Capítulo 2 - A dama das jóias
Nirvana atendeu aos últimos clientes do dia e encerrou seu expediente. Fora um dia de trabalho rentável na joalheria de seus pais onde trabalhava desde a infância. Aprendera desde cedo o ofício de joalheiro com seu pai, e dedicava-se a ajudá-lo todos os dias de sua vida. Assim ela passou sua infância, dividindo seu tempo entre as brincadeiras de criança, as lições no templo de Tanna-Toh, deusa do conhecimento, e as horas de trabalho ao lado de seu querido pai. O tempo foi passando, e a menina foi se aprimorando na arte de confeccionar jóias. As lições no templo já iam além de simplesmente aprender a ler e escrever, ela agora aprendia sobre a história de seu povo, sobre a geografia de seu reino e outras coisas mais. Suas brincadeiras também iam se modificando à medida que o tempo passava, até que começaram a, aos poucos, perder a graça que tinham. Nirvana estava crescendo. Outrora uma menina inocente e sorridente, Nirvana agora era uma bela mulher, de cabelos castanhos, pele alva e curvas capazes de virar a cabeça de qualquer homem do reino.
Nirvana estava mudada. Deixara de ser menina e tornara-se uma bela mulher. Mas uma coisa não havia mudado, seu gosto pelas jóias continuava o mesmo. Além de se dedicar com afinco a ajudar seu pai na loja, ela agora exibia em seu belo corpo suas criações. Colares, pulseiras, brincos e anéis, todos adornados com pedras preciosas e entalhes minuciosamente elaborados, enfeitavam o corpo da moça, tornando-o ainda mais belo e atraente. Ela continuava trabalhando com afinco na loja do pai e tinha se tornado tão experiente a ponto de praticamente tocar o negócio sozinha. Nirvana adorava o que fazia, mas já não se sentia satisfeita como quando criança. Como qualquer filha da deusa Valkaria, a deusa da ambição, a jovem moça agora desejava mais do que aquilo. Nirvana sonhava em viver aventuras, tal qual as histórias cantadas pelos bardos nas tavernas que freqüentava. Mas, lhe faltava algo que a impulsionasse para fora dali, algo que a conduzisse ao mundo de aventuras com o qual ela sonhava. Enquanto isso não acontecia, ela se distraia como podia. Durante o dia ela dividia seu tempo entre os afazeres na joalheria e a cartomancia. Nirvana lia a sorte das moças de sua idade, e outras também, através das cartas. Dessa forma ela, além de conseguir alguns tibares extras, se divertia e ajudava outras pessoas. As previsões de Nirvana tinham freguesia fiel e numerosa, mesmo sendo todas falsas. A moça apenas fingia ler o futuro nas cartas, usando toda sua astúcia para enganar as donzelas ingênuas e cheias de dinheiro, dizendo a elas nada além do que elas desejavam ouvir. Assim, suas freguesas saiam sempre satisfeitas da loja, deixando seus tibares nas mãos de Nirvana e voltando regularmente. Já durante a noite nas muitas tavernas de Valkaria. De dia ela trabalhava na loja do pai, mas à noite, Nirvana se libertava, bebendo e se divertindo no meio de mercenários, beberrões e criminosos. Por vezes ela até corria riscos, indo a locais aonde a maioria das moças do reino ousaria sequer de passar perto, nem mesmo sob a luz de Azgher. Ela, ao contrario do que se poderia espera, nada temia, ainda mais após descobrir seus novos poderes.
Sim, junto com a maturidade e o desejo de se aventurar, vieram também os poderes mágicos. À medida que crescia, Nirvana descobriu que possuía algo diferente de seus pais, ela podia fazer magia. Diferente de um mago, que gastava horas estudando para poder lançar um único feitiço, a jovem tinha o poder de concentrar a energia mágica que a cercava em seu corpo e convertê-la em efeitos fantásticos. Além de uma bela e talentosa joalheira, Nirvana era também uma promissora feiticeira. E isso dava a ela ainda mais motivos para querer se aventurar pelo mundo. Presa dentro da loja na capital de Deheon, ela jamais poderia utilizar todos os maravilhosos poderes que possuía, nem descobrir quais eram os seus limites. Assim, ela passa as noites, indo de taverna em taverna, sempre à espera de uma oportunidade para viver uma grande aventura.
Mal sabia ela que naquela noite a tão sonhada oportunidade finalmente chegaria. Sem suspeitar de nada, ela apagou as luzes e trancou as portas da joalheria. Já era noite, e o manto de Tenebra cobria o céu com sua escuridão. Apenas algumas estrelas cintilavam no céu, disputando espaço com a lua em arco. Nirvana guardou a chave da loja em sua bolsa, ansiosa por voltar para sua casa, rever seus pais e finalmente poder sair pelas ruas de Valkaria para aproveitar a noite.
_ Boa noite moça! – os pensamentos de Nirvana foram subitamente interrompidos por uma voz gutural que vinha de trás dela. Ela se virou e viu um goblin, sujo e malcheiroso como todos os goblins de Valkaria, cumprimentando-a.
_ Boa noite! Posso ajudá-lo? – respondeu a garota, desconfiada.
_ Bem, eu gostaria de falar com você sobre os assaltos que estão acontecendo por aqui ultimamente! Não sei se você sabe, mas vários comerciantes da região foram assaltados e agredidos por bandidos nos últimos dias aqui nas redondezas! – o pequeno ser falava com sua voz rouca e gutural enquanto gesticulava.
_ Não, não estou sabendo de nada disso! Mas o que isso tem a ver comigo? – Nirvana tentava encurtar a conversa e já começava a ficar irritada com aquele sujeitinho.
