abril 16, 2007

Campanha A - Capítulo 269 – A provação

Capítulo 269 A provação

Enquanto Lucano e as crianças adentravam na caverna, Laurelin e os soldados aguardavam do lado de fora, sentados em pedras desgastadas pelo tempo que se espalhavam pelo chão. Wood Croft, desconfiado como sempre, subiu numa árvore, e pôs-se a fitar o horizonte, ficando de sentinela, à espreita de qualquer perigo. Mal desconfiava ele que Alejandro não tinha ido realmente embora como havia dito. O espadachim seguira o grupo as escondidas e agora os observava, oculto entre as árvores, do alto do planalto. A intenção do mascarado era descer pela encosta rochosa do paredão e entrar na caverna para ajudar Lucano, surpreendendo a todos, antes que pudessem fazer qualquer coisa. Assim, ele foi se aproximando da entrada da caverna lentamente, tomando o cuidado para não ser avistado por seus companheiros.

Enquanto isso, Lucano e as crianças caminhavam sob a terra. Andavam pelo túnel largo e alto, cuja extensão se perdi na escuridão. As paredes eram úmidas e cobertas de um tipo de musgo esverdeado, e por todo lado havia grandes insetos e vermes rastejando. Finalmente, após vários minutos de caminhada, chegaram ao fim da caverna, e ela terminava abruptamente, numa parede irregular de rocha bruta. Não havia passagens ao redor, nem mesmo um pequeno buraco ou rachadura por onde pudessem atravessar. Pela experiência que possuía, Lucano concluiu que deveria haver ali alguma passagem oculta, e lembrou dos seus dias de aventura no Dente de Pedra, e das muitas passagens secretas que existiam na mina de Durgedin. E começou a tatear as paredes e o chão, e só não fez o mesmo com o teto porque ele se elevava quase três metros acima de sua cabeça. As crianças repetiam os gestos de Lucano, pois eram astutas e logo entenderam o pensamento do clérigo. E procuraram por minutos, até desistirem da busca por nada acharem. Então, quando tudo parecia perdido e eles já pensavam em retornar, o chão brilhou e se abriu sob seus pés num enorme buraco retangular de quase dez metros de lado.

Despencaram então num fosso gigantesco e profundo. Não conseguiam ver suas paredes pois estava escuro e a largura do fosso era muito maior do que seus olhos alcançavam. Muito menos podiam ver o fundo, já que ele parecia nem existir. E caíram por quase um minuto, e então um forte vento subiu vindo das profundezas e com sua força jogou todas as crianças e Lucano para longe umas das outras aos rodopios. E o vento continuava soprando forte para cima, e era difícil até mesmo se mover um simples dedo. E Lunara foi se afastando do grupo cada vez mais, carregada pelo vento, e algo brilhou na escuridão, muito abaixo do grupo. Era um patamar de pedras pontiagudas, suspenso na escuridão, do qual a menina se aproximava perigosamente. Lunara gritou em desespero, e sua morte estava próxima, pois seria empalada pelas enormes estalagmites assim que se chocasse naquelas rochas. Lucano tentou alcançá-la, mas era impedido pelo vento que o mantinha distante da menina. E buscou todos os meios possíveis para salvá-la, mas isso parecia uma tarefa impossível. Lunara começou a chorar, entrando em pânico, e todas as outras crianças começaram a gritar. E Lucano se lembrou das palavras de Laurelin, e decidiu confiar na sua fé, na sua deusa. Orou a Glórien, perguntando porque a menina tinha de passar por aquilo, e ofereceu sua vida para ser tirada no lugar da dela, e pediu que a deusa lhe orientasse. Então, Lucano teve uma visão, e em sua visão viu todas as crianças que o cercavam, e depois viu uma escada que chegava até perto de Lunara. E quando despertou da visão, o clérigo soube o que fazer.

_ Crianças! Agarrem-se umas as outras, segurando-se pelos pés! Um agarra as pernas do outro, rápido! – gritou Lucano, confiante.

