Capítulo 301 – Jantar com o arquimago
_ Soldado! Avise o mestre Vectorius que Seelan e seus amigos estão aqui para visitá-lo! – pediu o capitão. Um dos homens que vigiavam a entrada do palácio pediu licença e entrou na construção, voltando minutos depois.
_ Por favor, senhores. O mestre Vectorius irá recebê-los, me acompanhem.
O soldado os guiou pelo interior do castelo, uma magnífica obra de engenharia, e de feitiçaria. Paredes de mármore polido refletiam as imagens dos convidados como se fossem espelhos. Da mesma forma, o chão era igualmente belo e limpo, sendo possível encontrar um único grão de poeira, se ele existisse, no piso do castelo. Caminhavam deslumbrados por um corredor de proporções assustadoras, eram mais de 6 metros de uma parede à outra e o teto alcançava fácil os oito metros de altura. Pinturas, afrescos, esculturas e outras obras de arte magníficas decoravam os corredores gigantescos.
Chegaram a um salão ainda mais majestoso. Ultrapassava os trinta metros de largura e comprimento, e devia ter uns vinte metros de altura. No alto, suspenso por magia, havia um enorme lustre, do tamanho de uma sala, que iluminava o ambiente com luzes mágicas de cor suave. Ao fundo, havia uma escadaria de incontáveis degraus largos, que subia em forma de caracol até algum andar acima. Seus degraus não eram presos a paredes ou pilares, flutuavam magicamente a uma distância fixa uns dos outros, deixando mais do que claro que o senhor daquele palácio era de fato um dos maiores magos do mundo.
O soldado fez uma mesura e se despediu, pedindo que seguissem para a escada. Seelan avançou pelo salão, logo seguido pelos demais, e começou a subir a longa escadaria. Logo nos primeiros degraus da subida, uma voz firme e ao mesmo tempo serena preencheu o lugar todo.
_ Há quanto tempo não o vejo. Seja bem vindo, Seelan, meu antigo discípulo. – no alto da escada, um homem de aparência imponente, metido em robes luxuosos, observava os visitantes. Era Vectorius.
O arquimago recebeu o grupo com cordialidade e frieza. Cumprimentou um por um com gentileza e educação, mas sem um sorriso sequer. Vectorius tinha um semblante sério, seu olhar era penetrante e ele falava com a firmeza de um general que se dirigia às suas tropas, sem, entretanto, se exaltar ou elevar o tom da voz. Era todo disciplina, em seus cabelos perfeitamente alinhados, robes cuidadosamente colocados sobre seu corpo combinando cores e cortes, em sua voz sempre no mesmo tom de ausência de sentimentos, e em sua fala mansa e meticulosa de palavras calculadas uma a uma.
Um bater de palmas de Vectorius fez surgir um servo que sob suas ordens levou relâmpago para ser alimentado e tratado. Nailo não ficou satisfeito em ter de se separar de seu amigo, mas consentiu, ainda que a contra gosto. Então, guiados pelo admirável anfitrião, os heróis subiram o restante da escadaria mágica e chegaram à sala de jantar.
Aliás, sala de jantar era apenas um nome formal para aquele pedaço do castelo. A tal “sala” devia ser tão grande quanto a recém construída casa de Legolas. Nela não havia outros móveis além de uma mesa tão comprida quando uma dezena de cavalos em fila e tão larga quanto uma cama de casal. Era coberta por toalhas bordadas com maravilhosos fios de ouro que se trançavam para formar formas geométricas e desenhos de flores e animais. Sobre ela estava a comida, apenas os petiscos segundo Seelan. Eram dezenas de pratos contendo todo tipo de guloseima jamais sonhado pelos aventureiros. Canapés, torradas, biscoitos e todo tipo de iguaria, suficiente para alimentar um pequeno batalhão, havia ali. Enquanto degustava, Seelan conversava com seu antigo mestre animadamente. Seus amigos se esbaldavam.
_ Nossa, é caviar de Esturjão do Rio dos Deuses? Maravilhoso! Há tempos não comia isso. E então, como estão as coisas, Vec! – disse Seelan com entusiasmo. Vectorius pareceu erguer uma sobrancelha em desaprovação.
_ Vec?! Tenha mais respeito, afinal, fui seu mestre. Bem, as coisas vão bem. Os negócios prosperam e a cidade passa por cada vez mais lugares. Já são vários os mundos além de Arton que nós visitamos. E você Seelan? O que tem feito? – respondeu Vectorius sem alterar o tom da voz.
