Capítulo 17 – Entregas misteriosas
Lohranus espreitava do beco as ações de seus companheiros. Seus olhos viram Nirvana e Serena passando na frente da taverna como se fossem duas prostitutas e nesse instante, seus instintos de minotauro afloraram e ele percebeu como as duas companheiras de batalha eram belas e formosas. Seus olhos viram quando o homem que conversava com o goblin foi embora e desapareceu em uma viela próxima, e viram também quando as duas moças voltaram e entraram no mesmo beco. Pouco tempo depois as duas saíram do beco a cavalo junto com o homem, enquanto Kallas entrava na taverna para investigar. E Nirvana parecia estar se divertindo tanto, esfregando seu corpo no do homem, que Lohranus chegou a questionar se aquilo seria somente uma encenação realmente. Mais alguns instantes de espera e os dois goblins, que tinham entrado na taverna, finalmente voltaram e partiram com seu líder em sua carroça. Lohranus reuniu seu equipamento e embainhou sua poderosa espada. Colocou os cavalos no fundo do beco, onde não pudessem ser vistos por algum ladrão oportunista, e partiu no encalço da carroça. Passou diante da taverna sem nem olhar para seu interior, afim de não chamar a atenção de possíveis inimigos.
O minotauro seguiu a pé a carroça dos goblins por vários quilômetros. Por sorte, o veículo pesado, bem como sua perigosa carga, aliados à preguiça natural daquelas criaturas, faziam com que o carroção se deslocasse vagarosamente pelas ruas escuras da cidade, facilitando o trabalho de Lohranus. Assim, os três criminosos conduziram o homem-touro até seu esconderijo, sem nem tomar conhecimento disso.
A carroça parou diante de um enorme armazém, numa rua tomada de galpões e depósitos de grandes proporções. Um homem saiu de lá de dentro e abriu um pesado portão. Os goblins desceram vagarosamente cada um dos caixotes da carroça e os levaram um a um para dentro do galpão. Minutos depois, retornaram trazendo um outro caixote, diferente dos demais, mas de proporções semelhantes. Colocaram-no na carroça e partiram.
Lohranus saiu novamente no encalço dos três, correndo e se escondendo atrás de árvores, postes, casas e becos. Perseguiu-os por vários minutos mais, até vê-los parando em frente a outro galpão distante do anterior. Esse galpão, no entanto, parecia não possuir telhado, ao contrário do outro onde eles haviam parado antes. Possuía paredes muito altas e sem janelas, e tinha mais de vinte metros de largura na sua fachada e mais do que o dobro de profundidade, indo até a rua vizinha. Lohranus ficou observando-os, escondido atrás de uma casa no início da rua, e viu uma coruja alçar vôo de uma casa próxima e passar perto dele num rasante. O minotauro olhou para trás e viu que Kallas chegava com os cavalos do grupo para auxiliá-lo.
Juntos, o mago e o bárbaro permaneceram escondidos, enquanto os goblins descarregavam o caixote de madeira e entravam na construção sem telhado. Alguns minutos depois, saíram do prédio e foram embora, desta vez, com a carroça vazia. Os dois aventureiros aguardaram até que eles estivessem muito distantes, e foram até o barracão. A fachada era alta e suja, e um grande portão de madeira, trancado por uma grossa corrente atada por um cadeado robusto, separava os aventureiros de seu interior. Lohranus pegou um rolo de corda que trazia consigo e em cuja ponta havia um pequeno gancho de escalada. Girou a corda, descrevendo um grande círculo no ar, e a arremessou por cima da parede. Puxou vagarosamente até sentir o arpéu enroscar em alguma coisa, então deu um forte puxão para travar o gancho. Com a corda segura, o minotauro fechou os olhos e começou a escalar. Era uma tarefa penosa, especialmente para um minotauro, mas Lohranus tinha um palpite e sentia que precisava entrar naquele lugar de qualquer modo. Foi subindo aos poucos, e à medida que ganhava altura, seus poderosos músculos começaram a tremer. Suas mãos fraquejavam e suavam frio, e ele já se questionava se aquela tinha sido uma boa idéia. Entretanto, e felizmente, ele conseguiu atingir o topo do muro sem problemas maiores. Sentado sobre a parede, puxou a corda, mantendo os olhos fechados para enganar seus instintos. Fincou o arpéu na parede pelo lado de fora e jogou a corda para dentro. Segurou-a com força e desceu rapidamente até o chão, ferindo de leve suas mãos pelo atrito com a corda. Já de volta ao solo firme, Lohranus abriu os olhos e respirou profundamente, aliviado por ter sobrevivido àquela provação. Soltou a corda e a enrolou novamente, deixando-a perto da entrada, enquanto tentava descobrir onde estava. O lugar todo parecia ser algum tipo de teatro ou arena. Arquibancadas construídas de madeira ocupavam as laterais da construção, indo do chão até tocarem nas paredes, elevando-se cerca de dez metros do chão. Ao fundo havia uma construção mais baixa, cerca de três metros de altura, com telhado de meia água caído para frente e quatro grandes portas de madeira sólida fechadas por cadeados. E tudo ali estava deserto, sem uma viva alma sequer para vigiar o lugar. Era perfeito.