E todas as crianças obedeceram, e formaram uma ponte com seus corpos, e Lucano rastejou por cima da ponte até seu extremo, e Túrin agarrou os pés de Lucano e ele se esticou e conseguiu alcançar Lunara a tempo de salvá-la da morte. Ocorre que no momento em que suas mãos tocaram a menina, a violência do vento aumentou drasticamente, arrancando pedaços das rochas que agora voavam para cima como flechas em busca de um alvo. Lucano abraçou Lunara, e virou-se de barriga para cima, servindo de proteção para a menina. Porém, no instante em que ele se virava, uma das lascas que pedra, que voavam ligeiras como andorinhas, atingiu de raspão o seu olho esquerdo. E o olho de Lucano foi rasgado e seu sangue se espalhou junto com o vento e o lado esquerdo de seu corpo agora estava nas trevas para sempre.

E com o olho que restava, Lucano descortinou o horizonte abaixo de seus pés, e viu que se aproximavam finalmente do fim do poço. Havia paredes de pedra lisa, que formava um túnel muito abaixo dali. E o clérigo ordenou aos garotos que não se soltassem, e colocou-se em primeiro para que, assim que encontrassem o chão, ele fosse o primeiro a morrer, para que os restos de seu corpo servissem para amortecer a queda das crianças. Mas, ao invés de bater no chão duro e ser esmagado, Lucano e as crianças caíram em uma rampa suavemente. O túnel era extremamente liso, e o grupo tocou a superfície da parede levemente, e a parede era em forma de um longo arco, de forma que após alguns instantes, eles se deslocavam na horizontal e não mais na vertical. E estranhamente, ninguém se arranhou naquela parede de pedra, nem parecia haver atrito entre seus corpos e a rocha, e Lucano agradeceu a sua deusa por aquela bênção.

E no final o túnel se estreitou, e um brilho púrpura surgiu à frente deles. E o túnel terminou repentinamente e eles voltaram a cair. Seus corpos mergulharam na água fria, e, enquanto caiam, Lucano gritou para não se soltarem, e todos mergulharam num lago, agarrados uns aos outros. Mesmo com o peso de sua armadura, Lucano reuniu forças para nadar até a margem do lago, arrastando todas as crianças com ele, e todos foram salvos.

Estavam agora em um lago subterrâneo muito grande, cercado por paredes de rocha em toda sua extensão. Entre a rocha e a água existia um estreito piso de pedra, pelo qual todos podiam caminhar. E no alto, na junção das paredes com o teto abobadado coberto de estalactites, havia fungos violetas que brilhavam e iluminavam a gruta toda. Aquele lugar lembrava a morada de Escamas da Noite, e Lucano rezou para que não tivesse alguém como a dragonesa ali.

Começaram a caminhar ao redor do lago, indo rumo a um túnel de saída a alguns metros de onde estavam. Lucano mandou as crianças ficarem encostadas na parede enquanto andavam e, a cada metro percorrido, sentiam um declive no solo, que se acentuava cada vez mais. E a água do lago formava uma correnteza, cada vez mais rápida, que seguia até um túnel submerso e desaparecia sob a rocha. Então, a poucos metros da saída, o piso cedeu atrás do grupo, logo após sua passagem, e Tallos foi tragado pelas águas turbulentas, e arrastado na direção do sumidouro logo à frente. Lucano correu para tentar pegar o garoto, e pensou em saltar na água para salvá-lo mas, percebeu que seria inútil e os dois seriam engolidos pela terra e morreriam. Mais à frente ele viu uma estalagmite no chão, na qual podia se segurar e agarrar Tallos e trazê-lo para a margem e ele correu para lá. Mas, quando se aproximou do local, uma enorme aranha desceu do teto, presa por sua teia viscosa, e ficou entre Lucano e a estalagmite. Lucano tinha suas armas e poderia acabar com o inseto facilmente, mas as outras crianças que vinham atrás poderiam ficar feridas, ou cair na água com medo do monstro. Além disso, não havia mais tempo, ele precisava agir rapidamente, ou então Tallos morreria afogado. Então, ele ordenou que Túrin pegasse sua espada para se defender da aranha, e se atirou no chão, sem se importar com o monstro. Agarrou a saliência de pedra com força e saltou na água, e puxou Tallos pela camisa, salvando o menino da morte. Lucano agarrou a estalagmite com força e puxou ele e o garoto para a margem e, quando ele saiu da água agitada, a aranha saltou em suas costas e o mordeu. E Túrin estava paralisado, e Lucano nada pode fazer, pois se soltasse um dos braços para lutar, ou Tallos ou os dois seriam levados pela correnteza. Lucano resistiu à dor e saiu da água com Tallos, sentindo suas forças serem levadas embora pela ação do veneno da criatura. Então, quando os dois estavam fora da ação das águas, Tallos pegou sua adaga e cravou a lâmina no centro da cabeça da aranha, e ela caiu no chão, morta. Lucano e Tallos se levantaram, e o grupo finalmente conseguiu sair da gruta do lago. E o clérigo caminhava com pesar e dor, quase sem forças.

