Retornaram, então, até o local onde o túnel se dividia, e tomaram o caminho que restava a ser explorado. Rastejaram longo tempo sob a terra escura e úmida, espremendo-se pela passagem estreita e tortuosa. Já haviam perdido a noção de para qual direção engatinhavam, à exceção do minotauro Lohranus, cujas características raciais lhe davam a habilidade de nunca se perder em qualquer labirinto que estivesse, independente de sua complexidade. Assim eles foram avançando metro a metro, sempre confiando que o minotauro saberia como levá-los para fora dali quando precisassem voltar, até que finalmente chegaram ao final do túnel.
A passagem terminava abruptamente, sem nenhuma outra saída, sem se abrir para alguma caverna como a em que estavam os ratos, sem nada. Todos se olharam, intrigados, e provavelmente pensaram a mesma coisa no mesmo instante. Com certeza, deveria haver alguma passagem secreta naquele túnel, pela qual o goblin desaparecera na escuridão. Começaram a procurar avidamente por alçapões, fundos falsos, portas ocultas, e tudo mais que pudesse ocultar um outro túnel de seus olhos. Foi então que Nirvana viu um pequeno brilho que oscilava no fim do túnel. Era algo minúsculo, não maior que a cabeça de um alfinete, mas foi o suficiente para que a feiticeira o percebesse, para sorte do grupo. Era um pequeno furo, pelo qual um facho de luz, vindo de cima, passava e podia ser visto de quando em quando.
Lohranus olhou pelo orifício e, com dificuldade, pode ver alguns móveis rústicos e velhos, a mobília de uma outra casa goblin. As mãos fortes do minotauro apalparam o teto ao redor do orifício, e sentiram toda a leveza que o fundo falso, construído a partir de madeira e papel para imitar a textura da terra, possuía. Seus ouvidos táuricos perceberam, mas não compreenderam o diálogo de duas vozes guturais além do alçapão secreto. Kallas se aproximou e traduziu as palavras para os companheiros. Eram dois goblins, discordando sobre algo que não era conhecido. E por essa discórdia, um acusava o outro de roubo. Os dois pareciam distraídos o suficiente para que o grupo pudesse agir tranqüilamente.
Nirvana levantou a tampa silenciosamente, e seus belos olhos puderam perceber o que acontecia. Eram dois goblins, em uma habitação tão pequena e repugnante como a anteriormente visitada, que discutiam em uma mesa a respeito do jogo de cartas que disputavam. Enquanto se acusavam mutuamente de trapaça, a chama de uma vela tremulava sobre a mesa, iluminando as cores que diferenciavam as cartas umas das outras. A jovem aventureira sussurrou e gesticulou para seus amigos, descrevendo a cena para eles. Depois, concentrou sua mente e reuniu seu poder mágico para fazer a vela erguer-se da mesa, como que carregada por um fantasma.
_ Vocês me acordaram com essa discussão! Agora vocês pagarão, vão sofrer as conseqüências por terem incomodado meu sono! – a voz de Serena era suplicante e assustadora. Ao ouvi-la, os dois goblins imediatamente olharam na direção de onde ela vinha. E viram a vela, que flutuava acima da mesa de maneira fantasmagórica. Rapidamente os dois pequenos seres fugiram em pânico, um deles atravessando a frágil porta que dava acesso à rua, e o outro saltando pela janela como um coelho assustado.
Todos saíram do buraco onde estavam escondidos, divertindo-se com a cena que tinham acabado de testemunhar. Começaram a investigar o lugar, em busca de pistas. Olharam as cartas coloridas sobre a mesa, e pegaram as poucas moedas de cobre que haviam sido usadas como aposta durante o jogo. Arrastaram as cadeiras feitas de um pedaço de árvore com encosto de casca de árvore, viraram a mesa e bateram no chão, em busca de outro alçapão. Mas, não encontraram nada. Olharam na pequena cama de madeira e palha que ficava encostada na parede de taipa, examinaram dentro do armário de retalhos de madeira e numa cômoda velha apoiada sobre dois tijolos. E não encontraram nada que não fossem as roupas sujas e mal costuradas dos goblins. Todos sentiam-se confusos e decepcionados, pois, após tanta busca, nada foi encontrado. E para piorar, nenhum dos dois goblins que jogavam cartas era aquele que eles estavam perseguindo.
