assim, ela entrou na maior e mais populosa cidade de todo o mundo conhecido, seguindo diretamente para o coração da metrópole, o centro velho, onde ficava a maior obra de engenharia já vista pelos artonienses, a estatua de Valkaria, a deusa da ambição, criadora dos humanos e protetora dos aventureiros.

Serena passou diante da estátua, sem se importar com aquela obra magnífica. Para ela, tudo que não se parecesse com Lenórienn não lhe despertava interesse. Viu quando um estranho homem vestido de branco criou confusão ao reunir uma multidão e anunciar que tinha a prova de que a estátua sugava poderes mágicos, exibindo um rato morto em suas mãos. Serena sabia que estava em um lugar cheio de pessoas estranhas e diferentes, e decidiu ignorar o homem e seguir seu caminho.

A elfa parou diante de um poste onde um lampião aceso tremulava ao vento. Pregados no poste, dezenas de papéis com anúncios e notícias despertaram a atenção dela. Serena pôs-se a ler os papéis procurando por algo de seu interesse. Eram anúncios de pessoas procurando por outras pessoas, propagandas de lojas da cidade, retratos de bandidos procurados pelas autoridades, e muitos outros. Ela esperava encontrar ali uma oportunidade, algum anúncio procurando por aventureiros ou algo do gênero em que pudesse empregar suas habilidades.

Serena lia cada um dos anúncios, atenta e ansiosa, até que algo de estranho chamou sua atenção. O mesmo homem que ainda há pouco causara um pequeno distúrbio, agora gritava como louco, para parar uma carroça conduzida por um bando de halflings. Dentro da carroça, aprisionado em uma jaula, havia um enorme esqueleto animado por magia negra. Serena assistiu confusa ao homem que tentava fazer amizade com os halflings e falava coisas estranhas como chamá-los de irmãos e dizer que queria se tornar um lich. Quando os pequeninos finalmente se livraram do tal homem, o gigantesco esqueleto que eles transportavam arrebentou a jaula na qual estava e saiu andando em direção ao homem. Aquele humano estranho e insano passou então a conversar com o morto-vivo e a acariciá-lo, como se fosse um animalzinho. Depois, mandou que ele pulasse, e o esqueleto deu um pequeno salto. Mandou então que ele saltasse na carroça, e a criatura lançou seu enorme corpo ósseo sobre o veículo, destruindo-o. Depois mandou que a criatura se sentasse, e assim ela fez, esmagando os pobres cavalos, que puxavam a carroça, com seu peso. E então, após tudo isso, o homem saiu andando tranqüilamente, como se nada tivesse acontecido. Mas, não foi longe. Serena viu com satisfação quando vários oficiais da milícia levaram o homem preso. Ao menos alguma coisa naquela cidade a agradara.

Depois de incidente, e de ter lido todos os anúncios, sem encontrar o que procurava, Serena decidiu pedir informações em algum lugar. Assim, ela se dirigiu a uma taverna próxima, uma grande e movimentada taverna chamada Olho de Grifo.

Já dentro da taverna, ela sentiu uma ponta de arrependimento por estar ali. Só havia homens, e todos eles não passavam de um bando de bêbados e desocupados sujos e mal-cheirosos, que insistiam em assediá-la. A cada passo dado, Serena era obrigada a ouvir algum gracejo desagradável, alguma proposta indecente, alguma obscenidade ou algum elogio que mais parecia com ofensa. Mas, apesar de todo esse incômodo, ela estava decidida a ir adiante, não deixaria que aqueles nojentos a intimidassem.

Escolheu uma mesa no lugar que lhe parecia menos desconfortável e sentou-se. Pouco tempo depois, um dos homens veio importuná-la.

_ Boa noite senhorita! Será que posso lhe fazer companhia? - Perguntou o rapaz, um homem alto e moreno, de barba por fazer e que cheirava muito mal.

_ Não! E nem pense em fazer alguma gracinha, ou eu farei um furo extra em sua cabeça! – rosnou a elfa, apontando para o arco.

_ Nossa! Mas que garota nervosa! Que selvagem! Essa daí deve arranhar e morder! Fiquem longe dela rapazes! – zombavam os clientes da taverna, deixando Serena ainda mais irritada.

O homem tentou ainda argumentar, mas foi totalmente ignorado pela moça. Mesmo assim, ele permaneceu ali, olhando-a, até que uma outra pessoa se aproximou.

_ Olá! Posso conversar com você? – era uma voz feminina. Serena olhou e viu uma mulher humana, quase tão bela quanto as damas élficas. Vestia-se com roupas belas e limpas, seu corpo era adornado com jóias lindíssimas e ela não se parecia em nada com as outras mulheres da taverna que estavam ali para venderem seus corpos por alguns tibares sujos.

_ Depende! Se você não estiver querendo me assediar! – respondeu Serena, ainda desconfiada.

_ Claro que não! Posso me sentar? – perguntou a mulher, sorrindo.

_ Sim, claro! Sente-se! E então? Sobre o que vamos conversar? – disse o homem que estava em pé ao lado de Serena, puxando uma das cadeiras e sentando-se.

Serena pegou seu arco rapidamente e apontou uma flecha entre os olhos do rapaz. O olhar da elfa parecia com o de um animal selvagem sedento de sangue. Sem dizer nada, o homem se levantou, encabulado, e foi embora rapidamente.

_ Notei que você não é daqui! E pelos seus trajes, você deve ser o que eu estava procurando, uma aventureira! Certo? – perguntou a humana.

_ É, você acertou! Vim pra cá pra encontrar para encontrar um grupo ao qual eu possa me juntar! Preciso de pessoas confiáveis e que sejam destemidas! Sabe onde eu posso encontrar alguém assim? – perguntou Serena, enquanto guardava a flecha na aljava.

_ Sei sim! Você acaba de encontrar uma! Muito prazer, eu sou Nirvana!