Capítulo 7 – Contratação
O posto da milícia era não mais do que uma grande casa encravada nas proximidades da taverna Olho de Grifo. Um pequeno salão com um banco de espera e uma escrivaninha para o soldado atendente recepcionava as pessoas que precisassem da ajuda das autoridades. Uma pequena porta ao lado da escrivaninha dava acesso a um salão um pouco maior, onde alguns presos acotovelavam-se em dois grandes bancos de madeira, enquanto aguardavam pela sua vez de prestar depoimento. Duas outras portas existiam nesse salão. Uma delas, sempre fechada, conduzia a um longo corredor com várias portas que davam acesso a uma cozinha simples, aos arquivos do posto de guarda, ao depósito de armas, um banheiro e um alojamento para os soldados descansarem, no final do corredor, uma porta dava acesso à área das celas. A outra porta, sempre aberta, conduzia à sala do capitão da guarda, que chefiava os soldados do posto. Foi para onde o grupo que lutou contra os goblins na taverna foi levado.
Passaram pelo salão anterior ao escritório do capitão, onde um bêbado algemado ocupava um dos bancos. Viram com satisfação que no outro banco, também algemado, estava o louco que há pouco havia causado tumulto na cidade, assustando todos os passantes com um enorme esqueleto animado. Sentaram-se num grande banco de madeira, diante de uma escrivaninha, atrás da qual estava o chefe dos soldados. O homem os recebeu amistosamente, levantou-se e pegou alguns papéis num armário ao lado da mesa e começou a tomar nota dos fatos ocorridos. Começou pelos nomes dos envolvidos, suas ocupações, os motivos pelos quais estavam na taverna. Depois, pediu que contassem detalhadamente o que tinha acontecido na taverna. Kallas começou explicando o que tinha acontecido, sobre a chegada dos goblins e a evacuação da taverna, sobre os goblins intimidarem o taverneiro, e sobre terem-no ofendido.
_ Eu só liguei uma coisa à outra! Eles entraram, todos saíram, sinal de encrenca! Depois vi o Jonas entregando uma bolsa que parecia ter moedas para ele, só podia ser extorsão! – dizia Kallas, enquanto o chefe da guarda anotava tudo pacientemente.
_ Faz sentido! – disse uma voz distante, vinda de fora da sala, do corredor.
_ Quem disse isso? – perguntou Kallas.
_ Ah! É um prisioneiro que estava causando tumulto na cidade! Ele está lá no corredor! Cale sua boca ai fora! – respondeu o capitão.
_ É, eu o vi fazendo isso quando estava indo pra taverna! Ele disse que foi um show, mas não gostei nem um pouco desse show! – completou o mago.
Nirvana acrescentou, contando sobre o goblin que a havia abordado quando saia de sua joalheria. Um a um foi contando o que sabia, acrescentando fatos à história, até que restava apenas uma coisa a esclarecer, o que havia na bolsa dada pelo taverneiro. Então, finalmente ele resolveu se pronunciar e confirmou aquilo que todos já suspeitavam. Havia dinheiro na bolsa, moedas de ouro, que seriam dadas aos goblins como taxa de proteção. Jonas disse que já havia sido procurado por eles, várias vezes, e intimidado a pagar pela taxa para que ele não fosse vítima de atentados. Acuado e temendo por sua vida e de sua família, Jonas resolveu aceitar pagar a tal taxa.
_ Bem, na verdade não é a primeira vez que isso acontece por aqui! Já recebemos várias denúncias de comerciantes que vem sendo extorquidos por esses goblins! Sabemos que eles devem ser apenas os soldados rasos de alguma guilda de criminosos! Mas, infelizmente, ainda não temos nenhuma pista de quem está por trás disso! Eu peço a colaboração de vocês, caso vejam alguma coisa de suspeita, para nos manterem informados de tudo! – disse o capitão.
_ Sim, se eu souber de alguma coisa suspeita, eu o avisarei! – gritou o homem no corredor, novamente se intrometendo na conversa.
_ Você fique quieto ai fora! Soldados, façam com que ele se cale! – gritou o capitão.
Dois soldados cercaram o homem, armados com clavas, prontos para fazê-lo dormir do pior jeito. O homem se levantou, pedindo que os guardas esperassem um momento e começou a cantar. Cantava sorrindo alegremente, como se estivesse se apresentando para uma platéia gigantesca. Os soldados ficaram parados, catatônicos, olhando para a estranha cena, e chegaram a uma conclusão.
_ Capitão! Esse louco deve ser um clérigo de Nimb! É totalmente maluco! – disseram os soldados. Os dois guardas, com pena da pobre criatura desmiolada, resolveram não bater nele. No escritório do capitão, a conversa prosseguiu.
_ Mas o que vocês pretendem fazer com relação a esses goblins? – perguntou Nirvana.
_ Bem, estamos investigando, ainda! Mas, assim que tivermos alguma pista, iremos prender todos eles! – respondeu o capitão.
_ Bem, eu posso ajudar de alguma maneira, já que eles provavelmente irão me procurar novamente! – propôs a mulher.
