janeiro 25, 2009

Capítulo 330 – Terra dos mortos


Continuaram. Caminharam por todo o dia, o calor antinatural de Galrasia castigava seus corpos, sufocava-os e exauria o pouco de forças restava em suas almas rachadas. Nuvens negras os ameaçavam a cada vez que se tornava possível um pequeno vislumbre do céu além da folhagem. Nailo ia à frente, guiando-os por caminhos seguros, porém tortuosos, evitando perigos naturais e todo tipo de feras que habitavam a ilha.

Ao final do dia estavam todos exaustos, ansiando por um lugar seguro onde pudessem acampar e descansar. Anix implorava a Nailo para que esquecessem os perigos e tomassem o caminho mais curto, que os conduzisse mais rapidamente a uma boa noite de sono e assim ele fez.

O grupo avançava rumo ao desconhecido, cada vez mais lento. Subitamente, Nailo parou.

_ Parem! Façam silêncio – sussurrou o ranger. – Ouçam! Estão ouvindo isso? – perguntou por fim.

Todos ficaram quietos, estáticos. Após vários segundos de espera, Anix falou:

_ Não ouço nada, Nailo. O que é?

_ Também não ouço nada. Nenhum de vocês está ouvindo também, porque os sons da floresta cessaram há alguns minutos. Não há criaturas vivas por aqui. Achei que fosse algo temporário, mas não era. Este local está deserto – explicou Nailo com ar de preocupação.

_ E o que significa isso? Não é um bom sinal? Assim os monstros não nos atacarão – disse Lucano. Nailo fez que não.

_ É um péssimo sinal. É sinal de que este não é um lugar seguro, nem mesmo para os monstros daqui. Eles temem este lugar.

_ Então vamos logo embora daqui, ao invés de ficarmos aqui conversando – era Legolas. Todos concordaram, Nailo fez um gesto com o braço, chamando os companheiros.

_ Venham, em silêncio.

Os heróis continuaram, desta vez mais apreensivos. Armas em punho, prontas para atacar, ouvidos atentos a cada ruído, olhos despertos, procurando algum possível inimigo. Alguns poucos minutos bastaram para que chegassem a uma clareira. Nailo interrompeu a jornada, olhou ao redor, ouviu. Tudo quieto. Relâmpago farejou o ar, e se encolheu assustado. Cloud enroscava-se no cabelo de Squall, tentando esconder-se de algo. Nailo deu um passo à frente, depois outro, e mais outro, até sair da mata e chegar à clareira. Fez um gesto de mão e os outros o seguiram. Tiveram uma visão assustadora.

_ Agora sei onde estamos e sei por que os monstros não chegam perto daqui – disse Nailo. Isso é um cemitério!

Era uma área descampada, sem vegetação alguma, que se estendia até onde a visão alcançava naquela escuridão. Formava um círculo profano, cravado no meio da ilha de Galrasia. Havia um lago no centro, águas escuras, sombrias. Por todo o lugar, carcaças de variados tipos de criaturas se amontoavam. Restos de dinossauros, ursos, serpentes, insetos gigantes e todo tipo de ser que possuíra vida, jaziam por toda parte. Alguns já muito antigos, desgastados pelo tempo, irreconhecíveis. Outros recentes, ainda com carne, pele, recobrindo os ossos. Distante dali um imenso lagarto-trovão caminhava a passos lentos em direção ao lago. Deitou próximo à margem e ali permaneceu. Viera para morrer.

_ Esse lugar não é bom. Vamos logo embora daqui – disse Squall, temendo que alguma das ossadas se erguesse contra eles.

_ Sim, vamos. Em silêncio – era Nailo. Avançaram rumo ao centro, em direção ao lago. Ruídos vindos da esquerda alarmaram o grupo. Eram sons de bocas mastigando, de criaturas rastejando. Nem tudo ali estava completamente morto.

_ Vamos por cima do lago, voando – sugeriu Anix.

­_ Não, pode ser perigoso. Pode haver monstros dentro desse lago – disse Legolas.

