Squall não enxergava nada, nem mesmo os companheiros ao seu lado, no meio daquela densa névoa. Apenas sentia o braço de Luise laçado ao redor do seu. Nem mesmo as vozes da elfa e de seu irmão ele ouvia, mesmo tendo dirigido-lhes a palavra algumas vezes. E como não obtivera resposta, decidiu aproveitar-se da situação, da neblina cegante, para abusar da irmã de seu amigo. Assim, Squall se aproximou furtivamente de Luise e, sabendo estar oculto pela neblina, beijou-lhe a boca.
Mas havia algo errado ali. Ao invés dos lábios macios e quentes que ele esperava encontrar, Squall sentia algo áspero, frio e de um gosto amargo em contato com sua boca. Sentia um cheiro asqueroso ao invés de perfume e Luise não reagira, fosse para agredi-lo, fosse para se deixar envolver pelo beijo.
Squall tentou esfregar os olhos com uma das mãos, como se aquilo fosse suficiente para afastar a neblina que o impedia de ver além do se próprio nariz. Ainda assim, a névoa diminuiu sua intensidade, talvez por coincidência, talvez por ter vida própria, e Squall pode enfim enxergar uma distância um pouco maior. E, para sua surpresa, ao invés de Luise, diante dele estava uma árvore muito grande, de casca grossa e coberta de musgo. E no lugar de um braço feminino, era em um galho retorcido da mesma árvore que Squall estava agarrado.
Assustado, ele recuou, chamando pelos dois que até momentos antes estavam com ele. Percebeu que a corda que usara para facilitar sua descida tinha desaparecido. Estava agora em um local de solo plano, talvez o fundo da cratera, e o chão era pegajoso e estranhamente macio, como se ele pisasse na língua de um enorme monstro, como se estivesse dentro da própria boca deste monstro imaginário.
Squall deu alguns passos à frente, adentrando ainda mais no misterioso vale e em sua névoa sinistra, em busca de seus amigos. Após uma curta caminhada, notou que a bruma se dissipava, abrindo caminho a sua frente como se tivesse vida própria. Filetes de névoa se espiralavam ao redor dos troncos das árvores e desapareciam atrás deles, como se brincassem com o visitante. Em poucos segundos, abriu-se um espaço circular no meio do vale, uma clareira com algumas poucas árvores e sem névoa. Ao redor dessa clareira, ao longo de sua borda, uma fila de árvores formava uma cerva viva e além dela, um oceano de brumas a cercava ameaçadoramente.
Squall entrou na clareira, cauteloso, e caminhou em direção ao centro. Num tropeço quase foi ao chão, equilibrando-se com dificuldade. Quando olhou para o chão, viu que uma raiz tomava vida e enrolava-se com força em suas pernas.
Tentou reagir mas antes que pudesse fazê-lo, ouviu um gemido aterrorizante que parecia ecoar de todos os lugares à sua volta. Olhou ao redor e viu que as árvores caminhavam em sua direção, tomando formas humanóides, fazendo galhos e ramos de braços e mãos, e usando as raízes como pernas e pés. Em seus troncos formavam-se expressões malignas e assustadoras e elas se moviam na direção do feiticeiro, agitando seus braços em ameaça. E, como se não bastasse, seus corpos eram translúcidos, sendo possível enxergar além deles a borda da clareira. Pareciam fantasmas, espíritos em forma de árvores antigas que se moviam para atacar Squall.
_ Fantasmas de árvores! – pensou Squall. Fantasmas e mortos-vivos eram as coisas que o feiticeiro mais odiava e temia na vida, e ele estava cercado por um batalhão deles, preso, sozinho e indefeso. Tentando não sucumbir ao medo e perder os sentidos, Squall gritou desesperado, evocando seus poderes arcanos e criando um círculo de chamas ao redor de seu corpo para proteger-se do perigo. As árvores avançaram e se atiraram sobre Squall, com suas mãos gigantescas e cheias de garras para matá-lo. Squall se encolheu dentro de sua proteção e fechou os olhos desejando que aquilo não estivesse acontecendo.
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Anix terminou sua descida ao fundo do vale muito antes do que esperava. A ponta da vassoura raspou o chão coberto de musgo, obrigando-o a manobrar repentinamente para não cair. Parou e desceu procurando por Nailo com os olhos. Nada. Chamou por ele e novamente não escutou resposta.
Tudo era névoa. Era impossível ver o que estava a um metro de distância e o ar naquele lugar era ainda mais pesado e estranho. Anix usou sua mágica e sentiu uma aura muito poderosa emanando ali, uma aura que ele não conseguia identificar e que cobria toda a extensão do vale.
Uma risada aguda e sombria quebrou sua concentração e a magia. Parecia uma mulher maligna rindo de forma enlouquecida no meio da cerração que tudo ocultava. Seria outra bruxa?
Anix começou a avançar, na direção da risada, desejando encontrar Nailo antes que a dona daquela gargalhada o fizesse. Ia tateando o chão e as árvores com a ponta da vassoura mágica e chamando pelo nome do amigo quase num sussurro. Subitamente a névoa se desfez diante dele, afastando-se como se fosse viva, recuando para trás das árvores até que um espaço circular sem bruma e quase sem árvores restasse diante do mago. A névoa cercava o local e entre ela e a clareira que se formara havia uma cerca de árvores dispostas num grande círculo ao redor da borda da clareira.
A risada retornou, desta vez mais forte e mais perto, vinha de além da clareira. Anix avançou até o centro do círculo, tropeçou e caiu. Viu que raízes surgiam do chão para enroscar-se em seu corpo e amarrá-lo e esmagá-lo. Então, a floresta tremeu. Como o ribombar de gigantescos tambores tudo se agitou. O barulho ensurdecedor fazia tudo tremer e o coração disparar. Ao redor dele, gigantescas árvores caminhavam com passadas poderosas que causavam tremores por todo o lugar. A risada diabólica veio novamente, desta vez muito perto, quase ao lado de Anix. As árvores o cercaram e se inclinaram sobre ele, seus dedos em forma de estacas afiadas prontos para perfurá-lo. Sobre o que seria o ombro de uma das árvores, Anix viu a dona da voz que zombava às gargalhadas. Era uma mulher vestida de verde, descalça e de uma cabeleira dourada como o sol da manhã. Um vento sinistro soprou, esvoaçando seus cabelos e revelando seu rosto. Seus olhos eram malignos como os de um demônio, cercados por manchas negras circulares que lembravam algum tipo de maquiagem sinistra. Seu sorriso era cheio de malícia e de maldade e seus belos dentes brancos pareciam ansiar por banhar-se em sangue fresco. Apesar dessas diferenças assustadoras e inesperadas, Anix conseguiu reconhecer aquele rosto corrompido e mau. Era Enola.
_ Matem-no! – gritou a Ninfa para as árvores, como se as comandasse. Todas atacaram ao mesmo tempo. Anix percebeu que era incapaz de atacar alguém que amava, apenas pensar em fazê-lo era algo que o transtornava. Fechou os olhos e esperou pela morte certa. Uma lágrima solitária escorreu em sua face antes do fim.
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Orion se levantou após atingir o fundo do vale. Não tinha deslizado mais que três metros no barranco inclinado e apesar disso, não havia sinal de seus amigos naquele lugar estranho. Tentou retornar para onde estava Squall, mas, ao invés de um declive, encontrou uma parede de pedra, alta, plana e lisa, impossível de ser escalada. Decidiu então seguir em frente, para dentro da névoa.
Assim ele fez, até que a névoa começou a se mover, afastando-se dele como se tivesse vida própria e escondendo-se atrás de um círculo de árvores que cercavam uma pequena clareira. Orion continuou andando e sentiu algo o prendendo. Olhou e viu que as raízes se erguiam do solo para laçar suas pernas.
Sacou sua espada para cortar as amarras, mas ela quase lhe foi tirada das mãos quando tudo tremeu semelhante a um grande terremoto. Orion viu árvores gigantescas e antigas erguendo-se do solo, transformando seus galhos em braços e mãos com garras afiadas e caminhando na direção dele. Sem hesitar, libertou suas pernas e se preparou para o combate, estava sozinho, mas sua espada flamejante lhe garantiria vantagem na luta contra as árvores. Foi então que veio a risada.
Uma voz gutural ecoava num gargalhada desafiadora e maligna. Orion olhou para cima de uma das árvores que caminhavam, e viu o que mais odiava. Era um orc, mas não um orc comum como tantos que já enfrentara em sua vida. Aquele era o maldito orc que tinha tirado a vida de seus pais, transformando Orion em um órfão e condenando-o a uma vida de tormento. Para piorar, a árvores trazia em suas mãos um cavalo. Era Raylux, o companheiro de Orion, que relinchava de dor e medo.
A árvore esmagou o corpo do animal, reduzindo-o a uma massa disforme e grotesca, o sangue jorrou farto e o orc riu novamente, estava se divertindo com aquilo. As raízes paralisaram novamente as pernas de Orion, colocando-o em desvantagem, as árvores o cercaram e se prepararam para atacá-lo. Era o fim. Orion seria exterminado naquele lugar, de forma humilhante, pelo inimigo a cuja destruição ele dedicara toda sua vida. Em desespero, Orion mirou sua espada de fogo no galho que suportava seu inimigo e a arremessou. Acertou o alvo e a árvore explodiu em chamas. O orc desapareceu, logo após seus olhos brilharem de forma fantasmagórica e Orion foi atacado. As raízes o amarraram por completo e o esmagaram. As árvores o golpeavam com chicotes de cipós, estocadas perfurantes de seus dedos afiados e marteladas de suas gigantescas mãos. Antes que pudesse pensar em algo ou mesmo emitir um grito, Orion tombou. Seu sangue tingiu de vermelho o chão da floresta que relutava em permitir que o líquido penetrasse em suas entranhas.
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Legolas levantou-se, frustrado por seu passeio sobre o escudo de Orion na encosta que descia até o fundo do vale ter terminado mais cedo do que imaginava. Também estava preocupado pois descera rápido deslizando pelo barranco e não encontrara qualquer sinal de Anix ou de Nailo. Estava agora no fundo do vale, cercado pela neblina que o impedia de enxergar ao redor, mesmo com a ajuda da luz de seu arco mágico.
Pensou em frente quando ouviu um relincho distante. Imediatamente ele reconheceu a qual cavalo pertencia aquela voz. Era Rassufel. Legolas andou o mais rápido que a visibilidade e o caminho cheio de árvores traiçoeiras lhe permitia. Tropeçou em algo no chão e parou para olhar, no momento em que outro relincho chegava a seus ouvidos.
Seus pés e pernas estavam enredados por raízes e cipós, que o prendiam com força esmagadora. A névoa se afastara para trás de uma fileira de árvores que formavam um círculo em cujo centro ele se encontrava agora. O chão tremeu e o som de pisadas gigantes chegou aos seus ouvidos como tambores retumbando brados de guerra. Árvores gigantescas caminhavam como homens, entrando no círculo onde ele estava, com mãos de galhos e ramos prontas para perfurá-lo, espancá-lo e estrangulá-lo. Pés de raízes e troncos avançavam velozmente para pisar-lhe como a uma mosca. E o relinchar de Rassufel ficava cada vez mais próximo, vindo junto com as árvores assassinas.
Então Legolas viu seu amigo, preso nas garras afiadas e cheias de farpas de uma grande árvore. O cavalo relinchava, agonizando sob um aperto esmagador. Ao lado dele, quase totalmente enrolada em cipós espinhosos, estava uma elfa de corpo escultural e cabelos ruivos. Era Liodriel, amarrada e amordaçada pelos ramos das árvores, esmagada e rasgada pelos espinhos. As árvores se aproximaram até cercarem Legolas por todos os lados. Seus olhos viram Liodriel e Rassufel serem triturados pela cruel árvore e viu o sangue daqueles que mais amava se transformar em uma cascata rubra de dor e morte.
O ódio subiu à cabeça do arqueiro, ao mesmo tempo em que as lágrimas desciam pelo seu rosto. Legolas retesou o arco e puxou três flechas da aljava, já as levando à corda, pronto para matar. Não importava mais quem tinha feito aquilo, se deus ou demônio, iria pagar pela morte dos dois. Lembrou-se com tristeza da última conversa que tivera com ela, poucos minutos antes através do presente mágico de Sam Rael e no momento em que ia atacar, sua mente despertou para a verdade. Liodriel havia acabado de dizer que estava na casa de Lucano, junto com Enola e Darin, tomando banho e aguardando pelo retorno do marido. Ela não poderia estar ali e nem Rassufel.
Legolas guardou as flechas e baixou o arco. Ergueu os olhos, encarando as árvores que o atacavam e na língua dos elfos ele disse os seguintes versos:
Senhora das Florestas e dos Animais,
Acolha em teu poder este teu servo.
Dai-me forças para
continuar a viver
respeitando tua bela obra.
Assim seja!
As árvores recuaram e ficaram imóveis, a névoa desapareceu como se soprada por um tufão e um brilho ofuscante surgiu diante do arqueiro. Ele tinha passado no teste.
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De forma semelhante, Lucano, seu pai e sua irmão tiveram visões atormentadoras e foram atacados, cada um isolado de todos os outros, pelas árvores do bosque. O que viram não será relatado aqui, basta apenas que se mencione que Anakin conseguiu algo próximo do feito de Legolas e que Lucano escapou por sorte da fúria da floresta. Quanto a Luise, ela teve o mesmo destino trágico de Orion.
De todas as histórias vividas por eles dentro daquele bosque, o feito de Legolas pode ser considerado um dos mais belos e uma atitude que lhe garantiu o sucesso para si e para os amigos. Rivaliza com esse feito apenas o ato de Nailo que, embora não tenha tido palavras tão belas, ficou marcado por um gesto cuja grandiosidade suplanta qualquer verso já escrito pelos bardos.
Da mesma maneira que seus amigos, Nailo se viu sozinho no meio da névoa no fundo do vale, sem condições de enxergar ao seu redor e muito menos de retornar para cima. Caminhou para frente, seguindo seus sentidos apurados, em busca de uma explicação para aquele estranho fenômeno e chegou à clareira onde, assim como com os outros, a neblina se abriu diante dele. Suas pernas também foram laçadas pelas raízes da floresta e as árvores caminharam em sua direção demonstrando clara intenção de matá-lo. Nailo sacou as espadas para se defender e notou que uma dessas árvores carregava o lobo Relâmpago que sofria e agonizava ante o aperto esmagador da mão da árvore. Mas, antes que o corpo de seu amigo, fosse ou não uma ilusão, pudesse ser rasgado e esmagado até a morte, Nailo atirou suas espadas ao chão, pôs-se de joelhos no solo coberto de folhas caídas e musgo e, quase às lágrimas, falou às árvores:
_ Por favor! Façam o que quiserem comigo, tirem-me a vida, rasguem meu corpo, matem-me da maneira que preferirem! Mas poupem a vida de meu amigo Relâmpago! Eu ofereço minha vida em troca da dele!
Então, tal qual aconteceram com Legolas, Nailo viu as árvores recuarem e ficarem estáticas, a névoa foi dissipada e um brilho surgiu diante de seus olhos e os cegou. Quando sua visão retornou, Nailo estava na floresta, no fundo de uma pequena depressão onde árvores brotavam. Todos os seus amigos estavam juntos, ao lado dele, todos vivos e bem, exceto Orion e Luise, que jaziam no chão sangrando abundantemente.
Os heróis formavam um círculo e no centro dele uma esfera de luz mágica flutuava. Era uma bola de luz e energia muito intensa que tranqüilizava ao invés de ofuscar e dela, bem como de toda a floresta, ecoou uma voz de mulher.
_ Sejam bem vindos ao meu bosque. Eu sou Livara Austini! Vocês passaram em meu teste!
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