Capítulo 300 – Médicos e monstros
Anix despertou. Seus olhos abriram mas nada enxergaram. Tudo estava escuro. Estava deitado sobre pedra fria, vestia apenas uma roupa de tecido fino com uma grande abertura nas costas. Sua cabeça doía a cada movimento que executava. Havia uma dor latejante na testa, que ficava fraca quando ele permanecia imóvel e que aumentava quando se movia. E existia outra dor, no alto e na parte de trás da cabeça, que incomodava sempre que Anix tocava aquela região que parecia um pouco inchada.
O elfo se levantou vagarosamente e percebeu que estava em um tipo de cama feita de pedra fixada na parede, como uma prateleira de livros. Começou a andar, tateando a parede, em busca de uma saída dali. Foi quando tropeçou em algo.
Era muito grande, maior que ele mesmo e macio e quente. Anix pensou se não poderia ser algum animal, e um rugido o convenceu que era pior do que isso. Era um monstro. Um hálito quente e fedegoso embriagou o mago. O chão estremeceu quando a criatura se levantou, arfante. Anix estremeceu e se afastou rapidamente, mas uma garra afiada como uma navalha e grande como uma espada cortou-lhe o peito antes que pudesse sair do alcance da criatura. O monstro caminhava seguindo o elfo, como se pudesse enxergá-lo na escuridão, enquanto Anix fugia o mais rápido que podia, às cegas. E novamente ele tropeçou em algo que estava no chão e caiu.
Um cheiro asqueroso invadiu suas narinas. Suas mãos estavam mergulhadas em algo mole, pegajoso e fedido. Anix ouviu grunhidos acima de sua cabeça, logo após o monstro soltar um urro ensurdecedor e reconheceu rapidamente o grunhido. Eram morcegos. Sem hesitar, pegou um punhado daquele algo pegajoso, mole e fedido e moldou uma pequena esfera, uma bola de fezes de morcego. Anix calculou a distância que havia percorrido até chegar onde estava, concentrou sua mente, murmurou algumas palavras arcanas e arremessou a esfera de guano. Ela explodiu numa grande bola de fogo, envolvendo o monstro em suas chamas mágicas, revelando sua aparência e a do local ao redor.
O monstro tinha um tronco humanóide, porém gigantesco. Devia ser algum tipo de ogro ou troll, mas com algo diferente. Em lugar de uma mão de ogro ou de troll, havia uma enorme presa a um membro articulado semelhante a uma pata de inseto. A garra era óssea e curva e toda serrilhada, algo que Anix nunca vira antes.
Na sala havia outras daquelas camas-prateleiras penduradas nas paredes. Havia um monte de excremento de morcego, sobre o qual estava Anix, e uma abertura pequena no alto da parede sobre a cabeça dele, por onde os morcegos fugiam voando assustados. À esquerda, exatamente no meio da parede, havia uma porta de madeira, velha e apodrecida.
Sem hesitar, Anix correu para a porta, tentando arrombá-la com outra bola de fogo. Mas havia algo errado, sua magia falhou inesperadamente. Talvez aquelas dores em sua cabeça o estivessem afetando, ou talvez o fato de usar guano, ao invés do costumeiro enxofre, como componente material para a magia estivesse atrapalhando a conjuração, pensava Anix. Mas, a verdade era que em Vectora, magias daquele tipo eram muito difíceis de serem realizadas devido ao campo mágico que envolvia a cidade para proteger seus cidadãos e visitantes de serem feridos, ferir, serem enganados ou enganar. Dessa forma Vectorius mantinha a ordem em sua cidade voadora, limitando o poder dos magos, tornando-os mais fáceis de controlar. Desesperado, Anix começou a bater na porta, tentando arrombá-la. O monstro caminhava em sua direção, ficando cada vez mais próximo. O tempo se esgotava. Mas, o som de correntes se movendo e se estivando foi um alívio para o mago. A criatura estava acorrentada à parede e suas amarras se esticaram antes que ele pudesse alcançara o mago e trucidá-lo. Sem risco de ser atacado, Anix conseguiu trabalhar com calma e arrombar a porta apodrecida não representou grande dificuldade.
