agosto 09, 2006

Capítulo 215 – Depósito macabro

Capítulo 215 Depósito macabro

A porta se abriu num rangido seco e agoniante. Suas pesadas dobradiças estalavam, liberando pó de ferrugem no ar enquanto Legolas e Glorin empurravam os enormes portões ao entrarem no salão. Nenhuma ameaça estava à vista. Legolas já disparara uma flecha no exato instante em que a porta começara a se abrir sem que ela atingisse ninguém. O grupo finalmente entrou, após quarenta longos minutos de espera enquanto Lucano decifrava os pergaminhos. O clérigo, assim como Anix, aguardavam do lado de fora, na retaguarda conforme decidido pelo capitão, esperando por um sinal de seu líder.

Squall e Legolas iluminaram o ambiente. A luz da lanterna alcançava os cantos mais distantes do gigantesco salão em que se encontravam. Era possível ver uma fonte seca logo diante da entrada e dois majestosos assentos de pedra lado a lado no fundo do aposento dispostos como se fossem dois tronos. Mesas decoradas e organizadas para um grande banquete se dividiam em dois pares, um de cada lado, separados pelos tronos e pela fonte. Um banquete que também não terminou. Restos de comida, talheres e pratos estavam espalhados sobre a mesa, da mesma maneira que estavam séculos atrás. Provavelmente, aquela refeição também estava envenenada.

Os olhos de Squall percorriam cada canto do aposento, acompanhados pela luz trêmula da lanterna. O facho luminoso descreveu uma trajetória em arco, indo da esquerda para a direita, onde o feiticeiro viu um vasto amontoado de corpos empilhados. Existiam carcaças apodrecidas de humanos de várias idades e em variados estados de decomposição. Mas, não houve tempo para reparar nos detalhes da pilha de mortos. Squall retornou sua atenção para a esquerda, espantado, para confirmar se o que vira de relance era real ou apenas um delírio de sua mente. Era real. O sangue de Squall congelou, suas pernas estremeceram e seu coração pareceu parar de bater. Diante dele estavam cerca de trinta pessoas mortas, caminhando em sua direção com as mãos estendidas como que desejando agarrá-lo e devorá-lo. Eram homens, mulheres, idosos e crianças, de diferentes raças e etnias. Alguns pareciam que tinham acabado de serem retirados de suas covas. Outros pareciam estar mortos há centenas de anos, com pedaços faltando e ausência quase total de pele. A pequena multidão avançava, cambaleante próxima à parede onde ficava a entrada do salão. Traziam consigo um odor nauseabundo de carne podre que enojava até os de nariz menos sensível. Como se não bastasse isso, do lado oposto do salão havia mais um pelotão de iguais proporções, avançando contra Glorin e Legolas.

_ Encontramos o que procurávamos! Eis o exército de zumbis que viemos matar! Dêem tudo de si, sem piedade e sem hesitar! – gritou o anão com o machado em riste, seus olhos brilhavam como fagulhas no meio das trevas que era o salão.

Nailo correu para o flanco direito, suas duas espadas já preparadas como as presas de um animal selvagem pronto para o bote. A maior delas se deslocou rápido, descrevendo uma trajetória circular e atravessando a garganta putrefata de um homem já sem vida. O crânio desprendeu-se do pescoço, indo se espatifar na parede, num rodopio rápido e fatal. Nailo comemorou a queda do primeiro inimigo com um urro.

Na esquerda, duas flechas perfuraram como arpões seus alvos. O primeiro deles, uma mulher de aparência ainda jovem, mas carcomida pela podridão, teve seu crânio trespassado na altura de um dos olhos. Com a força do impacto a cabeça girou para trás, quebrando o pescoço e jogando a mulher no chão. O segundo, um homem já idoso e ainda mais deteriorado, tombou com uma flecha fincada no peito, exatamente no local onde um dia já batera o coração. Legolas avançou, cauteloso, acreditando que tudo estava fácil demais para ser verdade.

