março 24, 2009

Capítulo 344 – Tentáculos da morte

Com a estranha planta morta o grupo pode enfim entrar no ossuário em segurança. Lucano dissipou a magia que ensurdecera Squall e tudo voltou ao normal. Com todos reunidos e a salvo, teve início uma longa busca por uma entrada para a torre. Vasculharam o ossuário de cima a baixo, mas nada encontraram. A conclusão era óbvia, a entrada não estava ali.

Saíram. Começaram a circundar a torre. Examinavam toda a sua volta em busca de uma porta, uma janela ou buraco que desse passagem para dentro. Espantavam-se com a arquitetura caótica que decorava a torre. Adornos estranhos, profanos, que indicavam que aquele era um lugar maligno, maldito. Sem dúvida alguma aquela torre pertencia ao mal e, embora apenas buscassem salvar e vingar as pessoas que amavam, aqueles heróis certamente expurgariam aquele mal além de resolverem seus próprios assuntos.

Passaram longos minutos ao redor da construção, mas não encontraram o que buscavam. Relâmpagos riscaram o céu sem qualquer ameaça para os exploradores. Estavam novamente diante da porta do ossuário, confusos, sem rumo.

_ Não acredito! Deve haver alguma passagem secreta aqui, só pode! Deve estar muito bem escondida, vou procurar outra vez! – disse Nailo, invadindo a pequena câmara, afoito. Orion, Squall e Lucano o seguiram.

Legolas não. O arqueiro subiu no teto do casebre anexo à torre. Havia uma enorme carranca esculpida diante dele, com uma bocarra aberta, grande o suficiente para engoli-lo se tivesse vida. Poderia ser a entrada. O elfo se aproximou da bizarra escultura, começou a tateá-la. Apertou as presas de pedra que se projetavam para fora da boca, subiu na enorme língua de pedra que avançava sobre o telhado do ossuário, empurrou com toda a força o fundo da bocarra, um buraco escavado na torre de vinte centímetros de profundidade. Nada. Sacou a sua faca, usou-a como ferramenta, para escavar, cutucar frestas, furos. E novamente sem resultados. Talvez a entrada estivesse mais protegida, fora do alcance de invasores, mais alta. Legolas começou a escalar a torre.

_ Quer ajuda? – ofereceu Anix. O mago observava as tentativas de Legolas do chão. Quando o amigo decidiu subir a torre, Anix usou sua mágica para voar e emprestou sua vassoura para Legolas. Agora juntos, os dois amigos voavam rumo ao topo, avançando vagarosamente, ainda vasculhando as paredes em busca de alguma entrada.

Mais um relâmpago explodiu no céu, seguido de um trovão ensurdecedor. Novamente a faísca passara longe dos aventureiros, como se o céu tivesse desistido de importuná-los. Contudo, uma forte rajada de vento afastou essa idéia de suas mentes. Anix foi jogado muitos metros para longe da torre, Legolas sofria para controlar a direção da vassoura. Os ventos aumentavam, tentando separá-los, jogá-los no chão que a essa altura já acumulava água suficiente para chegar aos tornozelos dos viajantes. Anix retomou o controle de seu vôo e num rápido impulso chegou onde Legolas estava. Seguraram um no outro para vencerem o vendaval juntos e continuaram subindo. Mais e mais carrancas, gárgulas, sulcos e saliências passaram diante dos olhos dos dois. Janelas que terminavam na rocha sólida, conduzindo a lugar algum, sacadas nas quais ninguém poderia apreciar o nascer ou o pôr-do-sol, e nenhum sinal de uma entrada. Continuaram subindo, uma nova faísca se desprendeu do céu, atingindo as árvores além do abismo. O trovão veio a seguir, estremecendo céu e terra, assustando até mesmo as feras atrozes da ilha, chamando a atenção do mais distraído, alertando Nailo.

O ranger abandonou a câmara e correu para fora, espantado. O trovão era um alerta, um sinal de que algo ruim poderia estar acontecendo. Talvez seus amigos estivessem sendo vítimas da tempestade. Nailo olhou para o alto e viu seus amigos. Estavam bem, voavam para o alto da torre, estavam quase no topo. As presas pontiagudas esculpidas na pedra já estavam ao alcance de suas mãos. Foi quando um novo faiscar iluminou o céu e Nailo viu olhos vermelhos emoldurados por um vulto ameaçador na escuridão no alto da torre. Tarde demais para avisar aos amigos.

O vulto espreitava oculto entre as presas de pedra, imóvel como se fizesse parte da sinistra decoração da torre. Lançou um tentáculo musculoso para baixo quando as presas estavam ao seu alcance. Agarrou um deles, o menor, o que tentara dissipar sua tempestade. Anix.

O elfo sequer teve tempo de gritar. Um longo membro enrolou-se em seu corpo, esmagando-o e carregando-o para cima contra sua vontade, para perto do monstro. Anix viu a forma medonha da criatura que o atacava quando um relâmpago iluminou a noite chuvosa. Era uma aberração assustadora que só poderia ter saído de outra dimensão. Não possuía corpo, apenas uma cabeçorra gigantesca, maior que um cavalo, musculosa, deformada e cheia de muco viscoso, donde pendiam oito tentáculos robustos, cheios de ventosas pegajosas, e uma bocarra revestida por um bico córneo afiado que se abria salivante. O monstro abriu um par de asas de morcego no topo da cabeça-corpo e com elas apoiou-se nas pilastras de pedra em forma de dentes. Seis de seus tentáculos, os mais curtos, trabalharam rapidamente para levar a presa à boca enquanto ela se debatia, tentando livrar-se do gigantesco membro que a sufocava. O sangue jorrou farto.

Ainda agarrado à vassoura, Legolas sacou sua espada. A arma feita do indestrutível vidro de Selentine, encantada por um mago de aluguel de Vectora, desceu veloz sobre o couro duro e pegajoso do tentáculo que segurava Anix. Um líquido arroxeado e nauseabundo verteu do corte que se formou. Os olhos da fera brilharam ainda mais, como duas chamas rubras. Ódio. Os ventos se agitaram ainda mais, a chuva aumentou sua intensidade e uma dezena de relâmpagos castigou a floresta, revelando a Legolas e a Anix algo terrível. Era aquele monstro quem controlava a tempestade, a ventania e os raios. Tinham sido vítimas de uma cilada, tinham feito tudo de acordo com os planos diabólicos daquele monstro o tempo todo.

Lá embaixo Nailo assistia àquela cena atônito. A chuva fria caia fartamente em seu rosto paralisado, atento à cena lá em cima. Um jorro de água diferente o despertou. Era um líquido quente, ao contrário da chuva, e viscoso. Sangue.

_ Squall! Depressa! Transforme-se! – gritou Nailo exaltado. Sua cabeça doía e o mundo ao redor parecia girar. Talvez efeito dos raios que o haviam atingido, talvez efeito da magia da planta maldita, pensou ele. Estava enganado, era algo diferente. Raiva. Sentia uma raiva incontrolável daquela criatura que ferira seu amigo sem dar-lhe tempo de avisá-lo. Uma fúria sem precedentes surgia dentro do ranger. Iria matar. Desejava ver o sangue daquele ser abominável vertendo, tingindo suas espadas gêmeas. Quase perdeu o controle. A eletricidade, o feitiço, aquela cena horrível e a ilha estavam mexendo com sua mente. Sim, Galrasia tinha esse poder, modificava as coisas, as pessoas. Tudo se modificava naquela ilha. Squall surgiu fora do ossuário já em forma de dragão. Nailo saltou em suas costas e os dois voaram.

O dragão ganhou altitude rapidamente passou pelo vendaval sem dificuldades. A mesma sorte não tiveram Orion e Lucano. Os dois flutuavam desajeitadamente graças à fraca magia de Lucano. Iniciante nos caminhos arcanos, ainda sendo ensinado pelo amigo Anix, o clérigo não tinha ainda poder suficiente para fazer frente àquela tormenta. Os ventos carregaram os dois para longe, jogando-os ao chão. Lucano e Orion correram de volta para a torre enquanto uma batalha de vida e morte se desenrolava. Restava aos dois apenas rezar pelo sucesso dos amigos e para que suas pernas os alcançassem antes que alguma desgraça acontecesse.

Squall e Nailo chegaram rapidamente ao topo da torre, a tempo de testemunhar a desgraça que se seguiu. Os tentáculos do monstro esmagaram e torceram o corpo de Anix, o mago soltou um gemido agonizado quando seus ossos se partiram e sua carne se rompeu. Era seu último suspiro. Uma chuva vermelha acompanhou a água que despencava do céu. Um novo relâmpago clareou a cena aterradora. O corpo de Anix jazia, pálido e desfalecido, preso pelo tentáculo longo do monstro. O cajado escorregou de sua mão ensangüentada e despencou para a escuridão. Legolas, Nailo e Squall olhavam atentamente para o corpo do amigo, esperando um movimento, um espasmo, um gemido, uma tossida ou o quer que fosse que lhes dissesse que ele estava vivo. Nada. Nenhum sinal, ao invés disso, a cabeça do mago pendeu, girando o pescoço num ângulo impossível. Estava quebrado. O coração não batia, os pulmões não respiravam, os braços não mexiam, os olhos não se abriam. Anix estava morto.

O monstro jogou o cadáver do elfo de forma displicente e atacou sua próxima vítima. O corpo morto de Anix despencou, passando diante dos olhos de Squall e Nailo que subiam, enquanto Legolas era agarrado, espremido e abocanhado pela criatura. Os heróis ouviram o baque do corpo se chocando contra o solo encharcado, o último som produzido pelo mago.

Não havia tempo para lágrimas, talvez ainda fosse possível salvar Anix, pensou Legolas. O monstro o erguia acima de sua cabeçorra aberrante, o arqueiro soltou sua espada na escuridão que tomava conta do topo da torre, ouvi-a caindo sobre algo macio no oco que havia no alto da construção. Puxou o arco das costas antes que o tentáculo o imobilizasse por completo e usou seu ataque mais poderoso.

_ Leusa Thiareba! – gritou o elfo. Fora um grito ensurdecedor, que rivalizada com o ribombar dos trovões e que congelaria o sangue de um camponês. O próprio monstro ficara abalado com o rugido do arqueiro e sem perceber afrouxara um pouco o abraço mortal que imprimia no adversário. O arco mágico brilhou mais intensamente, Legolas soltou a corda e um raio congelante partiu na direção da criatura. O monstro sorriu.

Gelo e neve atingiram com violência a cabeça-corpo da besta alada. Grossas gotas de chuva se congelaram ao passar em sua queda rumo ao chão e despencaram na forma de pequenos cometas de gelo. Uma grossa camada de neve cobriu a face do monstro, escondendo seus olhos vermelhos. Os lábios que emolduravam o bico afiado estavam estáticos, congelados num sorriso perturbador. O monstro franziu o cenho e desfez-se da cobertura fria. Estava intacto. Seus olhos maliciosos mostravam a Legolas a resposta para aquele mistério: estava protegido por magia.

Mas aquela magia não duraria para sempre, sabia Legolas, e uma hora cederia ao seu poderoso frio. O arqueiro disparou mais uma vez antes de ser completamente imobilizado pelo tentáculo pegajoso e ser novamente rasgado pelo bico da besta. Restava agora esperar a morte para se reencontrar com Anix.

Mas a hora de Legolas ainda não chegara. Squall surgiu de baixo do arqueiro, transformado em dragão, e abocanhou o tentáculo que agarrava o amigo. Nailo surgiu nas cortas de Squall, golpeando com grande força o inimigo. Sua espada faiscou como as nuvens tempestuosas, mas os seus relâmpagos não conseguiram ferir a pele da criatura. O monstro estava também protegido contra a eletricidade.

A coisa revidou furiosamente os ataques recebidos. Seus olhos cintilaram ainda mais forte ao ver Squall, o dragão vermelho, diante dela. O longo tentáculo o agarrou e apertou, enquanto seu bico rasgava seu couro escamoso. Os tentáculos menores golpeavam Nailo, tentando se livrar daquele lixo que atrapalhava seus planos malignos.

Squall inspirou, encheu seus pulmões de ar gelado e úmido e cuspiu um jato de chamas no adversário. Legolas olhava atentamente, rezando para não acontecer novamente o que ele temia. Para sua alegria, o couro do monstro fritou, inchou, encheu-se de bolhas transformou-se em carvão e cinzas. Ao menos contra o fogo o monstro não possuía qualquer tipo de proteção.

A fera recuou, ferida. Desprendeu-se do pináculo e bateu as asas, sustentando seu corpo no ar. Nailo aproveitou a chance para atacar. Suas espadas martelaram o tentáculo que agarrava Squall como o martelo de um ferreiro na lâmina na bigorna. O sangue roxo jorrou, o membro pendeu mole e sem vida. Squall estava livre.

Sem libertar Legolas e esmagando-o cada vez mais, o monstro continuou atacando. Seus tentáculos menores chicoteavam na mesma velocidade dos relâmpagos que cruzavam as nuvens. Cada golpe deixava hematomas enormes nos corpos dos elfos que o enfrentavam, arrancava o ar de seus pulmões ridículos e fazia-os cuspir sangue. Não eram páreo. Tinha que exterminá-los logo e capturar o dragão. Era o único que faltava, um vermelho. Mas era o pior que já tinha enfrentado. O dragão atacou.

Squall rasgou com suas garras e dentes, golpeou com as asas e cauda enquanto se afastava da fera para retornar em seguida para uma nova investida. Desta vez foi a vez do monstro cuspir sangue. A chuva além de rubra tornou-se púrpura. Legolas aproveitou a chance e repetiu seu urro de fúria, libertando-se do tentáculo que o agarrava. Disparou seu arco, duas flechas certeiras, mortais, usando sua técnica secreta que já fulminara dezenas de inimigos. Os projéteis cravaram-se na fronte da besta, um dos olhos explodiu e o monstro perdeu o controle do vôo, batendo as asas desastrosamente, colidindo com a torre que guardava. Nailo saltou de cima de Squall, desferindo uma chuva de golpes na criatura. Caiu em cima da vassoura mágica, já novamente sob o controle de Legolas. O monstro despencou para as travas. Seu corpo estava inerte, seus olhos apagavam-se. Em suas mentes ecoaram magicamente as últimas palavras da criatura:

_ Falhei em guardar a entrada. Mas Gulthias já sabe da presença de vocês e cumprirá sua vingança. Deixem o mundo chorar com seu retorno... – foram suas últimas palavras. O monstro estava finalmente morto. Anix estava vingado.



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