novembro 13, 2012

Capítulo 390 – rumo a Triunphus


Cerca de um mês havia se passado desde o término da batalha final na torre de Gulthias em Galrasia, era o décimo oitavo dia de Pace, o mês dedicado a Marah, a Deusa da Paz. Dois dias antes, o mundo todo parara num grande feriado, no qual nenhuma luta era travada, mesmo nas culturas guerreiras, como se a própria Deusa da Paz descesse ao mundo e espalhasse sua influência por todos os seus cantos. Legolas, Anix, Orion, Squall e Nailo, entretanto, não festejaram. Os Escolhidos tinham enfrentado uma dura provação. Seus corpos estavam mais que feridos, mutilados; suas mentes perturbadas, atormentadas pela maldade com a qual tinham convivido por tantos dias e suas almas feridas, corrompidas e sem esperanças. O tempo que tinham passado aprisionados dentro do círculo de pedras sob os cuidados do misterioso lobo negro e seu dinossauro companheiro, servira para aliviar suas dores e reduzir seus temores. Suas feridas agora estavam cicatrizadas, o mal que os corrompia tinha sido dissipado quase que completamente, suas mentes estavam mais calmas e confiantes, suas esperanças estavam renovadas. Tinham agora um rumo, um norte para perseguir. Estavam a caminho de Triunphus, em busca do conselho do famoso oráculo da cidade que, esperavam, lhes revelaria o paradeiro de Teztal e seus asseclas. Com este conhecimento, seriam capazes de encontrar as jóias que guardavam as almas das pessoas que mais amavam, para libertá-las e finalmente por fim àqueles dias de batalhas cruéis e intermináveis.

Sam Rael os havia guiado até o local onde se encontravam agora, suas instruções tinham sido suficientemente precisas para não atirá-los dentro de uma montanha ou coisa pior. Estavam à beira de uma estrada de terra batida, cercada por matas ralas de pinheiros. O clima era agradável, uma brisa fresca soprava dentre as árvores, refrescando seus corpos já acostumados ao calor sufocante de Galrasia. Não sabiam em que parte do reinado estava, mas estavam felizes por estarem ali, longe da ilha pré-histórica e sua torre amaldiçoada. Restava apenas saberem o quão distantes estavam de seu destino final.
Havia um pequeno vilarejo a cerca de trinta minutos de caminhada a norte de onde se encontravam. Com certeza não era a cidade que buscavam, mas lá poderiam obter informações e, talvez, um mapa que os conduzisse até o destino. Prepararam-se para a jornada, entusiasmados. Seria bom caminhar naquele início de noite, sem correr riscos, sem preocupações. Deram os primeiros passos rumo à pequena vila quando um som familiar e inesperado os deteve. Era um trotar pesado, de um animal muito grande que os acompanhava. Olharam para trás e viram, com espanto, que não estavam sozinhos. O imenso lagarto que os protegera em Galrasia estava seguindo-os, acompanhado de seu inseparável amigo peludo. Lobo e dinossauro continuaram andando, passando pelo grupo pasmo e tomaram a dianteira. À frente do grupo, reduziram a marcha e olharam para trás, como se esperassem que os demais os seguissem. Sem entender como aquilo acontecera, já que Anix não tinha usado sua magia de teleporte nos dois animais, o grupo retomou a caminhada lentamente. Algo estranho acontecia, como se os Deuses brincassem com eles.

A caminhada seguiu sem incidentes. Legolas e Nailo andavam juntos, um dando apoio ao outro. Anix voava baixo com sua vassoura, acompanhando o grupo atento a possíveis perigos. Squall andava pesaroso, carregando o cadáver de seu companheiro de escamas azuis, enquanto Orion estava absorto, conversando mentalmente com sua espada que, finalmente, voltava a dar sinais fracos de vida, assim com a consciência do ser que dividia o corpo com Anix.
O povoado era pequeno, apenas umas duas dúzias de casas ao redor da estrada e algumas pequenas fazendas próximas. A estradinha cortava a vila numa linha reta, interrompida apenas por um poço comunitário encravado no centro do vilarejo. As casas eram simples, pequenos sobrados de madeira e teto de palha, e as que ficavam à beira da estrada eram em sua maioria pontos comerciais. Havia uma única taverna, um curtidor de couros, uma estrebaria, um armazém, e outras lojas menores. Era estranho uma vila tão isolada não ter prosperado mais. Havia pouco movimento na rua àquela hora e as poucas pessoas que circulavam se afastavam rapidamente ao avistar o grupo incomum que adentrava em seu território.
