novembro 12, 2012

Capítulo 389 – Confinados – os últimos dias em Galrasia


O sol estava alto no céu quando todos despertaram. Era uma manhã ensolarada, Azgher imperava radiante no céu, apesar disso a temperatura estava agradavelmente fresca. Estavam todos ainda atordoados e confusos, num estado de semi-torpor devido ao cansaço, aos ferimentos e a influência maligna da energia liberada pelo coração no momento de sua explosão. Novamente, havia mais comida esperando por eles no centro da clareira e, sem hesitar, o grupo se reuniu ao redor dela para o desjejum. Comeram calados, cabisbaixos, ainda deprimidos pela situação em que tudo terminara: todos mutilados de alguma forma, o grupo dividido e o mal se regenerando pouco a pouco dentro da torre. Depois de comerem, Anix pediu a Orion o seu colar emprestado e chamou por Sam. A jóia brilhou como de costume, mas a imagem do menestrel não surgiu dentro dela como era esperado. Apenas uma névoa difusa podia ser vista na pedra. A voz do bardo ecoou em meio a um chiado, como se Sam falasse no meio de uma forte chuva. A comunicação era confusa e partes da conversa se perdiam no meio da chiadeira. Era evidente que algum poder extremamente grande interferia no objeto.

_ Sam! – disse Anix, sua voz era ainda sonolenta. – Sabe nos dizer em que dia estamos? Nós saímos da torre, e estamos em um daqueles círculos de pedra, dormimos aqui e não sei bem ao certo por quanto tempo, mas desconfio que não foi apenas uma noite que passamos aqui. – Anix olhava em seus braços e notava que a cor de sua pele tinha se alterado, ficando mais clara. Os olhos que antes se espalhavam por seu corpo tinham também desaparecido.
De onde estava Sam checou sua runa de gor, ou a réplica espectral dela que acompanhava sua alma aprisionada, e informou o que via: - estavam no primeiro dia do mês Pace, três dias haviam se passado desde a chegada deles ao círculo e eles haviam dormido durante todo este tempo. Anix relatou ao bardo tudo que acontecera desde a batalha travada contra Gulthias até a chegada ao círculo de pedras. Pouco a pouco a interferência foi diminuindo, até que o rosto de Sam finalmente surgiu no colar. Ao final, Anix acrescentou:
_ Então, Sam! Como você pode ver, nos encontramos agora sem rumo. Estamos todos muito debilitados e não sabemos o que fazer.
_ Como sem rumo, meu amigo? Vocês têm uma missão a cumprir, esqueceu? Onde Teztal foi com as jóias, este é o objetivo de vocês. Devem se recuperar rapidamente e ir atrás dele. Vocês não conseguem desfazer estas maldições com seus poderes? – disse o bardo.
_ Não, amigo, não esquecemos desta missão. Mas estamos fracos e nossos poderes não estão funcionando direito. Além disso, não fazemos idéia de para onde Teztal foi.
_ Creio que vocês precisarão de ajuda, alguém muito poderoso para remover as mazelas de seus corpos e almas. E, além disso, precisarão de um vidente poderoso para encontrar Teztal.
_ Mas, Sam, a única vidente que conheci era Enola, e ela está morta – desesperou-se Anix.
_ Calma, amigo. Há um lugar onde vocês podem encontrar a ajuda de que necessitam. Mas, devo alertá-los! Isto envolve um grande risco. Mas creio que isso não será problema, pois vocês já estão acostumados a correr perigo, não é mesmo?
_ Sim, não tememos o perigo. Diga-nos onde encontraremos ajuda.
_ Sigam para o leste do Reinado. Use sua magia de teletransporte e vão para o reino de Hongari. No meio dele vocês encontrarão uma cidade chamada Triunphus. Rumem até esta cidade e procurem pelo Oráculo.
_ Mas como o encontraremos? – perguntou Anix.
_ Basta perguntarem por ele. Todos em Triunphus já ouviram falar do Oráculo. Ele poderá ajudá-los e com certeza será capaz de descobrir o paradeiro de Teztal. Mas, devo lembrá-los, tomem muito cuidado. E não morram por lá!
Anix agradeceu pela informação e devolveu o medalhão a Orion, ficando pensativo. Não sentia mais seus poderes arcanos percorrendo suas veias, como faria para transportar todos para o Reinado?