_ Sim. E mais do que isso. Sinto uma aura maligna emanando desse lago. Um poder das trevas – Alertou Lucano.

_ Se ficarmos muito tempo por aqui, seremos atacados. Decidam logo – disse Nailo.

_ Vou investigar a água – falou Orion. – Vou ver se o lago é fundo, se é capaz de comportar alguma criatura que nos ameace.

Lucano desaprovou a idéia com um gesto, mas era tarde. O guerreiro se abaixou diante da água negra que refletia a lua em escudo como um espelho e a tocou. Sentiu um calafrio percorrendo todo o corpo, sentiu o ar lhe escapar do peito, como se uma mão o penetrasse e apertasse seus pulmões, seu coração. Anix viu o humano sufocando e o puxou, Orion recuou cambaleando, tropeçou num osso no chão e caiu. Lascas voaram, se chocaram com ossadas próximas. Uma delas, fragilizada pelo tempo, ruiu sobre o guerreiro e o mago. Os dois rolaram, evitando serem soterrados, escapando com pequenas escoriações. O som dos ossos caindo reverberou por todo o cemitério, os aventureiros tentaram fazer o som se calar com um chiado. Mas, era tarde. Sua presença já tinha sido notada.

Ossos ergueram-se do solo sobrenaturalmente, juntando-se um a um em um corpo cadavérico de dinossauro. Era gigantesco, um bípede de braços e pernas alongados, cheios de dedos com garras afiadas. Crânio de focinho comprido, como o de um crocodilo, cheio de dentes como facas. Cabeça e costas repletas de ossos pontiagudos que miravam o céu, formando a estrutura outrora recoberta de pele e escamas. Os heróis viram e reconheceram a espécie, era o mesmo tipo de criatura que tinham enfrentado no rio, mas desta vez, era um morto-vivo.

_ Leusa Thiareba! – gritou Legolas, descartando o silêncio e apontando o arco para a criatura que os encarava com orbes vermelhas brilhantes como fogo. Um turbilhão de ar frio, neve e lascas de gelo atingiu o monstro, mas passou por seus ossos e além, sem causar-lhe qualquer dano.

A espada de Orion arrancava lascas da perna óssea. Também ineficaz. Lucano ergueu o medalhão, o arco que simbolizava Glórienn apontado para a criatura, ordenando que se afastasse. Não funcionou. Anix tentou uma magia, transformar o esqueleto em algo menor, menos ameaçador. Falhou.

Mas o monstro não.

As garras da fera tingiram o chão com o sangue de Legolas e Squall e sua bocarra se fechou sobre Nailo, rasgando seu ventre enquanto o erguia do solo. Nailo estava agarrado pela mandíbula do morto-vivo, completamente preso. Mas não estava indefeso.

_ Ëüpü nabirga-já! Fogo levante-se! – gritou o ranger, fazendo um movimento ascendente com suas espadas gêmeas. A natureza curvou-se ao pedido do herói e chamas se formaram no solo e se ergueram, atravessando a besta esquelética, carbonizando seus ossos. Pedaços de carvão em brasa caíam no chão, ossos destruídos. Contudo, o monstro continuava lutando. Tinha Nailo ainda em sua boca.

Squall tornou-se dragão, Cloud voou para longe, para segurança. O dragão saltou sobre o dinossauro, asas, garras, cauda e presas quebrando ossos num frenesi bestial. Espadas chocavam-se na criatura, causando pouco dano, mas ainda assim dano. Anix concentrava sua mente, preparava uma magia, e esperava um sinal, os ataques de Legolas e Squall, que seriam combinados com seu poder para destruir o inimigo, ataques que nunca vieram. Pois a fera sacolejou a cabeça óssea num movimento brusco e abriu a bocarra soltando Nailo, arremessando-o, dentro do lago.

