maio 09, 2006

Capítulo 202 – Envoltos em mistérios

Capítulo 202 Envoltos em mistérios

Nailo e Anix estavam num dos quartos, que ficava a leste de onde o restante do grupo se encontrava. Eram dois quartos de aparência semelhante. Tinham cerca de quinze metros de largura e vinte e tantos de comprimento. Na parede ao norte, quatorze camas estavam enfileiradas, lado a lado, em ambos os quartos. Na parede sul havia grandes armários, que ocupavam quase metade da parede. Duas mesas, uma próxima da entrada e outra mais ao fundo, se encontravam no centro dos quartos, cada uma rodeada por quatro cadeiras, todas empoeiradas e cobertas de teias e sujeira. Nos cantos existiam grandes vasos, com plantas secas e murchas, já sem qualquer sinal de folhas ou flores, que se partiam ao menor toque, revelando seus caules ocos e sem vida. Ao fundo existia um espaço quadrado, cercado por paredes quase tão robustas quanto às demais, e com uma porta no centro, formando um pequeno e misterioso cômodo dentro de cada quarto. Várias janelas se distribuíam pelas paredes opostas às entradas dos quartos. Entretanto, todas as janelas estavam fechadas, bloqueadas por tábuas e pregos, impedindo a entrada de qualquer iluminação externa. Os dois ambientes estavam visivelmente abandonados há muitos anos, isso era evidente. Entretanto, as tábuas e pregos que bloqueavam as janelas eram todas recentes, como se tivessem sido colocadas ali há apenas alguns dias ou no máximo, alguns meses. Estava claro para eles que os dois aposentos eram, no passado, quartos para provavelmente a criadagem do castelo. Nailo e Anix estavam no alojamento masculino, enquanto os demais estavam no quarto feminino. Após circularem pelos quartos, destruindo os pedaços dos mortos-vivos que ainda teimavam em se mover, e após constatarem que não havia mais nenhuma ameaça evidente, os heróis se dividiram e começaram a vasculhar cada metro dos quartos, em busca de pistas que pudessem revelar o que tinha acontecido aos antigos moradores do castelo, e, principalmente, quem era o seu senhor agora.

Squall abriu o armário, que ficava na parede sul do aposento. Várias peças de roupas femininas, corroídas e destruídas pelo tempo, esboçavam a prosperidade que aquele lugar pudera ter tido outrora. Guiado pela luz de sua lanterna, o aventureiro entrou dentro do antigo guarda-roupa, arrancando de seus cabides os belos vestidos que se esfarelavam ao menor toque da mão do feiticeiro. Squall foi avançando dentro do móvel, vasculhando dentro de cada bolso, atrás de cada vestido, em busca de itens ou pistas que pudessem ser úteis ao grupo. No fundo do armário encontrou uma pequena caixa de madeira. Era uma bela caixa envernizada, decorada com entalhes sinuosos e com uma pequena fechadura, onde uma chave permanecia, há eras, intocada. Squall saiu do guarda-roupa e foi até uma das mesas que existiam no aposento. Balançou a caixa, ouvindo um som de pedras se chocando lá dentro, misturado com o som de um sino fraco. Ávido por tesouros, colocou a caixa sobre a mesa e a abriu.

Uma melodia agradável tomou o lugar do mórbido silêncio que preenchia o ambiente. Nas mãos de Squall, dentro da caixa, uma pequena bailarina esculpida em madeira, girava ao som da música. Dentro da caixa de música, havia também três jóias ovaladas, mescladas em amarelo e laranja, um colar de contas brancas, possivelmente pérolas, e um par de brincos dourados em formato de pingente que terminavam em pequenas pedras esverdeadas. Squall sorriu, feliz com o tesouro que havia encontrado, e o mostrou ao capitão. Glorin, que tinha nas mãos uma tiara dourada, com pequenos cristais rosas incrustados nela, disse para Squall guardar os objetos consigo.

