Capítulo 6 – Goblins...confusão na taverna
Aos poucos a confusão dentro da taverna Olho de Grifo foi se desfazendo. As pessoas retornaram pouco a pouco às suas mesas, logo após o distúrbio causado pelo estranho rapaz do lado de fora.
Nirvana e Serena estavam conversando numa das mesas, discutindo seus interesses comuns, o desejo de sair pelo mundo em busca de aventura, fama e riqueza. Enquanto conversavam, sentiram a aproximação de alguém. Outro bêbado idiota, pronto para fazer um gracejo, pensou Serena. Mas, quando as duas mulheres se viraram, se depararam com uma surpresa. Não era um bêbado comum como imaginava Serena, era uma criatura enorme, de torso humano e cabeça de boi, um minotauro, que observava Serena e Nirvana atentamente.
_ Pois não? Posso ajudar? – perguntou Nirvana, levando sutilmente sua mão em direção à sua lança. O clima tornava-se tenso.
_ Posso conversar com vocês? – perguntou o minotauro, em tom sério.
_ Depende? O que você quer? – Serena encarou-o com um olhar frio e falava de forma dura e ríspida.
_ Aventura! – respondeu o ser táurico.
_ Olha, você está falando com as pessoas erradas! As mulheres da vida são aquelas ali! – Nirvana respondeu de forma até simpática, entendendo que tudo não passava de um simples mal entendido. Apontou para algumas prostitutas que circulavam pela taverna, oferecendo seus corpos abertamente aos fregueses. Já Serena, por sua vez, já estava quase a ponto de arrancar os chifres daquele abusado com sua espada.
_ Eu disse aventura! Não sexo! – resmungou o minotauro em tom firme.
_ E o que você chama de aventura, então? Seja mais específico! – perguntou Serena. Sua voz e seu olhar transmitiam todo o desprezo que sentia naquele momento. Se aquele ser ousasse fazer um gracejo, por mínimo que fosse, pagaria caro por isso.
_ Estou procurando algo como um emprego! Quero encontrar um grupo de aventureiros para me juntar a ele e viajar pelo mundo em busca de aventuras e tesouros!
Serena e Nirvana olharam-se por um instante, provavelmente pensaram a mesma coisa. Eram três pessoas ali reunidas, com o mesmo interesse. As duas mulheres examinaram o minotauro, viram suas armas e armadura, e concluíram que não se tratava de um bêbado de taverna. Era um aventureiro, um guerreiro. A má impressão inicial logo se desfez, e as duas concordaram que era uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada.
_ Se é assim, sente-se então! – disse Nirvana – Essa aqui é a Serena, e eu sou Nirvana!
_ Muito prazer, eu sou Lohranus! – o minotauro fez um aceno de cabeça para as moças, puxou uma cadeira e sentou-se.
Aquelas três pessoas começaram a conversar, a falar de seus interesses e desejos, contar as habilidades que possuíam e o que costumavam fazer e de onde vinham. Enquanto conversavam, distraidamente, pessoas entravam e saiam da taverna a todo instante. Entre essas pessoas, estava alguém especial. Alguém em cujas veias corria o sangue maldito e impuro dos demônios. Seu nome era Kallas.
Kallas entrou na taverna e foi em direção ao balcão, onde um homem de meia idade trabalhava arduamente, atendendo aos fregueses. No caminho, pouco mais que uns quinze passos, parou diante de uma parede onde dezenas de papéis estavam pendurados com recados, anúncios, propagandas e outras mensagens. Leu alguns que lhe interessavam e terminou seu trajeto, indagando o taverneiro sobre os tais anúncios. Queria saber quem os havia colocado ali, quem deveria procurar para se candidatar a alguma das vagas disponíveis. Entre todos, o que mais lhe chamava a atenção, era uma mensagem, escrita a punho com letras mal traçadas em um pedaço de papel velho e sujo dizendo: “Precisa-se de caçador de tesouros”.
_ Olha isso ai é de um rapaz que aparece por aqui mais ou menos uma vez por semana, apenas para saber se alguém se interessou pelo anúncio! Se você quiser, eu aviso que você ficou interessado assim que ele vier novamente! É só você...ah, droga...era tudo o que eu não precisava hoje! - o taverneiro, um homem gordo e calvo, de olhar cansado e voz rouca, explicava a Kallas sobre o tal anúncio calmamente, quando seus olhos se voltaram na direção da porta e sua boca emudeceu de repente. Afastou-se um ou dois passos para trás e pôs-se a limpar uma caneca com um pedaço de pano velho.
Kallas olhou disfarçadamente por cima de seu ombro, e viu que um enorme minotauro, que estava sentado numa das mesas com duas garotas, prostitutas provavelmente, ia na direção dos anúncios da parede. Um pouco mais longe dali, na entrada do estabelecimento, um pequeno grupo de goblins adentrava o salão, caminhando lentamente, enquanto observavam maliciosamente cada pessoa ali presente. Ao mesmo tempo, várias pessoas levantaram-se de seus lugares, apressadamente, e foram embora do lugar. Era um claro sinal de problemas, pressentiu o sulfure, que disfarçadamente enfiou a mão dentro de seu manto e agarrou sua adaga, como forma de precaução.
