Capítulo 11 – A dama das neves
Myrian era uma jovem elfa seguidora de Allihanna. Nascida próximo da fronteira de Deheon com o gélido país das Montanhas Uivantes, viveu sua infância cercada por dois mundos diferentes. De um lado, a donzela se via cercada pelo frio constante e pela imensidão branca e gelada que eram as Uivantes. Do outro, logo após a fronteira que separava seu território do reino vizinho, vastos bosques cobriam as colinas, com uma flora exuberante e uma farta fauna.
Desde cedo, a jovem aprendera o ofício de seu pai, Aesis, um sábio e dedicado pesquisador da natureza, que empreendia seus dias em uma busca incessante pelo conhecimento que havia escondido nas criações de Allihanna. Sua mãe, a bela Vêniz, morrera ao dar à luz sua única filha, e seu pai tentava compensar a ausência da mãe de todas as formas possíveis. Aesis cuidava com carinho de sua filha, de modo que a tristeza pela falta da mãe jamais se abateu sobre ela. Sempre levava a pequena Myrian com ele nas muitas viagens que fazia em busca de novos ensinamentos e, quando o pequeno botão de flor que era sua menina começou a desabrochar, Aesis começou a lhe transmitir todos os seus conhecimentos. Assim ela aprendeu a amar, respeitar e defender o mundo no qual ela vivia e, quando a maturidade veio, a deusa da natureza a escolheu como uma de suas representantes em Arton e derramou sua graça ela. Myrian recebeu da deusa poderes mágicos fantásticos, que ela ainda aprendia a usar pouco a pouco.
Os anos passaram e a menina se tornou adulta. Embora ainda tivesse pouca experiência, Myrian era uma competente druida, que ajudava seu pai a cuidar e aconselhar as pessoas da pequena aldeia onde vivia. Seu pai, orgulhoso da valorosa filha, levou-a um dia a uma reunião no Bosque Sussurrante, uma porção de mata onde o vento que passava entre as folhagens cheias de neve e gelo produzia assovios que lembravam sussurros. Era nessa pequena floresta, já dentro do território governado pelo Imperador-rei Thormy, que se reunia a Ordem do Urso Branco, seita da qual o pai de Myrian era o líder. O Grande Urso Branco era como a aldeia de Myrian e outras próximas se referiam a Allihanna e era essa forma que a deusa assumia quando falava aos seus devotos daquela região. Aesis fundara a ordem, dezenas de anos antes, para reunir todos os sacerdotes que serviam ao Grande Urso das redondezas para que eles se conhecessem, trocassem seus conhecimentos e se organizassem na proteção do território em que viviam. Mas, apesar do Grande Urso ser uma deidade benigna, havia entre seus servos aqueles cujos corações haviam sido tocados e enegrecidos pela maldade. E uma dessas pessoas era Surwen Chifre Partido.
Surwen servia a Allihanna com grande devoção. Contudo, não levava uma vida apenas de devoção pois, como qualquer um dos filhos de Valkaria, Surwen tinha ambições próprias. Surwen era um druida de grande poder e força física, que quando jovem, havia resistido à investida de um alce em fúria, e partido o chifre do animal com o peito, no momento em que os dois colidiram. Justamente por isso, foi escolhido pela Ordem do Urso Branco para ser o sucessor de Aesis, quando, no futuro, este falecesse. Porém, ele almejava mais que isso, desejava não só o posto de Aesis, mas também a bela elfa que ele desposara, embora mantivesse esse fato em segredo. E, como se não bastasse, desejava ter acesso aos livros de Aesis, onde o druida anotava todo o conhecimento que tinha adquirido em sua longa vida de aventureiro. Surwen sabia que Aesis possuía segredos guardados naqueles livros que não revelava a ninguém, nem mesmo aos mais íntimos amigos da ordem, e, sua ambição sem limites o fazia desejar obter aquele conhecimento. Não que ele fosse uma pessoa de má índole, longe disso, ele admirava e respeitava Aesis e o tinha como um modelo, uma meta a alcançar. Justamente por isso desejava saber o que ele sabia, possuir o que ele possuía. Sua esperança era que algum dia, quando Aesis lhe passasse a liderança da ordem, Surwen finalmente conseguiria atingir seus objetivos. Mas, uma língua venenosa se colocou entre os dois amigos, distorcendo os sentimentos e o discernimento de Surwen, um jovem druida chamado Tuniann Pés Ligeiros. Tuniann estava sempre ao lado de Surwen, e o incentivava a divergir de Aesis e a conquistar aliados dentro da ordem. A harmonia que antes existia deu lugar à intriga e à discórdia, e alguns começaram a se desviar do caminho de Allihanna. Aesis tentava sempre conciliar os membros da ordem, coisa que seu poder de liderança e sabedoria sempre acabavam conseguindo. E assim foi até o dia em que Myrian participou de sua primeira reunião na Ordem do Urso Branco. Tuniann envenenou a mente de Surwen, dizendo que Myrian lhe roubaria o posto de sucessor de Aesis, e as palavras que ele usou foram de tal força, que Surwen perdeu completamente a razão e a sanidade, vendo Aesis não mais como um amigo ou um exemplo a ser seguido, mas sim como um inimigo.
Um dia, quando Aesis caminhava pelo Bosque Sussurrante, indo encontrar seus companheiros da ordem, foi vítima de uma emboscada. Dezenas de criaturas estranhas surgiam como que por mágica para atacá-lo, enquanto os arbustos que cresciam na região se voltavam contra ele, prendendo seu corpo e estrangulando-o. Aesis foi brutalmente assassinado, sem ter ao menos chance de reagir.
