outubro 03, 2006

Capítulo 240 – Morte nas chamas

Capítulo 240 Morte nas chamas

Assim, na manhã de um kalag, dia 24 de pace, eles entraram na vila de Rutorn. Os moradores os receberam com festa, agradecendo pelo bem que haviam feito. A vila já havia retomado sua rotina normal, e a Morta do Bosque não havia retornado mais, comprovando as suspeitas de Mepisto, de que Zenóbia e a Morta eram a mesma pessoa.

O grupo seguiu direto para a taverna do Ogro Roxo, escoltado pelos aldeões sorridentes. Anix desceu da carroça que conduzia e pediu ajuda a alguns moradores para descarregar os mantimentos e o rum que eles haviam trazido para Tomas. Mepisto foi dispensado pelo sargento e correu para sua casa, para rever seu ratinho de estimação. Para sua felicidade, encontrou-o são e salvo, dentro de sua pequena gaiola.

Já dentro da taverna, Tomas agradecia emocionadamente pela ajuda recebida. Enquanto Anix conversava com Tomas, e os demais se encarregavam de descarregar os mantimentos, Jack levou a jovem Silmara para fora da taverna.

_ Aqui está ela Lars! – disse o soldado.

_ Muito bem, Jack! Deixe-me examiná-la! O que aconteceu com você minha jovem? – respondeu o capitão, levando as mãos ao rosto da donzela.

_ Uma bruxa arrancou meus olhos, gentil senhor! – respondeu ela.

_ Bem, tire essa jóia de seu olho, para que eu possa ajudá-la! – disse o clérigo, delicadamente.

Silmara retirou, cuidadosamente, a pedra que ocupava o lugar de seu olho direito e a entregou para Jack. O pirata pegou a jóia com sua mão direita e a guardou em um bolso. Lars colocou sua mão direita sobre os olhos vazios de Silmara e orou a seu deus:

_ Ó gloriosa fênix! Opere vosso milagre através deste vosso servo!

Lars se afastou de Silmara. Ansioso, Jack pediu a ela que abrisse os olhos e ela o fez. E suas cavidades permaneciam vazias.

_ Bom, ao menos nós tentamos! – suspirou o pirata, entristecido.

_ Calma meu bom Jack! Não há mal que não possa ser desfeito, e não há pessoa que não mereça uma segunda chance! Tenha um pouco de paciência! E fé,meu caro, tenha fé! – Lars pousou sua mão gentilmente sobre o ombro de Jack, tentando confortá-lo. Os dois ficaram observando a moça, ansiosos, até que o milagre começou.

Primeiro uma pequena esfera azulada surgiu lá dentro. Ao redor dela, começou a se formar uma massa de carne, repleta de vasos sangüíneos pulsantes, que iam aos poucos se fixando no interior das cavidades oculares da jovem. Aquilo foi aumentando de tamanho e cobrindo toda a área antes vazia, até que dois belos olhos azuis se formaram, e Silmara enfim pode enxergar novamente.

_ Estou vendo Jack! Estou vendo! É um milagre! Pelos deuses! Obrigada, gentil senhor! Obrigada! – Silmara abraçou Lars, lágrimas escorriam de seus novos e belos olhos.

_ Não me agradeça, minha jovem! Agradeça ao grande Thyatis, por ter lhe concedido esta graça! E claro, agradeça ao Jack, que teve a idéia de me procurar e pedir ajuda! – respondeu o sacerdote.

Silmara agradeceu ao deus da ressurreição e deu um longo e açucarado beijo no soldado. Após o beijo, Jack entrou na taverna, logo após Lars, anunciando a novidade a plenos pulmões. Silmara ficou do lado de fora, apreciando a beleza da manhã com seus novos olhos. Na taverna, todos comemoraram a notícia, emocionados.

_ Bem, capitão Lars! Acho que nós cumprimos nossa missão aqui! Podemos ir embora já, mas eu sugiro almoçarmos aqui na taverna do senhor Tomas! O que o senhor me diz? – disse Anix.

_ Está certo, chame os homens! Almoçaremos aqui e partiremos à tarde! – respondeu o clérigo.

Enquanto eles se preparavam para almoçar, Jack voltou a infernizar a vida de Anix, imitando a voz de Seelan. O mago se descabelava de ódio, ao mesmo tempo em que o pirata se deleitava com a irritação do sargento.

_ Aniiiix!!! Aniiiix!!! – gritava Jack, insistentemente.

_ Ah! Droga! Já não agüento mais isso! Capitão Lars, dê um jeito nesse cara, por favor! – implorou Anix.

_ Ora, Anix! Use seu poder! Você está acima dele na hierarquia! – respondeu Lars, sorrindo.

_ Mas não adianta, ele não me obedece! Eu já não sei mais o que fazer! – disse o mago.

_ Está bem! Deixe comigo! Soldado Jack! Pare com isso imediatamente! E como punição, pode pagar quinze! – Lars quase não continha o riso. Sentia-se como um pai apartando a briga de suas crianças.

_ Sim senhor! Está bem capitão! Aqui estão, quinze tibares! – Jack interrompeu seu gracejo imediatamente, e entregou quinze moedas ao capitão.

_ Há! Há! Há! Não é disso que eu estou falando soldado Jack! Pague quinze flexões e pare de atormentar seu sargento! – disse Lars.

Jack, mesmo contrariado, guardou as moedas e se abaixou. Começou a fazer as flexões de braço como ordenado pelo clérigo. Enquanto pagava a punição, o pirata resmungava, contrariado com o tratamento que recebia.

_ Isso não é certo! Eu era um capitão, e tinha meu próprio navio! Agora tenho que ficar aqui beijando o chão por causa de um maricas! – reclamava Jack.

_ Maricas? Eu não sou maricas! Peça desculpas agora soldado! – enfureceu-se Anix, ao ser ofendido.

_ Não, calma sargento! Não estava falando de você, mas sim do seu namorado, o Seelan! – continuou Jack, ainda rindo do mago.

Anix não suportou mais e desferiu um pontapé em Jack. O pirata levantou-se cheio de cólera e com a boca sangrando, sacou rapidamente a besta que trazia na cintura e disparou-a em Anix. A situação começava a sair de controle, Anix tinha um virote fincado no rosto e preparava-se para fulminar Jack e toda a taverna com sua magia mais poderosa. Jack sacou seu florete e começou a provocar o mago, ameaçando-o com a arma. Dragnus preparava seu machado, pronto para partir ao meio um dos dois que brigavam, Lee Wood armava seus punhos, pronto para defender seu superior, e Dragnus se afastava da confusão, ignorando tudo e todos.

_ Capitão, tire todos da taverna! Eu vou matar ele! – gritava Anix.

_ Pode vir! Vem, sua bicha! Eu vou varar suas tripas, seu mariquinha! – provocava Jack.

_ Calma, rapazes! Não há necessidade disso, fiquem calminhos! – Lars entrou no meio da confusão, colocando-se entre os dois e murmurou uma prece. Uma aura de paz inundou o lugar, e todos ficaram mais calmos. Jack abaixou sua arma e interrompeu os insultos. Lars ordenou aos soldados que o capturassem e o amarrassem. Dragnus e Lee tiraram as armas e a mochila do pirata, e amarraram seus braços para trás com uma corda grossa. Levaram-no para a carroça e o colocaram deitado no assoalho do veículo. Como Jack não parava de reclamar e xingar a todos, Dragnus o amordaçou. Mesmo assim, o pirata esperneava e tentava falar amordaçado.

_ Mas você não tem jeito mesmo, não é senhor Jack? Bom, já que é assim, durma então! – Lars entrou na carroça, os outros já tinham voltado para a taverna. Tentou conversar com o pirata e acalmá-lo. Vendo que era impossível tranqüilizá-lo, Lars sussurrou uma palavra mágica em voz baixa e estalou os dedos. O anel em sua mão brilhou palidamente, e Jack caiu em um profundo sono. Lars retirou de sua bolsa alguns frascos contendo variados tipos de pó. Misturou o conteúdo de alguns deles em sua mão e começou a traçar um símbolo no chão, enquanto murmurava uma prece a seu deus. Quanto terminou o trabalho, arrastou o corpo adormecido do pirata para cima do símbolo, ocultando-o. Depois, ele deixou a carroça e foi para a taverna. No meio do caminho, encontrou Silmara, aflita.

_ Gentil senhor! O que será de Jack! O que vão fazer com ele? Não lhe façam mal, por favor, eu imploro! – choramingava a moça.

_ Ora, não se preocupe minha jovem! Somos soldados, não um bando de kobolds selvagens! Não vai acontecer nada a ele! Jack apenas ficará alguns dias detido na prisão do forte! O que ele fez foi grave! Podia ter matado o Anix! Ele deve pagar pelo erro que cometeu! Mas não se preocupe! Não há mal que não seja desfeito, e não há pessoa que não mereça uma segunda chance! Depois do castigo ele poderá voltar aqui para visitá-la muitas vezes! Eu percebi que vocês nutrem um sentimento mútuo, e gostei muito disso! Portanto, fique despreocupada, ele voltará para vê-la em breve! – disse Lars, com sua voz altiva e confiante, acalmando a donzela. O clérigo a deixou lá fora, observando seu amado pirata, e foi para dentro da taverna.

Anix aconselhava Tomas a não deixar sua neta se envolver com pessoas como Jack. O velho taverneiro, por sua vez, concordava com o mago e se comprometia a conversar com a jovem. Tomas serviu aos soldados uma saborosa refeição, e todos comeram, felizes e tranqüilos. Já no início da tarde, o grupo partiu de Rutorn, recebendo uma despedida calorosa e emocionada dos moradores. Silmara acenava com um lenço branco que usava para enxugar suas lágrimas. Seus olhos azuis se destacavam na multidão, e suas lágrimas pareciam expressar uma enorme tristeza, como se aquela fosse a última vez que ela os via. Ou, como se aquela fosse a última vez que ela via seu amado Jack.

A noite caiu, e os soldados resolveram parar para acampar. Pararam a carroça ao lado da estrada, numa pequena clareira, apearam e começaram a preparar uma fogueira e seus sacos de dormir.

_ Capitão Lars! Não seria melhor acordarmos o Jack e dar comida a ele? – perguntou Anix.

_ Claro que sim, Anix! Soldado, vá até a carroça e acorde o Jack, e dê-lhe um pouco de ração! – respondeu Lars, ordenando a Lee a missão.

Lee Wood mal se virou para se dirigir até a carroça, quando todos ouviram um som de pancada forte. Olhara para a carroça e viram Jack saltando de lá de dentro e correndo em direção à mata fechada com o corpo arqueado e as mãos amarradas nas costas.

_ Ele está fugindo! Peguem-no! – ordenou Lars.

Os soldados saíram pela mata escura, perseguindo o soldado fugitivo. Dragnus levava seu machado, pronto para arrancar a cabeça do pirata. Como ele era o único capaz de enxergar naquela escuridão, ia bem à frente dos outros. Necro vinha mais atrás, tentando atingir Jack com suas magias. Mas, mesmo sem ver para onde ia, e trombando várias vezes nas árvores à frente, o pirata era extremamente furtivo e conseguia escapar dos ataques do mago. Lee Wood vinha logo em seguida, acendendo uma tocha para poder iluminar o caminho dos soldados. Por fim veio o capitão Lars. Caminhando calmamente, Lars evocou o poder de seu deus e atingiu Jack com uma magia. O pirata conseguiu resistir ao efeito do feitiço, que deveria deixá-lo cego, e seguiu em sua fuga desesperada pela mata. Sem outra opção, Lars decidiu apelar.

_ Que as chamas de Thyatis se espalhem pela noite e formem uma barreira! – o clérigo orou ao seu deus, e uma enorme parede de fogo se formou no meio da mata, muitos metros à frente, clareando a noite com suas chamas ardentes. Tinha quase cem metros de comprimento e cerca de dez de altura. Jack estava a uns dez metros dela, mas mesmo assim podia sentir o calor intenso que emanava da muralha de fogo. – Jack! É melhor se entregar! Você não tem saída! Está cercado, entregue-se agora! E nem pense em tentar atravessar a muralha, pois você não conseguirá! Se tentar, morrerá! É melhor se entregar e continuar vivo! – completou o clérigo.

Mas, Jack não estava disposto a se render. Sabia que seria levado ao forte e que seria punido lá. Sua única chance era conseguir fugir dali, escapar dos soldados e retornar para seu adorado oceano. O pirata passou as mãos por baixo das pernas, levando-as à frente do corpo e retirou a mordaça da boca. O ruído produzido atraiu a atenção de Dragnus. O meio-orc se aproximou lentamente, tentando encontrar o pirata. Jack prendeu a respiração e se encolheu atrás de uma árvore, esperando não ser visto.

_ Ele sumiu, capitão! – gritou o meio-orc.

Jack suspirou aliviado e começou a circundar a árvore para se afastar dali. Mas, ele não sabia que Dragnus mentia, apenas para atingi-lo de surpresa com seu machado. Jack se abaixou, e tentou desamarrar seus braços. Foi sua sorte, no exato momento em que ele abaixou, o machado de Dragnus atingiu a árvore com violência, bem no local onde estaria o seu pescoço.

Dragnus ficou confuso, ao notar que seu machado havia errado o alvo. Jack, furtivamente, se esgueirou ao redor da árvore, escapando do ângulo de visão do bárbaro. Dragnus deu alguns passos à frente e começou a procurar pelo fugitivo. Quando virou para trás, viu Jack agachado ao lado da árvore. Mas, já era tarde demais. Habilmente, o pirata se levantou num salto e bateu os dois pés no peito de Dragnus, pegando impulso. O bárbaro ainda tentou atingi-lo com seu machado, mas Jack foi mais rápido e saltou para trás, dando uma cambalhota no ar e escapando do ataque. De ponta cabeça, Jack abriu as pernas e tentou agarrar a árvore com elas. Mas, ao invés disso, o pirata se chocou violentamente com o pinheiro e caiu no chão, aos pés de Dragnus.

O bárbaro sorriu com maldade para o pirata caído e ergueu seu machado, gritando furiosamente e o atacou. O machado abriu o peito de Jack, espalhando o sangue do pirata por todos os lados. Mao Necro, que estava próximo, usou uma mão mágica criada por ele para tocar em Jack e descarregar uma poderosa magia nele. Jack ficou ofegante, tanto pelo grave ferimento, quanto pelo poder do feitiço de Necro.

_ Jack! Está cercado! Entregue-se! Não tem pra onde fugir! – gritou Lars, chegando mais perto da batalha. Ignorando toda aquela confusão, Anix voltou para dentro da carroça, de onde observava a perseguição.

_ Vocês não vão me prender de novo, Lars! O capitão Jack não será capturado desta vez! – e dizendo isso, Jack se levantou e saiu correndo, na direção das chamas.

Lars tentou convencê-lo a se entregar, mas não conseguiu. Dragnus tentou derrubar o pirata com seu machado, mas não conseguiu. Jack correu e saltou na muralha de fogo, tentando atravessá-la. Mas não conseguiu. O corpo do corsário desapareceu no meio das chamas, sendo consumido por elas. Uma fração de segundo depois, e as chamas se extinguiram magicamente.

_ Nãããão!!! Não me abandone meu senhor!!! Jack...por que? Por que? – Lars se atirou de joelhos no chão, chorando. Estava em desespero. Aquele homem outrora tão sábio e confiante, agora parecia uma criança assustada. A metros dali, a tocha de Lee Wood iluminou algo, onde antes estava a parede de chamas, o corpo carbonizado de Jack. Seus dias como pirata tinham chegado ao fim, Jack estava morto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário