setembro 22, 2009

Capítulo 357 – Recrutas


Momentos antes, Anix terminava de amontoar os tesouros do topo da torre ao redor de si. Garantira recursos suficientes para cumprir sua tarefa. Restava apenas uma coisa, conseguir sair daquele lugar em segurança.

_ Glórienn, sei que nunca fui um bom devoto, assim como Lucano o é. Mas lhe peço nesta hora mais ajuda do que já está nos dando. Assim como não quero morrer novamente, não desejo que qualquer dos meus companheiros morra. Portanto, espero que minha prece seja atendida neste momento. Desejo ir para Malpetrim com este tesouro, para buscar recursos para usarmos contra nossos inimigos. Que assim seja!

Após a prece, o mago empregou toda sua energia para conjurar sua magia mais poderosa. Era uma magia capaz de dobrar a realidade e tornar verdade quase qualquer desejo de seu usuário, um poder que, esperava Anix, seria capaz de vencer a misteriosa aura que cercava a ilha (ou talvez a torre) e que impedira-o de se teletransportar com exatidão no dia anterior. Ele fechou os olhos e completou os gestos finais da conjuração. Quando os abriu novamente, estava em Malpetrim.

O porto fervilhava. Barcos pesqueiros chegavam carregados do mar, assim como navios piratas cheios de espólios, disfarçados para não serem notados pelas autoridades. O clarão do sol ainda podia ser visto ao longe, já muito fraco. Diversos tipos de pessoas adentravam as muitas tavernas em busca de diversão após um dia de árduo trabalho. E foi numa destas tavernas que subitamente surgiu um misterioso elfo sobre uma pilha de ouro e jóias.

_ Rud! Que bom vê-lo, amigo! Estou precisando de ajuda. Lembra-se de mim? – disse Anix ao dono da famosa Estalagem do Macaco Caolho Empalhado.

_ Sim, eu lembro sim – respondeu o taverneiro após pensar por um momento. – Você e seus amigos libertaram um bando de escravos de uma ilha, certo? Desculpe por não lembrar também de seu nome.

_ É Anix! Que bom que se lembrou, amigo. Preciso de ajuda.

_ E que tipo de ajuda precisa, Anix?

_ Tenho que comprar suprimentos. Meus amigos e eu estamos passando por dificuldades em Galrasia. Preciso de equipamento e encontrar pessoas dispostas a irem comigo para a ilha para invadir uma torre cheia de vampiros. Sabe de alguém que pode me ajudar com isso?

Rud deteve-se. Alguém disposto ir a Galrasia enfrentar vampiros seria algo difícil de se encontrar, mesmo num mundo cheio de aventureiros como Arton. Já a outra parte da missão de Anix seria fácil de se resolver, especialmente com aquela montanha de ouro que o mago trazia consigo. Montanha que começava a diminuir rapidamente diante dos olhos cansados do taverneiro. Anix estava sendo roubado.

_ Eu conheço exatamente cada moeda desta pilha. Se alguma delas estiver faltando eu saberei, e transformarei aquele que ousar me roubar em cinzas! – rugiu Anix, amedrontando os curiosos de mãos lotadas de dinheiro roubado, após ser alertado por Rud. – Preciso de alguém que me ajude a carregar este tesouro até um lugar onde eu possa comprar poções e pergaminhos mágicos. Aquele que estiver disposto a me ajudar será bem recompensado.

Diante das ameaças do mago, a maioria dos fregueses da estalagem voltou a seus afazeres etílicos aos resmungos. Apenas dois homens permaneceram onde estavam, diante do tesouro.

_ Eu o ajudo, senhor! – disse o primeiro deles, um homem magro e de aparência cansada. – Sou Manoel, e ficarei honrado em servi-lo!

_ Eu também ajudarei. Sou Inácio, senhor! – disse o segundo homem, um jovem cheio de entusiasmo.

_ Serão bem recompensados por isso. Rud, pode me emprestar alguns barris ou sacos para guardar essas moedas? E se possível também uma carroça para carregar tudo isso.

_ Posso arranjar alguns barris, mas não tenho carroça – respondeu Rud.

_ Eu posso conseguir uma, senhor! – disse Manoel.

_ Ótimo! Vamos guardar o dinheiro nos barris e depois você irá buscar uma carroça, Manoel – disse Anix.

Durante alguns minutos, o mago e seus dois ajudantes se ocuparam em guardar o tesouro dentro das barricas trazidas por Rud. Logo após isso, Manoel saiu apressado e retornou minutos depois com um carroceiro, um homem rechonchudo de nome Guilherme que cobrava uma quantia exorbitante pelo aluguel de sua carroça. Sem tempo para barganha, Anix aceitou o preço e partiu com os ajudantes. No comércio de Malpetrim não foi difícil encontrar uma loja com as coisas que precisava: poções mágicas de cura, pergaminhos com magias para transportá-lo de volta a Galrasia e outras capazes de garantir alguma vantagem contra os mortos-vivos da torre. Em aproximadamente uma hora, Anix tinha cumprido a primeira parte de sua missão. Pagou uma generosa quantia aos ajudantes e só então notou que o tesouro parecia ter encolhido além de suas estimativas. Sem tempo a perder tentando descobrir se havia sido roubado, Anix se despediu de Guilherme e Inácio e retornou à estalagem.

