_ Meu nome é Mhurren – disse
o mestiço numa voz gutural. Seus caninos se projetavam para fora da boca,
tornando-o assustador. Trajava apenas uma calça reforçada de couro e um cinto
que cruzava seu peito e ia até costas trazia uma espécie de bainha onde um
enorme machado estava pendurado. – Não estou
querendo encrenca. Só vim ver o que era a música e o cheiro.
_ Ora, mas isso é muito
incomum. Quem são vocês afinal? – perguntou Mavastus. – Não podem estar apenas passando por aqui e
terem parado por causa da minha música.
_ Bem, eu realmente estava
apenas passando por aqui quando ouvi sua música – respondeu Celerin.
_ Eu estou em busca de
minha mãe – disse o meio-orc. – Ela
foi raptada.
_ E eu estou em uma missão
sagrada para o grande Khalmyr – disse Theon, com imponência. – Vim a este reino para evitar uma
desgraça!
_ Eu também estou tentando
evitar uma tragédia – disse Griel. – Estou
indo até a cidade de Vallahin. Algo terrível irá acontecer lá.. Sabe me dizer
se estou longe desta cidade?
_ Vallahim? É para lá que
estou indo também – retrucou o clérigo. De
que desgraça você fala? Tem a ver com o fogo azul?
_ Talvez – respondeu
Griel, estoico. – O que você sabe a
respeito?
Antes que Theon pudesse responder, Lisbeth se adiantou.
_ Fogo azul? Eu vi algo
assim em minha cidade.
_ Eu também – disse
Mhurren.
_ E eu – era Celerin.
De fora da clareira, Cieri observava, espantada. Parecia que
aquelas pessoas tinham visto algo parecido com o horror que ela testemunhara.
Talvez tivessem alguma informação que lhe fosse útil, com a qual pudesse
inocentar seu alter-ego do que ocorrera em Vallahin. Enquanto pensava, viu uma
flecha ser apontada em sua direção.
_ Interessante! –
murmurou Mavastus. – Parece, enfim, que
descobrimos o que vocês possuem em comum. Bem, se realmente vieram em paz, como
disseram, sentem-se e dividam a fogueira comigo. Temos bastante comida para
compartilhar. E contem mais sobre esta história de tragédia. Será um prazer ter
alguém para conversar. – Apontou o arco uma última vez para a mata e
disparou uma nova flecha. – E você ai
atrás desta árvore, sinta-se à vontade para se juntar a nós quando desejar.
– E dizendo isto, foi se sentar junto dos outros.
_ Eu também trouxe comida
comigo. E um amigo. Vou buscá-los – disse a garotinha. Levantou-se e correu
para fora da clareira. Pouco depois retornou com um pacote e um anão. Toph
abriu o embrulho e revelou uma vasilha repleta de comida cheirosa que ofereceu
aos demais. Ao seu lado, Griel oferecia um pedaço de pão a Celerin. Não era um
pão comum, mas sim um preparo especial que somente os elfos sabiam como fazer,
o pão de viagem élfico. Celerin olhou nos olhos azuis de Griel e o reconheceu
como um igual. Ambos eram elfos. O anão se apresentou rapidamente. Era Hordof,
um vendedor de armas que dera carona para a menina Toph até o reino de Tollon
onde, esperava, faria bons negócios com suas armas e tentaria conseguir algumas
das famosas armas mágicas de madeira que o reino produzia.
_ Muito bem – começou
Mavastus, - Que histórias interessantes
vocês têm para contar. Afinal, não é todo dia que um grupo de pessoas tão
difuso se reúne – a vasilha de Toph ia passando de mão enquanto ele falava.
– Alguma coisa interessante deve haver
por trás deste encontro tão incomum.
A vasilha chegou às mãos de Mhurren, que se serviu de uma porção
de carne e a passou adiante para Lisbeth. A mulher olhou para o recipiente e
para o mestiço, hesitando em pegar a comida. De fora da clareira, Cieri
observava, atenta. Seus olhos viam uma aura de cor amarela brilhando ao redor
do pote de comida. Era mágico.
_ Ora, não seja rude,
senhorita – disse Mavastus. – Ele não
tem culpa de ser o que é. Não é mesmo? – prosseguiu, apontando para
Mhurren. – Deixe-me adivinhar. Estupro?
Mhurren apenas assentiu com a cabeça.
_ Como pensei. É por isso
que eu caço esses bastardos, para proteger pessoas como a sua mãe, de serem violentadas
por orcs sujos.
Ainda um pouco hesitante, Lisbeth pegou um pedaço de carne e
passou a vasilha adiante. Odiava orcs. Eram o motivo de ser o que era. Eram o
motivo de sua tristeza e de seu desejo de vingança.
