janeiro 28, 2009

Capítulo 331 – Vida e Paz


Caminharam conduzidos à melodia que se fazia presente por toda a ilha, dominados, arrastados por ela. Sentiam-se bem, apesar de escravizados pela música, sentiam-se bem. Estavam em absoluta paz, seus temores haviam cessado, não tinham mais preocupação com o ambiente ao redor, não sentiam ameaças vindo da selva. Apenas paz. Súbito, um enorme dinossauro cortou a frente do grupo. Um carnívoro. Olhou-os por um instante e no seguinte já tinha desaparecido através de uma moita imensa, em direção à música. Além da moita havia um brilho fantasmagórico, pálido, que os atraia e acalmava tanto quanto a música que ouviam. Seguindo o monstro, atravessaram a moita e chegaram a uma clareira. O que viram deixou-os atordoados.

Era um espaço amplo, com poucas árvores esparsas. Grama crescia farta por todos os lados e junto a ela flores coloridas exalando um perfume doce. À esquerda viram o monstro que passara por eles abaixado ao lado de um herbívoro, dócil como um animal doméstico. Diante das criaturas, uma garota humana rodopiava ao ritmo da melodia. Com sua mãozinha pequena alisava a cabeça do carnívoro que parecia acompanhá-la na dança, agitando o corpanzil de um lado para o outro. A garotinha olhou para os heróis e sorriu com inocência. Não deveria ter mais que nove ou dez anos, cabelos ruivos cortados na altura dos olhos de um tom verde profundo como a floresta. Vestido branco, verde e amarelo formando um mosaico alegre como ela própria. Encantadora, irresistível.

Ao olharem para a garota, ficaram paralisados, suas mentes invadidas por idéias, desejos. Desejavam ter filhos, muitos, cultivar florestas inteiras, criar animais, abandonar as armas para sempre. Desviaram o olhar com esforço. Viram na borda oposta da clareira a dona da voz maravilhosa, dedilhando uma harpa dourada com maestria sentada sobre uma rocha recostada numa árvore. Era uma mulher, jovem, na idade de casar, humana. Cabelos e olhos castanhos, como amêndoas, pareciam brilhar na noite. Trajava um vestido branco, que brilhava. Emitia uma luz alva que iluminava a grande distância sem ofuscar, ao contrário, acalmava.

Congelaram. As armas foram esquecidas, o pouco que sobrava delas em suas mentes era como uma memória de algo fútil, desprezado. Queriam prostrar-se, entregar-se à dama de branco diante de seus olhos. Sentiam desejo de amar, seus corações endurecidos nos últimos dias inflamaram-se novamente. Pensavam em abandonar as armas, deixar o sofrimento para trás, perdoar seus inimigos e viver suas vidas em paz. Tudo durou apenas uma fração de instante. Tinham uma missão a cumprir. Não haveria amor, nem paz, enquanto não resgatassem aquelas que amavam das mãos do inimigo. As lembranças da missão retornaram numa torrente, mas a sensação de paz permaneceu e a dor da perda e o desejo de vingança, diminuíram.

_ Sejam bem vindos! – saudou a mulher ao encerrar a canção. Sua voz era como a maior das orquestras elfas de outrora. – Estava à sua espera, Escolhidos!

­_ Bem vindos a onde? – perguntou Anix. – O que é este lugar?

_ Apenas um lugar de paz, onde vocês poderão retomar o fôlego antes de seguirem em sua jornada, Anix. Descanse um pouco, pois o caminho à frente será duro – respondeu a mulher num sorriso radiante.

_ Não podemos ficar – disse Legolas, frio como o gelo. – Agradeço o convite, mas não tenho tempo a perder. Não posso parar para retomar fôlego, pois enquanto eu respiro aqui, minha esposa não mais respira.

_ Sei de sua dor, Legolas – disse ela. – Por isso estou aqui. Não vou lhes tomar mais do que alguns instantes, enquanto se recuperam do revés que tiveram agora a pouco e enquanto lhes conto uma história que é do interesse de todos vocês.

_ Como sabe nossos nomes? – perguntou Anix. Legolas sentou longe dos outros, concentrando-se no que aprendera com Glorin, congelando a grama enquanto os outros paravam para ouvir.

