janeiro 09, 2008

Capítulo 300 – Médicos e monstros

Capítulo 300 Médicos e monstros

Anix despertou. Seus olhos abriram mas nada enxergaram. Tudo estava escuro. Estava deitado sobre pedra fria, vestia apenas uma roupa de tecido fino com uma grande abertura nas costas. Sua cabeça doía a cada movimento que executava. Havia uma dor latejante na testa, que ficava fraca quando ele permanecia imóvel e que aumentava quando se movia. E existia outra dor, no alto e na parte de trás da cabeça, que incomodava sempre que Anix tocava aquela região que parecia um pouco inchada.

O elfo se levantou vagarosamente e percebeu que estava em um tipo de cama feita de pedra fixada na parede, como uma prateleira de livros. Começou a andar, tateando a parede, em busca de uma saída dali. Foi quando tropeçou em algo.

Era muito grande, maior que ele mesmo e macio e quente. Anix pensou se não poderia ser algum animal, e um rugido o convenceu que era pior do que isso. Era um monstro. Um hálito quente e fedegoso embriagou o mago. O chão estremeceu quando a criatura se levantou, arfante. Anix estremeceu e se afastou rapidamente, mas uma garra afiada como uma navalha e grande como uma espada cortou-lhe o peito antes que pudesse sair do alcance da criatura. O monstro caminhava seguindo o elfo, como se pudesse enxergá-lo na escuridão, enquanto Anix fugia o mais rápido que podia, às cegas. E novamente ele tropeçou em algo que estava no chão e caiu.

Um cheiro asqueroso invadiu suas narinas. Suas mãos estavam mergulhadas em algo mole, pegajoso e fedido. Anix ouviu grunhidos acima de sua cabeça, logo após o monstro soltar um urro ensurdecedor e reconheceu rapidamente o grunhido. Eram morcegos. Sem hesitar, pegou um punhado daquele algo pegajoso, mole e fedido e moldou uma pequena esfera, uma bola de fezes de morcego. Anix calculou a distância que havia percorrido até chegar onde estava, concentrou sua mente, murmurou algumas palavras arcanas e arremessou a esfera de guano. Ela explodiu numa grande bola de fogo, envolvendo o monstro em suas chamas mágicas, revelando sua aparência e a do local ao redor.

O monstro tinha um tronco humanóide, porém gigantesco. Devia ser algum tipo de ogro ou troll, mas com algo diferente. Em lugar de uma mão de ogro ou de troll, havia uma enorme presa a um membro articulado semelhante a uma pata de inseto. A garra era óssea e curva e toda serrilhada, algo que Anix nunca vira antes.

Na sala havia outras daquelas camas-prateleiras penduradas nas paredes. Havia um monte de excremento de morcego, sobre o qual estava Anix, e uma abertura pequena no alto da parede sobre a cabeça dele, por onde os morcegos fugiam voando assustados. À esquerda, exatamente no meio da parede, havia uma porta de madeira, velha e apodrecida.

Sem hesitar, Anix correu para a porta, tentando arrombá-la com outra bola de fogo. Mas havia algo errado, sua magia falhou inesperadamente. Talvez aquelas dores em sua cabeça o estivessem afetando, ou talvez o fato de usar guano, ao invés do costumeiro enxofre, como componente material para a magia estivesse atrapalhando a conjuração, pensava Anix. Mas, a verdade era que em Vectora, magias daquele tipo eram muito difíceis de serem realizadas devido ao campo mágico que envolvia a cidade para proteger seus cidadãos e visitantes de serem feridos, ferir, serem enganados ou enganar. Dessa forma Vectorius mantinha a ordem em sua cidade voadora, limitando o poder dos magos, tornando-os mais fáceis de controlar. Desesperado, Anix começou a bater na porta, tentando arrombá-la. O monstro caminhava em sua direção, ficando cada vez mais próximo. O tempo se esgotava. Mas, o som de correntes se movendo e se estivando foi um alívio para o mago. A criatura estava acorrentada à parede e suas amarras se esticaram antes que ele pudesse alcançara o mago e trucidá-lo. Sem risco de ser atacado, Anix conseguiu trabalhar com calma e arrombar a porta apodrecida não representou grande dificuldade.

Anix saiu para um corredor longo e estreito, de paredes de rocha entalhada e chão de terra batida. Parecia estar em uma caverna, uma masmorra subterrânea. Perto dali, uma tocha tremulava pendurada na parede, iluminando, ainda que precariamente, a porção do corredor onde Anix se encontrava. Havia também outras portas, como a de onde Anix saíra. Eram outras celas. Anix usou seu poder mágico para ficar invisível, e precisou se concentrar muito e gastar muita energia para conseguir fazer a magia funcionar. Começou a caminhar lentamente pelo corredor, quando ouviu o monstro urrando dentro da cela. Depois ouviu o som das correntes se esticando novamente e um novo urro. Então veio um estalido agudo, as correntes haviam se partido, o monstro estava solto.

A criatura grotesca surgiu no corredor, bufando, urrando e esmurrando paredes e chão. Começou a correr na direção do mago, enlouquecido. Anix não sabia se ele o estava vendo, ou se corria para fugir dali, assim como ele próprio fazia. Sem desejar descobrir a resposta, Anix atacou, arremessando um punhado de fezes de morcego no monstro e recitando o feitiço da bola de fogo. As energias mágicas se dissipavam com facilidade, de modo que foi preciso muito esforço para reuni-las e convertê-las em fogo. Mas, no final, Anix teve êxito e a magia funcionou. O fogo explodiu e se alastrou pelo corredor apertado, quase chegando a Anix. Enfurecido e chamuscado, o monstro correu ainda mais rápido, e desta vez Anix não tinha dúvida, ele era o alvo da criatura.

O mago correu o mais que podia, acompanhando a curva que o corredor fazia para direita e para cima, terminando em um lance de degraus de pedra e uma porta, desta vez bem reforçada. Encostou-se na porta, a uma distância segura da curva do corredor, e se concentrou ao máximo. Quando o monstro surgiu pela curva, uma nova bola de fogo o atingiu, explodindo seu peito e tirando-lhe a vida. Anix nem teve tempo para comemorar a vitória.

No alto da porta uma pequena janela de madeira foi aberta pelo lado de fora. Atrás das grades de metal que bloqueavam a passagem pela abertura, havia o rosto de um homem, emoldurado em um capuz escuro.

_ O quê??! As cobaias estão soltas? Vou dar o alerta! – o homem estava surpreso por ver Anix fora de sua cela. Virou-se para correr e gritar por reforços e teve uma nova surpresa. – Quem é você? Como chegou até aqui? Vai morrer por isso, seu idiota!

Anix olhou pela abertura da porta e viu um elfo não muito distante apontando um arco para o vigia. Da ponta da flecha pingavam flocos de neve. Era Legolas.

· · · · · ·

Na superfície.

Após ir de um bairro a outro e penetrar por ruas estreitas, escondidas da maioria das pessoas, Nailo chegou a uma praça. Era um largo onde várias pequenas vielas terminavam, circundado por muitas lojinhas pequenas e tavernas sujas. E havia um pequeno chafariz no meio do largo, onde os pássaros não se arriscavam a beber.

_ Onde é? Onde os homens maus iam levar você? – perguntou Nailo ao lobo, latindo e rosnando como tal.

O animal apontou com o focinho para o lado oposto do beco onde estavam. Lá, além de lojas sem nome e de portas fechadas, havia uma escadaria que descia abaixo do solo, para algum estabelecimento instalado num porão, um lugar perfeito para um esconderijo de criminosos.

_ Esperem aqui! – disse o ranger ao animal e ao amigo. Andou até o meio da praça, deu uma olhada em volta e viu um homem saindo de uma taverna onde alguns bêbados cantarolavam algo de maneira desafinada. Foi até ele.

_ Boa tarde amigo! – disse Nailo.

_ Boa tarde – respondeu sem entusiasmo o homem, já encostado numa parede e com as mãos nos bolsos da calça.

_ Olha amigo, eu preciso de uma informação. Eu tenho umas coisas pra comprar e pra vender e gostaria de saber se aqui é o mercado negro da cidade – perguntou Nailo em tom meio debochado, tentando imitar o jeito dos freqüentadores do local.

_ Olha, não sei de nada disso não. Pergunte para outro – respondeu o outro secamente.

Lucano se aproximou dos dois.

_ Não se preocupe, pois nós não somos da milícia. Precisamos de algumas informações – era o clérigo.

O homem olhou desconfiado para os dois, olhou em volta, tentou se afastar e finalmente falou.

_ Olhem, não sei de nada. Deixem-me em paz e...olhem lá! O que é aquilo??? – algo chamou a atenção do homem, deixando-o espantado. Ele apontou para trás assustado.

Nailo e Lucano olharam, mas nada viram de estranho. Quando se viraram novamente para o homem, ele já não estava mais lá. Caminhava já a metros dali, acelerado.

_ Ei você! Espere ai! – o grito de Nailo alarmou o homem que correu e entrou num beco. Nailo e Lucano o seguiram rapidamente. Entraram no beco, era uma viela estreita e sem saída, cercada por casarões altos, e não havia portas ou janelas por onde o suspeito pudesse fugir e, no entanto, ele não estava lá. Tinha desaparecido.

Nailo investigou o local, procurou por passagens secretas, rastreou as pegadas do suspeito, mas não encontrou sinal do que havia acontecido a ele. Suas pegadas desapareciam abruptamente no meio do beco sem saída, como se ele tivesse sumido dali por mágica. Sim, teletransporte ou algo parecido, somente isso explicava o sumiço do homem, não adiantava mais procurar por ele. Mas, sua atitude revelara o que Nailo desejava saber. Estavam em um local secreto da cidade, acessado por poucos e longe dos olhos da milícia. Um lugar onde criminosos se encontravam para negociar produtos ilegais, para planejarem seus atos sórdidos, para dividirem seus espólios e para torturar animais.

Voltaram até a entrada da praça e pegaram o bandido desmaiado que haviam deixado encostado numa parede como se fosse um bêbado adormecido. Carregaram-no como se transportassem um amigo bêbado. O lobo os seguiu, tentado ser furtivo. E, num lugar como aquele, conseguiu. Esconderam o prisioneiro no beco sem saída, junto a uma pilha de lixo. Colocaram uma garrafa vazia ao lado dele e esconderam as mãos amarradas sob o lixo para não levantarem suspeitas. Nailo ordenou ao lobo que se escondesse no beco e que aguardasse até ele voltar e assim o animal fez. Lucano e Nailo caminharam de volta para o largo e, ao se aproximarem da saída do beco, perceberam que algo estava errado. Pessoas corriam, se escondiam em lojas que eram rapidamente fechadas. Do outro lado do chafariz, um homem de manto escuro, como o que haviam capturado, conversava com um bando de homens suspeitos em uma taverna.

Um enorme grupo de humanos de olhar sério, faces marcadas por cicatrizes, corpos cobertos por couro batido e espadas em punho tomo conta da praça, sem no entanto se dirigir para onde Lucano e Nailo estavam. Eles iriam atacar, mas o alvo era outra pessoa. Nailo esticou a cabeça para fora do beco e viu o alvo da gangue. Eram Squall e Orion.

Após perseguirem o assaltante que tinha escapado, Orion e Squall chegaram ao largo do chafariz. Seelan saíra para buscar a milícia ao ver o assaltante entrando numa taverna, seu possível esconderijo. Squall e Orion ficariam para vigiar o lugar. Mas, ao invés de se esconder, o criminoso saiu da taverna com reforços. Foi com alegria e surpresa que Squall e Orion viram Nailo e Lucano se juntarem a eles naquele lugar. Sem demora, a batalha começou.

Squall usou um dos pergaminhos de Deedlit e ganhou altura, voando para longe das espadas de seus inimigos. Do alto, disparava raios e bolas de chamas em seus adversários, queimando-os aos montes.

No chão, Orion e Nailo foram cercados. As espadas dos inimigos rasgavam seus corpos vez ou outra, mas os dois guerreiros levavam a melhor sobre os adversários. Orion atacava com golpes fortes que derrubavam os inimigos um a um. A cada oponente caído, a espada do humano continuava sua trajetória em arco para atingir e cortar um novo corpo, amontoando os inimigos mortos ao redor de Orion. Já Nailo, fazia uma chuva de lâminas cair sobre os seus inimigos, desferia golpes rápidos com suas espadas eletrificadas, derrubando um inimigo após o outro.

Lucano fornecia apoio mágico ao grupo, ofuscava os inimigos, queimava-os com raios ardentes iguais aos de Squall e contaminava seus corpos com doenças e venenos mágicos.

Os inimigos reagiam com suas espadas, vez ou outra ferindo um dos heróis, apelavam para suas armas imbuídas em veneno quando se viam já quase sem vida, alvejavam Squall com chuvas de flechas, mas, apesar de seu empenho e da vantagem numérica, iam perdendo a batalha pouco a pouco.

Não longe dali, no subsolo, outra batalha ocorria. Anix tentava lançar bolas de fogo no adversário, mas sua magia falhava devido ao campo de proteção de Vectora. Legolas disparava suas flechas no inimigo que revidava com magia, tentando fazer os dois caírem num sono profundo ao invés de tentar feri-los. Por fim, Anix deu um basta no combate, lançando uma teia mágica sobre o adversário, enredando-o e impedindo-o de reagir.

Legolas se aproximou lentamente, cortando os fios pegajosos com sua espada. O vigia tentou gritar por socorro, mas o arqueiro foi mais veloz e o silenciou com um corte na garganta.

_ Venha Anix. Vamos sair daqui – Legolas arrombou a porta e libertou o amigo. Montados na vassoura voadora, os dois seguiram adiante pelo corredor até uma outra porta, enquanto lá em cima, na superfície, Squall se desviava de uma saraivada de flechas e cegava um dos inimigos com fogo mágico.

Os dois passaram sem dificuldade pela porta, subiram uma escada e chegaram a outro corredor. Cinco metros à frente deles havia duas portas, uma em frente à outra. Mais cinco metros à frente havia outras duas, iguais às anteriores e igualmente dispostas. No fim do corredor, à esquerda, havia uma última porta por cujas frestas penetrava a reconfortante luz do sol. Metros acima, Nailo aparava dois golpes de espada e revidava, fazendo tombar dois criminosos ensangüentados e eletrocutados.

Legolas e Anix caminharam em direção à saída, porém, seus passos eram por demais ruidosos. Uma voz masculina ecoou por detrás da primeira porta.

_ Jonny? É você?

_ Sim – respondeu Legolas, tentando disfarçar a voz.

_ Sua voz está estranha. O que está acontecendo? – o homem por trás da porta se levantou, empurrando uma cadeira. Legolas e Anix voaram na vassoura velozmente até a saída. O homem surgiu no corredor e os viu.

_ Malditos! Não escaparão! – uma bola de fogo explodiu no corredor, atingindo Legolas e Anix. O mago arriscou um feitiço, rezando para que não falhasse desta vez. Funcionou. Uma rajada nefasta irrompeu pelo corredor, saída das mãos de Anix e atingiu o homem. Envolto em uma onda de energia negra, o inimigo sentiu suas forças desaparecendo, seu próprio fôlego sendo tomado. Percebendo o poder dos inimigos, ele correu de volta para dentro da sala onde estava. Fora dali, na praça, Orion trespassava três adversários com um único golpe de sua espada, os corpos caíram no chão, partidos e queimados.

_ Vamos Anix! Vamos pegá-lo agora! – gritou Legolas.

_ Não Legolas! Estou fraco, sem minhas coisas e minhas magias não funcionam direito. Vamos sair daqui. – pediu o Anix.

_ Vá você, então. Encontre os outros e traga-os aqui. Eu não vou deixar esse verme fugir – Legolas desceu da vassoura e arrombou a porta de saída com um pontapé. Sacou sua espada e voltou correndo pelo corredor, atrás do inimigo.

Anix controlou desajeitadamente a vassoura voadora para fora dali. Passou por um lance de escada e chegou à superfície. Estava em uma praça, que mais parecia um cenário de guerra. Mais de uma dezena de corpos caídos, sangue e morte. Em pé apenas alguns homens que fugiam, aliados vencidos dos que estavam caídos. Perseguindo-os, Nailo, Lucano, Orion e Squall, voando.

_ Anix! Irmão! – berrou Squall. Seu irmão rodopiava sem jeito e sem roupa agarrado à vassoura mágica, até se jogar dentro da água do chafariz. A vassoura continuou mais alguns metros em queda até atingir o solo.

Nailo e Orion rasgaram ao meio os últimos criminosos que tentavam fugir. Nenhum escapara. Nesse instante chegou Seelan, acompanhado de vários soldados da milícia Vectoriana. Os soldados se espalharam pelos corpos no chão, conferindo o resultado do combate: estavam todos mortos.