Não muito longe dali, estava Lucano, com um sorriso largo na boca, da mesma forma que Squall. De uma das cadeiras, debaixo da outra mesa, o clérigo retirara uma bolsa de couro feminina. Tinha cor preta, e parecia ter sido envernizada no passado, já que uma pequena área de sua superfície ainda permanecia lisa. Lucano abriu a bolsa cuidadosamente, olhando lá dentro. Num compartimento menor, havia várias moedas de ouro, já escurecidas pelo desuso. Pelo volume formado, devia haver cerca de cem moedas ali. No outro compartimento havia uma pequena caixa de madeira, pintada num tom branco já completamente amarelado pelo tempo. Lucano abriu a caixinha, que continha várias porções coloridas de um tipo de pasta já ressecada, além de alguns pequenos pincéis. Era um estojo de maquiagem. Lucano jogou o estojo na parede, deixando o estojo em pedaços e Glorin irritado com a barulheira provocada.

Havia também uma carta de amor, escrita num papel quase decomposto por alguém chamado Romen, declarando seu amor a uma tal Joulie. Além da carta, um pequeno espelho estava enroscado num bracelete de prata, ricamente decorado com temas florais. Dois anéis de ouro também estavam dentro da bolsa, um deles com detalhes que lembravam vime trançado, e um outro liso e fino, ornado com uma pequena gema azul.

Assim como Squall, o clérigo também estava feliz com os tesouros encontrados. Mas, a sensação de satisfação logo deu lugar ao temor, assim que Legolas terminou de revistar os cadáveres destruídos por eles.

_ Capitão! Eu revistei os zumbis que matamos! Tem algo muito estranho aqui! – disse Legolas, com cara de espantado.

_ O que você descobriu? – indagou Glorin, a voz rouca e baixa.

_ Bom, tem um homem, que morreu faz muito tempo! Ele tem marcas no pescoço, como se tivesse sido enforcado! Já um outro não tem marcas pelo corpo, mas apresenta uma rigidez estranha nas mãos e no rosto! Parece que ele morreu do coração ou algo parecido! E aquela mulher, tem uma marca de corte nas costas, acho que ela foi esfaqueada! Os outros corpos também, cada um parece ter morrido de um jeito distinto e em épocas diferentes! - Respondeu o elfo, gesticulando e apontando para os corpos revirados.

_ É, intrigante! Eles também têm alguma semelhança física? – perguntou o anão, coçando a barba.

_ Não! Inclusive, um deles tem a pele bem morena, totalmente diferente dos outros! – continuou Legolas.

_ É, não existem pessoas de pele escura nesta região! Significa que ele veio de longe! Parece que alguém anda raptando pessoas por ai, ou juntando cadáveres e trazendo-os para cá! – concluiu Glorin.

Legolas mostrou a Glorin um colar de prata, cravejado de pedras amarelas que havia encontrado no corpo da mulher esfaqueada e pediu para ficar com a jóia. Queria dá-la de presente a Liodriel. Glorin permitiu que o elfo guardasse o tesouro.

Então chegaram Nailo e Anix, após revistar o aposento ao lado. Anix ficou ainda mais temeroso ao ver que os dois quartos eram praticamente iguais, como se um fosse a imagem refletida do outro. O mago não sabia o que aquilo significava, mas sabia que não gostava nem um pouco daquelas estranhas coincidências.

Anix trazia consigo uma pepita de ouro, encontrada escondida dentro de uma bota que estava ainda encaixotada no guarda-roupa do outro quarto. Já Nailo tinha encontrado uma bolsa de moedas de ouro, com mais de cinqüenta delas, escondida debaixo de um travesseiro. Além das moedas, um dente de ouro brilhou sob a luz da tocha do ranger, bem como um belo broche de prata, o rosto de um leão boquiaberto, adornado com jóias vermelhas formando seus olhos e sua língua.

Os dois contaram o que viram e encontraram na outra sala aos demais. Era quase tudo igual ao quarto em que estavam agora, com exceção dos inimigos e do fato de ser um quarto masculino. Sobre uma das mesas havia um baralho apodrecido, e alguns tibares de cobre, dando a entender que alguém estava jogando pouco antes de ter que sair repentinamente. Entretanto, não havia sinais de correria pelo lugar. Nailo olhou em todo o cômodo, inclusive atrás da porta que dava acesso a um outro cômodo dentro do quarto, um banheiro há muito esquecido. Nailo investigou o banheiro, onde encontrou uma tina podre e vazia, além de uma fossa e pedaços de sabão secos e rachados. Amarrou a tocha numa corda para olhar dentro da fossa e constatou que ela já estava seca há muito tempo. Depois disso, abandonou o banheiro e foi ajudar Anix a revistar as camas. O mago já tinha olhado dentro do armário e agora se ocupava de olhar as camas, mas com um total desinteresse.

Glorin ordenou que guardassem consigo os tesouros encontrados e começou a olhar ao redor. Coçou a barba, pensativo.

_ Estranho! Dois quartos iguais, como num espelho como Anix diz! Mas o que mais me intriga é outra coisa! Desse lado só havia zumbis, enquanto que no outro quarto só havia esqueletos! Parece alguém os “guardou” separados por tipos! E o mais interessante! Esses quartos são tão grandes, com espaço para tanta gente,mas só havia cerca de dez monstros em cada um! Por que tão poucas criaturas em tanto espaço? Onde estão as outras dezenas de mortos que vimos na vila? – disse Glorin, com ar de confuso.

As perguntas do anão permaneceram sem resposta. Todos se calaram, ninguém entendia o motivo daqueles fatos estranhos. Glorin sugeriu que montassem ali um acampamento, para deixar o peso desnecessário do acampamento, e para descansarem, caso não conseguissem cumprir a missão até o anoitecer.

Nailo e Lucano começaram a levar os corpos para o outro quarto, e os atiraram dentro da fossa, para que não pudessem ameaçá-los novamente. Os outros começaram a retirar das costas todo o peso extra que carregavam, tal qual moedas, sacos de dormir e qualquer outra coisa que não tivesse utilidade para combater mortos-vivos.

Squall, usou sua mágica para analisar os tesouros que tinha encontrado, mas não sentiu nenhuma aura em seus objetos. Depois, fez o mesmo com as coisas de Lucano, Legolas, Nailo e Anix. Nenhum dos objetos encontrados possuía poder mágico, nem mesmo a tiara encontrada pelo capitão. No entanto, havia algo de mágico junto ao capitão. Squall não resistiu à tentação e começou a analisar magicamente o anão e seus objetos.

O feiticeiro sentiu que fortes auras mágicas emanavam da armadura, do escudo e do machado do anão. Sua mochila também tinha várias auras mágicas difusas, emanando dela própria e de seu interior. Squall não resistiu à curiosidade.

_ Capitão, o que você tem nessa mochila ai? Eu quero ver! – pediu Squall, inocentemente.

_ Ora, são minhas coisas! – respondeu Glorin secamente.

_ Mas eu quero saber que coisas são essas, eu tenho direito! – insistiu Squall.

_ Que tem direito nada! O que está na minha mochila é meu, não interessa a mais ninguém! Deixa de ser curioso e vamos logo com isso, terminem de aliviar o seu peso e vamos em frente! – respondeu o anão com sarcasmo.

_ Não! Eu quero saber agora! Bem que meu irmão disse que você era estranho! Você já sabe um monte de coisas da gente, leu nossas fichas no quartel em Follen, mas a gente não sabe nada de você! Eu quero saber sobre você antes de seguir em frente e quero saber o que tem nessa mochila ai que emana tanto poder mágico! E também você fica soltando gelo pelas mãos ai e nem é mago! Isso é muito estranho, estou cismado com isso! – continuou o feiticeiro.

_ Ah, garoto! Não me amole! Você também solta fogo pelas mãos e eu não me impressiono com isso! Não temos tempo pra perder com essas besteiras! Temos uma missão a cumprir! Deixe a paranóia de seu irmão de lado e vamos logo seguir em frente! – gritou o capitão.

_ Não! Eu exijo saber o que você tem ai! Eu tenho esse direito! – teimou Squall.

_ Direito coisa nenhuma! Ninguém tem o direito de fuçar nas minhas coisas a não ser eu! Sabia que esses elfos iam me dar problemas! Deixa de frescura! Temos uma missão a cumprir! Não temos tempo para essas suas frescurinhas de elfo! Agora pare de me amolar e vamos logo, antes que os mortos-vivos resolvam atacar a vila novamente! – Glorin recuou lentamente em direção à porta, enquanto ralhava com Squall.

_ Não! Eu não vou enquanto você não falar! – Squall cruzou os braços e respondeu bufando. Estava irritado, tanto pelo fato do capitão fazer segredo sobre si e seus pertences, quanto por ele questionar a masculinidade dos elfos.

_ Faça como preferir então! Eu não dou a mínima! Só sei que vim aqui para matar uns mortos e salvar algumas crianças! E eu vou fazer isso com ou sem sua ajuda! Se quiser ficar ai, fique então! Agora se quer tanto assim saber o que eu carrego e saber sobre mim, deixe de frescuras e vamos logo cumprir nossa missão, garoto! Depois que terminarmos com esses mortos, eu lhe respondo qualquer coisa que você quiser saber! Mas não venha me encher o saco agora, pois não tenho tempo pra ficar paparicando um bando de elfos frescos, tenho um trabalho importante a fazer e vou fazê-lo, com ou sem a ajuda de vocês! – Glorin avançou na direção de Squall, bufando de raiva. Seu rosto pálido agora estava corado, seu sangue fervia. O anão encarou o elfo, colocando o indicador em seu nariz, enquanto rugia como um leão feroz. Depois se afastou de Squall, encarando-o e saiu pela porta.

_ Está bem então, capitão! Mas não esqueça, quando sairmos daqui, a gente vai ter uma boa conversa! – concordou Squall, correndo para a porta.

_ Tá! Agora vamos logo! Ei Legolas, traga esse seu arco aqui pra iluminar o caminho! – sussurrou o anão, já no corredor.

Legolas saiu apressado e ficou ao lado do capitão, iluminando o corredor com seu arco mágico. Glorin olhou para ele e esboçou um sorriso, apontando para a porta que estava trancada por fora com uma viga de madeira. Os dois caminharam lentamente, acompanhados pelo restante do grupo. Glorin olhou novamente para Legolas e, quando ia fazer um gesto com a mão, seus olhos se voltaram na direção do arco mágico.

_ Diga-me Legolas! Onde conseguiu esse arco? – perguntou Glorin em voz baixa.

_ Ah! Era de um dragão que nós matamos! – respondeu Legolas, orgulhoso.

_ Um dragão? Deixe-me ver isso! – exclamou Glorin, espantado.

Legolas entregou o arco ao anão, que começou a observá-lo atentamente. O anão parecia assustado.

_ É verdade capitão! Nós matamos uma dragonesa negra que tinha raptado minha noiva, junto com um ex-amigo meu! Ela disse que tinha matado um dragão branco e tomado esse arco dele! – continuou Legolas.

Glorin arregalou os olhos ao ouvir as palavras de Legolas. Todos perceberam a estranha reação do anão. Parecia que o mistério ao redor dele era maior do que se imaginava.

_ O senhor já tinha visto esse arco antes capitão? – perguntou Anix, desconfiado.

_ Não! Só achei estranho ele brilhar no escuro! – Glorin voltou ao estado normal. Sua voz estava novamente fria como o gelo, falava com a tranqüilidade de flocos de neve em queda.

_ Mas isso é porque ele é um arco mágico! Não sei por que se assustar com isso! – continuou Anix.

_ Bom, é que meu machado também é mágico, mas nunca brilhou assim! Achei isso bem diferente! Bem, mas isso não importa agora, vamos seguir em frente! – Glorin deu um sorriso encabulado e depois fez uma expressão séria. O anão se calou e prosseguiu em seu caminho, chamando seus bravos companheiros para a batalha.

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