Enquanto Anix raciocinava, Orion se levantou e andou em direção da floresta. Soul Eater não falara com ele nestes três dias que se passaram e ele não conseguia falar com ela agora. Sabia que sua espada precisava se alimentar, então, decidiu ir caçar. Mas, ao chegar aos limites do sítio arcano no qual se encontrava, Orion se chocou com algo, uma espécie de barreira que o impedia de sair. Era como uma cortina invisível, que bloqueava sua passagem. Orion a tocou com a mão direita e sentiu sua textura. Sentia uma membrana fina e maleável, que se dobrava e se esticava quando forçada, porém era extremamente resistente e o guerreiro não conseguiu rompê-la ou deformá-la. Enquanto a tocava, ela cintilava num tom amarelado muito claro, e ondulava como as águas de um lago com a passagem de uma embarcação. Todos, com exceção de Legolas, puderam ver que a barreira circulava toda a clareira. Orion tentou forçá-la mais ainda, golpeando-a com o punho que lhe restava. Foram vários socos sem resultado, até que o guerreiro se deu conta de que sua espada não tinha saltado para sua mão como das outras vezes. Intrigado, Orion sacou Soul Eater e golpeou a membrana com sua lâmina negra. Novamente o tecido mágico brilhou e se agitou, sem sofrer sequer um arranhão.
_ Galanodel! – chamou Orion. – Vamos voar. – montado na coruja gigante, Orion subiu além do monólitos que os cercavam, esperando ficar acima das copas das árvores, onde pudesse ver a torre de Gulthias. Mas, dez metros acima do solo, sua cabeça se chocou com algo macio. Ele olhou para cima e percebeu que a membrana fechava também o alto, impedindo-os de saírem também por ali. O humano observou as ondulações do tecido e viu que ele envolvia a clareira totalmente. Inconformado, ele desceu.
_ Estamos presos – suspirou Orion.
Anix foi até a borda do circulo e tentou usar suas magias. Não funcionavam, seus poderes tinham sumido. Abriu o olho em sua testa com grande dificuldade e tentou um raio desintegrador contra a barreira. Nada aconteceu. Anix não conseguiu usar os poderes do beholder com quem dividia o corpo e nem a consciência da criatura ele conseguiu contatar, era como se ele não estivesse mais ali. Tentou usar seu cajado mágico e também não obteve resultado. Irritado, o mago começou a golpear a barreira com o cajado, praguejando a cada golpe.
_ Será que a barreira funciona dos dois lados? – perguntou Legolas.
_ Vamos testar – murmurou Nailo com dificuldade. O ranger deu um assovio, chamando um pássaro que passava perto. O animal pousou sobre um dos monólitos e ficou observando-o. Nailo se comunicou com ele através de assovios, ergueu o braço e o pássaro, um pardal de quase três quilos, voou para dentro da barreira e posou sobre ele. Nailo quase não suportou o peso do animal e, depois de lhe fazer uma carícia, mandou-o embora. O pardal alçou vôo e desapareceu no meio da floresta, como se a barreira mágica não existisse para ele.
_ Acho que isto foi feito para prender só a gente – concluiu Nailo.
_ Ou não foi feita para prender animais. Galanodel, tente atravessar a barreira – disse Orion.
A coruja voou de encontro ao tecido e se chocou nele, como se trombasse em um lençol estendido. Galanodel forçou a passagem, batendo as asas com maior vigor até finalmente cruzar a fronteira, como se abrisse um furo no manto que envolvia o refúgio. A ave circundou a clareira e depois retornou, entrando sem dificuldades no círculo de pedras.
_ Há algo estranho lá fora, uma sensação opressora. Aqui me sinto segura, protegida.
Intrigado, Orion retirou sua armadura e a colocou no chão. Desafivelou o cinto e colocou Soul Eater ao lado da couraça. Usando apenas suas roupas de baixo, o humano tentou atravessar a membrana, mas novamente falhou em sua tentativa.
Anix correu até a pedra central, tentando decifrar suas runas. Era uma linguagem antiga e complexa, algo que o elfo nunca havia sequer ouvido falar. Imediatamente ele se lembrou do idioma usado por Gulthias na torre, e concluiu tratar-se da mesma linguagem ou de uma variação da mesma. O monólito era feito de uma pedra branca perfeitamente polida e extremamente sólida. Apesar de estar ali há eras, como supunha, não demonstrava qualquer sinal de desgaste ou envelhecimento e nem mesmo sujeira de qualquer espécie se acumulava sobre ela, era um material nunca antes visto por ele. Sem obter alguma pista que os levasse à libertação, Anix voltou novamente seus esforços contra a membrana.
Horas se passaram de tentativas vãs em busca de um meio de escapar daquela prisão. A noite finalmente chegou e a escuridão tomou conta do céu. O som de uma harpa se espalhou pela floresta e uma voz doce acompanhou o ritmo das cordas numa melodia inebriante. A música parecia vir de todos os lugares ao mesmo tempo, de modo que era impossível localizar a fonte daquele som aprazível. Tomados pelo cansaço e embalados pela canção de ninar que soava ao seu redor, os heróis se entregaram ao sono que os dominava. Antes de adormecer, Orion pediu a Galanodel que permanecesse acordada, vigiando os arredores.

A noite já era velha, quando Legolas despertou. Um som de sinos ecoava ao redor deles. Era um tilintar agudo de um pequeno sino que se aproximava cada vez mais, vindo da mata em direção a eles. Era um som agradável e ritmado, quase uma melodia. Legolas cutucou Orion com o pé, mas o humano dormia profundamente e apenas resmungou em seu sono, algo típico para sua raça, pensou o elfo. Ele tateou ao redor e encontrou o corpo de Anix. Deu um sacolejo e acordou-o. Depois continuou cutucando Orion até ele despertar. Para surpresa do guerreiro, nem mesmo Galanodel fora capaz de resistir ao poder da música e dormia ao seu lado.
_ Anix! Está ouvindo isso? – perguntou Legolas.
_ Sim – respondeu o mago com um bocejo. – É um sino. Que estranho, o som dele parece até uma música - os olhos do mago piscaram pesadamente. – Acho que já ouvi isso antes – Anix não disse mais nada, suas pálpebras pesaram e o sono o dominou novamente. Antes de adormecer, teve a impressão de ver uma criatura humanoide caminhando para dentro do acampamento.
O sol raiou novamente e outra vez mais comida e água estavam postas diante deles. Comeram e beberam e passaram o dia tentando encontrar uma forma de escapar. E tal qual acontecera no dia anterior, não conseguiram. Mais de uma semana transcorreu desta maneira: acordavam, comiam, tentavam escapar, não conseguiam e se punham a descansar; a noite caia, a música invadia seus ouvidos e eles dormiam. Com o passar dos dias, apesar do cativeiro, os heróis se sentiam cada vez melhor. Seus ferimentos cicatrizaram por completo e, embora ainda velho, as condições físicas de Nailo melhoraram e pouco a pouco os poderes mágicos que possuíam foram retornando. Porém, nem Soul Eater, nem o Beholder respondiam e, para espanto de todos, o corpo de Mexkialroy não apresentava qualquer sinal de decomposição. Aparentemente a mesma magia que os prendia ali estava protegendo-os e purificando-os pouco a pouco. A pele de Anix finalmente voltou ao seu estado normal. E, entusiasmado por estar revigorado e por sentir novamente a magia fluindo em suas veias, o mago correu até a barreira mágica e tentou vencê-la novamente. E outra vez não conseguiu. Frustrado, Anix pensou em reagir de forma violenta, como fizera diversas outras vezes desde que chegara à ilha, mas a raiva que normalmente se apossaria de seu corpo, era apenas uma vaga lembrança agora. Legolas pousou a mão gentilmente sobre seu ombro, confortando-o e os dois foram comer em paz. Sim, paz. Essa era a sensação que sentiam dentro do círculo de pedras. Aquele era um lugar de paz, de cura e de bondade, onde o mal não os tocaria e onde o mal que havia dentro deles se dissipava pouco a pouco.
Os dias foram passando, até que numa manhã Anix finalmente conseguiu ultrapassar a membrana e deixar a proteção mágica. O elfo estava eufórico, poderia finalmente sair dali e cumprir seus objetivos. Desejava retornar á torre e ver como estavam seus amigos, desejava investigar mais aquele lugar em busca de respostas, porém uma sensação opressora tomou conta de seu corpo, como se seus coração fosse esmagado dentro de seu peito. Ao mesmo tempo sua respiração se tornou ofegante e Anix sentiu-se cansado. Sentiu sua energia vital sendo sugada de seu corpo e sentiu o dedo da morte aproximando-se dele. Assustado, saltou para dentro do sítio arcano, onde sabia que estaria protegido. Lá estava seguro e uma sensação de bem estar voltou a dominá-lo. Estavam livres, mas se deixassem aquele lugar, suas vidas não durariam muito tempo.
Mais um dia e uma noite se passaram. Estavam já no décimo oitavo dia do mês. Fizeram o que já era habitual, comeram, beberam se exercitaram e esperaram. Já no final da tarde receberam visitas. O som de um trotar pesado chamou a atenção de todos. Segundos depois, o dinossauro que os acompanhara até o sítio arcano finalmente retornou. Trazia em sua boca uma enorme sacola feita de juncos, dentro da qual havia várias frutas e ânforas com água. O enorme animal entrou no acampamento e depositou os alimentos próximos ao centro do círculo. Segundos depois ouviram o som de passos leves e ágeis se aproximando. Os passos eram acompanhados pelo tilintar sutil de um sino. O lobo negro que sempre acompanhava o tricerátops surgiu da mata, saltando sobre seu companheiro escamoso. Deitou sobre as suas costas, ajeitando-se entre seus esporões ósseos e fitou os aventureiros. Sua expressão agora era de tranquilidade. Suas orelhas estavam esticadas para trás enquanto seus olhos prateados passavam ligeiros pelos heróis. Em sua orelha direita era possível ver um delicado brinco em forma de guizo. Legolas tentou se aproximar, mas novamente os animais ficaram agitados e não permitiram o contato físico.
A lua em escudo já se erguia no céu límpido em seu último dia de glória antes de se tornar uma foice, quando Galanodel deu o alerta:
_ Vem vindo uma coisa rápido, muito rápido! – a coruja apontou para o céu e todos, exceto Legolas, viram algo se deslocando em grande velocidade em direção ao local onde estavam. Quando estava mais próximo, puderam distinguir o que era: um pássaro.
O pássaro invadiu a clareira em velocidade estupenda. Parou flutuando sobre o centro dela como se esperasse por algo. Anix ergueu o braço e a ave pousou. Não era um animal comum, parecia feito de madeira, um animal artificial. Em sua pata estava um pequenino papiro enrolado. Anix retirou o bilhete e a ave desapareceu no ar magicamente. O mago desenrolou o pergaminho e viu que era uma mensagem de Lucano.


