Capítulo 279 – O farol
Anix e Lucano, numa rápida conversa com os pescadores, descobriram que Deedlit tinha partido para o farol, que tinha sido feito de acampamento pelos monstros invasores. A elfa, com mais um pequeno grupo de ajudantes fora tentar expulsar as criaturas e assim interromper os ataques à vila. Anix conhecia Deedlit desde a infância e sabia que, embora ela fosse uma feiticeira promissora, não seria capaz de derrotar todos aqueles monstros sozinha. O próprio Anix, com todos os fantásticos poderes que havia conquistado nas muitas aventuras que superou junto com os amigos, não fosse pela ajuda destes mesmos amigos, não teria sobrevivido à batalha na praia. Era preciso, portanto, apressar-se para não quebrar o tênue fio de esperança que havia de se encontrar a amada de seu irmão ainda com vida.
Deixaram aquilo que era peso excedente para trás. Lucano tirou sua armadura pesada e encharcada, e a deixou com os pescadores, pois tinha certeza de que precisaria de todo o poder disponível para aquela missão, o que incluía as magias arcanas que tinha aprendido com Anix e Seelan e que eram difíceis de derem executadas dentro da proteção de metal. Orion Stifler, o guerreiro humano que acompanhava os dois elfos (ainda que eles não o desejassem por perto), pediu que cuidassem de seu cavalo e de seus pertences, e deixou para trás uma mochila cheia de coisas que não usaria em combate. O líder dos pescadores, um homem alto e forte, de pele corada e recoberta de fartos pêlos negros, Steban, despediu-se dos aventureiros, desejando-lhes boa sorte.
Silfo já tomava lugar na embarcação dos goblinóides, pronto para remar mar adentro. Nailo e Legolas também aguardavam impacientes quando os outros retornaram, e Squall protegia seu corpo com magia, pouco antes de saltar dentro do barco de madeira.
_ Vamos! – gritou o feiticeiro.
E o barco zarpou. A viagem até o farol, uma distância de talvez um quilômetro ou menos, era o que podia se chamar de tormento. Ondas gigantescas sacolejavam a frágil embarcação de um lado para outro, por vezes quase a virando do avesso. O casco rangia, como se fosse se partir ao se chocar com a rebentação. Silfo, Nailo e Orion remavam, e sentiam os frágeis remos envergando sob a violenta força das águas salgadas. Do céu despencavam gotas fartas que atingiam os heróis como socos. Estavam encharcados e gelados, cansados e enjoados, preocupados e ansiosos. Naquela situação, cair no mar significava a morte para qualquer um dos presentes, especialmente os que trajavam armaduras pesadas. Entretanto, não podiam sequer pensar em esperar por uma melhora do tempo, pois isso poderia custar a vida de Deedlit, isso se ela ainda estivesse viva. Nesse momento, Lucano, Anix, Squall, Nailo e Legolas sentiram saudades de seu amigo Sairf. Com seu conhecimento sobre a água, com certeza o mago já teria poder suficiente para dissipar aquela tempestade e facilitar a jornada dos heróis. Mas, Sairf há muito decidira seguir seu próprio caminho, restava então apenas remar, e pedir a Grande Oceano que fosse clemente em sua fúria.
Com muito esforço, a pequena nau conseguiu resistir à fúria das águas, e avistar o seu destino. O farol ficava numa ilhota pedregosa incrustada no meio do mar. Seu litoral era recortado de forma irregular e todo coberto de rochas afiadas que se elevavam vários metros acima do mar bravio. A sul, o platô de pedra descia até o nível da água, numa rampa ligeiramente íngreme, formando uma pequena praia, perfeita para aportarem na ilha.
O barco atracou, jogado com violência sobre a ilhota pelas ondas. Os heróis desembarcaram rapidamente e se puseram a correr em direção ao centro da pequena porção de terra. Em direção ao farol.
O farol era uma construção de pedra corroída pelo tempo e pela maresia. Elevava-se muitos metros acima do solo, numa torre circular de uns quinze metros de diâmetro, que se afinava enquanto ganhava altura. Três janelas altas e pequenas, não mais que meros buracos abertos na pedra, alinhavam-se acima da porta que ficava a sudeste, revelando a existência de mais dois andares na torre além do térreo. No alto, a luz do farol brilhava dentro de uma redoma de vidro cercada por um parapeito descoberto. Por todo lado, chuva forte e uma neblina formada pelas gotículas de água suspensas no ar, que impediam os olhos dos aventureiros de alcançarem o outro lado da ilha.
O grupo se dividiu em dois. Legolas, Nailo e Silfo seguiram circundando a torre do farol, enquanto os demais invadiam a construção. Orion abriu a porta de madeira apodrecida sem dificuldade. O vento invadiu a torre, fazendo tremular a chama das tochas que iluminavam o interior do ambiente. Entraram. Estavam em uma câmara ampla, de formato trapezoidal. À direita havia uma porta, próximo à entrada. À esquerda havia outras duas portas, ambas de madeira umedecida. Tochas pendiam das paredes, suas chamas já quase extintas pelo tempo e pela umidade. As paredes laterais eram retas, feitas de pedras pequenas e aparentemente finas. Começavam à frente do grupo e formavam entre si um ângulo que se abria em direção à parede externa. A parede que dava para fora, bem como a que ficava oposta a ela, era construída de grandes blocos de pedra empilhados, tinha grande espessura e formava um arco que circundava todo o farol. Era possível prever que a torre era composta de dois anéis de pedra, um externo e um interno, onde provavelmente deveria haver a escada que conduziria aos andares superiores e onde, esperavam, estaria Deedlit.
Foram para a direita. A porta se abriu e as trevas além dela engoliram a luz das tochas. No meio da escuridão, viram criaturas correndo rapidamente, algumas em direção aos heróis.
Squall disparou seus projéteis mágicos, e matou um dos monstros que se aproximava. Era um rato. Grandes ratazanas banqueteavam-se com os mantimentos estocados naquela sala. Eram sacas de grãos, legumes, e caixas com carne salgada e peixes. A comida estava ainda em bom estado, mas começava a apodrecer, deixada sem cuidados e recebendo a umidade externa sem preocupação por parte dos novos inquilinos do farol. O salão trapezoidal era grande, quase o dobro do anterior, e boa parte de suas paredes eram ocupadas pela comida estocada. Não havia iluminação, Orion então pronunciou uma palavra mágica, que até então tinha guardado para si, e sua espada se inflamou, coberta de chamas brilhantes que dissiparam as trevas.
Puderam ver duas portas, uma à frente deles, que provavelmente conduziria a outra sala e a mais outra e a mais outra até chegar à primeira sala investigada, fechando assim o círculo que formava a torre do farol. A outra porta estava à esquerda deles, naquilo que seria o anel interno da construção, onde, esperavam, encontrariam a escada. Abriram-na, e encontraram uma larga escadaria que subia em caracol até a parte mais alta da torre. Correram. Subiram o mais rápido que puderam em direção ao topo do farol. Esperavam encontrar Deedlit lá em cima, no lugar mais distante e provavelmente mais perigoso de ser acessado. Estavam certos. Na subida, Anix ainda preparou uma armadilha para avisá-los, caso algum inimigo começasse a subida após eles. Com sua espada enfraqueceu a estrutura dos três primeiros degraus, assim, se alguém pisasse ali, os quebraria e faria barulho suficiente para alertá-los do perigo.
Avançaram rapidamente, sobrepujando vários degraus, passando pelas portas de acesso dos andares intermediários, até que finalmente a escada terminou. O caracol de madeira e pedra terminada abruptamente diante de uma parede sólida. À esquerda, havia um buraco redondo por onde subia uma corrente de ar frio vinda do andar térreo. À direita, um pequeno corredor seguia estreito até a borda da torre, onde havia uma escada de metal, barras dobradas e cravadas nas pedras da parede, que levava até o teto. Acima da escada, um alçapão.
Todos se prepararam. Orion subiu os degraus de ferro, espada em chamas na mão, e ergueu levemente a portinhola de madeira que fechava o teto. A água da chuva penetrou farta pela abertura, gotas se chocavam contra a espada flamejante e se evaporavam subitamente, formando uma névoa fina ao redor da arma. Os olhos do guerreiro viram que o alçapão dava para o último andar, em sua área externa que formava um parapeito donde a vista podia alcançar muitas léguas de distância ao redor do farol. No centro do pátio havia uma construção que abrigava o mecanismo do farol. Era uma redoma de pedra e vidro. Uma mureta circundava todo o perímetro da redoma, tinha não mais que um metro de altura, sobre ela havia grandes vidros que atingiam fácil os dois metros de altura e eram separados uns dos outros por colunas de pedra. Apoiadas sobre as colunas e sobre a vidraça, as pedras se amontoavam para formar uma abóbada delicada.
Orion buscou por pés, de inimigos, mas não os encontrou. Os demais já começavam a trilhar o caminho de volta quando o guerreiro abriu totalmente o alçapão e colocou metade do corpo para fora, na chuva. Todos pararam, Orion jogou seu corpo para cima num impulso e correu gritando furiosamente, empunhando a espada de fogo. Deedlit estava lá.
Sem entender a atitude do humano, os elfos subiram rapidamente e viram, dentro da redoma, uma bela elfa, de cabelos louros e olhar de desespero, amarrada no chão, diante de um enorme ogro que baixava suas calças imundas para empunhar sua arma repugnante contra a donzela. Um raio cortou o céu, e a batalha começou.
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