Kallas chamou Auran mentalmente e a perguntou se alguém havia saída dali antes dos dois jogadores assustados. Ninguém, respondeu a coruja da melhor maneira que ela poderia responder. Kallas voltou a examinar a entrada do túnel, ainda esperançoso para encontrar algo que revelasse o paradeiro do goblin desaparecido. Enquanto isso, pediu a Auran que voltasse para fora, e vigiasse a entrada para eles. O pássaro alçou vôo e subiu subitamente, como se fugisse de algo. Kallas percebeu a inquietação de seu familiar, e todos viram, pelas janelas um grande bando de goblins, que marchava como um pequeno exército armado de tochas, lanças pequenas e espadas curtas, em direção à pequena cabana onde estavam os aventureiros.
Kallas sugeriu armar uma emboscada para surpreender todos os inimigos que se aproximavam. Contudo, Susrak sugeriu uma negociação com as criaturas, para obter informações sobre o pequeno monstro que eles procuravam. Enquanto as mentes buscavam formas estratégicas de combater o pelotão que se aproximava, o clérigo pediu que lhe fosse dado uma chance de evitar o combate e, caso falhasse, os outros poderiam atacar sem piedade.
Susrak escondeu o símbolo de sua deusa sob seu manto branco e foi até a porta do casebre. Diante da multidão que se aproximava, liderada pelos dois goblins que haviam fugido há pouco, Susrak estendeu sua mão direita.
_ Parem! Irmãos, eu peço que parem! – gritou o rapaz, com a mão erguida na direção da multidão que avançava. Todos pararam, temendo que algo saísse da palma de susrak e os ferisse. Nirvana aproveitou a chance e novamente fez a vela levitar com sua mágica, deixando-a logo atrás da cabeça de Susrak.
De onde estavam, os goblins viam apenas um homem vestido todo de branco, com o rosto coberto por um capuz e com a cabeça envolta numa aura dourada que era a chama da vela. Kallas, para ajudar, começou a emitir sons de gemidos e uivos, tornando a cena ainda mais assustadora para os goblins. Susrak, percebendo a situação, tirou proveito dela como lhe coube.
_ Ragnar, tome esta casa! Irmãos, eu venho em nome de Ragnar, vosso deus, trazer-lhes uma mensagem! Ragnar deseja ver esta casa destruída! Deseja que ela venha abaixo em louvor a seu nome! – bradou o clérigo, mudando o tom de voz para parecer ameaçador.
_ É um fantasma! Ele quer que a casa seja destruída para nos deixar em paz! Vamos destruir a casa! – gritou um dos goblins, com a voz trêmula e insegura.
Imediatamente, os goblins começaram a atirar suas tochas sobre o telhado, incendiando as peles, palha e pêlo que cobriam a cabana. A pequena casa entrou em combustão. Susrak olhou para dentro, assustado, e viu seus amigos fugindo pelo túnel para escapar da chamas. Com todos em segurança, o clérigo agarrou sua pesada maça e saiu da casa, golpeando suas frágeis paredes com força. – “Por Ragnar! Caia, casa maldita!” – gritava Susrak, enquanto fazia as paredes virem abaixo com sua fúria.
As chamas envolveram a construção e a consumiram completamente, por pouco não incendiando as casas que estavam ao redor. Susrak interrompeu seus ataques, olhando para os goblins, pensando em como escapar dali. Olhou para o lado e viu seus amigos já se preparando para partirem em seus cavalos.
_ Ragnar agradece! – disse ele, guardando a maça e caminhando calmamente na direção dos outros.
Demorou somente alguns instantes para que os goblins percebessem que tinham sido enganados e resolvessem perseguir Susrak. Aos gritos, o pequeno exército de monstros avançou na direção de Susrak, arremessando azagaias pontiagudas contra o sacerdote.