Com a permissão de Rud, Anix pagou a Manoel para pregar cartazes pela estalagem, que anunciavam o que ele buscava: aventureiros dispostos a vencer a torre e seus mortos-vivos. Enquanto o ajudante cumpria sua tarefa, Anix decidiu ir ao porto. Para sua decepção, não encontrou o navio que desejava ver, o Arthur Tym Liberdade, a nau do capitão Engaris Sthrol.

_ O capitão Sthrol saiu para o mar há alguns dias e ainda não retornou, sinto muito garoto – disse um marujo abordado pelo mago.

_ E você sabe me dizer onde posso encontrar alguns aventureiros para me ajudarem? – perguntou Anix. – Preciso de gente corajosa, disposta a ir para Galrasia, enfrentar um bando de vampiros.

_ Procure pelas tavernas, filho. Gaste algum tempo e alguns tibares e você logo encontrará alguns loucos para lhe acompanharem – respondeu o homem.

_ Mas eu não tenho muito tempo. Preciso encontrar esses loucos rapidamente – queixou-se Anix.

_ Então gaste mais dinheiro e conseguirá o que deseja.

Anix se despediu do marinheiro e retornou ao Macaco Caolho Empalhado. Esperava que os deuses lhe ajudassem novamente e que encontrasse ajuda depressa. E qual não foi sua surpresa ao encontrar um grupo de quatro pessoas, aventureiros a julgar pelas vestes, parados diante de um dos seus cartazes fitando-o com interesse.

_ Vampiros? Quem seria louco a ponto de aceitar uma missão destas? – disse Anix em voz alta ao se aproximar do grupo e fingir ler o cartaz.

_ Pois está olhando para eles! – sorriu um dos quatro integrantes do grupo. Era um homem alto, de ombros e sorriso largos e de cabelos fartos e esvoaçantes e negros como a própria noite. Vestia uma armadura de escamas metálicas, trazia uma longa espada presa à cintura e uma pesada mochila nas costas.

_ E quem é você? – perguntou Anix, maravilhado com o entusiasmo do humano. Lembrava de si mesmo anos antes, quando ainda era um aventureiro de baixo nível, antes de Zulil o trair e sua vida se tornar um caos.

_ Meu nome é Luskan! Estes são Carion, Kátia e Rafael. E você, quem seria?

_ Eu sou Anix!

_ Então, Anix! Não gostaria de se juntar a nós nesta empreitada e surrar alguns vampiros com a gente?

_ Vocês estão mesmo dispostos a encarar este desafio? – indagou o mago.

_ Claro que estamos! Por acaso você está com medo? – respondeu uma mulher de tamanho extremamente reduzido, uma halfling. Kátia era seu nome. E trajava um peitoral de aço e portava uma maça-estrela. Em seu peito, sobre a armadura, um medalhão de prata refletia a luz dos lampiões. Nele estava cunhado um escudo sobre o qual um machado, uma espada e um martelo de batalha se sobrepunham. Era o símbolo de Keen, o Deus da Guerra.

_ Medo? Não, nem um pouco. Pra sua informação, fui eu quem colocou este cartaz ai. Estou procurando alguém disposto a me seguir até esta torre em Galrasia para destruir alguns vampiros. O que me dizem? Topam enfrentar este desafio.

_ Claro que topamos! Vamos logo para a batalha! – sorriu Kátia, ávida por lutar.

_ Espere um pouco, minha pequena amiga – interveio Luskan. – Primeiro vamos saber mais sobre a missão e sobre o pagamento que receberemos, depois decidiremos se iremos ou não. Quantos vampiros existem lá, senhor Anix?

­_ Bem, isso eu não sei. Matamos uns vinte, mas com certeza há pelo menos isso ainda por lá!

­_ Matamos? Você e quem mais?

_ Meu amigos e eu. Nos livramos de uns vinte vampiros e com certeza há muitos mais, além de zumbis, aparições e outros mortos-vivos. Quero alguém para nos substituir, caso venhamos a morrer. Os riscos são altos, eu mesmo já morri duas vezes, portanto, se tiverem medo, eu vou entender – disse Anix.

_ Medo? Nós? Nem um pouco! Vamos lá quebrar a cara desses vampiros idiotas! – exaltou-se Kátia.

_ Bem, até que coragem vocês parecem ter. Mas será que tem competência para tal tarefa? – interrogou o elfo.