_ Bem moça, você tem uma bela loja e, assim como os outros comerciantes, também pode ser vítima de um atentado! Justamente por isso, meu patrão me mandou aqui! Ele está unindo todos os proprietários da região, para evitar que novos atentados ocorram! A mando dele eu estou recolhendo de todos os lojistas uma taxa em dinheiro pra que sejam contratados alguns seguranças para proteger a região! Seria algo como uma taxa para proteção de todos os comerciantes locais! Meu patrão já está recrutando mercenários para vigiarem as redondezas e....
_ Ah sim! Agora eu entendi! Mas eu já paguei essa taxa ontem! Então pode ir embora, já está tudo certo! – Nirvana interrompeu o goblin, já entendendo que se tratava de um golpe, e tentou enganá-lo.
_ Como assim já pagou? É sério? – perguntou o goblin, confuso.
_ Sim, é sério, paguei essa taxa ontem! Faz assim, vá conversar com seu patrão e você vai poder confirmar que eu já paguei!
_ Bem, se é assim...então eu já vou embora! – o goblin saiu lentamente, coçando sua cabeça, confuso. Caminhava com dificuldade, meio arrastando uma das pernas, como se estivesse ferido. Foi até perto de uma esquina, parou e deu uma olhada para trás, encarando Nirvana, e dobrou a esquina, desaparecendo da visão da mulher.
Aquele ser desprezível tramava alguma coisa, e Nirvana sabia disso. Sem perder tempo, a moça se dirigiu até o posto da milícia mais próximo e relatou tudo que tinha acontecido.
_ ...então ele veio me pedir dinheiro! Disse que era uma taxa de proteção! Eu consegui enganá-lo, dizendo que já tinha pagado a taxa, e ele foi embora! Mas desconfio que ele seja um criminoso que só queria extorquir meu dinheiro ou me assaltar! Por favor, façam alguma coisa! – Nirvana falava e gesticulava com graça e delicadeza. Seu jeito meigo e frágil cativava os soldados que prontamente saíram em perseguição ao tal goblin.
_ Então senhorita, quer que eu a acompanhe até sua casa! Pode ser perigoso uma moça tão bela e delicada quanto você andar sozinha por essas ruas escuras! Eu posso protegê-la e levá-la até sua casa! – disse o oficial responsável pelo posto da milícia, oferecendo seu braço como apoio para Nirvana.
_ Está bem, obrigada! – Nirvana agarrou-se ao braço do soldado e sorriu, achando graça de tudo aquilo. Mal suspeitava o soldado que a frágil moça ao seu lado era mais perigosa e astuciosa que ele e o goblin juntos.
Nirvana entrou em sua casa, dando um beijo carinhoso em seu pai e sua mãe. Conversou com eles por alguns instantes enquanto comia um pedaço de pão e tomava uma tigela de sopa. Depois foi até os fundos da casa onde se banhou em uma tina e trocou de roupa. Pegou a bolsa com suas moedas, cartas de tarô e alguns componentes mágicos (só os mais elaborados, já que ela não necessitava de itens simples como pêlos, unhas, areia e outras coisas mundanas para realizar seus feitiços). Prevenida, como sempre, também pegou suas armas, uma besta pequena e uma lança, e as levou consigo. Valkaria era uma cidade moderna e muito bem cuidada pelas autoridades, mas também tinha seus perigos, portanto, era bom não abusar da sorte.
Nirvana se despediu dos pais e saiu. Foi até o centro velho da cidade, a região mais famosa e movimentada da capital. O lugar onde ficavam a arena e o palácio imperial, e onde ficava a famosa estátua da deusa da humanidade, Valkaria. A magnífica estátua de meio quilômetro de altura, esculpida sabe-se lá por quem, retratava Valkaria, a deusa da humanidade, da ambição e dos aventureiros, de joelhos, com as mãos estendidas ao alto, como se suplicasse por alguma coisa. Ninguém sabia quem havia construído aquela obra espantosa, nem mesmo os anões de Doherimm sabiam dizer quem poderia ter construído aquela estátua, ou há quanto tempo ela estava ali. O único fato concreto é que ela já estava ali naquele local quando os exilados chegaram do continente sul, Lamnor, e desde aquele tempo até os dias atuais não apresentava qualquer sinal de desgaste. Dizia um louco conhecido dos moradores locais que a estátua na verdade era a própria deusa transformada em pedra como castigo por ter traído os outros deuses. Mas, ele era apenas um mendigo louco, e só mesmo sendo louco para dar ouvidos a um tipo assim. Além disso, a estátua era cercada de boatos e lendas obscuras. Segundo uma delas, se alguém ou algum objeto com poderes mágicos tocasse na estátua, por um instante que fosse, perderia todos os seus poderes imediatamente. Mas, Nirvana não estava ali para perder tempo com boatos ou mendigos loucos, mas sim para se soltar e se divertir. Assim, a jovem dama seguiu para a taverna Olho de Grifo, uma das mais famosas e movimentadas tavernas da cidade.
Enquanto caminhava pelas ruelas da cidade, Nirvana notou que um corre-corre incomum tomava conta área ao redor da estátua. Pessoas passavam correndo assustadas, gritando algo sobre um monstro à solta pelas ruas. Ansiosa para poder testar seus poderes mágicos, a moça seguiu o burburinho até encontrar a fonte do distúrbio. Era um homem, vestido com uma túnica toda branca, que brincava e acariciava uma criatura morta-viva de quatro metros de altura, um esqueleto. A criatura, embora estivesse solta, não representava perigo algum, já que estava sob o domínio daquele estranho sujeito. E como o tal rapaz parecia mais inofensivo do que o próprio monstro com o qual brincava, Nirvana percebeu que não havia motivo para se preocupar com mais uma das excentricidades da cidade em que vivia.
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