Os goblins andaram em linha reta até o balcão, fizeram um gracejo para uma das amigas do minotauro e sentaram-se, ao lado de Kallas, empurrando-o para o lado.
_ Vai mais pra lá, ô seu elfo nojento! – disse um dos goblins com sua voz gutural, empurrando Kallas para perto da parede. Por causa das orelhas pontudas, a criaturinha achou tratar-se de um elfo, sem sequer desconfiar da real origem de Kallas.
Os goblins se alinharam no balcão, ocupando os seis bancos de madeira que se espalhavam diante dele. Kallas permanecia em pé, próximo da parede, com a cabeça baixa e a adaga preparada sob o manto, observando tudo que se passava com seus olhos de sulfure.
A alguns passos dali, Lohranus retornava para junto de suas novas amigas, também atento ao que se passava no balcão da taverna. Serena rangia os dentes, tentando conter o ódio e o desejo que tinha de trucidar aquelas repugnantes criaturas ali mesmo. Nirvana, acostumada com a rotina da grande capital, olhava calmamente para os goblins, tentando distinguir se algum deles era o que a havia abordado na porta da joalheria. As demais pessoas continuavam a abandonar o lugar aos poucos, restando apenas pouco mais de uma dezena de pessoas no local.
_ Não adianta disfarçar não Jonas! Nós viemos buscar aquilo! Então, deixe logo de enrolação! – disse o pequenino, intimidando o taverneiro.
_ Está bem, está bem! Tome, aqui está! Agora, vão logo embora daqui! – Jonas tinha a voz trêmula e insegura. Interrompeu o que fazia e levou a mão para trás do balcão, num lugar onde Kallas não podia enxergá-la. Quando ela surgiu novamente, carregava uma pequena bolsa de pano que foi atirada sobre o balcão, para os goblins.
_ Ei! Afinal, o que está acontecendo? – Kallas girou a cabeça, encarando os goblins.
_ Nada! Não é da sua conta! Fique quieto ai que será melhor pra você! – respondeu o goblin em tom de ameaça.
O pequenino esticou sua mão direita sobre o balcão e colocou-a sobre a bolsa. Antes que ele pudesse recolhê-la, uma lâmina fria e afiada enterrou-se profundamente em sua mão, pregando-a no balcão de madeira. O goblin olhou para a direita, espantado, e viu os olhos cheios de ira de Kallas encarando-o. Antes que pudesse soltar um único grito, viu o sulfure se levantar e jogar seu corpo sobre o dele, empurrando-o com todas as forças.
Os goblins foram todos atingidos pelo ataque de Kallas, que conseguiu jogar três deles no chão. O primeiro a ser atingido, preso ao balcão pela mão atravessada pela adaga, gritava ordens para que seus companheiros matassem Kallas, que rolava no chão para escapar da mira dos inimigos. Em poucos segundos, a taverna esvaziou-se. Sobraram apenas os goblins, Kallas, Jonas, deitado atrás do balcão, e outras três pessoas, Serena, Nirvana e Lohranus.
_ Um contra um!!! Que seja uma luta de um contra um!!! – gritou Lohranus, levantando-se de sua cadeira e sacando sua gigantesca arma.
Enquanto o líder dos goblins gritava de dor e dava ordens, seus seguidores sacaram pequenas espadas e avançaram contra o homem que os derrubara no chão. Mas, antes que alguém pudesse fazer qualquer coisa, uma flecha atravessou o crânio de um dos goblins, indo da nuca à testa, e tirando-lhe a vida. Serena comemorou por dentro ao ver aquela criatura desprezível cair morta. Rapidamente sua mão foi à aljava, buscando a segunda flecha, enquanto Lohranus avançava pelo salão, espada em punho, em direção aos goblins.
A lâmina de aço atravessou o ventre de um dos inimigos de um lado ao outro, dividindo o goblin ao meio. Seu torso girava no ar, espalhando seu sangue pútrido por toda a taverna e tingindo o corpo do minotauro, enquanto a parte inferior tombava inerte no chão. Os quatro restantes ficaram espantados, obrigando seu líder a tomar medidas emergenciais.
_ Vão buscar reforços! Tragam ajuda, seus inúteis! – gritou o goblin, em seu próprio idioma.
Mas teve tempo de terminar a frase, quando um orbe de pura energia o atingiu no rosto. Suas pernas fraquejaram, e seu rosto ficou totalmente desfigurado, deformado pelo poder da magia lançada por Nirvana. No chão, Kallas gritava aos que o ajudavam, as palavras do inimigo, traduzidas para o idioma Valkar.
Os goblins, ouvindo as ordens de seu líder, tentaram cumpri-las de imediato. Os que estavam caídos se levantaram para fugir em busca de ajuda. Mas, um deles nem ao menos conseguiu terminar seu movimento. A espada de Lohranus atravessou suas costas, levando-o ao chão novamente, destruindo parte do piso da taverna e tirando-lhe a vida.
