junho 09, 2009

Capítulo 353 – Ciladas

O grito de Squall ecoou na caverna, tirando todos do sono reparador. O sol já avançava além do centro do céu, preparando-se para deitar-se novamente e, outra vez mais, ceder espaço para sua eterna rival: a noite. Nailo apanhou suas rosas de mithral e buscou seus companheiros com os olhos. Lucano estava a seu lado, de espada em punho com a pequena filha de Galanodel em seu ombro. Orion levantava-se sobressaltado próximo à entrada da caverna, afastando-se de Galanodel, enquanto Anix despertava no seu outro flanco, também espantado. Legolas estava no fundo do covil, recostado a uma rocha congelada, tal qual o chão ao seu redor. O arqueiro dormia apoiado em seu inseparável arco. Yesha, a dragoa caçadora resgatada pelo grupo, estava deitada perto do arqueiro, com quem tinha maior empatia. Na direção onde esperava encontrar Squall, Nailo viu uma carcaça ensangüentada.

Nailo ergueu-se do chão, procurando algum possível inimigo e, para seu alívio, viu o amigo feiticeiro deitado atrás do cadáver sangrento. Squall estava assustado. Despertara cara a cara com o corpo de um cervo, ou o que sobrara dele. Era um animal grande, além do conhecido pelos aventureiros. Sua cabeça pendia de uma pedra baixa na direção de Squall, seus olhos murchos e secos o encaravam de forma bizarra. Além da cabeça, apenas o pescoço e uma pata dianteira restavam do animal, cujos olhos estáticos pareciam hipnotizar o Vermelho. Um riso veio do fundo do esconderijo, tirando todos daquele transe.

_ Finalmente acordaste, Vermelho! – escarneceu o dragão azul do alto da pedra sobre a qual repousava. – Guardei um pedaço para ti, coma. Está suculento. Só aviso que estava com muita fome e já me banqueteei com as melhores partes.

Mexkialroy tinha provavelmente saído durante a noite e caçado o pobre animal. Por sorte, apesar de mau, ele era também honrado e cumpria sua promessa de auxílio aos heróis. Não só não tinha lhes feito mal enquanto dormiam, como tinha trazido comida para aquele a quem prometera seguir, Squall. O elfo olhava ainda um pouco espantado para a carcaça do animal, sem saber o que fazer com aquilo.

­_ O que esperas, Squall? Comei, está bom! – insistiu Mexkialroy.

Squall afundou o rosto na carne sangrenta e começou a comê-la crua, com selvageria, arrancando um sorriso do dragão azul e repulsa de seus companheiros.

_ Experimenta o olho, Vermelho! Garanto que vais gostar! – sugeriu o dragão. Squall abocanhou a cavidade ocular do gamo e cravou seus dentes na orbe gelatinosa fazendo-a explodir. Cuspiu. O gosto daquilo era horrível. Mexkialroy riu e fez um muxoxo, divertia-se às custas de Squall.

Legolas levantou-se, cristais de gelo se partiram e despencaram de seu corpo enquanto caminhava até a entrada da caverna. Fitou o céu iluminado pelo olho de Azgher com ar sério.

_ Já é tarde. Devemos nos apressar, não podemos perder tempo. Vamos atacar aquela torre antes do anoitecer – disse o arqueiro.

_ Impossível para mim, Legolas – disse Anix. Orion fez coro com o mago. – Estou muito fraco ainda, mas consigo me manter em pé.

_ Não se preocupem com isso. Darei um jeito nisso logo – respondeu Lucano. – Orei à Glórienn pela manhã e ela despejou sua bênção sobre mim. Tenho poder para curá-los e restaurar suas forças.

_ Ótimo, Lucano! – alegrou-se Nailo. – Restaure nossas forças e vamos logo retomar nossa missão.

Assim o clérigo fez, despejando o poder da Deusa dos Elfos sobre seus companheiros e retirando deles as maldições impostas pelos mortos-vivos na noite anterior.

_ Mex, estou preocupado com você – disse Anix. – Sei que você foi atingido várias vezes pelos fantasmas ontem. Você está bem?

_ Claro que estou, elfo. Estou em ótima forma – respondeu o dragão com sarcasmo.

_ Bem, preparem-se para partirmos – bradou Legolas levantando-se. – Vou levar Yesha de volta para sua casa – o arqueiro apanhou a vassoura mágica e com o indicador desenhou uma cabana na areia do chão da caverna, apontando-a para a dragoa caçadora.

_ Legolas, ela mora muito longe e o caminho é perigoso. Melhor alguém ir com você – sugeriu Nailo.

_ Não se preocupem. Vou apenas tirá-la deste vale. Ela sabe voltar para sua aldeia sozinha, como nos disse ontem. Ela está acostumada com esse lugar, mais do que nós. Tudo vai dar certo – Legolas subiu na vassoura e estendeu a mão para a mulher. Yesha segurou a mão do elfo e subiu na vassoura, agarrando-se ao peito do arqueiro. Os dois partiram num vôo rápido e desapareceram entre as árvores que cercavam o penhasco.