Lohranus sacou sua espada e foi até o fundo, e com a lâmina da arma começou a forçar os cadeados até conseguir abri-los a força. Abriu o primeiro portão silenciosamente, e entrou. Estava em um corredor que descia para o subsolo por uma longa escadaria de degraus largos de pedra. No final da descida havia uma luz trêmula, como a de uma vela ao vento. Redobrou o cuidado para ser mais silencioso ainda e foi até o fim da escada, que desembocava num longo corredor. Havia várias jaulas com grades a aço ladeando ambos os flancos do corredor, que terminava numa parede de rocha. Alguns metros após o final da escada, havia uma cadeira velha e pensa, onde um homem magro lia algum tipo de livro. Lohranus deu uma corrida ligeira, fazendo-se notar pelo homem, mas conseguiu atingi-lo na cabeça com o cabo da espada antes que ele pudesse reagir. O homem caiu no chão, desmaiado, com um grande hematoma de cor roxa na testa. Rapidamente, o minotauro olhou as jaulas, em busca do caixote que os goblins haviam trazido. Encontrou animais presos nas jaulas, alguns deles estranhos, como um gigantesco besouro que produzia um ruído agudo e irritante, mas, não encontrou nem vestígio da caixa.
Deixou o corredor, pensando consigo mesmo porque aquele homem estaria trancado naquele lugar, sem ter como sair, e foi para a porta ao lado, e depois para a outra até chegar á última entrada, mas não encontrou qualquer sinal do misterioso caixote. Somente jaulas vazias ou com um ou outro animal preso estavam naquele lugar, deixando o minotauro ainda mais confuso e irritado. Mas, quando abriu a terceira porta e foi até o fundo do corredor, Lohranus encontrou algo familiar. Era um lobo. Lohranus se lembrou de que Myrian possuía um lobo de estimação, que havia sido raptado pelos goblins ou talvez pelos piratas, e, pensando ser aquele o lobo que pertencia à elfa, decidiu libertá-lo.
Lohranus arrebentou o cadeado com a espada, e abriu a jaula onde o animal se encontrava, ficando no lado oposto à saída. O lobo rosnava, desconfiado, para o minotauro, mas, ao ver a grade aberta, correu para fora rapidamente. Lohranus deu uma última olhada no lugar, tentando entender o que acontecera com a caixa, e saiu também. Andou afastado do lobo, para não assustá-lo ou enfurecê-lo e foi até a entrada do lugar. Arrombou o cadeado do portão principal com sua espada e abriu passagem para o animal escapar. O lobo saiu correndo e desapareceu nas ruas escuras de Valkaria. Lohranus contou a Kallas tudo que tinha se passado e os dois decidiram retornar e encontrar o restante do grupo. O minotauro fechou novamente o portão, para que ninguém percebesse que ele tinha sido arrombado, e junto com seu amigo mago e sua fiel coruja, retornaram para a taverna onde Myrian e Susrak os aguardavam.
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