Entraram em um túnel estreito, que mais parecia uma fenda natural aberta por algum tremor de terra antigo. E em determinado ponto, o túnel se estreitou tanto, que só era possível passar uma pessoa de cada vez, espremendo-se entre as paredes. E eles continuaram mesmo assim, já que não havia caminho de volta. E mais à frente, encontraram um trecho da fenda coberta de saliências pontiagudas como lanças nas paredes. Lucano ia à frente, andando de lado, e não tinha escolha precisava seguir em frente, e sabia que seu corpo seria todo rasgado pelas rochas. Mas ele preferia ser o único ferido naquele lugar, então avançou. E as lascas de pedra penetraram em sua armadura, e rasgaram sua carne, e à medida que Lucano avançava, as pedras penetravam em seu corpo, causando a maior dor que ele já sentira. E as lascas se quebravam e se alojavam em seu corpo, e quando ele terminou a travessia, e chegou a uma porção mais larga do túnel, o caminho atrás dele estava livre de perigos para as crianças, e todos passaram sem sofrer qualquer ferimento.

Continuaram mais alguns metros, então de repente, o chão se abriu atrás de Lucano e engoliu os três garotos que vinham por último, Tallos, Loran e Keleron. O piso se fechou logo em seguida e não voltou a se abrir de forma alguma tentada por Lucano. Entretanto, apesar do susto, os garotos estavam bem, em um túnel que corria paralelo ao túnel onde Lucano estava, exatamente abaixo dele. E eles prosseguiram separados em dois grupos, sempre se comunicando pelo som de suas vozes e passos.

Muitos metros depois, o túnel inferior se afastou para a direita e se elevou, até ficar lado a lado do outro túnel, e os dois grupos agora eram separados por uma parede de rocha. O grupo de Lucano estava em uma câmara ampla e iluminada por fungos roxos, e os garotos do outro túnel viram a luz dos fungos em um buraco na parede, e foram até ele. E Tallos colocou sua adaga no furo, para que Lucano pudesse encontrá-los, mas quando foi recolher a arma, ela esbarrou em uma alavanca de pedra e a acionou. E duas paredes de rocha espessa fecharam o caminho à frente e atrás de Tallos, Loran e Keleron. E o teto começou a descer rapidamente para esmagá-los, e eles gritaram em pânico. Lucano olhou no buraco, procurando a alavanca para desativar a armadilha mortal, e a encontrou no fundo da abertura. E sobre ela, ele viu uma mensagem escrita, entalhada na pedra, que dizia: “Se desejas acionar a chave, deverás pagar o alto preço”. Mas Lucano não se preocupou com qual seria o preço a pagar, queria apenas salvar os garoto, e puxou a alavanca com força. E uma lâmina dentro do buraco decepou seu braço num único golpe nesse momento, e Lucano caiu para trás, com apenas metade do membro e sangrando abundantemente. Porém, o sacrifício deu resultado e o teto parou de descer e recuou. E a parede onde ficava o furo se abriu, revelando-se uma porta secreta, e todos voltaram a se unir. Lucano enfaixou seu braço com a ajuda dos meninos e estancou o sangue, e todos seguiram adiante.

