Capítulo 1 - Uma noite promissora
Estávamos no ano de 1398 do calendário élfico. O décimo dia de Cyd, o mês da batalha, finalmente terminava. Aquele início de noite, um jetag quente de verão, trazia, além de uma brisa refrescante, a promessa de uma nova saga heróica que se iniciaria naquela noite. Arton era um mundo de problemas. Atacado de um lado pela Tormenta, de outro pela, até então ignorada, Aliança Negra, além de vários outros distúrbios menores que o tornavam um terreno fértil para as pessoas de grande poder e coragem. E essas pessoas existiam em grande quantidade no mundo. Sim, Arton era também um mundo de heróis. Heróis valorosos que registrariam seus nomes nas páginas da história, cujos feitos seriam cantados pelos bardos de um extremo a outro do mundo.
Um desses heróis, embora ele próprio sequer desconfiasse disso, era Lohranus Kalin. Lohranus era um guerreiro selvagem da raça dos minotauros, vindo do distante reino de Tapista. Lohranus estava agora em Valkaria, a grande capital de Deheon, o centro comercial e político de todo o mundo conhecido, lar da magnífica estátua da deusa homônima, com seus impressionantes quinhentos metros de altura, lar da famosíssima Arena Imperial, por onde passavam os maiores gladiadores do mundo, e lar da Grande Academia Arcana, escola responsável pela formação de grande parte dos magos que usavam seus poderes para tornar Arton um mundo melhor para se viver. Valkaria era uma gigantesca metrópole, que brilhava e atraia milhares de pessoas ávidas por conhecerem suas maravilhas. E naquele dia a grande capital estava ainda mais viva e brilhante. Fazia tão somente três dias que a cidade havia comemorado o aniversário da Grande Batalha, na qual os povos derrotados foram exilados do continente sul e rumaram para o norte, onde fundaram o conjunto de nações que era conhecido como reinado. Em dias assim a cidade costumava fervilhar de tanta gente que a visitava. Devia haver por volta de dois milhões de pessoas ali naquela noite, todas comemorando o feriado e se divertindo nas tavernas que se espalhavam pelas ruas da capital.
Mas, ao contrário da cidade que o acolhia, Lohranus não brilhava naquela noite, nem sequer se divertia. Entre um gole e outro de água, estrategicamente servida em uma garrafa de hidromel, o minotauro tentava esquecer fatos tristes de seu passado recente, enquanto ganhava algumas moedas de ouro fáceis das pessoas que o desafiavam para uma queda de braço. Por acharem que o minotauro estava bêbado, todos acreditavam ser fácil derrotá-lo. Mas, após as apostas terem sido feitas, Lohranus mostrava sua força descomunal e derrotava seus adversários, como se lutasse com crianças. Ele por sua vez, não se divertia com aquilo, tampouco se orgulhava do que fazia. Apenas se aproveitava daqueles idiotas para ganhar dinheiro suficiente para pagar sua estada na cidade e sua alimentação até conseguir algo melhor pra fazer.
Lohranus desejava encontrar um grupo de aventureiros, pessoas com as quais pudesse sair pelo mundo em busca de fortuna e desafios. Desafios que o fariam esquecer aquilo que ele não comentava com quem quer que fosse, a sombra que o perseguia todos os dias de sua vida. Por isso ele estava ali, na taverna Olho de Grifo, aguardando ansioso por uma oportunidade, conversando com as pessoas, checando os avisos deixados no estabelecimento e exibindo sua enorme força.
O minotauro já estava ali há várias horas. Passara praticamente todo o dia na taverna ganhando seu dinheiro fácil. A noite começava a cair e a população que freqüentava o estabelecimento também começava a mudar junto com a paisagem lá fora. Se há pouco o local era freqüentado por todos os tipos de pessoas, incluindo crianças, acompanhadas de seus pais, e mulheres, devidamente protegidas por seus companheiros, agora eles rareavam no local. Ao invés de turistas, mulheres e crianças, o local agora era tomado por homens, em geral sujos e mal vestidos, de aparência rude e até mesmo sombria. Junto com a noite, vinham os criminosos, os bêbados, os vagabundos e vigarista, e os aventureiros. Lohranus aguçou seus sentidos, em busca da tão esperada oportunidade de recomeçar sua carreira de aventureiro. Mas sua esperança logo se esvaiu ao notar que apenas os vagabundos de costume marcavam presença no local. Sem ter nenhuma possível oportunidade em vista, e já com os bolsos recheados com Tibares dourados, Lohranus decidiu que era hora de encerrar o expediente e recolher-se ao seu quarto. Foi quando ele notou que era observado.
Em uma mesa distante, no extremo oposto da taverna, havia um homem franzino. Vestia-se com roupas finas e caras, muito limpas por sinal, mas não parecia pertencer à nobreza. Devia ser apenas algum comerciante rico, ou um criminoso bem sucedido. Tinha um cabelo curto e castanho, muito bem penteado e limpo, repartido ao meio com precisão milimétrica. Seu rosto era limpo, sem um fiapo de barba sequer, e afilado. Possuía orelhas arredondadas e pequenas, e olhos atentos, que prestavam atenção em tudo à sua volta, especialmente Lohranus. Só agora o minotauro se dava conta de que a cada disputa de queda de braço realizada por ele, o estranho homem o observava, como se o medisse, e depois disfarçava, ocultando seus olhos e intenções atrás de uma caneca de bebida. Desconfiado e destemido, o selvagem guerreiro decidiu que era hora de fazer algumas perguntas ao homenzinho.
