Capítulo 8 – Na favela dos goblins
A marcha do recém formado grupo de aventureiros seguiu pelas ruas de Valkaria, rumo ao sul. À medida que eles se afastavam do centro da cidade, também conhecido como a parte mais antiga da metrópole, e também um das mais belas e nobres, as ruas iam se estreitando e sendo tomadas pela penumbra. As casas de alvenaria foram rareando e ficando cada vez mais grotescas até que eles chegaram a uma área totalmente escura, iluminada apenas pela luz das estrelas e do arco formado pela lua. Casas baixas e com formato semi-esférico espalhavam-se pelo local de forma desordenada. Lixo e sujeira acumulavam-se aqui e ali, ratos desfilavam livremente, deleitando-se com o banquete deixado para eles. Pequenas fogueiras das quais se desprendiam fumaças fétidas e escuras, podiam ser vistas em alguns poucos lugares. As vielas eram desertas, e tomadas de um odor nauseabundo. Conforme caminhavam, os aventureiros percebiam que pequenos olhos os observavam apreensivos, dos becos, das frestas das janelas e portas. Estavam agora na Favela do Goblins, um lugar onde a lei e a ordem não imperavam. Terreno fértil para criminosos de todo tipo, aquele bairro escuro e sujo, com suas casinhas minúsculas com formato arredondado, guardava mais perigos do que qualquer um era capaz de supor.
Auran estava parada, pousada sobre um obelisco, uma coluna de pedra de dois metros de altura, erguida no que parecia uma praça por algum motivo que somente os goblins conheciam. – Auran! Onde está aquele que você estava seguindo? – perguntou Kallas, mentalmente. O pássaro alçou vôo e foi pousar novamente sobre uma das pequenas tocas que se espalhavam pelo local. Era uma casa pequena, com cerca de dois ou três metros de diâmetro, feita com pedaços de madeira, peles, palha, ossos e outros materiais estranhos que não podiam ser identificados. Parecia impossível, mesmo para alguém de dimensões reduzidas, morar em uma toca tão pequena. Pois foi Lohranus quem disse que aquelas tocas deveriam possuir passagens subterrâneas, que seriam a verdadeira morada das criaturas.
Serena desceu de seu cavalo, assim como seus companheiros, e furtivamente se aproximou da cabana. Olhou por uma pequena janela que estava aberta, e viu tudo que lá dentro estava. Havia uma pequena cama, algo que lembrava uma cômoda, uma cortina ao fundo e uma mesa no centro do pequeno círculo que era a casa. Sentada numa cadeira havia um goblin de idade avançada, mexendo com as mãos em alguma coisa sobre a mesa, e resmungando algo que Serena não conseguia compreender. A elfa refreou seu desejo de matar aquele ser desprezível ali mesmo, e retornou para seu grupo, contando o que vira. Ficaram todos discutindo por alguns instantes, para decidir qual seria a melhor estratégia para invadir o local, quando Nirvana decidiu agir.
_ Com licença! Posso entrar! – perguntou a moça, enquanto batia à porta. Não houve resposta. A pessoa dentro da casa, se é que poderia ser chamada de pessoa, continuava concentrada em sua tarefa. Nirvana analisou a porta e, com auxílio de seus poderes mágicos, levantou o trinco que a mantinha trancada.
_ Posso entrar? – perguntou novamente. E novamente não houve resposta. Todos entraram cautelosamente, esperando que alguma armadilha ou cilada fosse surpreendê-los. Kallas viu uma poça de líquido no chão, um líquido escuro e viscoso, e alertou seus companheiros.
Então, o goblin que estava à mesa, uma fêmea de idade avançada, virou-se para os aventureiros, sorrindo. Seus dentes eram pontudos e salientes, e estavam cheios de sangue, o mesmo sangue que gotejava no chão. Sobre a mesa, havia o corpo dilacerado e ainda vivo de um pequeno gato.
Susrak agiu rápido, tocando a testa da velha e invocando o nobre de Tenebra. Energia negativa abundante emanou da mão do sacerdote, fazendo com que a anciã desfalecesse. Em um momento de piedade, Lohranus decapitou o pobre gato para que ele parasse de agonizar. Suas pequenas tripas ainda pulsavam, fora de seu corpo, quando o minotauro se compadeceu da pobre criatura.
