Capítulo 263 – Conflitos
Partiram, assim, os valentes soldados que tinham salvado a pequena vila de Forte Novo, bem como o clérigo amaldiçoado Kyrnynn. Os aldeões fizeram uma balsa improvisada para atravessarem os heróis para o outro lado do rio e se despediram de todos. Kyrnynn lhes agradeceu por toda a ajuda, e prometeu ir ao forte Rodick assim que terminasse de ajudar os moradores da vila a reconstruir tudo aquilo que ele tinha destruído. Atilat sequer se despediu dos soldados, tornando-se invisível para assistir à partida deles, sem corre o risco de ser novamente vítima da brutalidade de Nailo e seus subordinados, e também para evitar ser novamente beijada por Kawaguchi. Assim começou a viagem de volta, com todos felizes por tudo ter acabado bem.
Ocorre que Hydor carregava com extrema dificuldade a enorme lança que recebera de Kyrnynn. Iria entregá-la a Kuran, pensava ele, e a levaria com seu próprio esforço, para mostrar-se valoroso diante daquele que tanto admirava. Mas, a ganância preencheu os corações dos soldados ao ver o pequeno sprite carregando um item valioso que não usaria, e eles desejaram possuir a lança de Hydor. De início Nailo pediu a lança, mas o pedido tinha mais ar de ordem do que de pedido, e pareceu a Hydor que o sargento desejava roubar sua lança. E talvez isso fosse verdade, mas ninguém poderia penetrar na mente do sargento para descobrir suas intenções, de modo que o pequenino ficou desconfiado. Depois foi a vez de Kawaguchi e Lord tentarem lhe tomar a lança, fosse para transportá-la, fosse para tê-la para si. Por último, Akira fez uma oferta em moedas de ouro pelo objeto. Mas, desconfiado e temeroso, Hydor recusou as ofertas e não soltou mais de sua recompensa, temendo que ela fosse roubada. Na saída da vila, Nailo e Hydor tiveram uma discussão, já que a fada atrasaria o grupo por carregar tanto peso. Nailo, tentando convencer Hydor a desistir de carregar aquele objeto, chegou a insultá-lo e menosprezar seu valor por causa de seu diminuto tamanho.
_ Você não vai conseguir carregar essa lança até o forte, seu nanico! E não adianta bufar ou querer bancar o valente comigo, pois basta eu lhe dar um assopro para jogá-lo no chão! Pois bem, se não quer me entregar essa lança para eu carregá-la, então fique ai, tropeçando no seu orgulho, sozinho! Vamos embora soldados, deixem-no pra trás! – disse Nailo, sussurrando algo no ouvido do cavalo que partiu em disparada. Mas, Kawaguchi não quis deixar Hydor para trás, e lhe ofereceu ajuda.
_ Suba em meu cavalo, eu levo você!
Assim eles partiram, desconfiados, desunidos e ressentidos uns com os outros. Então, quando chegou o primeiro anoitecer depois de terem deixado Forte Novo para trás, Nailo decidiu dar uma lição no pequenino. Enquanto todos dormiam, Nailo se aproximou furtivamente de Hydor para roubar-lhe a lança e escondê-la. Mas, quis o acaso que o ranger pisasse em um galho seco, provocando ruído suficiente para que os ouvidos sempre atentos do samurai percebessem e o fizessem despertar, alarmado. Kawaguchi levantou bradando seu grito de guerra e sacando sua katana, Nailo, para não ser apanhado como um ladrão, segurou Hydor no chão e sacou sua espada, como se tentasse mantê-lo calado por causa de algum perigo na mata. Por um instante, todos temeram que o sargento estivesse tentando matar o sprite, mas Nailo lhes disse que havia ouvido um ruído na mata, e que alguém os estava observando.
Rapidamente todos se levantaram, e ficaram em alerta. Akira usou seu poder mágico de vôo para olhar do alto, e tentar identificar o inimigo. Mas, só o que viu foi um corvo, pousado no galho de uma árvore não muito distante do acampamento. Akira avisou a todos sobre a presença do corvo, deixando que seus amigos ficassem mais tranqüilos.
Mas, Kawaguchi não se convenceu de que não havia ameaça, e decidiu eliminar o corvo com uma flechada, temendo que ele servisse a algum mago maligno que pudesse estar espionando-os. Talvez, fosse o próprio Stondylus. Assim, o samurai disparou seu arco na direção do pássaro, mas errou seu alvo, já que Nailo tentou impedi-lo de atingir o corvo. Contudo, o animal se assustou e levantou vôo e, antes que Nailo pudesse fazer qualquer coisa, Kawaguchi disparou uma segunda flecha, desta vez certeira, que derrubou o corvo no meio da floresta.
Nesse momento Nailo ficou extremamente irritado e correu para tentar salvar o pobre pássaro. Mas, quando o encontrou, o último sopro de vida já havia deixado seu corpo emplumado e negro. Nailo entristeceu ao ver um animal ter sido morto pelo seu erro e por sua ganância, e sentiu-se responsável por tudo aquilo. Quis deixar aquele lugar o mais depressa possível, e quis fazer algo para consertar aquela tragédia.
_ Vamos partir! – disse ele, esperando alguma reação de seus soldados, mas todos estavam calados, enquanto Hydor permanecia agarrado à sua preciosa lança. – Bom, eu estou indo embora para o forte! Quem quiser vir comigo, que me acompanhe agora, ou então que fique para trás! – e, dizendo estas palavras, Nailo selou seu cavalo, reuniu seu equipamento e partiu, apressado.
_ O sargento nos abandonou! Não é mais digno de ser servido! Vamos ficar aqui e partir pela manhã! Não há nada de perigoso na mata, e o corvo já está morto, não há motivo para partirmos agora, no meio da noite! – disse Kawaguchi, com firmeza.
_ E tenho certeza que ele não tinha ouvido nada! Acho que ele só queria pegar minha lança pra ele! – completou Lord.
E todos voltaram a dormir. Nailo, viajou mais algumas horas, até exaurir todas as forças de seu cavalo e ser forçado a parar e acampar. Na manhã seguinte, o grupo de soldados alcançou seu sargento, e passaram por ele, sem se importar com sua presença, deixando-o para trás tal qual ele havia feito antes com todos. Apenas Hydor decidiu ficar com Nailo, agarrou sua lança com todas as forças e bateu as pequeninas asas, deixando o cavalo de Kawaguchi.
Nailo e Hydor finalmente se entenderam, e o sargento se ofereceu para carregar a lança de Hydor em sua aljava nova que, por ser mágica, podia facilmente guardar um objeto daquele tamanho. Mas, Hydor recusou a oferta, dizendo que queria carregar a lança com suas próprias forças, para provar seu valor para Kuran. Então, para facilitar a tarefa do sprite, Nailo lhe emprestou a aljava mágica. Hydor guardou a lança dentro da aljava, os dois montaram no cavalo e partiram. Horas depois, passaram pelo grupo, que estava acampado numa clareira, descansando. Nailo os deixou novamente para trás e seguiu em frente junto com Hydor. E eles não voltaram a se encontrar novamente nos dias que se seguiram, somente quando já estavam de volta ao forte Rodick.
Era o dia 8 de Áurea, Nailo e Hydor foram os primeiros a chegar ao forte. Hydor levou a lança para Kuran, e entregou-lhe a arma como havia prometido. Kuran a recebeu com gratidão, e demonstrou orgulho pelo feito do pequenino sprite. Enquanto os dois conversavam dentro do pequeno bosque oculto atrás da taverna do forte, Nailo se reportava ao general, contando-lhe tudo que havia acontecido, da missão em Forte Novo, da história e da charada do ettin, das desavenças entre ele e seus soldados, da prisão de Atilat e tudo mais. O general ouviu tudo com atenção, e pediu a Nailo para que esperasse que os soldados retornassem e depois voltasse a falar com o general, junto com todos os soldados e o capitão Glorin.
Então, algumas horas depois, Akira, Lord e Kawaguchi atravessaram os portões de Forte Rodick e, conforme havia sido ordenado, foram até o General Wally Dold.
_ Pois bem, soldados! O sargento Nailo reclamou do comportamento de vocês durante a missão, e por isso estão aqui! Vamos fazer uma acariação, colocá-los frente a frente, e ouvir a versão de cada um sobre o que aconteceu em Forte Novo! Os que estiverem certos serão recompensados, e os que estiverem errados serão punidos, como dever ser feito! E a primeira lição que devem aprender com tudo isso, é respeitar a hierarquia militar! Se vocês, soldados, tiverem alguma queixa ou reclamação, façam-na ao seu oficial imediatamente superior, no caso, o sargento Nailo! E, quanto a você, sargento, seu relatório deveria ter sido passado não a mim, como você fez, mas sim ao seu superior, o capitão Glorin que aqui está! Lembrem-se disso no futuro! Agora, comecem a contar o que aconteceu! – disse o general, com seriedade.
Então Nailo começou a narrar os fatos detalhadamente. Contou minuciosamente cada detalhe da sua missão em Forte Novo, apesar de prometer resumir a história. Todos ouviam-no atentamente, até o momento em que ele descreveu a briga entre Akira e Kawaguchi, na casa da anciã da pequena vila. Os dois soldados interromperam o sargento, defendendo seus pontos de vista, e Glorin perguntou a cada um deles se a história contada era verdadeira. Cada um expôs sua visão dos fatos, e Lord era o que mais falava, e dizia que Kawaguchi não tivera intenção de ofender a velha, mas que o fizera, e que Akira não tivera intenção de ofender Kawaguchi, mas que o fizera. O pequeno halfling parecia querer ao mesmo tempo condenar e inocentar a todos.
E a conversa se prolongou por muito tempo, Nailo narrava os fatos à sua maneira, sempre acusando os soldados de desobediência e insubordinação. Os soldados se defendiam, acusando Nailo de abusar de sua autoridade. Nailo, por sua vez, justificava suas ações dizendo que tomava atitudes para preservar os soldados e para não ser culpado caso algo de ruim lhes acontecesse. E Glorin sempre lembrava Nailo dos dias em que lutaram juntos no castelo de Zulil, e do comportamento do ranger, por vezes mais indisciplinado até que o de seus soldados a ponto de expor ao perigo não só a vida de Nailo, mas a de todos do grupo. E Lord se intrometia a cada instante, desmentindo tanto Nailo quanto os demais, contando sua própria versão, por vezes distorcida, dos acontecimentos, dizendo que os outros haviam tomado atitudes sem intenções ruins, mas erradas, e dessa forma o halfling atirava a todos na fogueira e tentava inocentar apenas a si próprio.
Ocorre que o capitão Glorin foi ficando irritado com toda aquela discussão. Trocas de acusações, relatos contraditórios, as versões maliciosas de Lord, Kawaguchi que só respondia em seu sotaque tamuraniano “Hay!” para concordar com o que lhe era perguntado, Akira que se atrapalhava com as patentes, ora chamando Nailo de capitão, ora chamando Glorin de sargento, tudo isso deixava o anão de barbas brancas cada vez mais descontente com tudo aquilo.
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