_ Se temos competência? Ora meu amigo, você já deve ter ouvido falar de nós por ai. Já ouviu os bardos cantando a Balada da Forja da Fúria? Pois somos nós os heróis desta canção. Enfrentamos a morte em suas várias facetas e destruímos um terrível dragão. Acho que somos suficientemente competentes para dar conta de um bando de criaturas que nem vivas estão – rebateu Luskan, irritado.

_ Há! Há! Há! Não me faça rir! Vocês desbravaram o Salão do Esplendor e mataram Escamas da Noite? Por acaso acha que sou algum idiota? Talvez este truque funcionasse com qualquer outra pessoa, mas pra seu azar, eu sou uma das pessoas que inspiraram esta canção. Sou Anix Remo e meus amigos Legolas, Nailo, Lucano e Squall aguardam por mim em Galrasia. E se precisam usar os feitos de outros para se promoverem, começo a realmente duvidar de que sejam adequados para a missão – zombou o mago.

_ Ora, não me importa quem você é ou deixa de ser. Vamos logo até essa torre e você verá o quanto somos capazes – desafiou a halfling.

_ Calma, Kátia! – interveio Luskan. – Provaremos nosso valor, mas no devido tempo e por um preço justo. Se a tarefa é assim tão complicada quanto você alega, vamos querer mil tibares de ouro para cada um. Metade paga adiantada. O que me diz?

_ E o que me diz do seguinte: eu os desafio para uma luta e se eu vencê-los, vocês me acompanham de graça? Se vocês vencerem, pago o dobro. – sugeriu o mago.

_ Ora, pra mim está de bom tamanho! Vamos lá pra fora que eu vou arrebentar sua cara – retorquiu Kátia.

_ Opa, fale por si própria, minha amiga! Anix, se Kátia topar sua proposta, ai é problema dela. A minha continua a mesma.

_ Bem, não tenho como lhes pagar nada agora, mas posso pagar assim que chegarmos na torre. Tenho um tesouro lá me aguardando.

_ Bem lembrado! Pode ser feito desta forma, mas também queremos ter nossa parte nos espólios da torre. Metade para seu grupo e metade para o nosso. Que tal?

_ Veremos! – respondeu Anix.

_ Ótimo! E quando partimos? – perguntou Luskan.

_ Pela manhã! – respondeu o elfo. – Agora tenho uma luta para vencer. Vamos lá para fora!

Anix deixou a taverna acompanhado de seus novos companheiros. Atrás da construção iniciou-se o duelo entre ele e Kátia. A halfling empunhava sua maça com devoção e despejava seu poder mágico sobre o adversário. Anix resistia facilmente a cada encanto, compreendendo que havia uma grande diferença de poder entre ele e sua oponente. O duelo foi curto e, após usar o poder de seu olho maldito e sua mágica poderosa, Anix saiu vencedor ao nocautear a clériga com um simples golpe de seu cajado.

_ Bom, é hora de dormir! – disse Luskan, recolhendo o corpo inconsciente de Kátia do chão. – Nos veremos amanhã Anix. Tenha uma boa noite­ – sorriu ele por fim.

A imagem no espelho tornou-se turva e desfez-se numa névoa acinzentada e caótica. O objeto voltou a refletir apenas as imagens à sua frente, naquele momento, a imagem de Squall. O feiticeiro assistira ao diálogo acalorado de seu irmão com Luskan e seus amigos. Embora não pudesse ouvir o que diziam, Squall fora capaz de entender parte do que acontecia. Vira com certa preocupação o irmão duelar contra a halfling, mas logo sorrira ao vê-lo vencer a adversária com facilidade, apesar da tenacidade em combate da pequenina. Por vim, o Vermelho gastara os últimos momentos da vidência mágica usando um feitiço para avaliar o nível de poder dos desafiantes de Anix. Com seu poder, Squall descobrira não tratar-se de um grupo perigoso, já que possuía pouquíssimos equipamentos mágicos.

Squall sorriu quando a magia finalmente terminou e ele deixou de vislumbrar as ações do irmão. O pergaminho mágico que Anix tinha escrito quando ainda estavam no forte acabara de se provar de grande utilidade. Tranqüilo, mais por saber o que Anix fazia do que por saber que ele estava em segurança, Squall finalmente relaxou. Deitou-se ao lado da espada de Lucano, incumbida de vigiar o sono dos heróis, e fitou-a com interesse.

_ Dililiümi! – começou o Vermelho. – Você foi criada em Lenórienn, certo? Deve ter testemunhado muitas coisas por lá, não é?

_ Sim! Existo há mais de dez séculos e são muitas as batalhas que travei na infinita guerra contra as hordas desprezíveis de goblinóides – respondeu orgulhosa a espada.

_ Pois quero ouvir estas histórias. Conte-me todas! – e assim Squall trocou o sono restaurador pelo relato das fantásticas aventuras vivenciadas pela Caçadora Prateada.

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