Capítulo 266 – Inimigo vegetal
E partiram. Lucano conduziu seus soldados por entre as florestas negras de Tollon por cinco dias seguidos. Passaram pelo entroncamento que conduzia a Forte Novo e a Rutorn, e seguiram adiante, saindo da estrada e penetrando na mata densa. Seus cavalos diminuíram a marcha para poderem percorre o acidentado terreno que se revelava à frente, e eles viajaram pelo restante do dia, até que a noite começou a cair e o sol tornou-se apenas uma lembrança, apenas uma mancha avermelhada no pouco que se via do céu além das copas fechadas das árvores.
Estavam agora em um bosque de carvalhos altos, frondosos e de folhagem farta, que tapava a luz do sol, tornando constantemente escuro o ambiente próximo do chão. O grupo já reduzira a marcha até que os cavalos apenas caminhavam a passos curtos e vagarosos, tão lentos quanto um grupo de viajantes a pé. Lucano já pensava em dar ordem para seus homens pararem e montarem um acampamento para passarem a noite, quando seus olhos avistaram um estranho movimento nos galhos de uma árvore próxima. Lucano desceu de sua montaria, apreensivo, e os soldados fizeram o mesmo. Apontou para seus homens o lugar onde havia visto o estranho movimento e disparou uma flecha entre a folhagem, apenas como sinal de alerta para quem quer que fosse. Porém, a mata permaneceu em silêncio, somente o som do vento agitava os tímpanos e as poucas folhas que se moviam na mata. Wood Croft, goblin de habilidades furtivas, discípulo de Todd Flathead, subiu rapidamente em uma árvore, para poder ter uma visão mais favorecida do terreno ao redor, e para tentar localizar o alvo da flecha do sargento Lucano. Sobre a árvore, o pequeno goblinóide contemplava a imensidão verde que o cercava, julgando-se protegido contra o suposto inimigo. Mas, foi surpreendido, e o ataque veio do local que ele menos esperava, da árvore. Um cipó coberto de folhas e ramos enrolou-se ao redor do pescoço de Wood, bloqueando sua boca, e estrangulando-o com força brutal. Desesperado, Wood tentou gritar, mas não conseguiu e o cipó o puxou para fora do galho, mantendo-o pendurado pela garganta. Com a intenção de pedir ajuda aos companheiros, o goblin atirou no chão uma das várias adagas que trazia escondidas embaixo de seu colete. A queda da arma despertou a atenção de todos, que não entendiam o que se passava, e por isso não correram em auxílio do pequenino. Vendo-se sozinho, Wood percebeu que sua vida, agora por um fio, dependia unicamente de suas habilidades. Suas mãos diminutas agarraram com força o cipó que envolvia o seu pescoço e, num impulso aflito, conseguiram libertar o pequeno ladino.
Lycan, hábil combatente da raça dos humanos, de temperamento forte e coragem inquestionável, aproximou-se da adaga no chão, trazendo seu poderoso machado nas mãos. Ao seu lado estava Arcany, um feiticeiro ainda jovem, que ordenou mentalmente ao pássaro pousado em seu ombro que fosse averiguar o que acontecia no alto da árvore. O pequeno corvo alçou vôo num rápido bater de asas, mas, antes que conseguisse ganhar altitude, inverteu a trajetória de seu vôo e retornou para o ombro de seu mestre. Quase ao mesmo tempo, Wood Croft despencou do alto da árvore, precipitando-se pesadamente no chão, enquanto tossia e respirava com dificuldade, como se estivesse sufocado com algo. E então, antes que alguém pudesse prestar auxílio para o soldado caído, um estranho arbusto despencou do alto da árvore, agitando longos feixes de cipó trançado como se fossem braços e movendo suas raízes na direção dos heróis como se fossem pernas com as quais caminhava. Um arbusto animado que vagava como um animal, e que atacou os heróis com seus tentáculos vegetais. Um arbusto errante, como provavelmente teria identificado Nailo, se estivesse acompanhando o pequeno grupo de Lucano.
Sem se deixar impressionar, Lycan lançou a lâmina de seu machado sobre o corpo da estranha criatura. A arma perfez um arco no ar e arrancou grandes pedaços dos muitos ramos que cobriam a fera. Folhas, galhos, raízes e uma viscosa secreção amarelo-esverdeada voaram pelo ar, sem no entanto conseguir fazer a criatura se curvar ou dar qualquer outra demonstração de dor.
Lucano largou seu arco no chão ficou lado a lado com Lycan. Num giro ascendente, atingiu o monstro com sua espada, no mesmo ponto que Lycan o havia ferido. Enquanto as folhas se espalhavam ao vento, o ex-clérigo gritava aos seus subordinados para que ateassem fogo à criatura.
Mas, apesar dos ferimentos, a derrota do monstro ainda estava longe de acontecer, e ele teve tempo de chicotear Lycan e Lucano com seus dois tentáculos. Wood aproveitou que o monstro voltava sua atenção para os dois e atirou todo o conteúdo do óleo que trazia consigo sobre o corpo da fera. Os dois cipós estalaram como se partissem ossos, no peito de Lucano e Lycan, e envolveram-nos como se fossem serpentes laçando pequenos roedores. O guerreiro conseguiu arquear seu corpo para trás, escapando do agarrão do monstro. Entretanto, Lucano estava enredado, com seus ossos sendo esmagados pouco a pouco, seus órgão sendo comprimidos até o limite, e seu fôlego se esvaindo rapidamente, junto com sua preciosa vida.
Arcany invocou um feitiço e comandou mentalmente uma pequena chama que avançava pelo chão como se tivesse pernas para se locomover. O pequeno fogo saltou do chão sobre o corpo da criatura e explodiu, espalhando faíscas incendiárias sobre o óleo que recobria o arbusto. E o monstro estava em chamas, porém, isso parecia não lhe causar incomodo algum, parecia imune ao fogo.
Então o machado de Lycan desceu com brutalidade sobre o cipó que agarrava o sargento e cortou-o, salvando Lucano da morte certa. Já quase inconsciente e sem forças, Lucano agarrou-se à cela de seu cavalo e se afastou rapidamente do monstro, carregado pelo animal. Distante do combate, ele teve tempo para se recompor e retornar para ajudar seus companheiros.
O sabre afiado de Wood Croft arrancou mais uma porção do corpo da criatura. Ela revidou imobilizando Arcany e Lycan com seus cipós e, num forte apertão, deixou o feiticeiro desmaiado.
Lycan ainda tentava se libertar em vão, quando Alejandro voou pela mata suspenso por seu chicote que estava preso no alto de uma árvore. Sua capa negra esvoaçante, bem como sua máscara igualmente negra, eram uma visão ao mesmo tempo bela e assustadora. O espadachim caiu diante do monstro, logo após dar uma pirueta no ar, sacou uma espada de lâmina longa e extremamente fina e golpeou o flanco da fera. Mais folhas voaram, e desta vez foi possível ver o interior do arbusto, com suas raízes e ramos entrelaçados formando algo que lembrava vagamente um corpo humanóide.
Nesse momento, Lycan conseguiu se libertar e jogou seu corpo na frente do companheiro desmaiado, protegendo-o. Sua condição, entretanto, não era muito melhor que a de Arcany. Mas, percebendo isso, Wood Croft correu por trás, ou ao redor daquilo que ele considerava ser as costas do monstro, e ficou lado a lado com Lycan. Em suas pequenas mãos ele trazia o frasco de óleo, já vazio, e uma poção mágica para dar ao seu companheiro ferido.
Ocorre que Wood não teve tempo de cumprir seu objetivo, pois o tentáculo do monstro foi mais rápido que as mãos do goblin e num rápido movimento, chicoteou e agarrou Alejandro, esmagando-o. Depois, ergueu o espadachim mascarado e o arremessou por cima de seu próprio corpo, na direção de Lycan e Wood. Os dois soldados se atiraram ao chão, enquanto Alejandro rodopiava no ar, desenrolando-se rapidamente do tentáculo do arbusto.
Sem se intimidar, o espadachim bateu os pés numa árvore próxima, deu um salto para trás, girando o corpo no ar e caiu em pé. Aproveitando o impulso, jogou o corpo para trás e deu uma série de cambalhotas e saltos mortais, passando sobre os companheiros caídos e ficando novamente diante do monstro numa pequena fração de segundo. E seu florete mais uma vez lançou ao ar pedaços da perigosa planta.
E em seguida o machado de Lycan cortou o tentáculo que segurava Arcany, e Wood Croft trouxe-o de volta a vida e ao combate com sua poção mágica. E, quando todos preparavam seus corpos para receber um novo ataque do monstro, Lucano surgiu dentre as árvores sobre seu cavalo, com a espada em sua mão e golpeou o monstro com fúria.
Infelizmente, a criatura encolheu seu corpo no momento exato, e a lâmina do clérigo passou no vazio sem atingir seu alvo. Mas, isso foi o suficiente para a criatura repensar sua estratégia, se é que possuía alguma mente, e perceber que não teria como vencer aquele combate.
O monstro saiu em disparada pela mata, arrastando suas raízes pelo chão com dificuldade. Mas, ainda assim tentou garantir alguma refeição, levando Alejandro arrastado pelas pernas, preso em suas vinhas.
Alejandro deu um assovio e Tornado, seu cavalo, correu pela mata indo de encontro ao dono. O espadachim tentava se agarrar à cela, enquanto Arcany, já acordado, disparava raios mágicos na criatura e Wood arremessava suas adagas.
Vendo que a criatura fugia do alcance, Lucano arriscou um ato ousado. Pegou em sua mochila o livro que tinha encontrado no castelo de Zulil, abriu-o numa página que lhe havia sido indicada por Seelan, e gritou “Apareça” no idioma de sua raça, conforme o mago tinha lhe ensinado. E um gigantesco dragão vermelho ergueu-se do livro, e agitou suas asas e rosnou ferozmente, assustando todos os soldados. Todos correram assustados, mas o arbusto não esboçou reação diante da imagem do dragão. E, percebendo o erro que cometera, Lucano fechou o livro e a imagem desapareceu, tão súbita quanto quando surgira, e todos finalmente perceberam que aquele dragão não passava de uma ilusão mágica. E, talvez movido pelo medo, Alejandro conseguiu agarrar os arreios e subiu em Tornado. E o cavalo continuou a perseguir o monstro, ou a fugir do dragão, e quando estavam lado a lado, Alejandro golpeou a besta uma última vez com seu florete, atirando-o ao chão, aos pedaços. E o que sobrou do arbusto foi pisoteado pelos cascos do corcel negro cavalgado pelo espadachim e desapareceu sob a relva.
Todos puderam relaxar seus músculos cansados e decidiram que era o momento de interromper a jornada e descansarem. Wood entregou o arco de Lucano, que havia ficado caído no chão, e aproveitou a distração do sargento para furtar uma pequena bolsa que o clérigo carregava na cintura. Mas, vendo que não havia objetos de valor lá dentro, apenas coisas que ele julgava inúteis, como pêlos, velas, cera, chaves, pequenos frascos com poeiras coloridas, Wood atirou a bolsa ao chão disfarçadamente, e avisou Lucano de que ele havia perdido a bolsa, fingindo não saber como ela tinha ido parar no chão. E Lucano agradeceu ao goblin inocentemente, e eles reuniram os cavalos e começaram a preparar o acampamento.
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