Caros amigos,

Há um poder ancestral gigantesco habitando a torre. O coração se regenera pouco a pouco e absorve energia de algum lugar longe daqui. Pelo que pude perceber, durante a batalha que tivemos, ele está retirando a energia de Squall e possivelmente também esteja tirando a energia de mais algum de vocês, senão todos. Eu, próximo disto, sinto minha energia sendo absorvida e sinto como se ele tentasse dominar minha mente. Imagino que vocês devam estar sentindo coisa parecida. Conversei com Yczar e nós vamos sair de Galrasia para tentar encontrar um meio de impedir ou ao menos retardar este processo. Peço que saiam da ilha e se afastem daqui o mais depressa possível. Continuem com a missão, encontrem as jóias das almas e eu irei me reunir com vocês assim que possível.

Lucano


Enquanto Anix lia a mensagem do companheiro, a luz da lua inundou a clareira, produzindo um brilho alvo na membrana mágica. Todos puderam ver vários buracos se formando na barreira, como se ela estivesse se desmanchando aos poucos. Preocupados com seu destino, os heróis decidiram confiar nas palavras de Lucano. Anix chamou Sam e o bardo surgiu em uma imagem clara dentro do colar de Orion. Sam explicou a Anix o local onde ficava a cidade de Triunphus e lhes desejou boa sorte. Anix reuniu o grupo em um círculo dentro da clareira. Os heróis tocaram uns aos outros, formando uma corrente. Anix se concentrou e proferiu as palavras mágicas. A floresta e os monólitos foram ficando distorcidos, como se vistos por trás de uma cascata, até desaparecerem por completo. A paisagem ao redor do grupo foi se modificando até se tornar completamente nítida. Uma brisa fria bateu em seus rostos, vinda dos pinheiros ao redor. Finalmente eles estavam fora de Galrasia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário