fevereiro 25, 2009

Capítulo 340 – Caçadoras


A noite já se fazia presente na floresta. A escuridão dominava as profundezas do abismo sem que este revelasse seu fim. Os heróis caminhavam há horas, já ansiosos por encerrar aquele dia e descansar. Subitamente se viram cercados, presos em uma armadilha. Uma rede despencou do alto das árvores, silenciosa demais até para os ouvidos de Nailo. Era feita de finos fios brancos, leves como plumas, mas resistentes como o melhor tecido. Era uma intrincada rede confeccionada com fios de teias de aranha. O objeto se precipitou rapidamente, carregado para o chão por pesos feitos de pedras. Num instante ela já cobria o grupo, prendendo-os em posição desconfortável. Após a rede, vieram as dragoas.

Dezenas de criaturas bípedes desceram pelas árvores, rastejando sobre elas com destreza incomum. Eram baixas e esguias, de corpos bem torneados apresentando curvas generosas. O couro que revestia seus corpos variava o tom entre o marrom e o avermelhado, por vezes lembrando o bronze. Olhos amarelados e luminosos, com pupilas verticais como as de leoas, fitavam os prisioneiros. Uma crista de cores vivas descia da cabeça até a base do pescoço de cada criatura e uma longa e fina cauda escamada, de cor semelhante à da crista, agitava-se na extremidade de cada corpo. Usavam roupas simples, tangas, saiotes ou tiras de couro, mais por ornamento que para esconder a intimidade e, por mais que lembrassem répteis, por algum motivo desconhecido todas possuíam seios firmes e belos sempre à mostra. Imediatamente os heróis se lembraram dos avisos de Tork e souberam onde estavam. Suas captoras eram as dragoas caçadoras.

As dragoas desciam como uma enxurrada, carregando lanças, arcos, estranhas espadas que pareciam serem feitas de vidro negro e longas hastes de madeira em cujas extremidades havia grilhões repletos de espinhos para prenderem os novos escravos do bando.

Squall tentou uma solução diplomática, propondo a paz no idioma dos dragões. Mas, as caçadoras não compreendiam uma palavra. Falavam em um idioma estranho, próprio, que não era conhecido por nenhum dos heróis. Várias delas já estavam ao alcance de uma espada, prontas para imobilizar os aventureiros quando o grupo se deu conta que não adiantaria conversar. Era preciso lutar.

Legolas apanhou seu arco e começou a disparar freneticamente, derrubando uma fileira de inimigas. As flechas zuniam cortando o ar e deixando rastros de gelo e neve. Nailo postou-se ao lado do amigo, deixou as espadas descansando em suas bainhas e começou a atacar também com seu arco.

As caçadoras revidaram. Uma saraivada de flechas cobriu a pequena clareira onde o combate ocorria. Vinha do alto das árvores onde dezenas de outras dragoas atacavam com mira mortal. Os heróis foram alvejados, perfurados pelas setas e além dos ferimentos normais, sentiram veneno corroendo suas carnes e invadindo seus corpos.

Lucano comandou Dililiümi enquanto conjurava um feitiço e suas forças se esvaiam pela ação do veneno. Duas esferas de chamas explodiram ateando fogo em uma dúzia de dragoas. Mesmo assim, elas continuavam avançando, sacaram suas armas e partiram para o combate corporal com os heróis.

Orion ergueu sua espada e a chama de sua lâmina abriu uma fenda na rede de teias por onde ele passou e correu até as inimigas. Foi logo cercado por uma dúzia de caçadoras, que o atacavam com suas espadas vítreas e dardos envenenados. O guerreiro golpeava ao redor de si com sua espada, formando pilhas de corpos mutilados cada vez mais altas.

No centro da clareira, Anix usou o poder mágico de seu cajado e tal qual um dragão, começou a cuspir fogo sobre as adversárias. Ao seu lado Squall despejava feitiços de ataque nas dragoas, mas nada parecia capaz de fazê-las desistir do combate. Os cadáveres aumentavam a cada instante, mas as caçadoras continuavam avançando, atacando com suas clavas, com suas espadas, com dardos e flechas gotejando veneno.

Legolas continuava atirando sem parar. Suas flechas precisas perfuravam e congelavam às dezenas. Nailo desistiu do arco e fez suas espadas beberem o sangue das dragoas. Ao seu lado Lucano usava Dililiümi para retalhar as inimigas que se aproximavam numa torrente. Afastado do grupo, Orion girava ao redor de seu próprio eixo, partindo corpos ao meio com sua Lâmina flamejante. Squall lançava magias sem conta sobre as dragoas e viu ao seu lado seu irmão apelando para seus novos poderes. Anix retirou a bandana que cobria sua testa e seu terceiro olho começou a disparar raios mágicos em suas inimigas.