Chegaram então a uma câmara muito grande e alta que tinha paredes esculpidas com esmero por mãos habilidosas e tinha um piso liso e limpo. E aquele lugar se assemelhava a um salão de palácio, grandioso e belo. Fungos davam brilho ao lugar com sua luminescência púrpura, e um solitário obelisco de pedra no centro do salão era o único objeto naquela imensidão. Muito ao fundo, havia um túnel de saída cuja extensão desaparecia da visão fazendo uma curva pra esquerda. Todos se aproximaram do centro e Lucano leu as inscrições que havia no obelisco. Elas estavam esculpidas em baixo relevo, e usavam o idioma dos elfos para dizer “Somente uma força de natureza oposta à da horrenda criatura poderá destruí-la”. E ninguém entendeu do que se tratava aquele aviso, até que ouviram passos, que vinham de mais adiante, da saída da câmara. E o túnel por onde tinham chegado se fechou com uma parede de pedra, da única saída surgiu o inimigo. E era uma criatura morta-viva, de corpo pútrido que exalava o cheiro acumulado de centenas de anos de apodrecimento. E a criatura se movia com leveza, diferente dos zumbis que Lucano já tinha visto. E ela falava e sorria, demonstrando grande inteligência. E emanava uma aura mágica que podia ser sentida até mesmo pelas crianças. E Lucano entendeu que era um lich.

E o lich se aproximou calmamente, e sua aparência era a mais horrenda que eles poderiam imaginar em suas mentes. E era tão horrível que o simples ato de olhar para ele já era suficiente para tirar as forças e a esperança daquele que o confrontasse. Somente a aparência horripilante daquele monstro já era suficiente para se igualar a qualquer poder mágico que Lucano tivesse visto em sua vida.

O monstro chegou até onde eles estavam. Lucano pos as crianças para trás de si e começou o combate. Sua espada golpeava o corpo apodrecido do lich, mas não lhe causava dano algum. Então, a criatura jogou o clérigo longe com um único golpe, e atacou as crianças. E nesse momento, Lucano questionou Glórien novamente, e perguntou por que aquilo estava acontecendo. O monstro agarrou Lunara com sua mão cadavérica, a menina gritou, chorou e desmaiou, e foi melhor assim. Ergueu-a com uma mão, e com a outra passou a percorrer seu corpinho angelical com a lâmina de uma foice negra que possuía. E Lucano se lançou contra ele, e combateu com sua espada. E Tallos tentou ajudá-lo com sua adaga. Mas cada golpe era ignorado pelo monstro, e ele gargalhava enquanto sua lâmina começava a penetrar lentamente no pescoço da menina. E bastou um olhar para que Tallos desmaiasse de pavor diante da horrenda criatura. E a armadura de Lucano foi rasgada como papel pela foice do monstro, e seu outro braço foi arrancado num golpe só.

Loran correu até o final do salão, para procurar uma saída ou alguém que pudesse ajudá-los, mas o túnel de saída terminava na rocha sólida e ele não entendeu como o monstro tinha entrado na câmara. E Lucano, sem os braços e com o corpo todo ferido e envenenado, testemunhava com pavor e tristeza a tortura de Lunara. O lich rasgou a roupa da menina com a foice, e começou a lamber suas pernas com sua língua asquerosa e cheia de pequenas garras que se moviam como se tivessem vida própria. E seu órgão espinhento e gosmento foi subindo pelas pernas da jovem até chegar á região púbica. E, a língua percorreu o contorno da vagina da inocente menina, e o lich inspirou fundo, sorriu e falou em voz alta “Faz muito tempo que não devoro uma virgem!”. E Lucano se desesperou, e antes que a língua penetrasse a criança, ele novamente pediu a Glórien que o iluminasse. E decidido a dar a vida para salvar Lunara, ele correu na direção do lich, e arremessou seu corpo contra ele. E novamente o monstro o golpeou com a foice, e Lucano foi arremessado longe. E dessa vez, além da armadura, sua mochila se rasgou, e um grande livro voou no ar e caiu próximo a Lucano, aberto. Era seu grimório. Então Lucano entrou num transe, e teve uma visão. E em sua visão, ele viu um jardim florido de enorme beleza que lembrava o lugar onde tinha se despedido de Enola e Silfo. E ele abriu o olho e não compreendia o que devia fazer. Então, no momento final, segundos antes do lich macular a pureza de Lunara, o clérigo se lembrou da inscrição no obelisco “...força de natureza oposta a da horrenda criatura...”. E ele lembrou da visão do jardim florido e olhou para o lich, e percebeu enfim que o jardim era o oposto do horrível monstro. E, olhando para seu grimório de mago com apenas poucas páginas preenchidas com o auxílio do amigo Anix, ele viu uma magia que era muito famosa em todo reinado, e cujo nome lhe havia sido revelado muito tempo atrás por Sam Rael, nos raros momentos de paz que eles tinha, nos quais o bardo tocava e cantava para eles, e lhes contava as lendas do mundo em que viviam. E o nome da magia era A flor perene de milady A. E Lucano, sem hesitar mais, se concentrou e buscou a magia em sua mente. E pronunciou as palavras mágicas corretas, e fez os gestos necessários, mesmo não possuindo mais mãos, e soube que sua magia dera certo quando viu um singelo gerânio brotar no ombro direito do lich. E o monstro olhou para a flor e debochou do poder de Lucano, e arrancou a flor com a mão e a esmagou. E uma nova flor brotou no lugar, e o monstro a arrancou também. E depois brotaram duas, e, irritado, o lich jogou Lunara no chão e arrancou as flores com raiva. E então nasceram três, quatro, cinco flores, e seu número foi aumentando rapidamente, sem que o monstro desse conta de arrancá-las. E o corpo pútrido da criatura foi coberto de flores, e ele enrijeceu e se tornou cinza, até se transformar numa estátua de pedra. E as flores o cobriram por completo, até que a horrenda aparência do monstro era apenas uma lembrança amarga.

Lucano agradeceu novamente a Glórien, e os garotos o ajudaram a se levantar. Keleron cobriu o corpo de Lunara com sua camisa, e Lucano a carregou com o que restava de seus braços. Tallos, ainda atordoado, subiu nos ombros de Lucano para também ser carregado. Já que não podia mais lutar, aquilo era o mínimo que ele poderia fazer por aquelas crianças. Lucano deixou Túrin, o mais velho, e Loran, o mais forte do grupo, responsáveis pela segurança de todos, e deixou suas armas sob os cuidados dos dois. E continuaram caminhando, até atravessarem o salão e o túnel que conduzia para além dele. E onde antes Loran tinha visto um túnel sem saída, agora existia uma passagem que conduzia por mais um túnel longo e escuro.

E o túnel terminou em uma câmara gigantesca, cuja extensão não podia ser vista ou deduzida. E da escuridão brotou o som de passos rastejantes e gemidos agoniantes. E, quando perceberam do que se tratava aquele som, estavam todos cercados. Vultos se aproximaram deles, caminhando com dificuldade. E quando estavam próximos, todos puderam ver que se tratava de uma horda gigantesca de zumbis. Os mortos-vivos os cercaram, e eles não tinham mais para onde ir. E da direita vinha uma luz, que eles identificaram como uma saída, que agora era inalcançável, bloqueada por dezenas de mortos que se acotovelavam. Lucano tentou continuar andando, e percebeu que os monstros os acompanhavam, sem, no entanto atacar, como se esperassem alguma coisa acontecer. Então, à frente deles, os zumbis se afastaram, e abriram uma passagem. Lucano tentou correr para a passagem, mas os monstros o acompanhavam e o cercavam. E ele notou que os monstros tinham suas atenções voltadas apenas para ele, sem se importar com as crianças. Então ele colocou Lunara e Tallos no chão e se despediu deles com lágrimas. E pediu para que corressem para a luz e salvassem suas vidas. E Lucano correu, atravessando a passagem aberta pelos zumbis, e os monstros o seguiram e deixaram o caminho livre para as crianças escaparem. E com o olho que restava, Lucano viu quando as crianças desapareceram na após a luz e soube que tinha conseguido salvá-las, ao menos por enquanto. E, enquanto ele fugia e atraia os monstros para longe das crianças, ouviu passos vindos da direção para a qual ele corria. E entendeu que os monstros tinham aberto passagem para a chegada de seu mestre, e não para sua fuga. E lucano olhou para frente, e seu único olho viu uma pessoa vestida de branco, carregando uma tocha e um cajado. E, quando estava bem próximo, Lucano o reconheceu. Era Zulil!