Ao tomar conhecimento da morte de seu líder, a Ordem do Urso Branco se desfez. Todos os membros, mesmo os que eram aliados de Surwen o acusaram de assassino, revoltados com o que tinha acontecido com Aesis. Surwen foi banido para sempre do território da ordem, e cada um dos druidas se afastou dos demais, ressentidos com o que acontecera, e temendo que o evento se repetisse. Assim, a Ordem do Urso Branco foi extinta, e seus membros nunca mais se reuniram de novo ou sequer foram vistos novamente nos tempos que se seguiram.
Myrian, por sua vez, entrou em choque ao saber da morte do pai. Correu em prantos pela floresta, desorientada e confusa, até que se perdeu. Vários dias tinham se passado, quando as lágrimas de Myrian haviam finalmente secado. Há dias ela não comia nada, e não sabia onde estava ou como voltar para casa, e também não se importava com isso. Foi quando encontrou um lobo jovem, ou talvez o lobo a tivesse encontrado, que trazia um galho à boca, no qual pendiam diversas castanhas. O animal não fugiu nem atacou a elfa, ao invés disso, aproximou-se dela calmamente e soltou o ramo que trazia no chão. Myrian comeu as castanhas e saciou sua fome, enquanto o lobo a observava, e sentiu que havia uma ligação entre eles dois. Chamou-o de Grandwolf, e juntos os dois saíram da floresta e retornaram para a aldeia.
Em sua casa, Myrian descobriu o que tinha acontecido com a ordem fundada por seu pai, mas não se importou. Pegou suas coisas, decidida a partir daquele lugar cheio de lembranças e descobriu que os livros de seu pai não estavam lá. E soube pelas pessoas que viviam na vila, que nenhum livro havia sido encontrado com o corpo de seu pai. Tinham sido roubados.Myrian foi até o túmulo de seu pai, e jurou resgatar os seus preciosos livros, e então, partiu de volta ao Bosque Sussurrante, onde esperava encontrar o assassino, Surwen.
Mas, enquanto se dirigia ao local onde disseram que Surwen havia sido visto, Grandwolf se afastou, até sumir de sua vista, e então começou a latir freneticamente. Myrian correu, afoita, pois não desejava perder outro ente querido tão logo, e viu o lobo latindo para o chão, no meio da floresta. O elfa olhou para o chão, e viu ali inúmeras pegadas, e manchas vermelhas de sangue, e soube que estava no lugar onde seu amado pai havia morrido. As lágrimas encheram seus olhos, mas antes que a primeira gota pudesse cair, Myrian percebeu algo estranho. As pegadas eram estranhas, de criaturas nunca antes vistas naquela região, criaturas que ela desconhecia e suspeitou que deveria temer. E havia um outro rastro, pé, do formato dos de um elfo ou humano, mas maiores do que o normal, muito maiores do que os pés de Surwen. Também havia um último rastro, constante e sinuoso como o de uma serpente, mas muito maior que todas as cobras que ela já tinha visto antes. Myrian se armou de uma presa de mamute que há muito seu pai havia esculpido na forma de uma espada, e seguiu os rastros até fora do bosque. Lá, encontrou novos rastros, duas marcas paralelas, contínuas e estreitas. E eram fundas, como se tivessem sido feitas por algo muito pesado. Uma carroça.
Myrian e Grandwolf continuaram seguindo os rastros da carroça, até que de longe avistaram uma estátua gigantesca, de uma mulher nua com as mãos suplicantes erguidas aos céus. Quando ela alcançou os portões de Valkaria, já era noite, e as ruas calçadas da grande metrópole, junto com a escuridão que crescia, eram o prenúncio de que a busca pelo assassino de seu pai não seria fácil. Contudo, Myrian tinha uma pista, o assassino tinha grandes pés e, ou era acompanhado por uma serpente gigante, ou arrastava algo pelo chão.
Assim, ela percorreu as ruas daquela cidade imensa e estranha, buscando informações sobre a pessoa que procurava, e se impressionando a cada passo com todas aquelas coisas que a fantástica cidade possuía. No entanto, seu instinto lhe dizia que aquele lugar não era bom, e ela estava certa. Myrian ouviu um grito, de uma mulher em desespero. E correu até um beco escuro para ver o que acontecia. Havia uma mulher caída, morta, sem marcas de violência, anão ser por um vergão no pescoço, que indicava que alguém havia lhe tirado um colar, ou coisa do tipo, a força. Quatro criaturas estranhas e pequenas escalavam um muro no final do beco, pouco antes de sumirem da visão de Myrian. Enquanto estava no beco, Myrian viu Grandwolf correndo em direção à rua, como se perseguisse algo. Antes que ela pudesse reagir, ouviu o animal soltando um ganido de sofrimento. Myrian correu para acudir seu companheiro animal, mas ao chegar à rua, tudo que viu foi uma carroça que se distanciava rapidamente.
Myrian correu como um alce, mas suas pernas não eram capazes de alcançar a carroça, e ela foi se distanciando cada vez mais, até desaparecer em uma rua muito distante. Myrian continuou correndo e entrou na mesma rua que a carroça, e a viu estacionada diante de uma casa. Foi até ela, e a investigou em busca de seu amigo, mas só encontrou restos de um estranho pó negro no piso de madeira da carroça. Só havia um lugar onde Grandwolf poderia estar, dentro da casa.
Myrian estava parada, diante da casa, decidida a entrar, quando Susrak a abordou. Embora estranho, era a primeira pessoa que lhe oferecia ajuda, de modo que ela não a recusou. Assim, Myrian encontrou novos amigos, que a ajudariam em sua jornada para reaver seu amigo e encontrar o assassino de seu pai.
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