Uma nova saraivada de flechas choveu das árvores. Sabendo não ser capaz de resistir a mais aquele ataque, Lucano se fez invisível e afastou-se do caminho dos projéteis. Anix fez diversas inimigas explodirem numa bola incandescente enquanto seus amigos atacavam com espadas e flechas, dando cobertura para Squall realizar sua transformação. As flechas chegaram do alto, sedentas de sangue. O chão tornou-se espinhento, coberto por setas envenenadas. Os heróis foram atingidos várias vezes, ficando cada vez mais fracos, tanto pela gravidade dos ferimentos, quanto pela ação das toxinas das inimigas. Anix fora o mais prejudicado pelo ataque e não resistiu. O mago tombou.

No chão não restavam inimigos em pé, apenas corpos mutilados de incontáveis dragoas caçadoras. Mesmo assim a situação era alarmante. Anix tombara, gravemente ferido, e a situação dos demais não era muito melhor que a do companheiro moribundo. Cloud também jazia no chão, ferido e sem forças para voar devido ao veneno que invadia seu corpo. Acima de suas cabeças dezenas de caçadoras retesavam seus arcos para mais uma rajada mortal e, como se isso não bastasse, os gritos de guerra de várias outras dragoas emergiam das profundezas da mata, aproximando-se cada vez mais da clareira. Poucos metros à frente Galanodel despencou dos céus, presa em uma rede de fios de seda branca. Um grupo de dez dragoas surgiu das árvores correndo na direção da coruja gigante, prontas para matá-la. Outras tantas inimigas começavam a surgir, cada vez mais numerosas, em pontos esparsos da mata, vindo na direção do grupo.

Orion correu até Galanodel, protegendo-a de suas algozes. Sua espada mais uma vez retalhava os corpos esguios e belos de suas inimigas, agora com maior fúria. No curto período de tempo em que tinham estado juntos, Orion sem perceber desenvolvera um forte sentimento pela ave e agora com ela em perigo o guerreiro se dava conta disso. Mas sua fúria não bastou para intimidar as caçadoras e em segundos o humano estava cercado por uma dezena delas, obrigando-o a combater com maior eficiência.

Nailo avançou pelo flanco esquerdo, barrando a aproximação de mais inimigas com suas espadas. Legolas formava barreiras instransponíveis para das dragoas com suas flechas, enquanto Lucano usava seus poderes para trazer Anix de volta da beira da morte. O mago se ergueu e voltou ao combate. Seu terceiro olho brilhou e um raio atingiu uma das dragoas. A expressão da guerreira se transformou e pela primeira vez os heróis viram uma delas sentir medo. Mesmo assim a mulher continuava a lutar, ainda que hesitante. O medo mágico instilado por Anix não era capaz de sobrepujar os instintos mais primitivos, o senso de superioridade e a confiança inabalável da dragoa caçadora. Anix, que por pouco escapara da morte, voltou a ficar debilitado após usar o olho mágico e ter suas forças drenadas por ele.

Squall fundiu seu corpo ao de Cloud e, unidos num só, os voaram dois de encontro às dragoas que os alvejavam das copas das árvores. O elfo alado flutuava diante das inimigas, tentando chamar para si a atenção delas, mas sua tentativa foi em vão. As nativas atacaram uma vez mais, despejando uma chuva de setas nos que combatiam no solo. Anix voltou a cair, novamente à beira da morte.

Squall, agora Scloud, ergueu o indicador direito. Acima do dedo uma esfera rubra de energia girava e aumentava de tamanho velozmente. O feiticeiro sorriu com seu bico de falcão e proferiu uma palavra mágica. A pequena esfera de energia explodiu numa enorme bola de chamas que queimaram as dragoas até os ossos, encerrando suas vidas de batalhas. Os corpos chamuscados despencavam das árvores enquanto a figura alada de Scloud emergia sorridente das chamas.

No solo Orion passava por situação desesperadora. As inimigas se acumulavam ao seu redor cada vez mais numerosas. O guerreiro as derrubava aos montes, mas sua espada não era capaz de matar mais rápido do que as caçadoras chegavam. Duas das mulheres conseguiram se manter fora do alcance do humano e, armadas de espadas vítreas, avançaram sobre a indefesa Galanodel. Presa na rede, a coruja era uma vítima fácil, as dragoas iriam matá-la facilmente antes que Orion conseguisse alcançá-las.

Então uma brisa fria soprou na direção de Orion, cada vez mais forte até se transformar num turbilhão de vento e neve. O ar congelado matou todas as dragoas que cercavam o humano, mas, assim como Galanodel, ele também foi ferido. Orion desvincilhou-se dos corpos congelados que o agarravam, atirando-os ao chão e deixando-os se estilhaçarem no solo. O guerreiro virou-se, fez um gesto agradecendo a ajuda de Legolas que ainda tinha o arco apontado em sua direção, e correu até a coruja inconsciente. Pegou um frasco em sua mochila e despejou o líquido espesso e esverdeado pela garganta da ave. A coruja despertou.

_ Galanodel! Sente-se melhor? Pode voar? – perguntou Orion.

_ Sim! – respondeu o pássaro.

_ Voe para segurança. Proteja-se! – disse o humano enquanto libertava sua amiga das amarras com sua espada. Galanodel bateu as asas e buscou a proteção das árvores. Orion ergueu-se e correu de volta para seus companheiros.

No alto, Scloud voava em grande velocidade, jogando seu corpo sobre as adversárias com toda força, atropelando-as. Três delas despencaram de uma altura de quase quinze metros. Apesar disso, ainda eram capazes de se levantar e continuar lutando, provando que os alertas de Tork sobre as dragoas eram verdadeiros.

Nailo barrava as dragoas que chegavam com movimentos já decorados. Esquivava, aparava com uma espada, cortava com a outra e recuava um passo para deixar o corpo adversário cair livremente. Lutava sem emoção, apenas instintivamente. Sua mente estava longe das espadas. Preocupava-se com Anix, caído no chão frio, sangrando abundantemente. Seu olhar se voltava constantemente para o amigo enquanto suas espadas faziam seu trabalho como se tivessem vida própria.

Lucano também temia pelo amigo e correu até ele. Dililiümi, nas mãos do clérigo, lançava bolas de fogo nas inimigas dos elfos com a mesma ferocidade com que atacaria goblinóides enquanto o elfo se concentrava em alcançar o amigo. Lucano pousou a mão sobre o peito do amigo para curá-lo com uma bênção, entretanto, para seu espanto, não precisou.

Anix se ergueu do chão levitando magicamente. Abriu seus olhos, todos os três. Estavam tingidos de um tom roxo, brilhante como três chamas fantasmagóricas. Sua boca se abriu num largo sorriso de dentes pontiagudos como setas e algo começou a se mexer em seu ventre. Era como uma serpente se agitando de um lado para outro, enroscando-se nas vestes do mago até conseguir agarrá-las e rasgá-las por dentro. Pedaços de tecido despencaram do rasgo que se formara, deixando surgir à luz uma cena bizarra. Havia um enorme olho cheio de ódio e maldade no estômago de Anix. Sob ele uma bocarra exibia dentes afiados e um sorriso jocoso, maligno. O simples abrir do olho fez com que as espadas de Orion e Nailo e o arco de Legolas perdessem seus poderes mágicos e se tornassem armas mundanas. A própria Dililiümi se calou. O mal despertara por completo, aquele que estava diante de Lucano não era mais seu amigo Anix. Era uma criatura maligna, terror de camponeses, monstros e heróis. Era uma aberração cheia de maldade cujos muitos olhos agora observavam suas próximas vítimas. Era um observador, um beholder, que pelo poder mágico de Galrasia voltara à vida após ser reduzido a um único olho em decomposição que fora implantado em Anix meses atrás, em Vectora.

Anix, possuído pelo beholder, flutuava para longe do grupo. Seus olhos brilhavam mirando Lucano, prestes a disparar. O clérigo lançou uma prece sobre si para se proteger do ataque iminente. Orion correu para ajudar, mas Nailo foi mais veloz e em um piscar de olhos já estava sobre Anix, golpeando-o com as costas de suas espadas para atordoar sem ferir o corpo do amigo. O beholder resistiu aos golpes por pouco. O olho na testa do elfo-monstro se projetou para fora, suspenso por uma haste fibrosa. Estava pronto para disparar um raio mortal em Nailo quando Squall desceu do céu num mergulho ultra veloz e atingiu a nuca de Anix com um poderoso chute. O corpo de Anix encontrou o chão uma vez mais, desmaiado. Seus olhos se fecharam, o olho em sua testa retornou para dentro de sua cabeça e seu ventre retornou à normalidade, sem olho, sem boca. Era Anix novamente, dormindo. As armas voltaram a brilhar, transbordando poder mágico. Há alguns metros dali, Legolas era o único que ainda combatia as dragoas caçadoras, tentando impedir seu avanço. Mas já era tarde. Uma multidão cercou a clareira, talvez centenas de mulheres, apontando suas espadas, zarabatanas e flechas para os invasores. Eram muitas. Por mais que os heróis fossem poderosos, não havia como vencer aquele exército. Havia apenas duas opções a escolher: a rendição ou a morte.

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