Anix saiu para um corredor longo e estreito, de paredes de rocha entalhada e chão de terra batida. Parecia estar em uma caverna, uma masmorra subterrânea. Perto dali, uma tocha tremulava pendurada na parede, iluminando, ainda que precariamente, a porção do corredor onde Anix se encontrava. Havia também outras portas, como a de onde Anix saíra. Eram outras celas. Anix usou seu poder mágico para ficar invisível, e precisou se concentrar muito e gastar muita energia para conseguir fazer a magia funcionar. Começou a caminhar lentamente pelo corredor, quando ouviu o monstro urrando dentro da cela. Depois ouviu o som das correntes se esticando novamente e um novo urro. Então veio um estalido agudo, as correntes haviam se partido, o monstro estava solto.
A criatura grotesca surgiu no corredor, bufando, urrando e esmurrando paredes e chão. Começou a correr na direção do mago, enlouquecido. Anix não sabia se ele o estava vendo, ou se corria para fugir dali, assim como ele próprio fazia. Sem desejar descobrir a resposta, Anix atacou, arremessando um punhado de fezes de morcego no monstro e recitando o feitiço da bola de fogo. As energias mágicas se dissipavam com facilidade, de modo que foi preciso muito esforço para reuni-las e convertê-las em fogo. Mas, no final, Anix teve êxito e a magia funcionou. O fogo explodiu e se alastrou pelo corredor apertado, quase chegando a Anix. Enfurecido e chamuscado, o monstro correu ainda mais rápido, e desta vez Anix não tinha dúvida, ele era o alvo da criatura.
O mago correu o mais que podia, acompanhando a curva que o corredor fazia para direita e para cima, terminando em um lance de degraus de pedra e uma porta, desta vez bem reforçada. Encostou-se na porta, a uma distância segura da curva do corredor, e se concentrou ao máximo. Quando o monstro surgiu pela curva, uma nova bola de fogo o atingiu, explodindo seu peito e tirando-lhe a vida. Anix nem teve tempo para comemorar a vitória.
No alto da porta uma pequena janela de madeira foi aberta pelo lado de fora. Atrás das grades de metal que bloqueavam a passagem pela abertura, havia o rosto de um homem, emoldurado em um capuz escuro.
_ O quê??! As cobaias estão soltas? Vou dar o alerta! – o homem estava surpreso por ver Anix fora de sua cela. Virou-se para correr e gritar por reforços e teve uma nova surpresa. – Quem é você? Como chegou até aqui? Vai morrer por isso, seu idiota!
Anix olhou pela abertura da porta e viu um elfo não muito distante apontando um arco para o vigia. Da ponta da flecha pingavam flocos de neve. Era Legolas.
· · · · · ·
Na superfície.
Após ir de um bairro a outro e penetrar por ruas estreitas, escondidas da maioria das pessoas, Nailo chegou a uma praça. Era um largo onde várias pequenas vielas terminavam, circundado por muitas lojinhas pequenas e tavernas sujas. E havia um pequeno chafariz no meio do largo, onde os pássaros não se arriscavam a beber.
_ Onde é? Onde os homens maus iam levar você? – perguntou Nailo ao lobo, latindo e rosnando como tal.
O animal apontou com o focinho para o lado oposto do beco onde estavam. Lá, além de lojas sem nome e de portas fechadas, havia uma escadaria que descia abaixo do solo, para algum estabelecimento instalado num porão, um lugar perfeito para um esconderijo de criminosos.
_ Esperem aqui! – disse o ranger ao animal e ao amigo. Andou até o meio da praça, deu uma olhada em volta e viu um homem saindo de uma taverna onde alguns bêbados cantarolavam algo de maneira desafinada. Foi até ele.
_ Boa tarde amigo! – disse Nailo.
_ Boa tarde – respondeu sem entusiasmo o homem, já encostado numa parede e com as mãos nos bolsos da calça.
_ Olha amigo, eu preciso de uma informação. Eu tenho umas coisas pra comprar e pra vender e gostaria de saber se aqui é o mercado negro da cidade – perguntou Nailo em tom meio debochado, tentando imitar o jeito dos freqüentadores do local.
_ Olha, não sei de nada disso não. Pergunte para outro – respondeu o outro secamente.
Lucano se aproximou dos dois.
_ Não se preocupe, pois nós não somos da milícia. Precisamos de algumas informações – era o clérigo.
O homem olhou desconfiado para os dois, olhou em volta, tentou se afastar e finalmente falou.