Um grito de cólera ecoou por toda a sala enquanto Glorin corria na direção dos zumbis. Suas pequenas pernas davam passos curtos e ligeiros. O anão atropelou quase uma dezena de mortos, tirando-os de seu caminho com o escudo metálico. Só parou quando viu que estava cercado por todos os lados pelos inimigos. Não havia mais como prosseguir. Não havia mais como recuar. Glorin empunhou seu machado e sorriu. E mais de uma dúzia de mortos-vivos se transformaram em poeira diante de seus olhos. Seus corpos brilharam, como se acendessem por dentro, e um a um os cadáveres foram caindo no chão ao redor do anão. Glorin olhou para trás e viu Lucano. Um medalhão brilhava prateado em suas mãos, evidenciando um entalhe em forma de arco e flecha. O símbolo da deusa Glórien. O capitão entendeu a situação e novamente comandou seus soldados:

_ Esses são os zumbis invadiram a vila! Os mesmos que nós enfrentamos! Eles já estão feridos e fracos desde aquele dia! Ataquem com tudo, será fácil derrotá-los!

As palavras do anão deram novo ânimo a Squall, que conseguiu vencer o seu medo insano e enfrentar os mortos-vivos. Sua mão desceu rápida até a bolsa de componentes mágicos, de onde Squall retirou uma pequena bola de enxofre. Atirando a esfera no meio da massa morta-viva que se deslocava em sua direção, Squall proferiu suas palavras mágicas, fazendo com que a inofensiva bolinha explodisse em chamas. Pedaços de pessoas mortas voaram por todos os lados. Os corpos carbonizados tombaram no chão, exalando um cheiro de carne queimada e podre. Uma roda se abriu no meio da massa compacta que avançava. Squall achou que sua bola de fogo fosse deter a todos, mas estava equivocado.

As criaturas avançaram, passando por cima umas das outras, até conseguirem alcançar Squall e Glorin. O machado do anão ainda fez tombar três inimigos, antes de ser totalmente cercado e agarrado pelos zumbis. A multidão que cambaleava pela sala se amontoou ao redor dos dois aventureiros, envolvendo-os num abraço repugnante. Squall e Glorin caíram, cada um num canto da sala, sobe uma chuva de socos, tapas e mordidas.

_ Saiam daqui! Não me mordam, seus nojentos! Eu vou matá-los! – gritava Glorin.

Squall estava mudo.

Nailo abriu caminho entre os mortos-vivos com suas espadas como se abrisse uma trilha no mato fechado. A cada novo golpe um novo inimigo tombava mutilado. Braços, pernas, mãos, cabeças, foram aos poucos formando um mosaico sinistro no chão por onde o ranger passava. Até que ele finalmente conseguiu se aproximar de seu capitão. Continuou golpeando sem parar os cadáveres animados que se amontoavam sobre o anão. Enquanto isso, Legolas e Lucano disparavam freneticamente seus arcos para ajudar Squall. As flechas se precipitavam nos mortos-vivos, matando-os uma vez mais. Anix os ajudava com rajadas energéticas, mas os inimigos eram muitos.

Alguns deixaram de atacar Squall e Glorin para investirem contra o restante dos heróis. Nailo os cortou, Legolas e Lucano os perfuraram e Anix os queimou com magia. Squall se debatia no chão, tentando usar sua magia contra seus agressores. Mas não conseguia se concentrar no meio daquela confusão toda, tornando inúteis os seus esforços. Sentiu uma das flechas de Legolas quase lhe perfurando o ventre ao atravessar a carcaça podre de um velho que o mordia. Deitado no chão, tudo o que Squall via eram criaturas putrefatas saltando sobre si como abutres sobre a carniça. Tudo o que ouvia eram os gemidos dos mortos sobre seu corpo.

Glorin também se encontrava em situação igualmente grave. Sem poder usar seu machado ou seu escudo, tudo o que o anão conseguia fazer era gritar maldições para os agressores enquanto tentava se livrar deles. Anix se assustou com a gritaria do líder. Sentiu que precisava ajudar o capitão de alguma forma, tinha que acabar com todos aqueles monstros rapidamente. Bola de fogo. As chamas envolveram os mortos-vivos, Glorin e Nailo de forma destrutiva. O ranger se protegeu curvando seu corpo para fora da área das chamas e minimizando o estrago. O anão, preso entre uma dezena de inimigos, não pode sequer se mover.