_ Maravilha! Belo serviço, rapazes. Especialmente você, Orionzinho – Seelan caminhava sorridente por entre os cadáveres, aplaudindo. Alisou as costas de Orion. – Mas vocês podiam ter deixado ao menos um deles vivo para ser interrogado! – irritou-se por fim.

_ E deixamos! – exclamou Nailo. Correu até um beco próximo e retornou em seguida carregando um homem amarrado e acompanhado de um lobo gigante. – Esse cara estava com eles. Ele e seu bando estavam maltratando esse lobo indefeso, e queriam trazê-lo para cá à força. Eu e Lucano os impedimos e chegamos até aqui com a ajuda do lobo. Pelas roupas e modo de lutar, todos eles devem estar envolvidos.

_ Tem mais um vivo, capitão! – era Anix, saindo de dentro do chafariz.

_ Anix!!!! – alegrou-se Seelan. – O que aconteceu com você?

_ Não sei direito. Fui capturado por bandidos que assaltaram uma garotinha. Acordei em uma prisão subterrânea, sem minhas roupas e com uma dor de cabeça infernal – explicou o mago.

_ E onde fica essa prisão?

_ Descendo aquelas escadas. Tive que matar um monstro esquisito e um vigia. O Legolas me ajudou. Ele está lá embaixo agora, perseguindo um dos bandidos.

_ Vamos para lá, depressa! Tenente, reúna seus homens! – bradou Seelan.

_ Certo Seelan. Vamos, pessoal! Rápido! – gritou o oficial no comando da milícia.

Lá embaixo, Legolas invadira a sala para onde o criminoso havia se refugiado. Lá dentro, encontrou apenas uma escrivaninha com suas cadeiras, estantes e papéis para todos os lados. Em cima da mesa, folhas de papel com desenhos e anotações estranhas. Eram esboços de partes de corpos, braços, pernas, e outras, desenhados como um projeto de uma casa, com anotações sobre a função de cada parte, cada veia, cada osso. Legolas deu uma olhada numa das estantes, onde havia pilhas e pilhas de papéis separados em caixas de madeira. Os papéis continham nomes de pessoas, descrição de alguma cirurgia de nome grotesco, como implante de membro de troll, além de contratos, termos de responsabilidade e outros documentos cheios de assinaturas. Alguns destes papéis também dividiam espaço sobre a escrivaninha. Num deles podia se ler: processo de implante de membro anterior de ogro convalescendo. No outro, anotações sobre uma tal “experiência com oculares beholderianas”.

Legolas não perdeu muito tempo com aqueles papéis bizarros. Procurou pelo homem, sem encontrar vestígios do mesmo. Deveria ter desaparecido por teletransporte, pensou logo o arqueiro, já ficando acostumado àquele meio de viajar. Começou então a investigar as outras salas. Encontrou depósitos de ferramentas mundanas, de vassouras a serrotes, e de ferramentas no mínimo exóticas (se é que podiam ser chamadas de ferramentas). Eram facas de todos os formatos e tamanhos, serras, alicates, tubos de vidro com ponta de agulha, amarras e outras bizarrices. Por fim, na última porta Legolas encontrou um homem, dormindo tranqüilamente. Não estava amarrado, nem parecia estar drogado ou enfeitiçado. Apenas dormia. Vestia uma roupa semelhante àquela com a qual ele encontrou Anix. E os braços do homem eram de alguma forma incomuns. Eram membros gigantescos, desproporcionais ao restante do corpo e de coloração diferente. Parecia que aquele braço não pertencia àquele corpo, como se tivesse sido colocado no lugar do braço original daquele homem, pensou Legolas. E finalmente ele entendeu onde estava.

_ Acorde! Quero conversar com você! Acorde!!! – com a lâmina da espada pressionando a garganta do homem, Legolas o tirou de seu sono à força.

_ Pelos deuses, moço! Eu não fiz nada! Não me machuque! – implorou o acamado, estava em pânico.

_ Não vou lhe fazer mal. Fique calmo. Sei o que fizeram com você. Agora vou guardar minha espada. Promete se comportar bem? – disse o elfo.

_ Sim – respondeu o semi-humano.

Legolas mal retirou a espada do pescoço do homem e foi atacado por ele. Seus braços enormes golpeavam com força sobrenatural e suas garras rasgavam como facas.

_ Mutante! Aberração! Morra!!! – Legolas gritou em fúria, a espada enterrada até o cabo no peito do homem, que tombou inerte. – Verme! – um último xingamento antes de embainhar a espada. Depois, passos vindos do corredor. A arma voltou às mãos do arqueiro.

_ Legolas, tudo bem? – era Seelan.

_ Tudo.

· · · · · ·

Os pertences de Anix foram finalmente encontrados, não faltava uma moeda sequer. O esconderijo dos bandidos foi revirado e tudo que nele havia foi apreendido. O Tenente Alber Rhino, comandante da operação, explicou que aqueles bandidos pertenciam à guilda dos médicos monstros, uma organização de loucos que costurava partes de monstros nos corpos das pessoas, na maioria das vezes, com o consentimento e pagamento delas. Noutras vezes, raptavam pessoas nas ruas para usar em experiências para vender seus resultados a quem estivesse disposto a pagar para ter um braço de troll ou uma asa de dragão ou olho de beholder. Anix provavelmente tinha sido vítima de uma dessas experiências, ou ia se tornar uma, se não tivesse fugido a tempo. O monstro que encontrou na masmorra era uma dessas cobaias e o lobo salvo por Nailo também seria se o ranger não o tivesse salvado. O prisioneiro capturado por Nailo, bem como Tião, seria preso e interrogado. E as investigações continuariam para desmantelar aquela quadrilha bizarra.

Nailo se ofereceu para ficar e ajudar nas investigações, mas Seelan não permitiu, já que eles deveriam retornar a Forte Rodick o quanto antes. Foi quando Legolas revelou que tinha encomendado uma espada e precisaria ficar mais tempo na cidade voadora, deixando o capitão extremamente irritado. Nailo então deixou o lobo sob a guarda da milícia para ajudar nas investigações, com a promessa de que ele fosse solto, tão logo a investigação terminasse, em alguma floresta em Arton. O seria de grande ajuda, já que podia identificar os homens que o haviam capturado e que pertenciam à guilda.

_ Bem garotos, chega de aventuras por hoje. Vamos até uma boa estalagem alugar uns quartos e tomar um bom banho. Depois vamos sair para jantar. E amanhã veremos o que fazer com essa sua história da espada, Legolas – disse Seelan, após se despedirem dos soldados da milícia.

_ Eu já encontrei uma estalagem muito boa, Seelan. Vamos para lá, a Liodriel está nos esperando. – respondeu Legolas.

Foram. No meio do caminho, apanharam Darin e Relâmpago, a família de Anix e Rael. Levaram também Luana e sua filha Sara. Anix lhes pagou um quarto na estalagem pelos dias que faltavam para a cidade chegar sobre Valkaria, assim elas não teriam mais problemas e poderiam recomeçar suas vidas em paz.

Já era noite quando todos se reuniram de banho tomado na taverna da estalagem. Já se preparavam para pedir o jantar, quando Seelan chegou, vestido em belos mantos aveludados, e os impediu.

_ Não jantaremos aqui hoje. Iremos a outro lugar, um lugar especial – disse o capitão, todo cheio de pompa.

_ E que lugar é esse? – perguntou um dos heróis.

_ Verão quando chegarem lá.

Saíram da estalagem e caminharam vagarosamente, apreciando a vista. Vectora era ainda mais bela à noite, com todas aquelas luzes multicoloridas e o som de melodias ecoando aqui e ali nas muitas tavernas. Seelan ia lhes contando os detalhes da cidade, apresentando cada rua importante, cada loja famosa, a sede do conselho da cidade. Explicava o funcionamento do campo de levitação, do campo de restrição que impedia certas magias de funcionar, sanando várias dúvidas de Anix. Atravessaram, distraídos, toda a porção norte da Avenida das Estrelas, que sempre apontava para o norte, não importava onde a cidade estivesse. Já não havia mais lojas ao redor, tinham ficado todas para trás. Somente havia a Avenida Circular que se estendia indefinidamente à esquerda e á direita. E à frente deles, uma enorme muralha, vigiada por vários guardas armados diante de um deslumbrante portão de metal. Além dele, um majestoso palácio. Pararam.