_ Olhem, não sei de nada. Deixem-me em paz e...olhem lá! O que é aquilo??? – algo chamou a atenção do homem, deixando-o espantado. Ele apontou para trás assustado.
Nailo e Lucano olharam, mas nada viram de estranho. Quando se viraram novamente para o homem, ele já não estava mais lá. Caminhava já a metros dali, acelerado.
_ Ei você! Espere ai! – o grito de Nailo alarmou o homem que correu e entrou num beco. Nailo e Lucano o seguiram rapidamente. Entraram no beco, era uma viela estreita e sem saída, cercada por casarões altos, e não havia portas ou janelas por onde o suspeito pudesse fugir e, no entanto, ele não estava lá. Tinha desaparecido.
Nailo investigou o local, procurou por passagens secretas, rastreou as pegadas do suspeito, mas não encontrou sinal do que havia acontecido a ele. Suas pegadas desapareciam abruptamente no meio do beco sem saída, como se ele tivesse sumido dali por mágica. Sim, teletransporte ou algo parecido, somente isso explicava o sumiço do homem, não adiantava mais procurar por ele. Mas, sua atitude revelara o que Nailo desejava saber. Estavam em um local secreto da cidade, acessado por poucos e longe dos olhos da milícia. Um lugar onde criminosos se encontravam para negociar produtos ilegais, para planejarem seus atos sórdidos, para dividirem seus espólios e para torturar animais.
Voltaram até a entrada da praça e pegaram o bandido desmaiado que haviam deixado encostado numa parede como se fosse um bêbado adormecido. Carregaram-no como se transportassem um amigo bêbado. O lobo os seguiu, tentado ser furtivo. E, num lugar como aquele, conseguiu. Esconderam o prisioneiro no beco sem saída, junto a uma pilha de lixo. Colocaram uma garrafa vazia ao lado dele e esconderam as mãos amarradas sob o lixo para não levantarem suspeitas. Nailo ordenou ao lobo que se escondesse no beco e que aguardasse até ele voltar e assim o animal fez. Lucano e Nailo caminharam de volta para o largo e, ao se aproximarem da saída do beco, perceberam que algo estava errado. Pessoas corriam, se escondiam em lojas que eram rapidamente fechadas. Do outro lado do chafariz, um homem de manto escuro, como o que haviam capturado, conversava com um bando de homens suspeitos em uma taverna.
Um enorme grupo de humanos de olhar sério, faces marcadas por cicatrizes, corpos cobertos por couro batido e espadas em punho tomo conta da praça, sem no entanto se dirigir para onde Lucano e Nailo estavam. Eles iriam atacar, mas o alvo era outra pessoa. Nailo esticou a cabeça para fora do beco e viu o alvo da gangue. Eram Squall e Orion.
Após perseguirem o assaltante que tinha escapado, Orion e Squall chegaram ao largo do chafariz. Seelan saíra para buscar a milícia ao ver o assaltante entrando numa taverna, seu possível esconderijo. Squall e Orion ficariam para vigiar o lugar. Mas, ao invés de se esconder, o criminoso saiu da taverna com reforços. Foi com alegria e surpresa que Squall e Orion viram Nailo e Lucano se juntarem a eles naquele lugar. Sem demora, a batalha começou.
Squall usou um dos pergaminhos de Deedlit e ganhou altura, voando para longe das espadas de seus inimigos. Do alto, disparava raios e bolas de chamas em seus adversários, queimando-os aos montes.
No chão, Orion e Nailo foram cercados. As espadas dos inimigos rasgavam seus corpos vez ou outra, mas os dois guerreiros levavam a melhor sobre os adversários. Orion atacava com golpes fortes que derrubavam os inimigos um a um. A cada oponente caído, a espada do humano continuava sua trajetória em arco para atingir e cortar um novo corpo, amontoando os inimigos mortos ao redor de Orion. Já Nailo, fazia uma chuva de lâminas cair sobre os seus inimigos, desferia golpes rápidos com suas espadas eletrificadas, derrubando um inimigo após o outro.
Lucano fornecia apoio mágico ao grupo, ofuscava os inimigos, queimava-os com raios ardentes iguais aos de Squall e contaminava seus corpos com doenças e venenos mágicos.
Os inimigos reagiam com suas espadas, vez ou outra ferindo um dos heróis, apelavam para suas armas imbuídas em veneno quando se viam já quase sem vida, alvejavam Squall com chuvas de flechas, mas, apesar de seu empenho e da vantagem numérica, iam perdendo a batalha pouco a pouco.