Lohranus se levantou, e caminhou em direção à mesa onde o homem estava sentado. Seu corpo enorme e musculoso, coberto por pêlos pardos e uma armadura de couro e placas metálicas chamava a atenção dos freqüentadores do lugar. Como se não bastasse, uma enorme espada de lâmina larga servia como um intimidador adorno preso às costas do minotauro. O homem notou a aproximação de Lohranus e ficou imediatamente incomodado. Pegou algum objeto em seu bolso, e o olhou por um instante. Fez uma expressão de espanto, que Lohranus prontamente identificou como fingimento, deu um último gole em sua caneca e se levantou para ir embora, como se estivesse atrasado para algum compromisso.
_ Sente-se! – disse Lohranus, sua voz grave parecia um trovão.
_ Sinto muito, cavalheiro, mas estou atrasado, já é hora de eu ir embora! – respondeu o homem com um sorriso e a voz trêmula, ignorando o pedido do minotauro.
_ Sente-se, eu disse! Quero ter uma conversa com você! – o minotauro puxou uma cadeira para se sentar e rugiu para o homem que tentava fugir.
_ Claro amigo! Vamos conversar então! – o homem sorriu e se sentou novamente com naturalidade. E uma gota de suor escorreu pelo seu rosto.
_ Bem, vamos do começo! Eu sou Lohranus, e você? – o minotauro estendeu gentilmente a mão para o humano.
_ Muito prazer, eu sou Tonny! – ainda temeroso, o homem apertou a mão do minotauro e pode sentir toda a sua poderosa força.
_ Bem Tonny, agora que nos conhecemos, vamos direto ao ponto! Eu percebi que você ficou me observando o dia todo! Eu quero saber o porquê! – disse Lohranus, encarando o homem com seriedade.
_ Bem, vou direto ao ponto, como você mesmo disse! Meu patrão é um empresário bem sucedido que, como muitos outros, faz parte da agencia gladiadores que atuam na Arena Imperial! Eu não pude deixar de notar sua grande força física e tenho certeza de que com ela, você seria um grande gladiador! E então, não gostaria de trabalhar para meu patrão? Ser um gladiador na arena? Ter fama e ganhar muito dinheiro? Tenho certeza que meu patrão ficaria muito satisfeito em tê-lo em seu time de gladiadores e pagar-lhe um bom salário! Então, o que me diz? – respondeu Tonny, já confiante e sem o medo de antes.
_ Olha, Tonny, é uma proposta tentadora, mas no momento não estou interessado! Eu estou tentando me juntar a um grupo de aventureiros, para sair por ai caçando tesouros! Sinto, mas vou ter que recusar sua oferta! – concluiu o minotauro.
_ Está bem então! É uma pena, mas devo respeitar sua vontade... – Tonny já se preparava para despedir-se de Lohranus, quando uma pequena multidão alvoroçada invadiu a taverna, interrompendo-o.
_ Monstro!!! Tem um monstro à solta lá fora!!! Escondam-se!!! Fujam!!! – gritavam as pessoas em desespero.
Monstro. Era a oportunidade que Lohranus esperava. Já fazia um bom tempo que ele não lutava, que não matava um inimigo. Sem hesitar, o minotauro abandonou a taverna às pressas, com sua espada nas mãos, ansioso pelo combate.
Lá fora, além das pessoas que fugiam desesperadas, havia um estranho homem. Vestia um manto todo branco que contrastava com a escuridão da noite. Em seu peito havia um símbolo negro, parecia ao longe uma estrela de cinco pontas. Estava parado no meio da rua, totalmente alheio ao pandemônio à sua volta, acariciando um gigantesco esqueleto. O homem conversava e brincava com uma enorme caveira, de cerca de quatro metros de altura. Talvez fosse o esqueleto de um troll, ou de um ogro, Lohranus não tinha certeza, mas sabia que aquilo era obra de magia. O minotauro percebeu que perto dali havia uma carroça, em forma de jaula, onde um bando de halflings armados de lanças gritava furiosamente para o homem de branco. Talvez os halflings e aquele estranho humano estivessem transportando aquele monstro. Era uma coisa totalmente estranha e nova para Lohranus. Mas, ele estava em Valkaria, a capital do reinado, conhecida por suas maravilhas e excentricidades, logo, coisas daquele tipo deveriam ser comuns ali. E, já que a criatura não demonstrava agressividade, ao invés disso recebia os agrados do humano que conversava com ela, não havia motivos para Lohranus se preocupar ou entrar em combate. Decepcionado, o minotauro retornou para a taverna, assim como os outros freqüentadores. Mas, ao invés de ir se deitar, decidiu permanecer por ali, para esperar que lhe surgisse uma boa oportunidade de aventura. Lohranus já tinha visto todo tipo de esquisitice naquela metrópole, mas aquela noite estava superando todas as suas expectativas. Era sem dúvida nenhuma uma noite muito promissora e ele não estava disposto a perder as chances que estariam por vir.
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