_ Bem, rapazes. É aqui que iremos jantar esta noite. Bem vindos ao palácio de Vectorius! Vou apresentá-los a um dos maiores magos viventes do mundo, o meu antigo mestre e fundador desta cidade, o grande arquimago Vectorius! – a voz de Seelan soou como uma música para os heróis. Em poucos segundos, estariam diante de uma das maiores e mais poderosas personalidades do mundo, Vectorius, o mago.

janeiro 08, 2008

Capítulo 299 – Contratempos

Capítulo 299 Contratempos

Nailo, Lucano e Darin retornavam para as vias principais da cidade, a fim de reencontrar seus amigos, quando um som chamou a atenção dos heróis. Era um ruído distante, abafado pelo burburinho constante das ruas movimentadas. Mas isso não era suficiente para disfarçá-lo aos ouvidos apurados de Nailo. Era um animal em perigo, um cão ou lobo ganindo de dor e de medo, não distante dali.

_ Darin, fique aqui, eu volto logo para buscá-la! Não saia dessa loja! – deixando a noiva e seu lobo em segurança numa pequena loja de capas mágicas, Nailo correu, acompanhado de Lucano, em direção aos ganidos.

Poucos metros dali havia um beco que se contorcia por entre as casas e estabelecimentos comerciais e terminava abruptamente, nas costas de um sobrado alto. Ali havia três homens encapuzados, suas cabeças e corpos cobertos por mantos negros. Cada um deles segurava uma ponta de corda de cânhamo, usada para prender um enorme lobo cinzento, maior que um lobo comum, que rosnava e se debatia, tentando fugir de seus captores. Vez ou outra o animal era golpeado com uma vara e gania. Seu pescoço sangrava, a pele esfolada pelas amarras.

_ Ei, vocês! Parem já com isso! Soltem esse lobo! – gritou Nailo, assim que chegou ao beco, revoltado com o que via.

_ Ora, cale-se! E vá embora daqui! Isso não é de sua conta, garoto! Suma ou irá se arrepender! – retrucou o mais alto dos homens.

Nailo deu um passo beco adentro, atento aos homens e com as mãos perto das espadas. Sua boca emitia grunhidos, rosnados e latidos iguais aos de um cão. Como em resposta, o lobo o imitou enquanto se debatia.

_ Agora já sei que são maus. Soltem o lobo ou irão se arrepender! – Nailo sacou as espadas após gritar com autoridade. Na mão direita, a velha espada forjada nas minas de Durgedin faiscava como um céu de tempestade. Na mão esquerda, uma espada nova, recém adquirida na cidade voadora, soltava descargas elétricas, tentando se igualar à sua rival de maior tamanho.

_ Idiota. Acaba de selar sua própria morte. – resmungou o homem alto. – Matem-no! – gritou por fim.

Os três homens avançaram sobre Nailo com espadas em punho. O ranger se esquivou dos ataques e revidou com suas lâminas carregadas de eletricidade. O primeiro dos inimigos tombou já sem vida.

_ Vocês são muito fracos. Rendam-se! Será melhor para vocês – zombou Nailo.

Entretanto, os dois encapuzados não se intimidaram com o poder de Nailo. Estavam em vantagem numérica, era certo que venceriam, pensavam eles. Voltaram a atacar. Desta vez uma das espadas tocou superficialmente o corpo de Nailo, causando não mais que um raspão, mas foi o suficiente para elevar a moral dos criminosos. Lucano chegou nesse momento e engajou-se na batalha, flanqueando um dos oponentes que cercavam seu amigo.

Então surgiu um quarto homem, também envolto num manto negro. Vendo o que se passava ali, correu para fora do beco em busca de reforços. Mas Lucano o seguiu e, usando o poder concedido por Glórienn, cegou-o magicamente. Impossibilitado de ver, o bandido interrompeu sua fuga e tentou lutar, em vão.

Dentro do beco, o líder dos criminosos encontrava-se em grande dificuldade. Já havia recebido vários golpes das espadas de Nailo, assim como seu comparsa, e, percebendo que não conseguiria vencer aquele combate, decidiu apelar para seu último truque sujo. Desembainhou uma adaga, cuja lâmina gotejava um líquido viscoso e amarelo, de cheiro forte. Tentou golpear as costas de Nailo, mas o elfo se esquivou facilmente do ataque. Tentou então fugir correndo, mas, ao passar perto do lobo que torturava momentos antes, foi atacado com violência e ódio. Por fim, a lâmina longa do ranger terminou por ceifar a vida do homem antes que ele pudesse completar o primeiro passo de sua fuga desesperada.

Na entrada do beco, o homem cego se debatia, tentando fazer com que sua lâmina encontrasse o corpo de Lucano. Desesperado, sacou também uma adaga envenenada e, quando o clérigo tentava desarmá-lo, cravou a lâmina gotejante em seu braço. Mas Lucano era forte e protegido pelo poder da deusa dos elfos. Tomado de cólera, vingou-se com um corte limpo na garganta do inimigo que tombou inerte. O veneno entrara em seu corpo, mas em quantidade insuficiente para causar-lhe qualquer mal.

O último dos criminosos sentiu a lâmina faiscante de Nailo perfurar-lhe o estômago, suas pernas fraquejarem e seus olhos escurecerem antes de ser atingido com força na cabeça e desmaiar. Nailo amarrou o homem desmaiado e tratou suas feridas apenas o suficiente para que ele não morresse de hemorragia. Depois, conversou com o lobo.

Usando o poder que Allihanna lhe concedera, Nailo descobriu que os homens eram pessoas más, que maltratavam animais, e que o lobo poderia levá-lo até o esconderijo daquela gangue maligna. Colocou o bandido desmaiado sobre os ombros e, guiado pelo novo amigo, deixou o beco com Lucano.

Já de volta às ruas, o enorme lobo, bem como o fato de Nailo carregar um homem ensangüentado e amarrado nas costas, causou espanto geral na população. A milícia foi avisada e de heróis eles passara a fugitivos. Assim, fugindo dos soldados e seguindo o lobo, Nailo e Lucano corriam pelas vias de Vectora, entrando pouco a pouco em Mucro, o bairro das armas.

Sem que pudessem imaginar, não distante deles estavam Seelan, Orion e Squall, fazendo o caminho inverso, rumo à saída da vila dos armeiros, conduzidos por Tião entre ruas estreitas e tortuosas e por becos onde a luz do sol não conseguia chegar.

Squall fazia planos para vender as armas de Grinch em outro lugar, já que agora entendia o funcionamento delas e tinha uma noção do preço que elas valiam. Precisava apenas encontrar outra pessoa interessada e pedir um valor acima do proposto por Gorco, o qual ele tinha certeza de que era muito abaixo do que as armas realmente valiam. Orion sentia-se inseguro dentro das paredes de aço que eram sua armadura. Assediado por Seelan, sequer desconfiava que todo aquele flerte não passava de uma traquinagem que o mago sempre fazia com os soldados novatos. Tião tagarelava sem parar, mostrando cada rua, cada loja como se fosse única. Sempre tinha alguma história, algum detalhe a mencionar sobre cada lugar. Talvez tivesse apenas uma boa imaginação que fizesse valer a pena o dinheiro gasto em sua contratação.

Subitamente, em um trecho onde várias ruas estreitas se encontravam num pedaço de uma rua larga e quase deserta, o grupo foi cercado por quinze homens de aspecto suspeito, todos envoltos em mantos escuros e encapuzados. E estavam todos armados.

_ Assalto! – gritou um deles, ameaçando com uma espada. – Entreguem tudo que têm sem reagir ou morrerão!

Squall iniciou a conjuração de um feitiço, murmurando os primeiros versos e movimentando os braços. Orion sacou sua espada flamejante, furioso. Tião se encolheu entre os heróis. Seelan apenas deu um sorriso.

_ Calma, não façam nada. É melhor não reagirmos. Vou entregar todo o dinheiro que trago na mochila, será melhor assim. – disse Seelan, detendo os outros dois. Depois abaixou, tirando a mochila das costas e colocando-a no chão. De dentro dela tirou uma pequena bolsa de cor bronze. Colocou a mão na bolsa vagarosamente e agarrou alguma coisa. – Tomem! – gritou após arremessar para os bandidos uma pequena bola de pêlos do mesmo tom da bolsa. A esfera se transformou num enorme rinoceronte ao tocar o solo. Sob o comando de Seelan, o animal atacou os assaltantes, empanando um deles com seu chifre gigantesco. A batalha começou.

Rapidamente os outros assaltantes se atiraram sobre os heróis. Squall se viu cercado por vários deles, que atacavam com força e precisão. Sentiu seus sabres rasgando sua roupa e sua carne, e perfurando-lhe em locais onde doía muito, como se enxergassem os pontos fracos do feiticeiro. Squall viu seu sangue tingindo o chão enquanto seu corpo, em contraste, empalidecia rapidamente.

A um passo dali, Seelan apenas se esquivava das várias espadas que tentavam morder-lhe. Uma delas raspou em seu ombro, provocando um corte raso que tirou um lamento em tom de desprezo da boca do mago.

_ Que droga! Olhem o que fizeram, seus mal educados! Agora vocês irão me pagar por isso!

Orion não encontrava dificuldades. Os poucos golpes que sua espada não conseguia aparar encontravam a couraça de metal que o protegia, sem lhe causar dano algum. Mas, cercado por todos os lados, não pode evitar que um dos atacantes encontrasse uma abertura em sua armadura e golpeasse com extrema precisão. A dor intensa mostrou ao guerreiro que os inimigos não eram tão fracos quanto pensava, e que não estavam ali para brincar.

Encolhido, com as mãos protegendo a cabeça, Tião era ignorado pelos atacantes. Melhor assim, pensaram os heróis. Dessa forma somente os bandidos perderiam a vida naquele combate. Mas logo mudaram de opinião, quando um dos assaltantes empurrou o guia para tirá-lo do caminho e gritou com ele.

_ Sai da frente Tião! Não atrapalhe! – gritou o bandido sem pensar nas conseqüências de suas palavras. Uma verdade oculta foi revelada, aquilo era uma cilada,Tião estava do lado dos assaltantes.

Seelan mantinha-se calmo. Fitava os inimigos um a um enquanto pensava na melhor estratégia. Estava em Vectora, como bem lembrou, logo, não poderia cometer erros. Viu que Squall se encontrava em apuros e decidiu começar a atacar por ali.

_ Desculpe, Squall! – gritou ele. – Mas eu prometo que isso não vai doer nada!

E veio um feitiço. Após os sinistros versos de Seelan, sua mão tornou-se negra como a mais escura das noites, e um raio igualmente negro saiu dela e se abriu num leque de trevas, atingindo Squall e todos os que o cercavam.

Squall sentiu o fôlego desaparecer, estava cansado como se tivesse corrido por quilômetros sem parar. Seus inimigos estavam em igual condição. Erguiam suas espadas com dificuldade e desferiam ataques bambos que sequer se aproximavam do feiticeiro.

Seelan gritou para Squall se proteger e se curar, mas foi ignorado. Squall tentava lutar e atacar seus oponentes com sua mágica. Cloud o ajudava, cuspindo fogo sobre os inimigos de seu mestre. Mesmo fracos, os inimigos eram em grande número, e essa vantagem os tornava letais contra o enfraquecido e ferido Squall.

_ Ah, moleque teimoso. Parece que está querendo morrer. – resmungou Seelan, se esticando até Squall.

Veio então um segundo feitiço. Dessa vez, a mão de Seelan tocou o braço de Squall, enquanto desviava dos assaltantes que tentavam detê-lo. Squall foi envolvido por uma fumaça mágica e seu corpo se desmanchou e se mesclou àquela névoa até que o feiticeiro se não passasse de uma mera nuvem de fumaça alaranjada.

_ Orion! Agora é com você. Divirta-se! – Seelan deu um sorriso e foi se afastando dos inimigos entre um golpe e outro.

Orion também sorriu, as palavras de Seelan eram tudo que ele queria ouvir. Golpeou com sua espada e a primeira leva de inimigos tombou ao seu redor, cinco homens rasgados e queimados. Avançou até perto de Tião, e mais dois inimigos tombaram mortos. Com mais um golpe, desta vez desferido com o cabo da espada, o guia também caiu, desmaiado. Sua espada continuava limpa, o sangue de seus inimigos fervia e evaporava cada vez que a lâmina se banhava de vermelho após um ataque certeiro. Mais um passo, desta vez ele estava onde Squall se transformara em vapor. Mais cinco golpes, outros cinco inimigos tombados.

Restava apenas um inimigo, que tentava lutar contra o rinoceronte. Assustado e sozinho, ele largou sua espada e correu em disparada.

_ Vamos segui-lo – disse Seelan. – Squall desça aqui para eu dissipar a magia! – gritou em direção à fumaça que subia.

Orion já corria atrás do fugitivo carregando Tião nas costas. Seelan recolheu o rinoceronte de volta para sua bolsa mágica e fez outra magia em Squall, transformando-o de volta em elfo. O feiticeiro tomou uma poção mágica para se curar e os dois correram atrás de Orion, perseguindo o homem pelos estreitos becos de Mucro.

Acima deles estava Legolas, voando em sua vassoura mágica, sem desconfiar dos desafios enfrentados por seus amigos. Do alto, avistou os pais de Anix, Enola e Silfo, os únicos dentre seus amigos que circulavam pela vasta avenida das estrelas, que cortava a cidade no sentido norte sul. Legolas inclinou sua montaria encantada e desceu para se encontrar com os amigos.

_ Oi gente! E então, aproveitando o passeio? – perguntou ele, sorrindo.

_ Legolas, que bom vê-lo! Sim, estamos aproveitando muito – respondeu o senhor Ragnarok.

_ E onde estão Anix e Rael?

_ Bem, eles foram ajudar uma garotinha que estava em apuros. A mãe dela está doente e parece que elas são bem pobrezinhas. Eles foram ajudá-las. Você sabe que o Anix tem coração de manteiga mesmo.

_É, eu sei. E pra onde ele foi? Vou até lá ver se precisam de mim – disse Legolas.

Ragnarok indicou ao arqueiro o caminho que seu filho e o amigo haviam tomado. Legolas montou na vassoura e decolou, causando assombro em todos. Voava em baixas altitudes, quando viu Rael correndo por uma rua estreita. Sem hesitar, ele desceu ao encontro do rapaz.

_ Legolas, que bom! Preciso de ajuda – o clérigo conseguiu arrancar dos pulmões o pouco ar que lhe restava após a corrida para falar. – O Anix, ele precisa de ajuda. A garota foi assaltada. Anix foi atrás dos bandidos e desapareceu.

_ E pra onde ele foi? Diga logo, Rael! – gritou Legolas. O humano lhe apontou, à distância, o beco onde o mago desaparecera. – Depressa, vá avisar aos outros. E tente encontrar o Nailo e o Squall!

Legolas montou em sua vassoura e em segundos chegou ao beco. Olhou as três porta com desconfiança por um breve instante e chutou a que estava à esquerda.

Era uma casa pequena e simples com móveis velhos e remendados. Uma mulher de idade bastante avançada, que ia e vinha em uma cadeira de balanço emudeceu e ficou pálida ao ver sua casa invadida.

_ Desculpe, senhora. Errei de casa, perdão – Legolas saiu constrangido, fechando a porta, e correu para a que ficava no fundo do beco. Um pontapé a abriu com violência e barulho. Lá dentro, outra surpresa.

_ Ei, quem é você? Vá embora! Não vê que estou ocupado? – gritou um homem nu que devia pesar mais de cem quilos e estava sobre uma cama velha e suja, montado em uma mulher de meia idade, rosto cheio de maquiagem e roupa nenhuma.

Furioso e sem tempo a perder, Legolas apontou o arco, já carregado, para o sujeito. Ia perguntar de Anix, mas não teve tempo.

_ Espera! Calma aí, cara! Eu paguei, tá! Sem violência! – o homem agitava os braços em desespero, suava e tremia. Sua voz era quase um choro implorando por piedade.

_ Cala essa boca, seu verme! – gritou Legolas, tomado de ira. – Suma da minha frente antes que eu o transforme em peneira! Saia daqui! Verme!!!

O homem vestiu sua roupa, chorando e pulando até a porta e saiu correndo. Legolas olhou a mulher assustada deitada sobre a cama, uma humana ainda jovem, mas castigada pela vida, como era evidente em seu corpo e rosto. Virou as costas e saiu, apressado. Restava apenas uma porta, tinha que ser a certa. Não havia outra opção. Atirou seu corpo todo contra a madeira e entrou já quase disparando o arco. E não encontrou nada.

Estava em um cubículo, um quarto quadrado, escuro, sujo e baixo. Havia algumas cadeiras velhas e uma pequena mesa dentro do cômodo, e mais nada. Legolas procurou por pistas. Encontrou um alçapão oculto sob um tapete antigo e empoeirado. Abriu-o. Havia um fosso circular que descia muitos metros abaixo do solo. Uma das laterais do fosso possuía uma escada feita de barras de ferro dobradas e cravadas na terra batida. Sem perder tempo, Legolas agarrou-se à sua vassoura e pulou no buraco, descendo suavemente até o fundo. Lá, encontrou um longo túnel, escavado nas entranhas de Vectora para algum propósito maléfico. Sob seus pés, abandonado no chão, havia um pedaço de pano rasgado, retirado de alguma roupa que Legolas conhecia bem, o manto de Anix. A poucos metros dele, havia a luz de uma tocha presa em um suporte na parede. Sob a tocha, sentado em uma cadeira encostada na parede, havia um homem, um vigia.