_ Sei tudo sobre vocês, acompanho sua jornada desde o início e venho aqui hoje para lhes trazer um pouco de paz e consolo e para lhes responder a muitas perguntas que estão em suas mentes.

_ Obrigado, senhora Allihanna! – disse Nailo, fazendo uma mesura.

­_ Não sou Allihanna, Nailo – corrigiu a mulher sem desfazer o sorriso.

_ E quem é você então? – perguntou Orion. Lucano se curvava, já conhecendo a resposta.

_ Sou Marah. E aquela é Lena!

Marah era a deusa da Paz, do amor. Lena era a deusa da vida, da fertilidade, das colheitas. Ambas regiam aspectos intimamente ligados, portanto, eram aliadas. Seus servos eram proibidos de lutar, causar qualquer ferimento alheio. “Antes perder a própria vida que tira-la de alguém” era o lema de Lena. Em um panteão com deuses guerreiros como Keen, Tauron ou mesmo Khalmyr, as duas equilibravam o jogo de poder. Marah, assim como seus servos, exalava uma aura de paz insuperável. Impossível sacar uma arma ou ter qualquer intenção hostil em sua presença. Atacar alguém então, era algo impensado, um conceito que deixava de existir. A deusa falava com encanto avassalador, respondendo a muitas questões:

­_ Como disse, vim para lhes trazer consolo, Escolhidos de Azgher. Sua dor é grande, suas perdas irreparáveis. Mas trago-lhes o consolo neste momento de dificuldade. Sei o que aconteceu com suas esposas, sei que seus corpos estão em Tollon, repousando o sono dos mortos. Sei também que suas almas estão presas, impedidas de retornarem ao mundo ou seguirem para os reinos dos deuses. Sei que seu amigo, Sam, partilha o mesmo destino trágico que elas – uma pausa. Marah olhou para Orion por um instante, baixou o olhar em direção ao seu peito, parou por um instante e desviou o olhar, encarando cada um dos elfos. Lena saltitava feliz, colhendo flores. – Mas saibam que ele sempre esteve com vocês – pausa, olhar fixo em Orion – nos seus corações. E sei de muito mais. Thyatis revelou o que o futuro lhes reserva e eu vim ao mundo para lhes contar o que a Fênix viu. Vocês terão grandes provações em sua jornada, mas após todos os desafios que os deuses lhes impõem, vocês sairão vitoriosos, e terão, enfim, paz.

Pausa. Os elfos atentos, maravilhados, confusos.

_ Saibam que os deuses olham por vocês. Mas, não podemos interferir na jornada de vocês mortais, não podemos ajudá-los diretamente, pois essa missão é de vocês e são vocês quem devem cumpri-la. Ainda assim, vocês receberam ajuda divina, Allihanna já os ajudou, Thyatis, Oceano, Tanna-Toh, Khalmyr e até mesmo Nimb. Mas existem regras as quais nem o Panteão pode quebrar, por isso, nossa ajuda é limitada. Glórienn, acima de todos, é a mais proibida de ajudá-los.

_ Mas, senhora, quando estávamos indo resgatar a esposa de Legolas, enfrentando Escamas da Noite, sentimos algo mais, uma força nos ajudando naquele momento. Do contrário, não teríamos vencido aquele monstro. Sempre achamos que tinha sido Glórienn. Estávamos enganados então? – perguntou Anix.

_ Não, vocês acertaram. Mas aquela foi a única ajuda direta de Glórienn. Mesmo assim, a intervenção dela naquele momento não teve a ver com a missão principal e estava dentro das regras do Panteão.

_ E quanto a Dililiümi? Laurelin me disse que tinha sido presente de Glórienn? – perguntou Lucano.

_ A espada que carrega é obra de um mortal, não de Glórienn. Apesar de ela ter encaminhado a espada até suas mãos, isso não foi uma intervenção direta. E, além disso, você passou por uma grande provação até consegui-la, mereceu-a.

_ E que missão principal é essa que a senhora mencionou? – perguntou Nailo.

_ Vou lhes contar a história, foi também para isso que vim aqui, não só para revelar que vocês terão sucesso, mas também para fazer com que entendam tudo o que está lhes acontecendo. Este é o meu presente, meu auxílio a vocês. É a história do que aconteceu, do que está acontecendo e do que irá acontecer. E ela começa assim:

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