Enquanto aguardavam, os heróis se preparavam para retomar a jornada. Energia arcana foi reunida e convertida em magias, armas foram afiadas, armaduras vestidas e corpos alimentados. Nailo, além de Relâmpago, agora tinha uma nova boca para alimentar. Seu novo companheiro, o pequeno rato que salvara da gula de Mexkialroy e a quem chamava agora de Sr. Jingles, recebia alimento enquanto se abrigava dentro da roupa de Nailo. Squall continuou seu banquete grotesco, dividindo sua refeição com Relâmpago e Mexkialroy, cuja fome parecia não ter fim. Cerca de uma hora depois, Legolas finalmente retornou.

_ Pronto! Vamos partir – chamou o arqueiro.

_ E Yesha? – perguntou Anix.

_ Está bem. Eu a deixei na floresta, longe deste abismo e desta torre. Ela subiu rapidamente numa árvore, como se fosse uma aranha. Depois foi saltando de galho em galho, pendurando-se em cipós, até sumir de vista. Aposto que ela estará em casa em breve – respondeu Legolas.

_ Vamos logo, então – disse o dragão azul. – Vamos destruir aqueles mortos desgraçados.

Minutos depois o grupo chegava ao fundo do vale. Caminharam cautelosamente em direção à torre. Mexkialroy, Lucano Anix e Orion voaram para o alto da torre, circundando-a enquanto Legolas e Nailo permaneciam no chão. Juntos, os dois entraram no cubículo onde, na noite anterior, a misteriosa planta tentara matá-los.

_ Veja, Legolas! – disse Nailo. – Essas pegadas são recentes. Acho que alguém esteve nos procurando durante a noite.

As marcas recém feitas entravam na câmara e saiam dela em direção à torre. Continuavam pelas paredes em direção ao alto e desapareciam depois de alguns metros. Era certo que os inimigos haviam procurado por eles durante a noite. Por sorte, não os haviam encontrado. O esconderijo de Mexkialroy, aliado à camuflagem de Sam, havia salvado todo o grupo.

Os dois elfos montaram na vassoura mágica e retornaram para junto dos amigos. Novamente reunido, o grupo pousou no topo da torre.

_ Galanodel! – chamou Orion. – Fique aqui fora. Será mais seguro para você. Se avistar algum perigo, avise-nos e depois se esconda na floresta.

_ Está bem, Orion – disse a coruja. – Ficarei voando ao redor da torre, vigiando sua retaguarda.

_ Levarei sua filha comigo – disse Lucano. – Ela me ajudará a encontrar nossos inimigos mais facilmente. Mas fique tranqüila, pois eu a protegerei com minha vida.

_ Está certo!

A coruja gigante voou para longe, deixando seus novos companheiros à própria sorte dentro da torre. Galanodel começava a se afeiçoar a cada um deles, especialmente Orion e Lucano, seus salvadores. Ainda temia Squall e Mexkialroy, mas vigiaria os arredores da torre para a segurança de todos eles. Enquanto se afastava, seus olhos se voltavam para sua pequena filha. Ela estava diferente de alguma forma que Galanodel não compreendia. Sua filha tinha uma forte ligação com Lucano, que tinha se ampliado de forma assombrosa durante a noite, após o estranho ritual feito pelo clérigo em companhia da corujinha, após o qual, Lucano passara a tratá-la como seu familiar. Até um novo nome ela tinha recebido dele: Alven.

_ Eu vou entrar primeiro – disse Nailo. – Vou checar se está tudo seguro para nós.

Nailo desceu pelo fosso de entrada da torre. Pousou delicadamente no chão e em voz baixa ordenou à vassoura que retornasse para cima. Olhou ao redor enquanto sacava as espadas. Tudo estava deserto e silencioso mas, algo estava diferente. Todas as portas estavam fechadas. Nailo seguiu silenciosamente até a parede arruinada que dava acesso à câmara onde Mexkialroy estava prestes a ser sacrificado na noite anterior. Não havia ninguém. Apenas algumas pegadas, marcas semelhantes às encontradas fora da torre, impressas no chão graças à água da chuva que entrara na construção na noite passada. Sem encontrar inimigos, Nailo retornou para a entrada e fez sinal para seus amigos descerem. Em poucos segundos todos estavam novamente juntos dentro da torre amaldiçoada.

_ Não sei o que aconteceu aqui, mas isto não está me cheirando bem – disse Nailo. – Os vampiros fecharam todas as portas, e há pegadas deles por todos os lados.

_ Vamos segui-las e tentar descobrir o que eles fizeram, Nailo – sugeriu Anix.