Não longe dali, no subsolo, outra batalha ocorria. Anix tentava lançar bolas de fogo no adversário, mas sua magia falhava devido ao campo de proteção de Vectora. Legolas disparava suas flechas no inimigo que revidava com magia, tentando fazer os dois caírem num sono profundo ao invés de tentar feri-los. Por fim, Anix deu um basta no combate, lançando uma teia mágica sobre o adversário, enredando-o e impedindo-o de reagir.
Legolas se aproximou lentamente, cortando os fios pegajosos com sua espada. O vigia tentou gritar por socorro, mas o arqueiro foi mais veloz e o silenciou com um corte na garganta.
_ Venha Anix. Vamos sair daqui – Legolas arrombou a porta e libertou o amigo. Montados na vassoura voadora, os dois seguiram adiante pelo corredor até uma outra porta, enquanto lá em cima, na superfície, Squall se desviava de uma saraivada de flechas e cegava um dos inimigos com fogo mágico.
Os dois passaram sem dificuldade pela porta, subiram uma escada e chegaram a outro corredor. Cinco metros à frente deles havia duas portas, uma em frente à outra. Mais cinco metros à frente havia outras duas, iguais às anteriores e igualmente dispostas. No fim do corredor, à esquerda, havia uma última porta por cujas frestas penetrava a reconfortante luz do sol. Metros acima, Nailo aparava dois golpes de espada e revidava, fazendo tombar dois criminosos ensangüentados e eletrocutados.
Legolas e Anix caminharam em direção à saída, porém, seus passos eram por demais ruidosos. Uma voz masculina ecoou por detrás da primeira porta.
_ Jonny? É você?
_ Sim – respondeu Legolas, tentando disfarçar a voz.
_ Sua voz está estranha. O que está acontecendo? – o homem por trás da porta se levantou, empurrando uma cadeira. Legolas e Anix voaram na vassoura velozmente até a saída. O homem surgiu no corredor e os viu.
_ Malditos! Não escaparão! – uma bola de fogo explodiu no corredor, atingindo Legolas e Anix. O mago arriscou um feitiço, rezando para que não falhasse desta vez. Funcionou. Uma rajada nefasta irrompeu pelo corredor, saída das mãos de Anix e atingiu o homem. Envolto em uma onda de energia negra, o inimigo sentiu suas forças desaparecendo, seu próprio fôlego sendo tomado. Percebendo o poder dos inimigos, ele correu de volta para dentro da sala onde estava. Fora dali, na praça, Orion trespassava três adversários com um único golpe de sua espada, os corpos caíram no chão, partidos e queimados.
_ Vamos Anix! Vamos pegá-lo agora! – gritou Legolas.
_ Não Legolas! Estou fraco, sem minhas coisas e minhas magias não funcionam direito. Vamos sair daqui. – pediu o Anix.
_ Vá você, então. Encontre os outros e traga-os aqui. Eu não vou deixar esse verme fugir – Legolas desceu da vassoura e arrombou a porta de saída com um pontapé. Sacou sua espada e voltou correndo pelo corredor, atrás do inimigo.
Anix controlou desajeitadamente a vassoura voadora para fora dali. Passou por um lance de escada e chegou à superfície. Estava em uma praça, que mais parecia um cenário de guerra. Mais de uma dezena de corpos caídos, sangue e morte. Em pé apenas alguns homens que fugiam, aliados vencidos dos que estavam caídos. Perseguindo-os, Nailo, Lucano, Orion e Squall, voando.
_ Anix! Irmão! – berrou Squall. Seu irmão rodopiava sem jeito e sem roupa agarrado à vassoura mágica, até se jogar dentro da água do chafariz. A vassoura continuou mais alguns metros em queda até atingir o solo.
Nailo e Orion rasgaram ao meio os últimos criminosos que tentavam fugir. Nenhum escapara. Nesse instante chegou Seelan, acompanhado de vários soldados da milícia Vectoriana. Os soldados se espalharam pelos corpos no chão, conferindo o resultado do combate: estavam todos mortos.
_ Maravilha! Belo serviço, rapazes. Especialmente você, Orionzinho – Seelan caminhava sorridente por entre os cadáveres, aplaudindo. Alisou as costas de Orion. – Mas vocês podiam ter deixado ao menos um deles vivo para ser interrogado! – irritou-se por fim.
_ E deixamos! – exclamou Nailo. Correu até um beco próximo e retornou em seguida carregando um homem amarrado e acompanhado de um lobo gigante. – Esse cara estava com eles. Ele e seu bando estavam maltratando esse lobo indefeso, e queriam trazê-lo para cá à força. Eu e Lucano os impedimos e chegamos até aqui com a ajuda do lobo. Pelas roupas e modo de lutar, todos eles devem estar envolvidos.
_ Tem mais um vivo, capitão! – era Anix, saindo de dentro do chafariz.
_ Anix!!!! – alegrou-se Seelan. – O que aconteceu com você?
_ Não sei direito. Fui capturado por bandidos que assaltaram uma garotinha. Acordei em uma prisão subterrânea, sem minhas roupas e com uma dor de cabeça infernal – explicou o mago.
_ E onde fica essa prisão?
_ Descendo aquelas escadas. Tive que matar um monstro esquisito e um vigia. O Legolas me ajudou. Ele está lá embaixo agora, perseguindo um dos bandidos.
_ Vamos para lá, depressa! Tenente, reúna seus homens! – bradou Seelan.
_ Certo Seelan. Vamos, pessoal! Rápido! – gritou o oficial no comando da milícia.
Lá embaixo, Legolas invadira a sala para onde o criminoso havia se refugiado. Lá dentro, encontrou apenas uma escrivaninha com suas cadeiras, estantes e papéis para todos os lados. Em cima da mesa, folhas de papel com desenhos e anotações estranhas. Eram esboços de partes de corpos, braços, pernas, e outras, desenhados como um projeto de uma casa, com anotações sobre a função de cada parte, cada veia, cada osso. Legolas deu uma olhada numa das estantes, onde havia pilhas e pilhas de papéis separados em caixas de madeira. Os papéis continham nomes de pessoas, descrição de alguma cirurgia de nome grotesco, como implante de membro de troll, além de contratos, termos de responsabilidade e outros documentos cheios de assinaturas. Alguns destes papéis também dividiam espaço sobre a escrivaninha. Num deles podia se ler: processo de implante de membro anterior de ogro convalescendo. No outro, anotações sobre uma tal “experiência com oculares beholderianas”.
Legolas não perdeu muito tempo com aqueles papéis bizarros. Procurou pelo homem, sem encontrar vestígios do mesmo. Deveria ter desaparecido por teletransporte, pensou logo o arqueiro, já ficando acostumado àquele meio de viajar. Começou então a investigar as outras salas. Encontrou depósitos de ferramentas mundanas, de vassouras a serrotes, e de ferramentas no mínimo exóticas (se é que podiam ser chamadas de ferramentas). Eram facas de todos os formatos e tamanhos, serras, alicates, tubos de vidro com ponta de agulha, amarras e outras bizarrices. Por fim, na última porta Legolas encontrou um homem, dormindo tranqüilamente. Não estava amarrado, nem parecia estar drogado ou enfeitiçado. Apenas dormia. Vestia uma roupa semelhante àquela com a qual ele encontrou Anix. E os braços do homem eram de alguma forma incomuns. Eram membros gigantescos, desproporcionais ao restante do corpo e de coloração diferente. Parecia que aquele braço não pertencia àquele corpo, como se tivesse sido colocado no lugar do braço original daquele homem, pensou Legolas. E finalmente ele entendeu onde estava.
_ Acorde! Quero conversar com você! Acorde!!! – com a lâmina da espada pressionando a garganta do homem, Legolas o tirou de seu sono à força.
_ Pelos deuses, moço! Eu não fiz nada! Não me machuque! – implorou o acamado, estava em pânico.
_ Não vou lhe fazer mal. Fique calmo. Sei o que fizeram com você. Agora vou guardar minha espada. Promete se comportar bem? – disse o elfo.
_ Sim – respondeu o semi-humano.
Legolas mal retirou a espada do pescoço do homem e foi atacado por ele. Seus braços enormes golpeavam com força sobrenatural e suas garras rasgavam como facas.
_ Mutante! Aberração! Morra!!! – Legolas gritou em fúria, a espada enterrada até o cabo no peito do homem, que tombou inerte. – Verme! – um último xingamento antes de embainhar a espada. Depois, passos vindos do corredor. A arma voltou às mãos do arqueiro.
_ Legolas, tudo bem? – era Seelan.
_ Tudo.
· · · · · ·
Os pertences de Anix foram finalmente encontrados, não faltava uma moeda sequer. O esconderijo dos bandidos foi revirado e tudo que nele havia foi apreendido. O Tenente Alber Rhino, comandante da operação, explicou que aqueles bandidos pertenciam à guilda dos médicos monstros, uma organização de loucos que costurava partes de monstros nos corpos das pessoas, na maioria das vezes, com o consentimento e pagamento delas. Noutras vezes, raptavam pessoas nas ruas para usar em experiências para vender seus resultados a quem estivesse disposto a pagar para ter um braço de troll ou uma asa de dragão ou olho de beholder. Anix provavelmente tinha sido vítima de uma dessas experiências, ou ia se tornar uma, se não tivesse fugido a tempo. O monstro que encontrou na masmorra era uma dessas cobaias e o lobo salvo por Nailo também seria se o ranger não o tivesse salvado. O prisioneiro capturado por Nailo, bem como Tião, seria preso e interrogado. E as investigações continuariam para desmantelar aquela quadrilha bizarra.
Nailo se ofereceu para ficar e ajudar nas investigações, mas Seelan não permitiu, já que eles deveriam retornar a Forte Rodick o quanto antes. Foi quando Legolas revelou que tinha encomendado uma espada e precisaria ficar mais tempo na cidade voadora, deixando o capitão extremamente irritado. Nailo então deixou o lobo sob a guarda da milícia para ajudar nas investigações, com a promessa de que ele fosse solto, tão logo a investigação terminasse, em alguma floresta em Arton. O seria de grande ajuda, já que podia identificar os homens que o haviam capturado e que pertenciam à guilda.
_ Bem garotos, chega de aventuras por hoje. Vamos até uma boa estalagem alugar uns quartos e tomar um bom banho. Depois vamos sair para jantar. E amanhã veremos o que fazer com essa sua história da espada, Legolas – disse Seelan, após se despedirem dos soldados da milícia.
_ Eu já encontrei uma estalagem muito boa, Seelan. Vamos para lá, a Liodriel está nos esperando. – respondeu Legolas.
Foram. No meio do caminho, apanharam Darin e Relâmpago, a família de Anix e Rael. Levaram também Luana e sua filha Sara. Anix lhes pagou um quarto na estalagem pelos dias que faltavam para a cidade chegar sobre Valkaria, assim elas não teriam mais problemas e poderiam recomeçar suas vidas em paz.
Já era noite quando todos se reuniram de banho tomado na taverna da estalagem. Já se preparavam para pedir o jantar, quando Seelan chegou, vestido em belos mantos aveludados, e os impediu.
_ Não jantaremos aqui hoje. Iremos a outro lugar, um lugar especial – disse o capitão, todo cheio de pompa.
_ E que lugar é esse? – perguntou um dos heróis.
_ Verão quando chegarem lá.
Saíram da estalagem e caminharam vagarosamente, apreciando a vista. Vectora era ainda mais bela à noite, com todas aquelas luzes multicoloridas e o som de melodias ecoando aqui e ali nas muitas tavernas. Seelan ia lhes contando os detalhes da cidade, apresentando cada rua importante, cada loja famosa, a sede do conselho da cidade. Explicava o funcionamento do campo de levitação, do campo de restrição que impedia certas magias de funcionar, sanando várias dúvidas de Anix. Atravessaram, distraídos, toda a porção norte da Avenida das Estrelas, que sempre apontava para o norte, não importava onde a cidade estivesse. Já não havia mais lojas ao redor, tinham ficado todas para trás. Somente havia a Avenida Circular que se estendia indefinidamente à esquerda e á direita. E à frente deles, uma enorme muralha, vigiada por vários guardas armados diante de um deslumbrante portão de metal. Além dele, um majestoso palácio. Pararam.
_ Bem, rapazes. É aqui que iremos jantar esta noite. Bem vindos ao palácio de Vectorius! Vou apresentá-los a um dos maiores magos viventes do mundo, o meu antigo mestre e fundador desta cidade, o grande arquimago Vectorius! – a voz de Seelan soou como uma música para os heróis. Em poucos segundos, estariam diante de uma das maiores e mais poderosas personalidades do mundo, Vectorius, o mago.
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