Lohranus avançou, girando sua espada no ar e golpeando o centro da massa que vinha na sua direção. Todos se abaixaram, escapando por milímetros da larga lâmina que atravessava o ar com violência. De perto dos cavalos, Nirvana mirou na cabeça do goblin que protestava por ter tido a casa incendiada, e um orbe luminoso saiu de sua mão, indo atingir com a violência de um míssil o rosto da criatura.
Kallas avançou furtivamente ao redor das casas, gritando palavras mágicas. Chamas partiram de sua mão, carbonizando a parte que restava intacta do rosto do goblin. E assim o primeiro corpo tombou na favela dos goblins.
Os goblins revidaram com ataques de lanças e espadas. Lohranus foi cercado, mas evitou facilmente os primeiros golpes, rechaçando-os com o cabo de sua poderosa espada. Foi nesse momento que os aventureiros perceberam, que não estavam enfrentando um exército, mas sim um bando de criaturas débeis e frágeis, sem qualquer noção de combate. Apesar de estar em menor número, vencer aquela batalha seria simples para eles.
Lohranus urrou em fúria, distribuindo golpes mortais com sua espada, fazendo tombar um a um os inimigos que o cercavam. Somente alguns poucos golpes conseguiam superar a sua defesa e ferir o corpo do minotauro, deixando-o ainda mais enfurecido e eficiente em combate. Kallas e Susrak também entraram em combate corpo a corpo com as criaturas, um armado de uma pesada clava de madeira, o outro de uma maça de metal igualmente imponente. Os dois lutavam com ferocidade, esmagando os crânios deformados e pegajosos dos monstros. Kallas recebia ajuda de Auran, que vez ou outra mergulhava num rasante mortal, levando para o céu algum olho ou outro pedaço dos inimigos atingidos por suas garras. Nirvana, decidiu poupar suas magias para uma ocasião mais importante, e atacava à distância com uma besta. Ao seu lado estava Serena. A elfa sorria sadicamente, enquanto suas flechas, e as de Nirvana, perfuravam os corpos fétidos dos goblins. Enquanto matavam, as duas começaram a ficar intimas, e a se tornar amigas.
Assim, em poucos instantes, mais da metade do exército de goblins estava caída no chão, aos pedaços. A terra batida ao redor das casas se tornara ainda mais vermelha, pelo sangue que escorria em quantidade. Entretanto, os aventureiros haviam tido uma baixa. Susrak caiu, pálido e gélido como um cadáver, pedindo ajuda de forma desajeitada a Lohranus. – Me ajuda boizinho! – disse ele, antes de seu corpo cair pesadamente e seus olhos fecharem. Em sua fúria alucinada, Lohranus ignorou a presença do clérigo e continuou a matar. Os poucos goblins que restaram, tentaram fugir, mas foram perseguidos pelo minotauro e por sua espada sedenta de sangue. Ao final da batalha, somente quatro conseguiram escapar com vida da matança, desaparecendo entre as casas no meio da escuridão.
Lohranus retornou sorridente, para ajudar seus amigos a revistar os corpos em busca de pistas. Susrak se levantou, estava bem. Apesar de muitos ferimentos, o clérigo tinha apenas fingido um desmaio para ludibriar seus inimigos. E no meio de tantos inimigos, nenhum deles era o que eles buscavam. Nem o goblin com a mão ferida, nem o goblin que tinha tentado extorquir dinheiro de Nirvana, estavam entre os cadáveres. Entre as carcaças rasgadas, esmagadas e perfuradas que se amontoavam no meio do bairro goblin, encontraram apenas algumas poucas moedas e um pedaço de papel com um endereço anotado: “Rua Monaha, 25, dia 11, meia-noite, perto do portão sul”. Com o papel nas mãos, Lohranus leu as inscrições para seus companheiros. Com a única pista nas mãos, os aventureiros começaram a planejar quais seriam seus próximos passos. Susrak desejava “socializar”, como ele próprio disse, já que nem ao menos sabia o nome dos seus companheiros. E todos estavam cansados, sujos e feridos, de modo que seria imprudente se arriscarem ainda mais naquela noite.
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