Outro dos inimigos conseguiu correr para a porta. Serena tentou pará-lo com uma rasteira, mas o inimigo foi mais rápido e conseguiu saltar e escapar do ataque. Lohranus o perseguiu e, antes que a criatura pudesse sair do salão, conseguiu decapitá-lo com um violento golpe de espada.
Ao mesmo tempo, Nirvana arrancava a orelha de um dos poucos inimigos que restavam com uma de suas magias. Quase simultaneamente, Kallas disparou de suas mãos um jato de chamas no rosto do pequeno monstro. O goblin ainda tentava se recuperar dos ataques, quando viu um maciço de aço vindo em sua direção. A espada de Lohranus enterrou-se no peito da criatura, matando-a. O líder dos goblins, o único ainda vivo, já estava inconsciente, pendurado ao balcão, pela mão ferida. O combate estava vencido.
Vultos começaram a se aproximar da porta da taverna, chamando a atenção dos combatentes. Todos se prepararam, esperando que novos inimigos entrassem no salão, mas, ao invés de goblins, eles viram homens. Soldados da milícia.
Rapidamente, Lohranus pegou a bolsa que estava no balcão e entregou ao taverneiro.
_ Tome Jonas! Rápido, onde é a saída dos fundos? – perguntou o minotauro.
_ Não tem isso aqui! – respondeu, gaguejando, o taverneiro.
Sem opção, querendo evitar ser preso ou envolver-se numa luta com os soldados, Lohranus saltou pela janela lateral da taverna, aterrissando desconfortavelmente na rua. Mas, o barulho atraiu a atenção de outros soldados que chegavam ao local. Lohranus foi cercado por vários homens armados e não teve escolha, rendeu-se. O minotauro foi desarmado e algemado.
Enquanto isso, dentro do Olho de Grifo, os oficiais entravam, armados de lanças, arcos e espadas, e testemunhavam, atônitos, o massacre que ocorrera ali. Nirvana chorava embaixo de uma mesa, fingindo estar assustada, tentando enganar os soldados. De forma semelhante, Kallas se atirou no chão, ao lado do balcão, e fingiu estar desmaiado, como se tivesse apanhado durante o combate. Serena não se preocupava em fingir, fugir ou se esconder. Desejava apenas saborear a vitória obtida sobre aquelas criaturas que ela tanto odiava.
_ O que aconteceu aqui? - perguntou um dos soldados.
Nirvana se levantou chorando, e correu na direção dos guardas, pedindo ajuda. Os soldados tentaram acalmá-la, enquanto a jovem fazia seu número para tentar ganhar tempo para seus companheiros de batalha fugirem. Jonas, o taverneiro, contou, hesitante, que os goblins haviam tentado lhe assaltar, mas que haviam sido impedidos por Serena. Com seu falso choro, Nirvana confirmou a versão do taverneiro, dizendo que Serena havia salvado sua vida. Os soldados olharam para o arco nas mãos da elfa e para a flecha cravada no crânio de um dos goblins, e ficaram espantados com a violência do disparo.
_ Esse aqui ainda está vivo, sargento! – anunciou um soldado ao se aproximar do líder dos goblins, que estava debruçado sobre o balcão.
_ Ótimo, vamos levá-lo para a cadeia! Moça, será que a senhorita poderia nos acompanhar até o posto da guarda, para nos contar com detalhes tudo que aconteceu aqui? – disse o oficial que estava no comando.
_ Foi horrível! Eu não quero lembrar! Eles eram maus! Eu quero ir para minha casa! – choramingava a mulher, abraçada ao soldado.
_ Calma, calma! Tudo vai ficar bem, eu prometo! Nós só vamos até a cadeia levar esse ladrãozinho e fazer umas perguntas para você! Depois, prometo que a levaremos para casa! Ei, taverneiro, arranje um copo de vinho para acalmar essa moça, rápido! – o soldado tentava consolar Nirvana, e secar suas lágrimas falsas, enquanto seus subordinados recolhiam os cadáveres espalhados pela taverna. Quando todos estavam quase de saída, Kallas se levantou.
Os soldados rapidamente cercaram o mago sulfure, apontando suas armas para ele. Imitando Nirvana, o rapaz fingiu estar atordoado, como se tivesse sido agredido pelos goblins. Mas, a tensão do momento, bem como a escolha das palavras erradas, fizeram com que o plano de Kallas falhasse.
_ Pare logo com essa ladainha, seu bêbado idiota! Você vem com a gente também, e vai explicar direitinho o que estava fazendo na hora da confusão! – ordenou o sargento, fazendo um gesto para os soldados cercarem Kallas.
_ Esperem! Já que eu vou com vocês, então esperem até eu recolher minha adaga! – Kallas livrou-se dos braços que tentavam agarrá-lo e foi até o líder dos goblins. Arrancou sua adaga do balcão num movimento vigoroso, deixando o corpo desmaiado do goblin precipitar-se no chão.
_ Foi você que fez isso? – perguntaram os soldados, pasmos.
_ Sim! – respondeu Kallas.
_ É verdade! Ele também me ajudou! – choramingou Nirvana.
_ Vamos até o posto, lá você vai nos explicar direito essa história! Taverneiro, você também vem com a gente! – completou o sargento.
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