_ Bem, já que todos estão
tímidos, eu começo, então – disse Mavastus, se levantando. Virou-se para
trás e disparou nova flecha. – Meu último
convite senhorita. Não quer se juntar a nós? O fogo está quentinho. –
depois, virando-se para os demais, continuou. – Bom, como já disse, me chamo Mavastus. Sou um patrulheiro e faço
parte dos Druidas de Allihanna, um grupo que protege as matas do reino e as
pessoas de monstros e outros perigos. Estou a caminho da cidade de Follen, para
conversar com os druidas anciões. Eu também estou em uma tentativa de evitar
uma tragédia, ou ao menos entender o que está acontecendo. Se olharem para o
céu neste ponto, – apontou para o alto, para uma região sem estrelas – verão que a constelação de Urso Coruja
desapareceu. Ela simplesmente não está mais lá. Algo está muito errado. Percebo
isto também nas reações dos animais. Então estou indo até os druidas em busca
de respostas. E vocês? – perguntou, por fim. Um som atrás dele chamou-lhe a
atenção. Virou-se e viu uma bela jovem, vestindo roupas negras de couro e um
capuz também negro, saindo da mata. – Finalmente!
Sente-se e apresente-se, senhorita!
_ Eu me chamo Cieri – respondeu, timidamente. Cieri ocupou um lugar
ao lado de Griel e serviu-se de um espeto de cogumelos. Mavastus voltou a
sentar, jogando um pedaço de carne para Golias. Depois olhou para o estranho
grupo à sua frente, como se esperasse algo. Notando isso, Theon se levantou e
disse:
_ Bem, como já disse, meu
nome é Theon Leejer e sou um clérigo do grande Khalmyr, o Deus da Justiça! Eu
tenho viajado desde a Sambúrdia até aqui, pois uma tragédia aconteceu no templo
onde eu vivia... – Theon contou a todos o que ocorrera no templo quando
retornara com Marcus, meses antes. Quando terminou sua narrativa e sentou, o
silêncio voltou a imperar entre aquelas pessoas ali reunidas. Silêncio que logo
foi quebrado pelo rugido de uma fera. Do meio da mata saltou um imenso humanoide
de corpo esverdeado e gosmento. Seus cabelos lembravam folhas sujas e
compridas, suas mãos eram enormes e desproporcionais em relação ao corpo e
terminavam em longas garras. Era um troll.
Rapidamente, Mavastus se levantou, sacando seu arco, pronto para
disparar. Mas se deteve ao ver que os outros se lançavam contra o monstro de
armas em punho.
Os primeiros a atacar foram Lisbeth e Mhurren. Armados com
espada de machado, lutavam lado a lado em sincronia, arrancando grandes pedaços
da carne fétida da criatura. Atrás deles Griel disparava flechas de seu arco
rapidamente, cravando uma após a outra no peito do inimigo. Um pouco mais atrás
Theon erguia as mãos numa prece, abençoando os corpos dos três atacantes,
protegendo-os com sua magia e curando seus corpos à medida em que o troll os
feria com suas garras.
Lisbeth conseguiu estilhaçar um dos joelhos do inimigo com sua
espada e, ao seu lado, o machado de Mhurren atingiu o ventre da fera,
rasgando-o e explodindo magicamente em chamas no impacto. Ao lado de Griel,
Mavastus começou a atacar com seu arco em velocidade espantosa.
Mas o monstro não se entregaria tão facilmente, pois seus
ferimentos começaram a se fechar velozmente. Apenas o lugar onde Mhurren o
acertara permanecia machucado.
_ Fogo! Usem fogo! –
gritou Toph. A menina moveu os braços num círculo, gesticulando com os dedos e
murmurando estranhas palavras. Apontou para a fogueira e ela explodiu como um
vulcão, lançando suas chamas no troll. O monstro gritou de dor e revidou com
suas garras, rasgando o peito da menina, a barriga de Lisbeth e o braço de
Theon.
Celerin apanhou uma flauta em sua mochila e começou a tocá-la.
As notas formavam uma melodia hipnotizante. Ao mesmo tempo, Cieri fazia uso de
seu treinamento com Enola, evocando seus poderes e disparando uma rajada de
líquido venenoso de suas mãos nos olhos do inimigo. O troll se contorceu, levou
as mãos aos ouvidos, como se algo os ferisse. Depois, como que apavorado,
saltou por sobre o fogo mortal da fogueira e foi em direção de onde Griel
estava. Antes que pudesse chegar ao arqueiro, Theon, Mhurren e Lisbeth
atacaram-no simultaneamente. O monstro tombou no solo aos pedaços. Sem perder
tempo, Mavastus e Toph começaram a juntar os pedaços da criatura a atirá-los na
fogueira, para que não pudessem se regenerar. Cieri fazia chamas brotarem
magicamente em suas mãos e com elas ajudou o homem e a menina a queimarem o que
restava do inimigo. Mavastus e Griel recolheram as flechas que ainda estavam em
boas condições. O homem voltou para o lugar onde estava sentado e disse:
_ Vocês lutam bem! Fazia
muito tempo que eu não combatia em grupo. A última vez, se não me engano, foi
há uns dois ou três anos, quando um bando de elfos passou por aqui indo para o
sul. Bem, não há nada melhor para quebrar a tensão e unir pessoas do que um bom
combate. Vamos lá, vamos terminar nossa refeição e nossa conversa – virou-se
para Griel enquanto este retornava para junto do grupo. – Tem um belo arco, mestre elfo. Então, vai nos contar sua história?
No alvoroço o capuz de Griel caíra, deixando seus longos cabelos
louros e suas orelhas pontudas à mostra. Sem ter mais porque esconder sua
identidade, ele começou seu relato.
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