março 20, 2009

Capítulo 342 – O último respiro...


Uma hora havia se passado desde o encontro com o aventureiro desafortunado. O escudo prateado da lua já estava alto no céu negro e sua luz cálida chegava aos viajantes em curtos e belos vislumbres. Nailo guiou seus amigos até uma região baixa e úmida, de temperatura elevada, mas agradável para a noite que já se tornava velha. O chão compacto de outrora cedeu lugar à terra fofa e fértil, onde uma imensa floresta de cogumelos gigantes florescia sob a sombra das árvores. Fungos cinzentos do tamanho de carroças se amontoavam, dividindo espaço com vermes rastejantes e insetos do tamanho de cães. Era perfeito.

Rapidamente encontraram um grande cogumelo, cuja copa em forma de chapéu pendia volumosa até quase tocar o chão, formando um esconderijo natural para abrigar os heróis. Após constatarem a inexistência de ameaças e de veneno no fungo, todos se alojaram sob o píleo do fungo, ansiosos por entregarem-se ao merecido sono.

Nailo investigou os arredores enquanto seus companheiros se acomodavam aos pés do fungo, checando a segurança e fazendo algo mais. Procurava por cogumelos que tivessem propriedades medicinais, como o que tinham usado há mais de um ano para aliviar as dores de Elesin. Mas, aqueles espécimes eram todos novos para ele, seu vasto conhecimento sobre a natureza nada sabia daquelas espécies que cresciam tão exageradamente naquela ilha. Ao sentir-se seguro, Nailo colheu duas mudas daqueles fungos, plantando-os em um pedaço de casca de árvore apodrecida que encontrara no chão, e após isso retornou para o acampamento.

A tenda viva sob a qual se abrigavam era iluminada pelo brilho das armas mágicas que portavam. Nela, Lucano estudava com afinco os segredos arcanos enquanto mordiscava as rações de viagem preparadas por Tork. Orion afiava sua espada e limpava sua armadura, enquanto Squall acariciava as macias penas de Cloud ao alimentá-lo. Anix costurava suas roupas, sem entender como surgira um enorme buraco na altura da sua barriga durante o ataque das dragoas-caçadoras. Legolas não estava ali. Estava afastado do grupo, em pé sobre um dos grandes cogumelos, distraído numa conversa com um velho amigo.

_ Sam. Pode me ouvir? – chamou o arqueiro, encarando o colar que pedira emprestado a Orion. A jóia brilhou.

_ Sim, meu amigo. Estou aqui, Legolas. O que há? Algum problema? – respondeu o espírito do bardo, aprisionado em uma jóia muito distante dali.

_ Não, não é nada. Só gostaria de dizer uma coisa – disse o elfo.

_ Pois então diga! Sou todo ouvidos! – sorriu Sam.

_ Bem, é que eu queria agradecê-lo. Você salvou minha vida, livrou-me da forca e da morte certa. Mas, naquela correria toda naquela época, acho que acabei não agradecendo a você pelo que fez. Queria que soubesse que sou muito grato pelo que fez.

_ Ora, o que é isso, amigo? Não precisa me agradecer. Somos amigos, não somos? Pois então, amigos são para essas coisas.

_ Justamente por ser meu amigo é que faço questão de agradecer, Sam. E mais que isso, quero lhe fazer uma promessa. Juro que iremos tirá-lo daí. Nós vamos encontrar o desgraçado que o colocou nesta situação, vamos fazê-lo pagar por tudo e trazê-lo de volta, Sam. Prometo meu amigo!

Sam emudeceu, estava emocionado. Após uma breve pausa que para os dois pareceu uma eternidade, finalmente respondeu.

_ Bem, obrigado. Aguardarei ansiosamente por esse dia em que poderei abrçar meus amigos novamente. Agora vá descansar, você terá um longo dia pela frente, não é mesmo?

_ Sim, tem razão. Boa noite, Sam.

_ Boa noite, meu amigo Legolas. Chame-me se precisar.

O brilho do colar diminuiu gradualmente até desaparecer por completo. A jóia voltou ao seu aspecto comum, como se não possuísse nada de especial. Legolas retornou para o fungo onde seus amigos aguardavam, devolveu o colar a Orion e o agradeceu. Minutos depois todos estavam dormindo, exaustos. Antes de fechar os olhos e cair no sono profundo, Anix se concentrou em seu novo olho. Felizmente para todos, o observador não conseguiu despertar naquela noite.

Galanodel vigiava o sono de seus novos amigos, alternando períodos de sono e de vigília. Seus sentidos aguçados garantiam segurança para os heróis e para ela própria. Aquele estranho grupo que corajosamente invadira a selva e desbravara os perigos de Galrasia seria sua passagem para fora dali. Era sua chance de retornar a um mundo menos selvagem, com menos perigos, onde suas crias não fossem devoradas por lagartos assassinos. Enquanto pensava nisso, a coruja sequer desconfiava dos perigos e desafios que o futuro reservava para seus companheiros. Apenas os deuses sabiam o que estava por vir. Para alívio de todos, naquela noite, os dados de um dos Deuses rolaram um bom resultado e todos puderam descansar tranqüilamente. Essa tranqüilidade, entretanto, como todos sabiam, não duraria para sempre.

O vigésimo primeiro dia do mês raiou enfim. Ameaçava chuva, como os dias anteriores, e Nailo pressentia que dessa vez eles finalmente a encontrariam. E não era apenas na chuva que ele pensava, mas sim, na torre de Zulil, seu objetivo. Os heróis levantaram, comeram um pouco do pouco que restava de suas rações e começaram todo o ritual de preparação ao qual já estavam tão acostumados. Lucano fazia suas orações matinais, pedindo o apoio de sua Deusa-mãe, assim como fazia Nailo, orando pelo auxílio da Deusa da Natureza. Orion e Legolas vestiam armaduras, checavam armas, munição. Anix folheava seu livro de magias, realizava rituais que deixava incompletos para serem concluídos no decorrer do dia com algumas poucas palavras e gestos. Squall apenas meditava, limpando sua mente das preocupações mundanas, deixando-a relaxada, assim como a seu corpo, para reunir e acumular a energia arcana que empregaria durante o dia em suas magias. Estavam quase prontos para a partida, quando Nailo convocou uma reunião.

_ Amigos, tenho algumas coisas a dizer nesta manhã – anunciou o ranger em tom sério. – Acredito, se meus cálculos estiverem corretos, que hoje chegaremos enfim ao nosso objetivo, a torre de Zulil. Não sabemos que tipos de perigos enfrentaremos por lá, que tipo de armadilhas aquele maldito nos preparou, por isso, antes que cheguemos até ele, gostaria de lhes dizer algumas coisas.

Nailo fez uma pausa curta, para retomar o fôlego. Todos o cercavam, o observavam, todos atentos a cada palavra. Então ele continuou:

_ Squall! Gostaria que você mais cauteloso com suas atitudes. Tome muito cuidado com tudo, principalmente com sua ira. Sinto que quando você usa o poder deste anel você se transforma, não só na aparência, mas também em seu espírito. Não se deixe dominar por isso e se transformar em um monstro. Lembre-se que mesmo com outra aparência você ainda é um de nós, um elfo.

Squall apenas meneou a cabeça em concordância a Nailo. O ranger voltou-se para o clérigo e continuou:

_ Lucano, a você peço menos hesitação e mais iniciativa. Tome mais atitude, seja mais ativo. Você é tão bom quanto qualquer um de nós, tome a iniciativa. Não fique esperando que algum de nós lhe peça para fazer algo, para conjurar uma magia. Qualquer segundo perdido hesitando pode custar a vida de um de nós.

Como Squall, Lucano assentiu. Nailo dessa vez dirigiu a palavra a Orion:

_ Orion, o verdadeiro desafio começa hoje. De hoje em diante é que você irá provar o seu valor, como tem feito até agora, mas a partir daqui não haverá mais lugar para garotos, apenas para os grandes homens e elfos.

O humano cerrou os olhos e segurou firmemente o punho da espada flamejante. Seu valor seria provado, perante os elfos e os Deuses que os observavam.

_ Anix, quanto a você, peço que não vacile. Tome controle de seu corpo, sua mente, sua alma e seu coração. Não caia mais no campo de batalha e não deixe mais que o mal o domine. E quando tudo isso terminar e sairmos daqui, nós iremos tirar esse olho maldito de você.

_ Mal me dominando? Tirar meu olho? Por quê? Do que você está falando, Nailo? – perguntou Anix, confuso.

_ Esse olho que você tem em sua testa. Ele é maligno.

_ Maligno como? É apenas um olho?

_ Não, não é, e você sabe disso. Esse olho possui poderes estranhos, você mesmo os usou. E ontem, quando você caiu desmaiado, vítima dos ferimentos das dragoas-caçadoras, algo despertou dentro de você. Pelo conhecimento que possuo, acredito que era um beholder. De acordo com o que Legolas contou, quando encontrou você em Vectora após seu rapto, esse olho em sua testa é um olho de beholder. Não sei como ou porque esse monstro despertou por completo quando você ficou inconsciente ontem, e tentou nos matar. Uma boca e um olho gigantes apareceram em sua barriga, por isso suas roupas estavam rasgadas. Você começou a flutuar de forma estranha e o olho em sua cabeça começou saltou para fora e começou a nos atacar. Por isso eu peço, assuma o controle de si próprio. Há algo, uma coisa grotesca dentro de você, não deixe que ela o domine. E quando sairmos dessa ilha providenciaremos um jeito de tirá-la de você – disse Nailo.

_ Fiquem tranqüilos. Meu olho não será um problema. Ao contrário, ele irá nos ajudar – respondeu Anix.

_ E você, Legolas. Espero que esfrie sua cabeça, faça tudo com calma e, acima de tudo, fé. Lembre-se sempre que ainda estamos todos vivos e que podemos continuar vivendo todos juntos. E enquanto estivermos juntos seremos capazes de tudo, de vencer qualquer desafio. Não se deixe levar pelo ódio em seu coração, pois é isso que os nossos inimigos desejam.

_ Nailo – disse Legolas. – Você, melhor do que ninguém, sabe o quanto eu desejo punir o maldito do Zulil, o quanto eu quero vê-lo morto por uma flecha minha. Não vou sossegar enquanto aquele desgraçado não pagar pelo que fez, nem que isso custe minha vida. Mas tenho um pedido a fazer. Se durante nossa batalha contra o inimigo eu fizer algo que prejudique o restante do grupo, se eu fizer algo que possa a vocês, meus amigos, ou àquelas a quem amamos e que desejamos resgatar, eu peço que você me detenha. Atordoe-me, desmaie-me, mate-me se for preciso, pois acima do meu desejo de vingança está a nossa missão, as vidas que buscamos salvar.

_ Eu espero que isso não seja necessário nunca. Não desejo ter que ferir um companheiro e não sei como o faria. Peço aos deuses que me livrem desse fardo. Agora vamos, temos ainda um longo trajeto pela frente. Mesmo que o mapa de Tork tenha nos enganado inicialmente, e as distâncias sejam mais curtas do que esperávamos, ainda temos um longo caminho nos aguardando.

O grupo partiu. Nailo os conduzia buscando os caminhos mais seguros e mais fáceis de transpor. Foram para o norte em busca do abismo para se situarem, saber onde estavam. Não o encontraram. Descobriram que o abismo há muito findara, ficando para trás, no território das caçadoras. Tinham avançado bastante no dia anterior. Voar sobre o penhasco tinha lhes poupado um grande tempo. E tempo era precioso para eles.

Continuaram quase às cegas, sem pontos de referência para se orientarem, rumando sempre para sudeste. Enquanto caminhavam, Nailo colhia outras mudas da floresta. Como fizera com os fungos, colheu amostras de cipós, plantou-os em tocos podres e os pendurou no lombo de Relâmpago. Aquelas plantas ainda lhe serviriam para alguma coisa, seriam sua arma secreta.

O sol já se encontrava no último quarto do céu quando a floresta começou a se abrir. As árvores tornaram-se mais espaçadas, dando lugar à grama alta e a terrenos sem vegetação. Era o sinal que procuravam. Aproximadamente uma hora depois, conforme dissera Tork, surgiu diante dos heróis um desfiladeiro. Era uma fenda, uma cicatriz incrustada no corpo da ilha. Era grande, tinha quase meio quilômetro de profundidade, e aproximadamente o mesmo de largura. Seu comprimento alcançava facilmente os três ou quatro mil metros. Na borda norte o desfiladeiro se tornava mais raso, formando uma rampa natural que conduzia ao seu fundo. Árvores gigantes cresciam ao redor das bordas, ocultando parte do abismo que, apesar de grande, jamais poderia ser avistado da costa, como haviam tentado os heróis. Sombras eternas se deitavam no fundo da fenda, cheia de lugares onde o sol nunca alcançava. Oculta nas trevas no fundo do penhasco, uma torre sinistra assomava. Haviam enfim chegado.

_ Amigos, enfim encontramos o lugar pelo qual procurávamos – disse Nailo. – Preparem-se, pois esse é o último respiro antes do mergulho.

Como se seguissem as palavras de Nailo, instintivamente todos prenderam o fôlego. Legolas fez uma prece em voz baixa, pedindo por forças para as batalhas que se anunciavam. Mas não orava a Glórienn, suas preces eram para Keen, o Deus da Guerra.

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