_ Eu tenho uma proposta! Vocês já viram o que eu posso fazer! Posso ajudar em troca da minha liberdade! – gritou o homem no corredor.
_ Cale-se! – gritou um dos soldados.
_ Aquele goblin continua vivo? – perguntou Kallas.
_ Sim, ele está inconsciente, mas ainda está vivo!
_ Que tal se nós o curássemos, e deixássemos ele fugir daqui! Poderíamos segui-lo até o esconderijo dele e descobrir quem está por trás de tudo isso! – sugeriu o mago.
_ Isso, ótima idéia! Eu posso curá-lo! Eu tenho esse poder! – gritou o homem no corredor.
_ Eu estou procurando emprego, seria uma boa oportunidade para eu trabalhar ajudando vocês nesse caso! – disse Kallas.
_ Nós também! Todos estamos em busca de algo assim! Se você quiser nos contratar, poderíamos investigar esse caso para vocês! – falou Lohranus.
_ Eu também! E eu nem cobrarei por isso! Basta que me libertem! – intrometeu-se novamente o louco fora da sala.
_ É uma proposta interessante! Deixe-me pensar um pouco sobre isso! Não gostaria de envolver pessoas sem treinamento, mas vocês já mostraram possuir boas habilidades naquela taverna! Dêem-me um minuto! – concluiu o comandante, retirando-se da sala e indo para os fundos da base.
Enquanto aguardavam, Serena contou aos seus novos companheiros tudo que tinha visto o intrometido do corredor fazer nas ruas. Contou sobre o tumulto com o rato, e sobre a confusão com o esqueleto. Também mencionou sobre o desejo dele de se tornar um lich.
_ Que história é essa de lich? – Lohranus se levantou e foi até o corredor, seguido pelos outros. Encarou o homenzinho com firmeza e interrogou-o.
_ Ah! Você ouviu! Ah, eu resolvi que eu mereço! – respondeu o homem, orgulhoso.
_ Como assim merece?
_ Calma, eu provo!
_ Vou lhe dizer uma coisa, sua mãe está morta, não está?
Lohranus calou-se, segurando-se para não empalá-lo ali mesmo com seus chifres. Sua mãe, ao menos quando ele havia partido de sua terra, estava viva e gozando de farta saúde. Dizer aquilo era uma ofensa imperdoável, mas o minotauro revelou, levando em consideração a insanidade daquele homem.
_ Sua mãe está viva, eu sei! Thyatis me escolheu! A grande fênix de fogo me escolheu! – continuou o lunático.
_ Como assim escolheu você? Escolheu você pra se tornar um lich? – Lohranus ficava cada vez mais confuso.
_ Não, isso não vem ao caso! Na verdade a transformação em lich é uma forma de eu atingir a imortalidade! E tem também minha irmã! Eu tenho que ajudá-la! Ela foi assassinada por uns bandidos e por isso eu tenho que dar a imortalidade para ele, transformando-a num zumbi! – respondeu o homem, deixando todos ainda mais confusos.
_ Espere um pouco! Você está me dizendo que vai transformar sua irmã num zumbi? – perguntou o minotauro.
_ Sim! Quer que eu faça com você? – ofereceu o rapaz.
Todos ficaram espantados com tamanha demência, ou ousadia talvez. Mas o fato é que aquele homem não era uma pessoa normal. Enquanto Lohranus tentava entender a mente distorcida do rapaz, o capitão retornou, pensativo.
_ Vejam bem, eu aceito a oferta de vocês! Vocês serão contratados para ajudar a investigar esse caso! Eu lhes darei uma recompensa de mil tibares de ouro caso consigam descobrir alguma pista importante sobre o caso! E eu tenho uma proposta a lhes fazer! Eu lhes dou trezentos tibares de ouro agora se vocês levarem esse insano pra bem longe daqui e não o tragam de volta! O que me dizem? – disse o oficial.
_ Levar esse maluco com a gente? Hum...precisamos pensar! O que vocês acham? – Lohranus coçou o queixo e se voltou para seus companheiros, a sombra da dúvida pairava sobre seu semblante.
_ Bem, ele tem alguns poderes que a gente poderia aproveitar! – lembrou Serena.
_ Sim! Eu tenho poderes! Vou mostrar! Estão vendo aquela barata na parede? Joguem-na em mim, por favor! – pediu o rapaz.
Lohranus estranhou o pedido, mas, como tudo que vinha daquele homem era estranho, atendeu ao pedido. O minotauro pegou o inseto, que caminhava tranqüilamente pela parede da prisão, e o atirou com força na testa do rapaz. A pequena barata explodiu, espalhando um muco pegajoso no rosto do sujeito.
_ Ah não! Você a matou! – suspirou, decepcionado, o jovem.
_ Não era pra matar? Mas você não me avisou! Qual era o propósito disso? – perguntou o minotauro.
_ Eu queria provar que eu posso ferir!
Quase não acreditaram na resposta que acabaram de ouvir. Ferir uma barata era coisa que qualquer criança podia fazer sem se vangloriar disso. Não restava dúvidas de que aquele rapaz era de fato insano. Mas, como necessitavam de seu poder para curar o goblin ferido, e, já que todos precisavam de algum dinheiro extra, concordaram em levá-lo com eles. Entretanto, ao invés do dinheiro extra, Kallas pediu que lhes fossem dados cavalos para que pudessem seguir mais facilmente a sua presa.
_ E como faremos para segui-lo sem que ele nos perceba? – perguntou Nirvana.
_ Deixem isso comigo! Auran nos guiará! – respondeu Kallas.
_ E quem é Auran? – perguntou Serena.
_ É minha coruja de estimação! Na verdade ela é mais que um animal de estimação, ela é parte de mim! Ela é aquilo que nós magos chamamos de familiar! Eu me comunico mentalmente com ela, e ela me entende perfeitamente! Tudo o que precisaremos fazer é deixar que Auran siga o goblin e nos guie! – explicou o mago.
_ Bom, nesse caso, pedirei a Nikki que ajude também! Nikki é meu familiar, uma coruja também! – completou Nirvana.
_ Bem, vamos fazer o seguinte, então! O goblin está desacordado, logo não sabe de nada que está acontecendo! Vamos fingir que fomos presos por matar os amigos dele, enquanto ele será solto! O louco, clérigo de Nimb, ali ficará na mesma cela que o goblin para ele não desconfiar de nada e irá curá-lo! Assim que ele sair, seus animais começarão a segui-lo, e nós iremos logo atrás! Quando ele entrar no esconderijo dele, nós chegaremos de surpresa e acabaremos com a quadrilha toda! Como é seu nome mesmo, garoto? – disse Lohranus.
_ Meu nome é Susrak Delzhan! E eu sou um clérigo de Tenebra! – respondeu, contrariado, o rapaz.
Todos concordaram com o plano e ele foi posto em prática. O goblin despertou de seu sono dolorido. Seus ferimentos estavam fechados e não mais doíam, embora faltasse um pedaço aqui e ali e sua face. Abriu os olhos e viu que estava dentro de uma cela. Diante dele, estava um homem, vestido com uma túnica branca, sorrindo para ele com cara de bobo.
_ Pronto, está feito! São cinqüenta tibares de ouro! – disse Susrak.
_ Cinqüenta tibares pelo que? Do que está falando? – perguntou o goblin, ainda meio atordoado.
_ Por eu ter curado você! Você chegou aqui todo ferido, e eu te curei! São cinqüenta tibares de ouro! – respondeu Susrak.
_ Ah tá! Depois eu te pago! Agora vai saindo de perto que eu não sou chegado a homens! Nós estamos presos, é? – o goblin levantou-se e afastou-se do homem, desconfiado, e começou a examinar o lugar onde estava.
_ Eu também não sou muito chegado a homens! E, sim, estamos presos! Mas parece que você vai ser solto logo! Ao menos foi o que os soldados me disseram! Parece que eles prenderam umas pessoas que mataram uns amigos seus!
_ Ah, isso é ótimo! Já era tempo!
Poucos instantes depois, surgiram dois soldados, abrindo a cela onde estavam os dois. Com um gesto, chamaram o goblin e apontaram espadas para Susrak, mantendo-o afastado das grades.
_ Você está solto! Pode ir embora! – disse um dos soldados.
_ Ótimo! Já não agüentava mais ficar aqui! Diga-me uma coisa! O que aconteceu com as pessoas que me agrediram? – tagarelava o goblin, enquanto caminhava pelo corredor.
_ Ah, foram presos! Estão naquela cela! – apontou o soldado.
O goblin passou lentamente diante da cela, olhando cada um dos presos com ar de superioridade. Fez um gesto obsceno sem que os soldados notassem e saiu rindo, sem desconfiar de nada.
_ Ei! Onde é sua casa? – gritou Susrak.
_ Pra que você quer saber? – perguntou o goblin.
_ Pra eu ir buscar o dinheiro que você me deve por eu ter lhe curado! – respondeu o clérigo.
_ Ah! Bem, eu moro ao norte daqui! Uns quinze quilômetros pro norte! – respondeu o goblin, após pensar por um instante.
Susrak disse adeus ao seu novo “amigo”. O goblin deixou o posto da milícia e saiu alegremente pelas ruas da cidade. Alguns minutos depois, o grupo contratado pelo capitão saiu e começou a preparar seus cavalos.
_ Bem, vou fazer contato com Auran, para saber onde está o goblin! – disse Kallas.
_ Não precisa! Ele foi pro norte! Ele me disse onde era a casa dele! – falou Susrak, orgulhoso de sua astúcia.
_ Bem, ao menos já sabemos que ele vai para o sul, então! – completou Kallas.
Enquanto preparavam os cavalos para partir, Lohranus esperava por todos no portão, a pé. Minotauros não montavam, era como uma questão de honra para eles. Susrak viu aquilo e se aproximou do minotauro.
_ Eu posso montar em você? – perguntou o clérigo, sorrindo.
_ Por acaso você não dá valor à sua vida? – disse o minotauro, furioso, levando a mão ao cabo da espada.
_ Eh...bem...não! – respondeu Susrak.
_ Bom, já que é assim, posso acabar com ela agora mesmo! – disse Lohranus, já sacando a espada.
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