_ Maldito! Quem foi o desgraçado que fez isso? Eu vou esfolar o filho da mãe! – Glorin se levantou de sobressalto urrando como um leão tomado pela fúria. Seu corpo estava todo chamuscado e coberto de pedaços de carne carbonizada. Agora o anão fedia tanto ou talvez mais do que os zumbis. As criaturas haviam desaparecido. Em seu lugar restavam apenas cinzas e carvão.

_ Fui eu capitão! Desculpe o mau jeito, mas eu não tinha outra opção! – Anix tentava se desculpar, arrependido por ter agido sem medir as conseqüências.

_ Você me paga garoto! Eu vou esfolar você!

­_ Desculpe capitão! Mas já que eu vou ter que pagar, então eu lhe pagarei uma cerveja pra me redimir!

_ Será preciso mais que uma cerveja pra que eu esqueça isso!

_ E que tal um barril?

_ Um barril? Estamos conversados! Agora volte ao trabalho!

Enquanto isso, Legolas continuava empalando os adversários de Squall um a um, até que restasse apenas um zumbi sobre ele. Cloud, seu fiel falcão, arrancou a cabeça do morto-vivo restante, livrando Squall do perigo. O último inimigo tombou pelas mãos do sacerdote. A última flecha atravessou o pescoço do ser repugnante de um lado a outro, fazendo-a tombar, pendurada apenas por um pedaço de pele apodrecida. O monstro ainda deu dois passos desgovernados antes de ir ao chão. Seu maxilar ainda se mexia, batendo os dentes uns nos outros cada vez mais lentamente, até o cadáver se silenciar por definitivo.

E tudo voltou ao silêncio. Os heróis recuperaram o fôlego perdido durante a batalha.Glorin se limpou, retirando os pedaços de carne queimada que estavam grudados em seu corpo e ordenou uma busca pelo local. E todos puderam finalmente ver todos os detalhes do lugar.

O imenso salão havia sido abandonado há centenas de anos. Parecia ser o aposento principal do lugar, um tipo de salão real, onde o lorde que comandava o lugar recebia seus convidados, despachava ordens para os comandados e convivia com todos nas horas de lazer apreciando as performances de algum bufão. Um banquete havia sido abandonado pela metade para ser devorado pelos ratos, baratas e moscas. Esses mesmos animais jaziam espalhados pelo chão, denunciando aquilo que a mágica divina de Lucano confirmou. Da mesma forma que o banquete no salão de festas, toda a comida do aposento estava envenenada. Mas o lugar já não estava mais abandonado. Alguém, ou alguma coisa estava utilizando o lugar para armazenar sua bizarra coleção de mortos-vivos. A sala estava infestada de zumbis, agora todos destruídos. Além disso, havia quase uma centena de corpos amontoados num canto do salão, provavelmente aguardando o momento de serem despertados como mortos-vivos por aquele que os havia colocado ali. Rastros no chão indicavam que os corpos tinham sido arrastados até ali, retirados das suas cadeiras no salão real e no salão de baile. Havia corpos de pessoas jovens e idosas, crianças inclusive. Havia homens e mulheres, fossem eles elfos, humanos, anões, halflings, etc. Estavam em variados estados de putrefação, alguns tinham morrido há eras, outros tinham sido retirados de suas covas há poucos dias e ainda conservavam terra fresca em seus farrapos. Existiam pessoas que pareciam não pertencer ao reino de Tollon. Pessoas de pele bronzeada como só os marinheiros costuma ter e até alguns de origem tamuraniana, com seus olhos rasgados. O ocupante do castelo estava reunindo pessoas de vários lugares e os transformando num exército das trevas. Era evidente que aquele salão era um armazém de zumbis e de matéria-prima para fabricá-los. O castelo inteiro servia para armazenar aquela coleção nefasta. Era um depósito macabro, que devia ser destruído o quanto antes.

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