O grupo começou então uma busca pela minúscula casa, em busca do inimigo, ou de uma passagem secreta pra onde ele pudesse ter fugido. Em meio às tranqueiras e inutilidades guardadas pela velha goblins, Nirvana encontrou uma jóia esverdeada, coberta de sujeira. Seus olhos brilharam de alegria ao ver a pedra preciosa. Imediatamente, ela limpou a gema e a guardou, para decidir mais tarde como a dividiriam.
Serena olhava neste momento para a cama da velha. A elfa olhou o móvel minuciosamente e, não contente, virou-o de ponta-cabeça para ver o que havia embaixo. Foi então que ela sentiu uma sutil corrente de ar soprando entre suas pernas. Rapidamente todos se reuniram ao redor da elfa, ansiosos. Lohranus bateu a ponta de sua espada no chão e constatou que havia uma área, de quase um metro de largura, que era oca. Era um alçapão.
Após verificarem se não havia nenhuma armadilha escondida, retiraram a tampa do alçapão, que era composta de pedaços de madeira, pele, papel e outros tipos de materiais estranhos, aglomerados e moldados de forma a se parecerem com o chão da cabana. Lohranus foi o primeiro a entrar no túnel que surgiu após a tampa ser retirada. Era um buraco irregular, escavado grosseiramente sob o casebre. Tinha pouco mais de um metro de largura, o suficiente para qualquer um deles passar folgadamente. No entanto, o túnel não tinha mais do que um metro de altura, obrigando o gigantesco minotauro a rastejar através dele.
Um a um eles entraram no túnel e começaram a rastejar por ele, cercados por paredes de terra úmida e por uma escuridão assustadora. A passagem seguia, tortuosa, por vários metros até que num determinado local ela se bifurcava. Havia agora dois túneis, de tamanho e aparência semelhante, diante dos exploradores.
Por unanimidade decidiram tomar o caminho da esquerda. Rastejaram mais alguns minutos, e graças aos sentidos apurados que o minotauro Lohranus possuía, eles sabiam que voltavam na direção da casa onde haviam entrado. Aos poucos, o túnel foi se alargando e um odor nauseante foi invadindo as narinas do grupo, até que eles chegaram a uma câmara circular que comportava todos ao mesmo tempo.
A câmara estava tomada de entulho e dejetos. Restos de comida, fezes, ossos, animais mortos, pedras, madeira e até algumas carcaças pútridas que podiam ter pertencido a um humano ou elfo, ocupavam todo o piso do lugar. Oposto ao túnel por onde o grupo tinha entrado na câmara, havia um buraco circular, com o tamanho de uma cabeça humana aproximadamente. Ao redor do buraco, palha e pêlos misturavam-se ao restante do lixo que ocupava o lugar.
Kallas acendeu uma vela, e eles puderam ver com os olhos aquilo que seus narizes e o tato já lhes havia revelado. Parecia que estavam em um tipo de depósito de lixo dos goblins, um lugar ainda mais nojento e indesejável do que todo o resto que havia no bairro. Sem perder tempo decidiram, de comum acordo, deixar aquele lugar. Mas, quando estavam indo embora, ouviram um barulho que vinha da direção do buraco no extremo oposto à entrada da câmara.
Serena se aproximou para tentar ver qual era a fonte do tal ruído, que mais parecia com um grunhido, quando subitamente uma enorme ratazana de quase um metro de comprimento, saltou de dentro do buraco e avançou contra ela. O animal cravou suas presas gigantescas no pescoço da elfa, arrancando-lhe, além de muito sangue, um grito de dor e fúria.
Lohranus correu em seu auxílio, separando a cabeça e o corpo do animal com um único e potente golpe de espada. Enquanto Serena se livrava dos pedaços do rato que estavam sobre seu corpo e tratava de seu ferimento, Susrak se aproximou da pilha de pêlos e palha na entrada da toca, para queimá-la com a vela de Kallas e assim, impedir que outros ratos surgissem dali. Mas, antes que ele pudesse executar seu plano, um outro rato de proporções igualmente avantajadas surgiu de dentro do buraco, abocanhando a mão do clérigo e trespassando-a com seus enormes dentes.
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