Seguido pelo mago, Nailo refez os passos dos vampiros até a câmara de sacrifício e além, onde os seis túmulos, violados anteriormente, agora estavam fechados. As pegadas terminavam diante de uma das tumbas. Era impossível saber se o vampiro que as fizera tinha entrado no caixão de pedra, ou se tinha se transformado em fumaça e saído pelo buraco aberto no teto por Squall. Nailo e Anix confabulavam, tentando desvendar aquele mistério enquanto seus amigos os aguardavam do lado de fora, no corredor, quando um ruído de desabamento ecoou por todo o lugar.

_ O que foi isso? – alarmou-se Anix, virando-se para a entrada da câmara. Seu espanto foi ainda maior.

Orion, que não resistira à curiosidade e à ansiedade, abrira a porta onde da cripta onde tinham travado o último combate. Instantaneamente o teto desabou sobre o humano enquanto a porta era empurrada por ele. Uma enorme placa de pedra despencou do alto com violência sobre a cabeça de Orion. A laje se partiu em duas partes e foi de encontro ao chão.

_ Idiota! Fique quieto, Orion! Não faça mais isso, estúpido. Acho que os vampiros estão aqui. Quer chamar a atenção deles? – esbravejou Anix. Orion apenas se calou.

Mexkialroy começou a rir do que acontecera a Orion. Não se sabia o que divertia mais o dragão, o incidente com o teto ou a bronca dada por Anix. Irritado, Orion pegou um dos pedaços da laje e o atirou em Mex. A pedra voou e caiu no chão antes de finalmente tocar o couro azul levemente. Mexkialroy riu novamente.

_ Essa é toda sua força, humano? Ridículo! – debochou o dragão. Orion se enervou, mas não teve tempo de rebater o muxoxo do dragão.

_ Depressa, todos, venham aqui! – chamou Nailo, interrompendo a discussão. – Vamos abrir essas tumbas e acabar com qualquer vampiro que encontrarmos.

Todos invadiram o mausoléu e se posicionaram. Legolas, em cima de uma tumba, preparou seu arco. Mexkialroy observava a distância com Squall, enquanto Orion, Nailo, Anix e Lucano cercaram um dos túmulos de pedra.

_ Orion, me ajude a empurrar a tampa. Nailo, Lucano, preparem-se! – coordenou Anix. Com a ajuda do humano, empurrou a laje de pedra que selava o caixão até abri-lo. Uma nuvem de gás se desprendeu com pressão de dentro do túmulo. Todos começaram a tossir e sufocar enquanto suas narinas, gargantas e pulmões queimavam.

_ Afastem-se! É veneno! – gritou Nailo. Todos correram para longe do caixão. Mexkialroy divertia-se com tudo aquilo.

_ Uma armadilha! – concluiu Anix. – Essa tumba, e o teto que caiu em Orion. São armadilhas. Era isso que eles estavam fazendo durante a noite. Armadilhas para nos pegarem.

_ Vamos ver, então! – disse Nailo. O ranger evocou o poder de Allihanna e apontou a mão para o caixão ao seu lado, concentrado. – Aqui também tem veneno! – disse por fim, sentindo a presença da ameaça graças à sua mágica.

Um a um os caixões foram avaliados por Nailo. Todos continham veneno armazenado, esperando que algum intruso curioso os abrisse e caísse na armadilha.

_ Vamos ver a sala que Orion abriu – disse Nailo.

O grupo foi até a porta aberta pelo humano. Orion arremessou o outro pedaço da placa do teto dentro da sala. Esperava que alguma outra armadilha fosse ativada. Nada. Nailo entrou, parando diante do primeiro sarcófago à direita. Mais veneno. Prosseguiu, refazendo o caminho de Anix. Todos os sarcófagos que tinham sido abertos na noite anterior continham veneno. Nailo foi percorrendo a sala, quando notou algo estranho na parede à esquerda da porta. Uma coloração diferente, bem como o som de seus passos ecoando de forma estranha denunciaram o que suas mãos confirmaram: uma passagem secreta. Nailo empurrou a parede e ela cedeu, revelando tratar-se de uma porta oculta. Atrás dela entulho e sujeira se acumulavam em meio a teias de aranha. Assustado com as aranhas, Nailo recuou, dando passagem para Legolas. O arqueiro vasculhou o chão coberto de escombros, mas não encontrou tesouro, nem passagem que conduzisse adiante. Só o que achou foi uma pequena caixa de madeira que continha quatro curiosos objetos. Eram quadro dados feitos de osso, de seis faces, cada uma delas com o número treze gravado em baixo relevo e tinta vermelha. Intrigado, Legolas pediu a Squall que os analisasse, para saber se eram mágicos.

_ Não, Legolas. Estes dados não têm magia alguma – disse Squall.

_ Estranho. Esses dados são curiosos. Achei que fossem obra de Nimb. Em todo caso, vou guardá-los comigo – respondeu o arqueiro. Legolas fitava os dados calado, com ar de curiosidade, quando a voz de Nailo o tirou do transe.

_ Ouviram isso? – disse o ranger. Som como o de tambores ecoava além da porta que levava para fora da sala em que estavam. Eram passos, passos de alguém assustadoramente grande que se aproximava dos heróis.

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