Nailo caiu na água escura, trinta metros longe da margem. Sentiu seu corpo esfriar, o ar lhe escapar e sua vida sugada. Sua energia vital era drenada pelo lago. Se permanecesse ali, morreria. Gritou por socorro enquanto nadava para a margem, seu corpo cada vez mais pesado, cada vez mais perto do fim. Squall atendeu ao chamado, abandonando o plano do irmão para salvar a vida do amigo. Uma garra cortou-lhe o couro das costas, arrancando preciosas escamas vermelhas logo após sangrar Orion e Legolas. Mesmo assim, o dragão agarrou Nailo e o ergueu das águas mortais, fazendo um arco e retornando para a areia estéril onde a batalha parecia não ter fim.

Legolas saltou no monstro, agarrando-se a uma costela. Foi rasgado novamente, mas resistiu à dor e escalou o interior do monstro, golpeando-o por dentro com a espada. No chão, Orion trabalhava como um lenhador, vencendo pouco a pouco a resistência do tronco ósseo que era a perna da criatura. Quando conseguiu quebrar o primeiro osso, foi agarrado. O dinossauro o agarrou com os dentes e arremessou o guerreiro sangrando dentro do lago. Tal qual Nailo, Orion começou a morrer.

Anix circundou o inimigo voando em sua vassoura, recitou um feitiço e as pernas do monstro foram presas em teias mágicas. Tentou se aproximar para um novo ataque, e foi atingido por uma garra veloz que lhe perfurou o ventre. A mandíbula já se fechava sobre o mago quando Squall chegou do céu num mergulho, cuspindo fogo e soltando Nailo sobre o inimigo. As chamas calcinaram ossos, chegaram a Legolas, envolto em uma aura de frio, e o feriram também. Ao mesmo tempo, Nailo despencava, golpeando com as rosas gêmeas, usando a velocidade da queda a seu favor, aumentando a potência dos ataques. Encontrou o chão, duro. Sentiu uma fisgada na perna, músculos se rasgando com o impacto, ergueu as armas, pronto para um novo ataque. O inimigo também.

Os dentes se encontraram novamente. Entre eles carne de elfo. Anix. Foi arremessado, começou a morrer. Estava dentro da água. Anix gritou um comando mágico, chamando a vassoura voadora. Agarrou-se a ela e começou o caminho de volta para a margem. Squall também, trazendo Orion em suas costas, pálido como um cadáver.

_ Pessoal! Preparem-se, vou lançar minha bola de fogo mais poderosa! – gritou Anix. Legolas, montado sobre o dinossauro, Levantou-se cessando as estocadas no pescoço do inimigo. No chão, Nailo continuava atacando. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Uma bola de chamas explodiu como nenhuma outra que eles tinham visto antes, as mãos de Anix faiscavam poder mágico. O sexto golpe, as pernas do monstro se partiram, trespassadas pela espada de Nailo e o corpo esquelético desabou, ruiu sobre si mesmo. Lascas pontiagudas voaram quando o impacto contra o chão destruiu o corpo do monstro. Perfuraram Nailo e Legolas, apenas ferimentos superficiais, ignorados pela sensação que sentiam agora. Vitória! Do inimigo restava apenas uma pilha de ossos partidos, inerte.

_ Vamos depressa! Vamos sair desse lugar maldito! – comandou Legolas. Anix e Lucano atravessaram o lago montados na vassoura mágica. O dragão que era Squall levava Orion nas costas, acompanhado de Cloud. Legolas, Nailo e Relâmpago iam logo atrás, flutuando pela ação da magia de Anix. Num minuto estavam do outro lado. Passaram perto do dinossauro que viera morrer e presenciaram seu último suspiro. Sobrevoaram a areia infértil, ossos, terra e chegaram à floresta. Sentiam-se mais seguros ali, mas ainda não estavam a salvo, continuaram. Dez minutos de caminhada apressada se passaram, os sons da floresta retornaram, junto com a vida e os perigos que Galrasia abrigava, para alívio de todos. Mas havia algo mais. Um som difuso, que contrastava com os rugidos, chiados e rosnados da mata. Um som que não pertencia àquele lugar e que invadiu seus ouvidos, suas almas. Dominou-os. Era uma música, o som de uma harpa que parecia atrai-los. Não puderam resistir.

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