Pararam diante do poço. Nailo se encostou em sua beirada para descansar, enquanto seus amigos tratavam de conseguir o que precisavam. Squall deixou Mex ao lado do idoso amigo e partiu em busca de suprimentos. Orion pediu licença aos companheiros e partiu com Galanodel para caçar; precisava alimentar sua amiga e sua espada. Anix foi em busca de informações que lhes dissessem onde estavam e quão longe estavam do lugar aonde iriam. Uma pele pendurada diante da casa do coureiro chamou sua atenção, fazendo com que ele caminhasse em sua direção sem se dar conta disto. Era um couro cinzento e liso, de algum animal que ele não conhecia, mas que possuía um par de chifres e um bico córneo em sua cabeça, cuidadosamente mantidos presos à pele pelo caprichoso curtidor. Quando voltou a si, Anix estava diante da porta do coureiro. Bateu.
_ Quem está ai? – gritou uma voz dentro da casa. Segundos depois a porta se abriu e surgiu um homem de meia idade, calvo e de barba grossa, vestido com roupas simples de cânhamo, já preparado para ir dormir. O homem olhou para Anix com espanto. Vestes pesadas e elaboradas, três olhos, uma máscara em forma de caveira cobrindo parte da face eram algo evidentemente incomum para ele. Correu os olhos rapidamente pela rua e viu o dinossauro deitado ao lado do poço e o dragão, que era Squall, perambulando pela rua. Assustado, o homem fechou lentamente a porta, deixando apenas uma pequena fresta aberta, por onde fitava Anix. – O que você quer? – perguntou com voz trêmula.
_ Não se assuste, senhor. Quero apenas uma informação. Meus amigos e eu – Anix deu uma pausa, apontando para os companheiros na rua e assustando ainda mais o humano – estamos indo para Triunphus e gostaria de saber como faço para chegar lá!
Temeroso, o homem estreitou mais a fresta da porta e respondeu:
_ Fica a norte daqui, a um ou dois dias de viagem. Não sei direito, pois nunca fui para lá, nem quero.
_ E o senhor... – começou Anix, sendo interrompido.
_ Não sei. Se quiser mais informações, procure pelo Joe – o homem fechou bruscamente a porta enquanto Anix tentava agradecer. O mago retornou para junto dos companheiros e relatou o que acontecera enquanto retirava a máscara do rosto para evitar novas confusões. Viu um homem vindo pela rua e desviando deles para entrar na taverna, foi até ele e o abordou, perguntando onde poderia encontrar o tal Joe.
_ Ora, é só olhar atrás do balcão! – respondeu o homem, apontando para o interior da taverna.
Anix e Legolas foram até lá. Entraram no recinto e o encontraram quase vazio. Havia apenas quatro fregueses dentro da taverna: o homem que entrara há pouco e que dividia uma mesa com um halfling com o qual disputava um acirrado jogo de cartas, um homem de capa negra, isolado em uma mesa no fundo do salão, e outro halfling sentado num banco alto diante do balcão. Em sua frente esta o tal Joe, um homem alto, de cabeça e braços estranhamente pequenos, que limpava animadamente uma caneca enquanto conversava com o pequenino. Ao botar os pés dentro do salão, todos os olhares se voltaram para os dois. Anix pegou a venda que cobria os olhos cegos de Legolas e a usou para esconder seu terceiro olho, tentando não chamar tanto a atenção. Os dois aventureiros foram até o balcão e tomaram assentos. Joe se voltou para eles.
_ Pois não? – disse o taverneiro. Anix notou neste momento que o próprio Joe era um halfling. Seu bar fora todo construído para atender fregueses de tamanho humano que por ali passavam. Atrás do balcão, para servir às necessidades de seu diminuto dono, havia um tablado que circundava todo o balcão e escadinhas que subiam e desciam, permitindo que Joe conseguisse chegar ao chão e alcançar as bebidas mais altas em sua prateleira. O pequeno se deslocava sobre o tablado enquanto servia aos clientes, ficando da altura de um humano. Espantado com a engenhosidade do pequeno atendente, Anix demorou um instante antes de responder:
_ Preciso de uma informação. Por acaso você teria as coordenadas da cidade de Triunphus? – perguntou o elfo.
_ Coordenadas? Por acaso tenho cara de cartógrafo – respondeu o pequenino, sorrindo.
_ Bem Se tiver um mapa ou souber de alguém que tenha. Estou indo para lá e preciso saber como chegar até ela.
_ Ah bom! Isso é muito fácil. Basta você seguir a estrada rumo ao norte. Dá menos de um dia de viagem daqui até lá.
_ Muito obrigado – disse Anix. – Legolas, quer molhar a garganta antes de irmos?
_ Sim, experimentem o vinho seco, está ótimo – disse o halfling entusiasmado.
_ Está gelado? – perguntou Legolas.
_ Claro que não, amigo. Estamos na primavera, como poderia estar gelado?
_ Então me traga uma garrafa que eu vou mesmo vou gelá-la!
_ Está brincando comigo? Por acaso está trazendo neve em sua bolsa amigo? – riu o pequeno.
_ Traga a garrafa e verá. Se duvida, faço uma aposta com você. Cem moedas de ouro, que tal?
_ Está louco! Eu não tenho este dinheiro.
_ Então vamos fazer o seguinte. Eu lhe dou cem moedas, e se eu ganhar a aposta você me paga cem moedas por ela. E eu não pago pelo vinho.
Joe pensou por um instante. A proposta do elfo era muito inusitada, ele não tinha como perder. Ainda um tanto hesitante ele concordou. Correu até o fundo da taverna e voltou com uma garrafa empoeirada, limpou-a e a colocou no balcão, diante de Legolas.
O arqueiro segurou a garrafa com a mão direita e se concentrou. Canalizou seu poder glacial para dentro do recipiente, fazendo-o quase congelar. Uma nuvem de vapor frio saiu do gargalo, deixando todos espantados. Legolas deu uma golada, satisfeito. O vinho era horrível, ao que parece a taverna estava abarrotada dele e Joe o estava empurrando para todos os clientes.
_ Incrível! – admirou-se Joe. – Consegue fazer isto novamente? Dou-lhe outra garrafa se o fizer.
_ Claro – respondeu Legolas.
Joe trouxe mais duas garrafas. Legolas resfriou-as e o pequenino pegou a que lhe pertencia e correu até a porta do estabelecimento aos berros:
_ Venham, venham! Somente hoje, vinho gelado a duas pratas a caneca. Venham antes que acabe.
Legolas riu e depois pediu para ver a adega do pequenino. Lá usou seus poderes para resfriar todas as bebidas, arrancando gritos histéricos e gargalhadas de Joe. Aquela noite seria muito lucrativa para o pequeno.
Legolas a Anix foram para a saída, enquanto mais fregueses começavam a chegar, curiosos pelo anúncio do halfling. Enquanto saiam, foram abordados pelo homem de capuz negro.
_ Com licença, ouvi dizerem que estão indo a Triunphus. É verdade?
_ Sim. Por que quer saber? – disse Anix.
_ É que também estou indo para lá. Será que se importariam em dividir a fogueira na estrada comigo? – perguntou o homem, enquanto retirava o capuz que cobria o rosto. Duas orelhas pontudas se revelaram, era também um elfo. – Sou Galarden! – apresentou-se, por fim.
Anix olhou desconfiado para o estranho. Pensou por um tempo e depois falou:
_ Vamos consultar meus amigos. Mas antes quero saber quem é você e o que quer em Triunphus.
_ Estou viajando pelo Reinado, conhecendo-o. Ouvi falar desta cidade e decidi conhecê-la. Sou um arqueiro, nasci em Lenórienn e agora estou viajando pelo norte.
Anix e Legolas voltaram ao poço, acompanhados de Galarden. Squall e Orion já tinham retornado e os aguardavam junto com os outros. O feiticeiro havia conseguido rações para a viagem e o guerreiro exibia, orgulhoso, sua espada novamente em chamas e viva após petiscar a alma de uma pobre lebre.
_ Amigos! Este é Galarden. Nós o encontramos na taverna e ele também está indo para Triunphus e pediu para nos acompanhar até lá – disse Anix, apontando para o elfo que os acompanhava. – O que vocês acham?
_ Você pode até nos acompanhar até lá, mas estaremos de olho em você – disse Nailo, ofegante.
_ Sim. Vê este dragão azul. Nós o matamos e faremos o mesmo com você se tentar qualquer gracinha – Ameaçou Squall, após usar seu anel para assumir sua forma dracônica e cuspir uma rajada de chamas para o alto.
Galarden observava atônito à demonstração de poder daquelas pessoas. Tinha visto muitas coisas estranhas desde que deixara a terra natal, o lar destruído dos elfos. Mas algo o dizia que se ficasse junto daquele grupo, veria coisas que sua imaginação sequer seria capaz de pensar. Ainda intimidado pelas ameaças, ele concordou com um aceno de cabeça. O grupo juntou seus pertences e partiu. Dinossauro e lobo já os aguardavam na saída da cidade. Era possível ver na expressão do lobo a sua inquietação, como se o animal pressentisse problemas. E pressentia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário