novembro 11, 2008

Capítulo 328 – Troglodita anão


Caminharam por cerca de dez minutos, seguindo uma trilha rústica e praticamente invisível que apenas Nailo conseguia perceber com seus olhos treinados de caçador, quando chegaram a uma caverna. Era uma gruta pequena, encravada em morros baixos ocultos entre as árvores. Havia plantas comestíveis cultivadas ao redor da caverna, bem como ervas medicinais e algumas flores. Sob muitos aspectos, aquele lugar lembrava a morada da ninfa Enola e, não fosse pela distância a que estavam de Tollon e pelo fato de Enola estar morta, Anix teria esperanças de encontrar sua amada esposa lá dentro.

_ Entrem! – disse Lisandra, despertando os heróis de seus próprios devaneios. – Estão com fome? Vou servir alguma coisa para vocês.

O grupo entrou na caverna seguindo a prestativa garota. Lá havia apenas uma mesa primitiva, feita com um pedaço de casca de árvore e alguns troncos encontrados na floresta, bancos de toras irregulares e cheios de musgo, algumas pedras nos cantos das paredes que serviam de prateleiras e dois colchões de palha encostados num canto no fundo da gruta.

_ Bom, não tenho bancos para todos se sentarem, mas fiquem à vontade apesar disso. Eu já volto – Lisandra foi para o fundo, até uma das camas e começou a vestir uma roupa velha e rasgada que lá havia. – Já vou servir alguma coisa para vocês comerem. Só vou vestir minha roupa, antes que o Tork chegue e me veja assim. Ou então ele ficará bravo comigo.

_ Quem é esse Tork? É seu pai? – perguntou Nailo.

_ Não! Não tenho pai nem mãe, mas o Tork me criou desde pequena como sua filha – respondeu Lisandra.

_ E como ele é? – perguntou Anix.

_ Ele é pequenininho, e verde! E é muito bom comigo! – sorriu a garota.

_ Verde? Garota, não tem outras pessoas como você por aqui? Aliás, você já encontrou alguém como nós antes? – perguntou Lucano.

_ Não tem ninguém assim por aqui não, só eu. Vocês são as primeiras pessoas que eu vejo, mas sei quem são. Tork me falou de vocês e vejo pelas suas orelhas que são elfos! – disse a menina, orgulhosa de seus conhecimentos.

_ Nem todos são elfos aqui. Orion não é um de nós! – falou Legolas com seriedade. Lisandra olhou as orelhas do guerreiro e percebeu o engano.

_ E o que o Tork falou sobre os elfos? – indagou Squall.

_ Bem, ele disse que os elfos são...que os elfos são...como era mesmo? – começou a garota.

_ Cheios de frescura! – o grito veio da entrada da caverna. Era uma voz grave e rouca, e tinha uma fala desleixada e cheia de escárnio. O grito foi seguido de um estranho e asqueroso som, um ronco único e curto de uma garganta sendo limpa antes de uma possível escarrada. – Hunc!

Todos os olhares se voltaram para fora, onde uma figura diminuta caminhava lentamente. Era um humanóide pequeno como um anão, de pele verde coberta de escamas e de um óleo fedorento. Tinha focinho alongado, uma crista de chifres e pele sobre a cabeça que descia até a nuca e afiados dentes em sua mandíbula, lembrando vagamente a cabeça de um dragão. Mas não era um dragão. Era um tipo de criatura que os heróis conheciam bem e que odiavam com todas as suas forças, pois fora uma tribo desses mesmos monstros que no passado causara a primeira morte de Sam. Era um troglodita. Mas não um troglodita qualquer. Sua estatura era pequena, até para os padrões de sua espécie e, embora não soubessem e dificilmente pudesse deduzir, era um combatente exemplar, muito mais competente que qualquer membro de sua espécie. Trazia em uma das mãos uma foice um tanto exótica, com cabo de madeira e lâmina feita da pinça de um enorme crustáceo, uma lagosta provavelmente. E seu corpo tinha manchas de sangue já lavado, revelando que tinha travado um combate recentemente, provavelmente para se alimentar de algo mais que as raízes, frutas e sementes que Lisandra servia.

_ Tork! – gritou Lisandra, entusiasmada.

_ Tork? Esse ai é o Tork? – espantaram-se todos.

_ Sim! Sou eu mesmo! E vocês quem são? E o que tão fazendo aqui na minha casa, com a minha filhota? Tão achando que isso aqui é casa da sogra, é? Qual é, maluco? Podem começar a desembuchar logo! Hunc! – respondeu Tork.

Então os heróis narraram sua tragédia e explicaram sua necessidade a Tork. O troglodita ouvia atentamente cada palavra, enquanto banqueteava-se com as raízes servidas pela jovem Lisandra. Ao final, os aventureiros encerraram sua história com um pedido.

_ E precisamos chegar a esse lugar. É uma torre negra, em ruínas, escondida no fundo de um desfiladeiro. Você o conhece?

_ Bom, tem mais de uma torre por essas bandas. Essa ilha é infestada de ruínas assim. Hunc! Fica difícil eu lembrar se já vi a torre que vocês estão falando – disse Tork.

_ Ela é mais ou menos assim! – disse Squall, apanhando pena e papiro e desenhando a última visão que tinham tido antes de Zulil desaparecer através do portal mágico.

_ Ah sim! Agora me lembro! Hunc! Já passei nesse lugar, e ele é do mal! Quase virei picadinho ali. Por pouco o dragão não me comeu! – falou Tork, dando uma gargalhada.

_ Dragão? Que tipo de dragão? – perguntou Anix.

_ Ah, um dragão preto! E grande pra ca...- Tork olhou de lado, constatando que Lisandra estava distante e distraída preparando novos petiscos. Então continuou. – Era um dragão grande pra cacete, e todinho preto.

_ Nós já matamos um desses! – disse Legolas com escárnio.

_ Irado! Ae maluco, parece que vocês são bem fortes então! Isso é bom. Senão não teriam qualquer chance por aqui. – disse o troglodita.

_ Tork, pode nos levar até esse lugar? – pediu Squall.

_ Tá maluco? Ô da orelha, eu não volto naquele lugar mas nem fud.. – Tork viu Lisandra se aproximando e engoliu as palavras. – Não volto lá nem ferrando! Aquele lugar é muito sinistro. Hunc! E eu não vou arriscar meu traseiro por lá novamente. Tenho minha filhota pra cuidar e não ficar me metendo nessas enrascadas – respondeu o pequenino.

_ Mas precisamos de sua ajuda! – exclamou Anix.

_ Sim, Tork! Tem que ajudá-los. Eles precisam. Além disso, são boas pessoas, são amigos da Deusa! – pediu Lisandra.

_ Ae, ô da orelha! Eu vou ajudar sim. Mas não volto pra lá nem a pau. Seguinte, vou fazer um mapa aqui e daí vocês se viram. Beleza? Hunc! – disse o troglodita.

_ Está certo! Se fizer um mapa e nos explicar como chegar lá, já seremos muito gratos a você! – disse Nailo.

Tork apanhou um pedaço de papel a pena de Squall, e começou a rabiscar. Os visitantes o olhavam cheios de curiosidade e espanto, tanto pelo mapa que começava a surgir, quanto pelas habilidades de alguém que pertencia a uma raça que para eles era pouco mais que um bando de feras selvagens.

_ Tork! Como você aprendeu a falar o idioma comum? Isso é estranho, você é o primeiro troglodita que vemos que consegue, não só falar, mas também escrever e desenhar – perguntou Anix.

_ É que eu sou esperto, hehe! Tá, sem zoeira! Hunc! Eu fui criado num farol cheio de humanos lá no continente. O povo da minha tribo me expulsou quando eu nasci, por causa do meu tamanho. Parece que eu era um mau agouro, ou alguma coisa assim. Hunc! Parece que eles acreditavam que eu seria a ruína da tribo. Ai os humanos me acharam bacaninha e me levaram pro farol! Hunc! – respondeu Tork, entre um rabisco e outro, entre uma fungada e outra.

_ E como você veio parar nesse fim de mundo? – perguntou Squall.

_ Bom, ai é uma longa história. Hunc! – o troglodita ficou pensativo por alguns instantes antes de continuar. – Mas, o farol foi atacado por uns elfos do mar e depois eu vim para cá. Um deles, um filho da p... – Tork viu que Lisandra prestava atenção e se conteve. – Um bastardo chamado Deenar tentou acabar comigo. Mas eu levei a melhor e arranquei a mão do maldito. Hoje ela serve de arma pra mim. Hunc! – Tork apontou para sua foice enquanto falava. – Depois que a coisa acabou no farol, eu me mandei pra cá. Hunc! E um belo dia encontrei minha filhota andando por ai, perdida e agindo feito um animal selvagem. Ela era novinha naquela época. Ai eu resolvi criar ela, e o resto é história. Hunc!

_ E você não voltou mais para o continente depois disso? – era Orion.

_ Uma ou outra vez. Hunc! Só quando a garganta seca e dá vontade de tomar uma cerva, sabe cume? – riu Tork.

_ E você já encontrou outras pessoas além de nós por aqui? – era Anix.

_ Sim! Sempre tem algum maluco que vem pra cá pra caçar tesouros. Hunc! Mas até hoje não vi nenhum retornar com vida.

_ Falando nisso, você disse que existem outras torres na ilha? Onde? – era Squall.

_ Ah, elas estão espalhadas por todos os lugares! Alguns dizem que tem tesouros nelas, mas parece que só se encontra morte por lá. Hunc! Uma delas com certeza só tem isso. É a Torre da Morte. Fica no meio da ilha e ninguém vai até lá. E os malucos que se arriscam a ir, nunca mais voltam. Hunc! Além disso, tem as pedras.

_ Pedras? Que pedras? – perguntou Nailo.

_ Ah, vocês vão topar com algumas pelo caminho. Hunc! Uma enorme pedra no centro e outras menores em volta dela. Hunc! Um mago uma vez me disse o nome disso. Como era mesmo? Menu...mani..minu..meni...Isso! Menir! Esse é o nome! Hunc!

_ E o que esse menires fazem? – indagou Anix.

_ Sei lá! O mago chamava esses lugares de, como era mesmo? Fazenda, não! Sítio! Isso Sítio daquele negócio que os magos chamam a magia. Hunc!

_ Divina? – sugeriu Lucano.

_ Não! Hunc!

_ Arcana? – disse Nailo.

_ Isso! Sítios Arcanos! Era esse o nome! O mago chamava as pedras de Sítios Arcanos. Acho que elas devem ter algum tipo de poder mágico. Hunc! E deve ser do mal também.

_ E o que é aquele porto que nós vimos lá na praia, Tork? Tinha navios por lá, mas parecia estar tudo deserto. – disse Nailo.

_ Vixe, maluco! Aquilo lá sim é que é sinistro. É um lugar do mal. Ta assim de morto-vivo por lá. Hunc! Tudo pirata falecido, mas que morreram e esqueceram de deitar! Não passem por lá, porque naquele lugar o bicho pega. Hunc! – e, após uma breve pausa, o troglodita deu um grito. – Pronto! Terminei a por...a porcaria do mapa!

Todos se reuniram em volta do troglodita para olhar o mapa e ouvir suas explicações.

_ Bom, botem essas orelhas pontudas pra funcionar. Hunc! A gente ta aqui nesse xis! Pra lá é a praia. Vocês vão pra cá, pro...como era mesmo? Ah, sim, pro leste. Hunc! Vão viajar pro leste. Um dia e meio mais ou menos. Hunc! Então vão encontrar uns morros de pedra. Ai vocês vão virar pro sul, pra dentro da ilha e vão viajar por uns dois dias e pouco. Hunc! Então vão encontrar um abismo. Tomem cuidado aqui.

_ Cuidado com o que? – perguntou Squall.

_ Cuidado pra não cair, seu orelhudo. Elfos...hunc! Vão acompanhando o penhasco para o leste, até o final dele. Mais um dia de viagem, eu acho. Então, virem para o sul de novo. Hunc! Viajem mais um dia e meio e vão chegar nas terras das caçadoras!

_ Caçadoras? Quem são elas? – perguntou Anix.

_ Dragoas caçadoras! São uma tribo chata pra dedéu. Hunc! Devem ser parentes de algum dinossauro, mas elas se chamam de dragoas e se acham mais fortes que todo mundo. Vocês já devem ter ouvido falar da Divina Serpente, não é mesmo? – disse Tork.

_ Eu já ouvi! Uma serpente de fogo. Algumas pessoas dizem que ela é uma deusa e alguns até a consideram uma deusa maior, uma das vinte divindades do Panteão. – respondeu Lucano.

_ Pois é! Pras dragoas ela é uma deusa. Mas eu digo, aquilo parece mais é o capeta. Hunc! Não sei o que é, mas sei que aquele troço mora na ilha. Aquela montanha gigante que vocês devem ter visto da praia, aquilo é um vulcão. E é o covil dessa serpente. Hunc! Quando passarem pelas terras das caçadoras, tomem cuidado. Elas não são flor que se cheire. Hunc! Lá vocês estarão bem perto do vulcão, e também da Torre da Morte. Então vê se não morrem. Hunc!

_ Não se preocupe! Nós temos como nos proteger! – zombou Anix, simulando alguns gestos arcanos.

_ É, sei. O mago dos menires também falava isso. Hunc! Mas nunca voltou pra contar história. Bom, continuando. Hunc! Depois de um dia, um dia e meio, virem pro leste e um pouco pro sul. Vão viajar mais um dia e pouco. Hunc! A floresta vai ficar mais aberta nesse ponto, e vocês vão saber que estarão no caminho certo. Depois de um dia, um dia e meio, vocês vão ver o abismo e a torre que procuram. Hunc! Entenderam?

_ Sim, Tork. E agradecemos pela ajuda. Agora temos que ir. Não podemos perder tempo. Adeus e obrigado por tudo. – disse Anix.

_ Adeus! E boa sorte pra vocês. Vão precisar muito, he he he. Hunc! – despediu-se Tork.

_ Adeus amigos! E que a Deusa os acompanhe! – despediu-se Lisandra.

_ Adeus e obrigado pela ajuda! - despediram-se os heróis.

_ E eu prometo que voltaremos aqui para lhes trazer notícias nossas quando completarmos nossa missão. – disse Nailo.

_ Pro seu bem, eu torço pra que sim. Hunc!

Assim os aventureiros separaram-se de seus novos amigos. Tork e Lisandra, como se sabe, viveriam suas próprias aventuras que mudariam o destino de Arton e eles ainda se reencontrariam outras vezes para alegria de todos.

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