_ Desgraçado! O que fizeram com meu amigo? Onde está o Anix??? – gritou Legolas, cheio de cólera. Duas flechas partiram de seu arco quase juntas e enterraram-se no peito do vigia.

O homem se levantou semi atordoado, levando uma mão ao ferimento que encharcava de vermelho o couro de sua armadura. Agarrou uma lança curta que repousava encostada na parede e disparou em direção a Legolas. Naquele espaço apertado, o herói não podia mover a espada ou mesmo o arco com liberdade, estava em desvantagem contra aquele tipo de arma. A lança perfurou o estômago do arqueiro, bebendo seu sangue. O homem gargalhou, confiante na superioridade de sua arma naquele tipo de terreno. Legolas não podia se afastar do inimigo para usar o arco a uma distância segura, nem podia usar a espada com eficácia para combater corpo a corpo. Mas ele ainda tinha um trunfo. Agarrou a vassoura com uma das mãos, enfiando-a com força por baixo do ombro da armadura do inimigo. Mentalmente, comandou o item para que voasse velozmente para frente e o soltou. A vassoura obedeceu e decolou, levando o vigia consigo, pendurado pela armadura.

O homem sacolejava de um lado para outro, batendo contra as paredes, e o chão. Seu peso o forçava para baixo, para fora da armadura, ficando pendurado pelo pescoço, quase asfixiado. Enquanto tentava se libertar da armadura para encerrar seu vôo forçado, Legolas o alvejava com o arco, como uma criança brincado de tiro ao alvo.

_ Verme! Quero ver você dar risada agora! – zombou o elfo. Mais duas flechas foram disparadas e o homem perdeu os sentidos. Sem ninguém para comandá-la, a vassoura voou por mais alguns metros e depois despencou no chão. Legolas correu até ela, conferiu se o homem estava realmente morto e montou em sua vassoura. Voou pelo túnel o mais rápido que podia, percorrendo centenas de metros em poucos segundos. Sem que soubesse, havia passado de um bairro a outro através do subterrâneo. Assim como seus amigos, Legolas estava agora no bairro de Mucro, vários metros abaixo dele. No final, aqueles contratempos que pareciam atrapalhá-los e impedi-los de cumprirem seus objetivos, acabaram servindo para reunir todo o grupo novamente. Faltava pouco agora para que todos voltassem a se encontrar.

janeiro 03, 2008

Capítulo 298 – Tempo de compras 2 – Anix em perigo

Capítulo 298 Tempo de compras 2 Anix em perigo

Pouco tempo depois, com a ajuda de Cloud, Squall conseguiu localizar Seelan. Reunidos novamente com o capitão, o feiticeiro e o guerreiro voltaram às compras, ainda assessorados por Tião.

Enquanto isso, noutra parte da cidade, Nailo e Lucano, acompanhados de Darin e Relâmpago, percorriam as ruas, de loja em loja, em busca de itens especiais que haviam ouvido falar durante suas aventuras e, principalmente, nas canções de Sam. Guiados pelo garoto, os dois aventureiros conseguiram obter tudo aquilo que buscavam, enchendo suas mochilas e abrindo largos sorrisos.

Legolas, acompanhado da esposa, cavalgava vagarosamente pelas ruas, aproveitando a agradável companhia. Horas depois, após um longo passeio com sua amada, alugou um quarto em uma estalagem de qualidade e deixou Liodriel repousando enquanto ele iria tratar de negócios. Agora, a pé, Legolas contratou um guia e foi pela cidade procurar produtos que não interessavam à sua esposa, coisas de aventureiros. Assim, após uma longa busca, Legolas encontrou ferreiros e magos competentes para criarem o que ele desejava, uma espada feita de vidro.

Um item desse tipo era raro em todo o mundo. Só havia uma pessoa capaz de forjar tal arma, um ferreiro em Selentine chamado Glassard. Por sorte, o arqueiro encontrou uma espada forjada pelo ferreiro renomado à venda na cidade e a comprou. Pagou a uma dupla de ferreiros para trabalharem na espada, deixando-a com o formato que desejava e também para tornar o interior da arma oco, pois Legolas tinha planos em mente para utilizar a parte interna de sua arma de uma forma nunca antes pensada. Também contratou um mago experiente para encantar sua espada com magias poderosas, quando as modificações físicas estivessem terminadas. Dessa forma, a estadia do arqueiro na cidade se estenderia por mais 17 dias e ele precisaria encontrar um meio de convencer seu capitão a deixá-lo na cidade pelos dias que necessitava.

Enquanto pensava, Legolas encontrou outro objeto que era do seu interesse. Entrou em uma loja que anunciava a venda de vassouras mágicas e comprou algo que seria de grande utilidade em suas aventuras: uma vassoura mágica. Assim, o elfo retornou para os braços de sua amada em grande estilo, voando sobre a cidade de Vectora.

Junto com sua família, Anix também investia seu dinheiro, mas de forma diferente. Presenteou os pais, Enola, Silfo, Rael e também Silmara com roupas novas e luxuosas. A cada metro andado, paravam nas barracas espalhadas pelas ruas para provar as iguarias exóticas que Vectora oferecia aos visitantes. Ao contrário de seus amigos, Anix não gastava suas moedas de ouro consigo mesmo, mas sim com as pessoas que amava. O mago interessou-se em comprar apenas uma única coisa para si, uma tiara mágica, mais poderosa do que a que ele já possuía, que permitisse aumentar ainda mais os seus poderes mentais e, conseqüentemente, seus poderes mágicos. Anix vendeu sua antiga tiara, mas mesmo assim, o dinheiro que tinha não era suficiente para comprar o que desejava. Foi quando seus pais lhe entregaram todo o dinheiro que Anix lhes havia dado, um presente para o filho que tanto amavam. Anix relutou, mas no final foi convencido pelos pais a aceitar o dinheiro e assim, saiu da loja mais poderoso do que nunca.

Assim, horas após terem chagado ao Mercado nas Nuvens, surgiu nos heróis o desejo de rever os amigos, de mostrar o que haviam conseguido na cidade, de descansar e se divertirem juntos. Nailo e Lucano deixaram os becos e ruas menores para buscarem as largas avenidas de Vectora e encontrarem seus companheiros. Squall, Orion e Seelan já se afastavam da área de comércio proibido da cidade com o mesmo intuito e Legolas saia da estalagem, montado em sua vassoura mágica para procurar seus amigos do alto.

Anix era o único que continuava passeando sem pressa pelas ruas da agitada cidade. Estava feliz e tranqüilo, acompanhado das pessoas que estimava, munido de um poder maior do que o que tinha antes e especialmente alegre por ter conhecido uma loja especial para ele. As roupas que havia comprado pertenciam à loja de Vladislav Tpish, pai de Petra, a jovem menina que conheceu muito tempo antes na Estalagem do Macaco Caolho, em Malpetrim. Assim, embalado pelas boas lembranças, embriagado pelos odores exóticos da cidade e conduzido pela melhor das companhias, Anix caminhava distraído, como se pisasse nas nuvens.

Mas foi ao atravessar um beco sem movimento que a tranqüilidade foi quebrada. Atropelado com violência, Anix quase foi arremessado ao chão. Ouviu o som de cerâmica se partindo em dezenas de pedaços e um choro. Quando se recompôs do susto, Anix olhou para baixo e viu uma menina, aparentando não ter mais do que oito ou nove anos de idade, chorando.

A menina chorava desesperadamente. Suas mãos tentavam em vão juntar o líquido que se espalhava pelo chão depois de sair por entre os cacos de um jarro de barro quebrado que se amontoavam pelo solo. Era leite. Anix tentou acalmar a menina, e saber o motivo de todo aquele desespero anormal. Em prantos, entre um soluço e outro, a garota contou sua história. O leite era para sua mãe, doente e acamada, a única refeição que ela iria ter após dias. Ela morava com a mãe, em um porão abandonado, e as duas não tinham dinheiro sequer para comprar comida. A perda do leite representava o fim da esperança de melhora para sua mãe. Mas, quis o destino (ou os dados enlouquecidos de Nimb) que a jovem, que se chamava Sara, desse aquela desastrosa trombada em Anix.

Assim, acompanhado de Rael, o mago foi fazer uma visita à mãe de Sara e salvá-las do cruel destino que as castigava.

Após alguns minutos de caminhada, chegaram a um beco escuro, sujo e abandonado. Por uma abertura ao nível do solo na parede de uma casa velha, Sara conduziu seus salvadores àquilo que ela chamava de lar. Era um pequeno cubículo subterrâneo iluminado pela chama de uma vela fraca sobre um caixote de madeira usado como mesa. Latas eram usadas como panelas e pratos, há muito tempo secos e cheios apenas de teias de aranha. Dois montes de palha velha e úmida jogados no chão serviam de cama. Em um deles havia uma mulher, seu nome era Luana. Era uma humana ainda jovem, mas de rosto cansado e ressecado e olhar profundo. Estava magra e pálida, tal como a menina, e estava doente. Jogada sobre a cama, tossia repetidamente e de tempos em tempos expelia uma secreção pela boca.

Rapidamente Rael pôs as mãos sobre o peito da mulher e orou à sua deusa. O poder de Wynna se manifestou nas mãos do clérigo e tomou o corpo de Luana, curando-a. A tosse sumiu por completo, a respiração da mulher voltou ao normal e suas dores desapareceram. Até mesmo sua expressão tornou-se melhor. Ela agradeceu aos seus benfeitores e contou sua história.

Luana e Sara eram da região de Valkaria. Tinham ido a Vectora para passear e fazer negócios, como qualquer outra pessoa. Durante sua estada na cidade, foram assaltadas, e ficaram sem dinheiro algum. Nem mesmo comer ou deixar a cidade elas podiam. Ficaram presas na cidade, vivendo na clandestinidade e sobrevivendo de migalhas. Luana acabou adoecendo e não fosse pela chegada de Anix e Rael, teria fatalmente morrido, deixando a pequena Sara órfã.

Comovidos, os dois heróis decidiram ajudar as duas. Deram a elas dinheiro suficiente para saírem daquele buraco e arrumarem um local decente para ficarem e se alimentarem até a cidade voadora chegar à capital do reinado (o que ocorreria em poucos dias). O dinheiro era suficiente para acomodações e alimentação, além de roupas novas para as duas e pagar suas passagens de volta para casa. Ainda sobraria uma boa quantia para que mãe e filha recomeçassem sua vida quando chegassem em casa novamente. Anix e Rael se despediram e deixaram o porão, agora tomado pela alegria. Quando estava já a certa distância, Anix viu a pequena Sara saindo feliz do porão para buscar comida, enquanto sua mãe arrumava os poucos pertences que possuíam para deixarem aquele lugar para sempre. Então, os dados de Nimb novamente se mostraram selvagens. Um homem encapuzado atropelou a menina, tomando-lhe todo o dinheiro que possuía e fugiu correndo para um dos muitos becos que existiam na área.

_ Droga! Rael, vá buscar meus pais! Eu vou atrás daquele desgraçado! – gritou Anix, já correndo desesperado.

Enquanto o clérigo ia atrás de reforços, Anix virou uma esquina, seguindo o seqüestrador por um beco estreito. Não havia saída, apenas três portas, uma ao fundo e outras duas nas paredes laterais, e nenhum sinal do homem ou de Sara.

Se hesitar, Anix invadiu a porta da direita, preparado para fulminar o seqüestrador com projéteis mágicos. Mas, ao atravessar a entrada, foi envolvido por uma estranha fumaça que o impedia de ver adiante e o envenenava rapidamente. Suas pernas bambearam, sua visão tornou-se turva e sua mente confusa. Anix caiu e tudo ficou escuro. Estava inconsciente e agora era vítima algum plano sórdido que se desenrolava no submundo de Vectora. E novamente as habilidades dos heróis escolhidos seriam postas à prova.

dezembro 19, 2007

Capítulo 297 – Tempo de compras 1 – Squall, Orion e o mercado negro

Capítulo 297 Tempo de compras 1 Squall, Orion e o mercado negro

Estavam em Vectora. E carregavam consigo toda a enorme quantidade de dinheiro, jóias e tudo mais que haviam reunido até então, os tesouros e espólios das grandes aventuras que tinham vivido até ali. E estavam em Vectora, o maior e mais famoso mercado de Arton. Era tempo de compras. Assim o grupo se dividiu: Nailo, acompanhado da noiva, do lobo e do amigo Lucano, guiado por um garoto chamado Jimmy; Anix, seus pais, Enola, Silfo e Rael formavam o grupo mais numeroso, orientados por uma pequena elfa chamada Silmara, cujo nome trouxe más lembranças a Anix; Legolas avançava pelas ruas acompanhado de sua esposa e seu cavalo, sem ajuda de guias; Squall e Orion ficaram com Seelan, que já conhecia a cidade e carregava em sua mochila mágica o dinheiro do feiticeiro. Assim os aventureiros fizeram uma pausa em suas carreiras heróicas para fazer um merecido e esperado passeio ao lado das pessoas que amavam, e para reforçar seu arsenal de armas, armaduras e instrumentos mágicos, ficando assim, mais preparados para os desafios vindouros.

Pouca coisa digna de nota pode ser mencionada sobre um dia comum de compras de um grupo de aventureiros acostumados a enfrentar perigos que fariam qualquer monarca chorar de pavor. Entretanto, mesmo as coisas mundanas, quando realizadas por aquele grupo de jovens heróis, mostravam enorme potencial para se transformarem em jornadas épicas. Era como se eles atraíssem confusão ou, como já lhes fora dito antes por Velta, era como se eles atraíssem a desgraça, onde quer que fossem. Pois foi em Vectora, onde dificilmente alguma coisa poderia sair errada que Squall quase foi preso por porte ilegal de pólvora.

Como se sabe, o feiticeiro tinha grande fascínio por esse tipo de equipamento e carregava consigo armas que pertenceram ao goblin engenhoqueiro que trabalhava para a bruxa Silmara. E essas armas tinham um aspecto semelhante ao das armas usadas por piratas e outros foras da lei, que circulavam ocultos pelo reinado cometendo crimes e usando o temível e instável pó negro para abastecerem suas armas.

Imprudente, Squall tentou vender as armas que possuía, e foi apanhado pela milícia da cidade, que confundiu as armas do Vermelho com armas de fogo comuns. Foi salvo graças a Seelan que interveio e o livrou da prisão, explicando tudo aos soldados. Foi assim que Squall e Orion descobriram que Seelan era grande amigo dos soldados e um antigo morador de Vectora, com um renome considerável.

Espertamente, Orion aproveitou a influência do capitão para obter da milícia uma autorização especial que lhe permitia portar e negociar as armas do goblin, identificadas como armas mágicas ao invés de armas de pólvora, como se podia supor. Felizmente, os soldados (e até mesmo Orion, Squall e Seelan) não suspeitavam que algumas das armas de Grinch de fato utilizavam pólvora e outros compostos químicos semelhantes para acionar seus intrigantes poderes. Sem suspeitar desse fato, Orion, Squall e Seelan retornaram para as ruas, para as compras.

Distraídos com toda a exuberância da cidade, onde tudo podia ser encontrado, desde uma comida estranha como filé de mantícora a armas mágicas que cantavam e dançavam, Squall e Orion acabaram por se separar de Seelan. Tentaram encontrá-lo em vão, era quase impossível localizar alguma pessoa no meio da multidão que circulava pelas ruas apertadas e esfumaçadas de Vectora. Desistindo da busca, decidiram procurar um lugar adequado onde pudessem vender as armas do goblin e fazer algum dinheiro para gastarem, especialmente Squall, cujo dinheiro estava guardado dentro da mochila de Seelan, sabe-se lá onde.

Contrataram um guia. Seu nome era Tião, um homem simples de olhar alerta e boa lábia. Pagaram adiantado uma grande quantia em ouro, para que ele os conduzisse até o mercado negro, o lugar onde produtos ilegais eram vendidos livremente, longe dos olhos as autoridades – ou talvez com o consentimento destas – e onde eles poderiam vender as armas que carregavam e que muito se pareciam com as proibidas armas de pólvora.

Tião os conduziu por ruas cada vez mais apertadas, tortuosas e sujas do bairro Mucro, o bairro das armas, onde qualquer tipo de arma, armadura ou semelhante poderia ser encontrada. Mucro era reduto de ferreiros e artesões que trabalhavam com maestria os diversos tipos de metais e outros materiais. Espadas, machados, arcos, bestas e muitas outras eram encontradas com facilidade ali e em muitas versões. Armas mágicas que cuspiam fogo, gelo eletricidade ou qualquer outra coisa que se pudesse imaginar, catapultas de punho, lanças que se dobravam até caber em um bolso de camisa, cotas de malha capazes de refletir magias contra o conjurador, peitorais com asas e armaduras de batalha que se vestiam sozinhas no corpo do dono, tudo isso e muito mais era encontrado em Mucro. Isso porque, além de contar com os melhores profissionais de Arton, Vectora transitava também por outros mundos, por outros universos onde coisas difíceis de sequer serem imaginadas existiam.

Em uma praça, oculta pelos prédios, onde várias pequenas vielas se encontravam, ficava o mercado proibido. Tião deixou seus dois clientes em um beco, enquanto entrava numa taverna para comprar a passagem segura deles pelo local. Em um porão suspeito encontraram uma grande casa de jogos clandestina, onde clientes incautos perdiam suas economias e bens, além de se deleitarem com diversos tipos de alucinógenos, como Achbuld e outras drogas. No fundo do cassino havia uma porta baixa, aveludada e escura, quase imperceptível à distância, por onde Tião os conduziu após fornecer a senha correta.

Além da porta havia uma sala não muito espaçosa onde alguns poucos móveis – nada além de duas estantes recheadas de livros e arquivos e uma escrivaninha – dividiam espaço com seus ocupantes. Havia dois homens altos e fortes, de pele bronzeada e coberta de desenhos e inscrições ritualísticas, cada um deles protegendo um flanco da escrivaninha com grandes lanças em punho e espadas e outros equipamentos mortais atados em seus cintos (uma das poucas peças de roupa que usavam). Atrás da escrivaninha havia um homem gordo e com pouco cabelo, enfiado em roupas suadas e amareladas, que pareciam não terem sido confeccionadas para alguém daquele tamanho. Tinha um longo cachimbo na boca, do qual puxou uma longa tragada antes de depositá-lo em um cinzeiro de madeira sobre a escrivaninha. E em seu colo havia uma halfling com o rosto já tomado por algumas rugas e seios pendentes à mostra, que o homem apertava e puxava como a um brinquedo.

_ Sejam bem vindos – disse o homem sorrindo. – O que o traz aqui, Tião?

_ Bem, senhor Gorco, esses dois cavalheiros desejam fazer negócios com o senhor – respondeu o guia, com mesura. – Eles possuem armas que podem interessar ao senhor.

Gorco deu as boas vindas aos dois aventureiros. Era um homem extremamente confiante de si, um tanto arrogante até. Dava altas gargalhadas e não hesitava em interromper quem quer que fosse, como se apenas suas palavras tivessem importância.

Tentando demonstrar esperteza, Squall indagou-o sobre as taxas cobradas por Tião e sobre a necessidade de subornarem alguém dentro da taverna para poderem passar pelo lugar. Tentou se impor, falando do mercado negro, de negócios e produtos proibidos como se dissesse “Sei que você é um criminoso e se algo me acontecer eu o denuncio”. Gorco, no entanto, não demonstrou sequer uma nesga de preocupação ou respeito.

O homem pediu para que lhe fossem mostrados os produtos logo, interrompendo Squall. O feiticeiro mostrou as armas de Grinch, mas não foi capaz de explicar (ou não desejou) seu funcionamento. Gorco reagiu com tranqüilidade e ordenou a Tião que fosse buscar alguém. Minutos ele retornou acompanhado uma mulher de cabelo loiro, amarrado numa longa trança e delicadamente embalada em roupas de couro batido ornadas com jóias exóticas. Ela estava armada, uma espada garbosa e uma arma de fogo pendiam de sua cintura em ameaça.

_ Sandy, quero que você dê uma olhada nessas armas para mim – pediu Gorco, sério. – Esses cavalheiros estão querendo negociá-las comigo e preciso saber o que fazem e quanto valem.

Sandy era uma mulher bela, mas dona de um olhar frio e cruel. Tomou as armas da mão de Squall e pôs-se a examiná-las. Squall fez um gracejo, deixando claro que conhecia o funcionamento da arma e estava apenas testando as habilidades da moça.

_ Não me provoque, ou irei testar essa arma em sua cabeça – irritou-se ela, apontando a arma com flechas para a cabeça de Squall.

_ Você não vai atirar – desafiou, achando tratar-se de um blefe. Não era.

Sandy pressionou o gatilho e disparou a arma. As setas se projetaram, presas por fios metálicos ao cano da arma, fizeram uma curva perto do rosto de Squall e retornaram, fincando-se no chão ao redor de Sandy.

_ É mágica! – exclamou a mulher. – Yago, diga o que isso faz! – gritou por fim.

Uma voz surgiu atrás de Gorco, onde não havia ninguém (ou ao menos ninguém que pudesse ser visto), murmurando versos mágicos. Cinco projéteis de luz intensa surgiram no ar e avançaram em direção à mulher. Mísseis mágicos, como deduziu Squall. Os dardos de energia tentaram penetrar na barreira formada pelos fios metálicos que cercavam Sandy e iam em direção às flechas no chão. Então, faíscas brotaram dos fios e atingiram cada projétil, desintegrando-os.

_ Isso é como um pequeno globo de invulnerabilidade. Magias de baixo poder não conseguem atravessá-lo para lhe atingir – exclamou a voz grave e fantasmagórica atrás de Gorco. Era o tal Yago.

Sandy puxou uma seqüência de alavancas na arma e os fios foram liberados, pendendo frouxos até caírem no chão. Anunciou que havia apenas mais duas cargas de projéteis na arma e depois começou a análise da segunda arma. Era um pequeno revólver, com um cone de pele esticada em lugar de um cano para disparar projéteis.

_ Cuidado Sandy! Esse cone parece ser capaz de vibrar e produzir algum tipo de som . Se for alto isso pode ser usado para atordoar ou até matar – alertou Yago.

­_ Eu sei – respondeu ela, com desdém.

Não havia mais muitas cargas também na arma de Orion, como anunciou a mulher. Apenas dois ou três cartuchos capazes de disparar uma explosão dentro do cone a acionar o efeito da arma, de modo que ela não foi testada. Sandy colocou as armas sobre a mesa de Gorco e uma voz sussurrou no ouvido do homem gordo os preços que as armas valiam, não mais de 2000 tibares de ouro, como conseguiu ouvir Squall. Gorco anunciou seu preço, mas Squall recusou.

_ Olha senhor Gorco, não posso lhe vender as armas agora. Elas pertencem a mim e a meus amigos, e nós pretendemos dividir o dinheiro da venda. Por isso, antes de fechar o negócio, preciso consultá-los.

_ Então quer dizer que você tem amigos envolvidos no negócio? E eles são assim como você? – perguntou o homem.

_ Sim, mais ou menos... – respondeu Squall, sem entender direito a pergunta.

_ Pois então, meu rapaz, vá consultá-los. E se tiverem mais armas como essas, ou outros itens interessantes para negociar, tragam-nos e lhe garanto que faremos um bom negócio. Agora, por que não aproveitam e se divertem um pouco em minha casa, é por minha conta, uma cortesia – Gorco sorriu e olhou para a halfling em seu colo. – Tinara, acompanhe os cavalheiros e dê-lhes um pouco de diversão e prazer. Pegue uma das outras meninas e divirtam nossos convidados.

A pequenina assentiu sorridente, roçando vagarosamente os pequenos seios na perna de Squall.

_ Senhor, agradeço a oferta, mas não posso ficar tenho que encontrar logo meus amigos. Além do mais, estou pagando o Tião por hora e não posso perder tempo – disse Squall, afastando-se de Tinara.

_ Está bem, eu compreendo. Mas, como prova de boa fé, eu pagarei as duas primeiras horas dos serviços de Tião para você. Tinara, dê o dinheiro ao Tião.

A mulherzinha seminua pegou uma bolsa de couro recheada de moedas em uma gaveta e entregou ao guia. Tião agradeceu e caminhou em direção à porta, junto de Orion. Squall permanecia parado.

_ Senhor Gorco. Tenho um favor a lhe pedir. Será que o senhor se importaria em me vender esse seu cachimbo, ou em me dizer onde conseguir um igual. É presente para um dos meus amigos.

_ Olha rapaz, eu gostei de você. E se é para um de seus amigos, pode levar como presente. Agora vá, meu rapaz, ficarei aguardando ansioso pelo seu retorno. Gorco entregou o cachimbo para o feiticeiro, após limpá-lo, e sorriu. Squall, Orion e Tião se despediram e saíram.