_ Bem, muitas coisas. Até entrei para o exército, em Tollon. Esses rapazes são todos meus subordinados. – continuou Seelan.
A conversa prosseguiu com mestre e aprendiz narrando os feitos do tempo em que estiveram separados. Vectorius falava pouco, apenas perguntava vez ou outra alguma coisa a Seelan, e observava com certo desagrado os modos ingênuos e atrapalhados dos demais. Squall e Silfo eram os que davam maior trabalho, constrangendo todo o grupo por estarem totalmente desacostumados àquele requinte. Todos os outros tinham maior astúcia e sempre observavam Seelan antes de pegar um talher, cortar um petisco ou levar algo à boca, repetindo os gestos do capitão.
Mais um bater de palmas do arquimago fez com que várias servas entrassem no gigantesco salão trazendo bebidas. Eram jarros de vinho tinto e branco e de cerveja clara e escura, oferecendo opções para todos os gostos, ou quase.
_ Não tem rum? – perguntou Legolas ao ser servido por uma das mulheres, todas jovens e de bela aparência.
_ Samantha! Traga rum para o cavalheiro! - disse Vectorius para a moça. - Alguém mais gostaria de algo exótico? - depois se dirigindo aos convidados. Darin ergueu uma mão, insegura.
_ Eu, senhor Vectorius. Onde fica a latrina? – perguntou a elfa.
_ Stephens, por favor, conduza a senhorita até o toalete! – ordenou o arquimago. Alguém que o conhecesse muito teria dito que ele esboçou um sorriso.
Nailo e Darin se retiraram, seguindo o servo até o banheiro. Legolas fez outro pedido.
_ Vectorius. Eu sei que você é um homem rico e cheio de poderes, portanto deve ter alguns outros vinhos diferentes em seu castelo. Será que eu poderia prová-los? – perguntou o arqueiro. Seelan prendeu a respiração.
_ Claro. Endora, Samantha, providenciem uma degustação de vinhos. – Vectorius parecia irritado, mas atendeu ao pedido do elfo.
Os servos se retiraram, levaram também Cloud e Heart para serem tratados junto com Relâmpago. Logo em seguida, retornaram trazendo diversos jarros com variados tipos de vinho para serem degustados.
Enquanto isso, no banheiro, Nailo se espantava com as maravilhas tecnológicas e mágicas que existiam naquele castelo. Com muito custo, descobriu que devia urinar na enorme peça de porcelana onde, oculta por uma tampa de madeira nobre, havia uma poça d’água. Surpreendeu-se ao descobrir que com o fechar da tampa a água suja era trocada por água limpa através de diversos furos pequenos que se ocultavam nas reentrâncias da peça. Não entendeu, no entanto, para que servia a outra bacia de cerâmica de onde esguichava um jato de água após se girar uma peça circular de metal. Intrigado com tudo aquilo, deixou o local, passando a vez para sua noiva.
Darin entrou finalmente no banheiro, maravilhada com todo o luxo e requinte e quase explodindo por ter tido que esperar pela saída no noivo. Nailo a aguardava do lado de fora, encostado na porta, quando ouviu um rugido fraco lá dentro. O rugido foi seguido por um grito da mulher.
Sem hesitar, ele arrombou a porta com um chute e invadiu o banheiro, encontrou Darin, em pé, diante da bacia de urinar. Estava sorrindo.
_ Amor, você viu isso? É lindo, eu quero um desses na nossa casa... – Darin matraqueava sem parar enquanto Nailo já imaginava seus preciosos tibares voando pela janela. Ela ainda o ensinou o funcionamento da outra bacia com o esguicho de água e de uma outra enorme onde cabia uma pessoa inteira. Tudo parecia muito natural para ela.
Na saída, encontraram o servo que os conduzira até ali. O homem examinava, intrigado, a tranca destruída da porta. Nailo tranqüilizou-o, dizendo que estava tudo bem com eles. Pelo homem Darin descobriu os nomes dos objetos que desejava comprar, o vaso sanitário e o bidê. Retornou apressada para a sala de jantar, arrastando o noivo pelo braço, repleta de ansiedade e desejo de contar às amigas o que descobrira. E naquela noite não voltaram a ver o homem que os levara ao toalete.
Todos reunidos novamente, o jantar foi finalmente servido. Diversos pratos com iguarias nunca imaginadas pelos heróis, junto com montes de talheres e pratos e copos diferentes. Servos trouxeram bacias de metal cheias d’água e as ofereceram aos convidados. Legolas encheu um copo, agradecendo ao homem, enquanto Silfo entornava toda a água de sua bacia sem cerimônia, aplacando sua sede. Seelan lavava as mãos na água com a face tomada de rubor pelo vexame causado por seus amigos. Tardiamente, todos os outros, à exceção de Silfo, imitaram o gesto do mago.
Durante o jantar conversavam. Nailo começou a contar ao arquimago as aventuras de seu grupo e foi logo ajudado por todos. Vectorius mostrou grande interesse na história, especialmente no colosso de pedra construído por Teztal e no encontro que tiveram com o lendário Tarrasque. Squall, tentando se exibir e mostrar superioridade (já revelando traços da personalidade dracônica que invadia sua existência élfica), fez um desenho do monstro e exibiu-o com orgulho dizendo que nem Vectorius seria capaz de derrotar aquele monstro. O mago reconheceu o poder colossal da criatura, mas em momento algum concordou com a opinião do feiticeiro.
A narrativa continuou, contaram do encontro com Sam, da chegada a Darkwood e do rapto de Liodriel. Squall usou magia para fazer chegar até si uma garrafa de vinho, encheu sua taça, trocou a cor da bebida e ergueu novamente a garrafa com mágica, oferecendo-a de modo desafiador a Vectorius. O anfitrião agradeceu dizendo que ele mesmo se serviria, estalou os dedos e o líquido desapareceu de dentro da garrafa e surgiu na sua taça. No relato, os heróis já entravam em Khundrukar e já testemunhavam com pesar a morte de Loand. A saga nos salões do esplendor foi narrada até o fim, os servos já recolhiam os pratos dos convidados satisfeitos quando Legolas e Liodriel finalmente se beijavam nas profundezas da mina de Durgedin.
_ Já ouvi essa estória – comentou um dos serventes. – É a balada da Forja da Fúria. Muito bonita.
O homem ia saindo após recolher pratos e talheres quando foi detido quase com violência.
_ Volte aqui! O que você disse? – era Anix.
_ Disse que já ouviu essa canção, senhor. É a Balada da Forja da Fúria e eu gosto muito dela.
_ E onde você ouviu essa balada? Quem te contou? Em que lugar? Como era essa pessoa? – as perguntas choviam sobre o homem, feito setas.
_ Bem, em uma taverna aqui na cidade, na Ogro Selvagem, foi um bardo que costuma tocar lá quem cantou a balada numa noite em que eu estava de folga. – gaguejou o rapaz. Havia medo e espanto em seu rosto.
_ E qual era o nome desse bardo? Por acaso não era um bardo com alaúde e chapéu de três pontas? – era Nailo.
_ Não, ele não usava chapéu. E seu nome era, se bem me lembro, James Sulivan.
_ Pode nos levar até lá? – desta vez era Legolas.
_ Sim, eu os levarei senhores. Se desejarem hoje mesmo, após o jantar.
Estava decidido. Após o jantar todos iriam à tal taverna conversar com o bardo e, quem sabe, encontrar uma pista do amigo Sam, talvez até ele mesmo em pessoa.
Após a refeição, Vectorius levou todos para conhecerem o palácio. Andaram por incontáveis corredores e salas, a própria morada do arquimago era quase uma cidade. Terminaram o passeio no topo de uma das torres que se elevavam sobre a cidade. Da sacada podiam vislumbrar todo o comércio pulsante da metrópole voadora, o horizonte se descortinava, cidades podiam ser vistas ao longe, brilhando na noite como chamas de velas distantes. O mar era algo próximo, suas águas escuras banhando a costa artoniana eram um espetáculo ainda mais belo visto do alto. A história dos aventureiros terminou de ser contada por Nailo. Uma breve pausa. Depois, o arquimago falou sobre sua cidade de forma orgulhosa, apontando seus bairros, contanto suas histórias, suas peculiaridades.
Todos se distraíam olhando a cidade, a paisagem. Squall aproveitou e se afastou do grupo. Em segredo e em silêncio, retirou de sua roupa um dos pergaminhos mágicos que ele havia pegado na bolsa de Deedlit e que nunca havia devolvido. Era um pergaminho de vôo. Furtivo, conjurou a magia sobre si, escondeu o papel já vazio e foi sentar-se no parapeito da torre.
_ Squall, desça daí, você pode cair! – advertiu Anix, preocupado e envergonhado com os modos do irmão.
_ Não se preocupe, não tem perigo! – respondeu Squall com arrogância. Fingiu perder o equilíbrio e atirou-se para fora da torre, fingindo desespero.
_ Squall!!! – Anix gritou, assustado, e pulou atrás do irmão.
Seelan se esticou até o parapeito, onde evocou um encantamento sobre os dois que despencavam. Squall e Anix começaram a cair lentamente, como plumas soltas ao vento. Seelan soltou um lamento de desgosto. Vectorius apenas observava.
Súbito, Squall agarrou o irmão e alçou vôo, rindo de todos. Deixou Anix em segurança na sacada e retomou seu passeio aéreo, se exibindo com rodopios e zombaria.
Squall voava. Seelan olhava cheio de frustração enquanto Anix estava irritado. Nailo e os demais olhavam com desprezo e Legolas encostou-se em um canto, farto daquela futilidade. Vectorius tinha o olhar distante, mirado no céu de sua cidade.
_ Elfo do céu! – exclamou o arquimago como se um pensamento lhe escapasse pelos lábios.
Todos olharam para o alto, e viram um elfo alado que voejava com suas asas emplumadas sobre o céu de Vectora. Squall foi até ele.
_ Ah não, lá vai meu irmão aprontar outra das suas! – suspirou Anix.
Todos ficaram observando do chão da torre. Squall e o outro elfo eram meros pontos distantes no firmamento. Viram o pontinho que era Squall se aproximar do outro que tinha asas. Os dois pararam próximos, como se conversassem, então o pontinho alado avançou sobre o que era Squall e o agarrou. Pareciam estar se beijando. E estavam.
_ Olhem lá! Squall está beijando o elfo do céu! Mas é uma fêmea mesmo! – exclamou Nailo. Os pais do feiticeiro quase entraram em choque, Lady Valkyria entrou em desespero e abraçou seu marido engolindo o pranto. E todos assistiram, horrorizados, Squall se agarrando e beijando um elfo do céu. Viram quando o elfo o levou para um amontoado de árvores nas montanhas atrás do castelo, de mãos dadas, e desapareceu com ele entre a folhagem. Todos viram Squall traindo a elfa que ele amava com sordidez e pederastia. Somente os olhos apurados de Nailo viram que não era um elfo, mas sim uma elfa do céu. Nailo guardou aquela informação em segredo e se juntou aos outros. Todos retornaram para dentro do castelo e encerraram a noite de gala no castelo de Vectorius.
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No céu.
_ Olá bonitão! Quem é você? – perguntou a elfa. Suas asas batiam devagar e ela pairava diante do recém chegado, olhando-o com curiosidade e entusiasmo. Seus olhos brilhavam e seu sorriso era largo e parecia brilhar também.
_ Olá! Sou Squall! – sorrindo e se exibindo.
_ Muito prazer! – mal falou e avançou sobre o outro. Beijou-lhe a boca como se quisesse sugar-lhe a alma. Squall ficou atordoado e completamente entregue. – Não quer passar a noite comigo bonitão?
_ Claro! – Squall quase não tinha fôlego.
_ Venha! – a elfa alada puxou-o pela mão e o levou para trás do castelo, sobre as montanhas, onde árvores teimavam em se crescer. Lá, os dois ficaram nus e se entregaram à luxúria e ao prazer. Quando acordou pela manhã, Squall não viu sinal da elfa. Nem de sua roupa de baixo. Não sabia quem era ela, nem ao menos seu nome, e ela o tinha abandonado sem nem deixar um bilhete ou dizer adeus. E ainda levara suas cuecas.
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Nas ruas, ainda na noite, o grupo era guiado pelo criado de Vectorius. A cidade fervilhava como se o dia não tivesse fim, como uma festa que não se acabava. Foram levados a uma loja onde Nailo comprou o tal vaso sanitário e o tal bidê para Darin. Pressentindo encrencas, Legolas levou Liodriel discretamente para bem longe da loja enquanto o amigo gastava seus preciosos tibares.
Depois foram até a taverna, o criado arranjou-lhes uma mesa num canto distante da multidão, onde poderiam ter privacidade. Depois de alguns momentos de busca e perguntas, encontrou o tal bardo e o levou até a mesa dos aventureiros. O criado se despediu e partiu. Restava apenas o bardo.
_ Cante! – pediu um dos heróis, empurrando algumas moedas douradas para o menestrel.
_ Claro que sim amigos! – entusiasmou-se o bardo – O que gostariam de ouvir? Uma balada de amor? Uma canção de guerra? Uma cantiga de escárnio?
_ Queremos ouvir a Balada da Forja da Fúria. Do início ao fim. Não esqueça nenhum detalhe.
E o bardo cantou. Em versos rimados, acompanhados do som doce de uma lira, toda a história dos heróis sob a montanha do dente de pedra foi contada. O sonho premonitório, a chegada a Darkwood, o enterro de Smeágol, a fuga, a partida. A jornada pelas matas de Tollon, o encontro com a montanha, a batalha em seu portão vigiado por orcs. A luta pelo primeiro nível da mina, as várias batalhas contra os orcs, a morte de Loand, a chacina de Legolas, o resgate de Seelan. A descida para a escuridão, guiada pelas visões, o ataque dos stirges, o inferno nauseabundo nas mãos dos trogloditas, a morte de Sam e de Nailo. A amargura, a vingança, a ajuda de Nevan e a conquista do segundo nível. A alegria de encontrar os amigos vivos. O terror no terceiro nível, mortos, aparições, monstros gosmentos. Sam feito refém. A procura pelo tributo para libertar o amigo, o encontro com a anã morta, a libertação do bardo. O quarto nível, a luta contra estátuas, os anões gigantes, os mortos-vivos. Idalla. A passagem secreta, a escadaria para as trevas, o rio e o lago sob a montanha. O Ninho de luxúria. Escamas da Noite. E Draco. A batalha com a dragonesa, a revelação sobre Squall. A luta contra o elfo traidor, a súplica de Liodriel. A derrota de Draco, o reencontro com a bela dama e a aparição da deusa. A redenção de Draco, o adeus aos amigos, o retorno de Escamas da Noite. A vitória, tão aguardada e duramente conquistada, a volta para casa e o casamento. Tudo era narrado de forma prodigiosa pelo menestrel, causando emoção naqueles que ouviam. Qualquer um teria pensado “são apenas estórias de bardos”, mas não eram. Era uma história real e eles estavam ali, vivos e presentes, para confirmar tal fato. Enquanto a canção descrevia de forma magistral e elfa aprisionada, o bardo olhava para Liodriel, como se não acreditasse. Interrompeu a balada para confirmar o que seus olhos lhe diziam. Era verdade. Estava diante dos heróis cuja história ele cantava. Tomado de um novo entusiasmo, o trovador concluiu sua apresentação.
_ É uma imensa honra. Nunca imaginei que tal história fosse de fato verdade, quanto mais que teria a chance de encontrá-los pessoalmente. Sinto-me abençoado! – o bardo parecia prestes a explodir de emoção.
_ Sim, cada verso desta balada é verdade. Ficamos honrados em ter nossos nomes cantados por você. Agora, conte-nos onde a aprendeu!
O poeta lhes contou de suas andanças e que um outro bardo havia lhe ensinado a balada em uma taverna de Bielefeld. Infelizmente para os personagens da balada, esse bardo não era Sam. Entretanto, embora sem conhecer seu paradeiro, isso significava que Sam estava vivo e trabalhando incansavelmente, espalhando a história que vivera com seus amigos aos quatro ventos de Arton.
Permaneceram na taverna até altas horas, bebendo comendo e conversando com seu novo amigo bardo. Nailo contou a ele sobre Carvalho Quebrado, sobre a traição de Zulil e todos os perigos que passaram naquela ocasião. Explicou tudo com detalhes, para que uma nova canção fosse composta por James Sulivan, uma canção que já tinha até um nome.
_ Agora, você vai escrever uma nova canção baseada no que lhe contei. E assim com Sam, espalhará essa história pelo mundo. E o nome dessa nova balada será: Mais que um capitão, um amigo inesperado!
_ Sim, já sinto os versos pulsando em minha mente, ávidos por saírem e tomarem forma em papel e melodia. Vou começar a trabalhar agora mesmo e, se Tanna-Toh assim permitir, um dia nos encontraremos novamente e eu cantarei novamente para vocês, meus amigos!
Assim, James Sulivam se despediu de seus ídolos e, agora, amigos. Os heróis voltaram para a estalagem e esperaram a manhã chegar, quando então dariam adeus à maravilhosa cidade voadora.
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Era o 28º dia de Aurea, o ano findava. Os heróis levantaram de suas camas e deixaram a estalagem onde tinham passado parte da noite. Despediram-se de Sara e Luana, ambas agradecendo com os olhos cheios de lágrimas. No ancoradouro da cidade, nenhum sinal de Squall.
As horas passavam e a manhã já quase acabara quando ele finalmente chegou, sem fôlego.
_ O que aconteceu? Onde você estava? Esqueceu que temos que ir embora? – perguntaram todos.
_ Calma, tive alguns problemas. Vou contar tudo.
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Squall se levantara pela manhã, assim que os primeiros raios de Azgher vieram lhe tocar o rosto. Estava nu, deitado na relva, sozinho. Sua companheira, bem como suas roupas de baixo, tinha desaparecido, sem rastros. Felizmente para ele, nada além de suas cuecas havia sido roubado. Pegou em suas coisas outro pergaminho mágico de vôo que havia roubado de Deedlit, a quem ele havia também traído promiscuamente. Assim ele retornou para as ruas de Vectora.
Squall tinha um compromisso e se lembrava disso. Deveria encontrar seus amigos e familiares no ancoradouro principal, de onde se despediriam da cidade. Mas ele traiu a confiança deles também, mais parecia devoto de Sszzaas do que um filho de Glórien ou mesmo de Megalokk. Ao invés de ir ao encontro dos companheiros, decidiu procurar por Tião, o guia, pois queria retornar à casa de jogos de Gorco para vender suas engenhocas goblinóides.
Mas, o que Squall tinha de arrogante e desonrado, também tinha de estúpido. Chegou à prisão onde Tião agora residia tentando ditar ordens, exigindo ver o prisioneiro, proclamando-se capitão do exército de Tollon, como se isso importasse naquela cidade. Como lhe foi negado ver o prisioneiro pelo capitão da milícia (que nunca tinha visto Squall antes), o feiticeiro insistiu de todas as formas, chegando a dizer ser amigo pessoal de Tião e que por isso precisava vê-lo. Esse foi seu grande erro.
Era óbvio e qualquer criança saberia que um amigo de um criminoso bem poderia ser cúmplice deste. Logo, o capitão deu voz de prisão e Squall foi enjaulado. Preso, tentou ainda usar magia para dominar as mentes dos milicianos para ser libertado, tentou pedir ajuda a Cloud mas, depois de algemado e amordaçado, só lhe restou esperar até o meio-dia, quando o turno dos soldados terminou e o grupo do dia anterior, responsável pela prisão de Tião e dos outros bandidos, chegou para trabalhar. O Tenente Alber Rhino reconheceu o elfo atrapalhado de imediato, o mal entendido foi desfeito e Squall libertado. Assim, com horas de atraso e sem conseguir conversar com o guia aprisionado, Squall finalmente decidiu se juntar aos amigos quando estes já começavam a procurá-lo.
E todos se reuniram finalmente na praça de entrada da cidade voadora. O admirável passeio chegava ao fim. A encomenda de Legolas seria entregue no forte, quando estivesse pronta, por um mensageiro, de forma que não precisariam aguardar mais tempo ali. Tinham passado apenas um único dia no Mercado nas Nuvens, mas o pouco que haviam estado ali lhes garantiria incontáveis lembranças para o resto de suas vidas. Tinham feito compras, visto coisas fantásticas e inimagináveis, tinham conhecido uma das mais importantes figuras de todo o mundo, tinham vivido aventuras e aprendido muitas coisas e, acima de tudo, tinham ouvido uma maravilhosa canção que eles mesmos tinham criado e que era um sinal de que seu amigo Sam Rael estava vivo e de que o reencontro com o estimado bardo estava cada ver mais próximo.
Assim, Seelan evocou seus poderes mágicos e pôs todos a voar de volta para a superfície de Arton. Legolas ia em sua vassoura mágica, carregando sua amada e guiando seu companheiro eqüino. Estava em êxtase. Orion tentava se desgrudar de Seelan, já farto daquela bolinação. Lucano e Rael conversavam sobre os deuses e seus desígnios, enquanto que os pais de Anix viviam uma segunda lua-de-mel. Nailo carregava itens especiais que comprara, para os quais tinha grandes planos, e em sua bolsa mágica ainda havia espaço para transportar seu vaso sanitário e bidê. Anix tinha Enola nos braços, Silfo às costas sempre a lhe vigiar e um segredo a descobrir. O que teriam feito com ele? E Squall tinha dentro de si a imundície da traição e a leveza na consciência que somente os piores vilões conseguiriam ter após se comportarem da maneira que ele se comportava. Os dados rolavam, os deuses observavam atentos, e os grãos da areia do tempo chegavam pouco a pouco perto do fim. O momento prometido estava próximo.
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