_ Finalmente eu o peguei! Seu maldito! Você será o primeiro! Vou matá-lo e fazê-lo sofrer muito! E depois me vingarei de seus amigos também! – disse Zulil com a voz cheia de ódio e arrogância. Os zumbis fizeram um grande círculo ao redor dos dois e dos dedos de Zulil saíram raios de luz que atingiram o corpo de Lucano. E o clérigo mais uma vez foi ferido, seu maxilar foi destruído, e seu joelho estava inutilizado. Mas ele não revidou.

_ E então, seu maldito! Não vai fazer nada? Não vai reagir? Diga alguma coisa! – e Lucano permanecia calado. – Ah! Já sei! Você não tem mais poderes! Por isso está tão calado! Aquela vagabunda o abandonou, é? Eu avisei que ela não prestava! Agora você vai sofrer as conseqüências! – E Zulil disparou sua magia novamente, e depois golpeou o joelho de Lucano com seu bastão, arrancando-lhe a rótula e jogando-o no chão. Lucano sentiu vontade de saltar em Zulil e tentar mordê-lo. Mas não conseguia fazer isso, e se entregou. E Zulil continuava a provocar. – Vamos lá! Reaja! Diga alguma coisa, seu clérigo das ratazanas! Já sei o que vou fazer! Vou matá-lo lentamente, tirando-lhe um a um os seus sentidos! E começarei pela visão, arrancando esse olho cheio de fúria! – e com uma adaga Zulil arrancou o olho de Lucano e o clérigo ficou perdido nas trevas. – Ainda não reage? Bem, vou destruir o seu tato! – e Zulil golpeou os braços, as pernas e todo o corpo de Lucano com seu cajado, e a única coisa que o clérigo sentia agora era dor. – Ainda assim não reage? Cadê a sua coragem, seu verme? Não vai reagir? Então lhe privarei do olfato! – e Zulil quebrou o nariz de Lucano com o bastão, e o clérigo quase sufocou com o próprio sangue. E como Lucano permanecia sem reação, embora desejasse matar o inimigo, Zulil continuou com sua tortura. – Bem, já que você não quer falar, não precisará mais da língua! – e com a adaga, Zulil cortou a língua de Lucano, e ele jamais sentiria o gosto de qualquer coisa, e tampouco poderia falar. – Bem, agora vou terminar o serviço! Vou cravar minhas adagas em seus ouvidos, e você não ficará apenas surdo, mas morrerá, e minha vingança estará completa! – e Lucano sentiu que era o fim. E, entregue à mercê de Zulil, ele se conformou com sua sina e seu coração se esvaziou, deixando sair todo o ódio que ele possuía. E então, quando tudo parecia perdido, ele se lembrou das palavras de Laurelin, e lembrou que deveria seguir o desejo de Glórien até o fim, e que deveria continuar a ter fé. Então, juntou o que lhe restava de forças e abriu a boca para pronunciar suas últimas palavras, num tom quase incompreensível, pela dor, pelo estado lastimável de sua boca, e pelo sangue que dela transbordava.

_ Apesar de tudo, você ainda é um elfo! Ainda assim é meu irmão! – disse ele.

Então Lucano sentiu seu corpo ser agarrado pelas mãos de Zulil e suspenso no ar. E sentiu que o mago o segurou como se o abraçasse. E Lucano abriu seus olhos cegos e viu que estava não nos braços de Zulil, mas sim nos braços de Glórien, e a deusa em prantos dizia: “Seja bem vindo de volta, meu filho! O seu verdadeiro teste começa agora!”. E tendo dito essas palavras, a deusa beijou-lhe a testa carinhosamente e desapareceu, envolta numa luz ofuscante. E quando Lucano abriu novamente os olhos, viu que estava de volta ao início da caverna, exatamente no lugar onde ele e as crianças tinham despencado da primeira vez. E todas as crianças estavam ali, reunidas com ele, sãs e salvas. E o corpo de Lucano estava inteiro, sem nenhum arranhão, como se tudo aquilo que acontecera tivesse sido apenas um sonho. E Lucano sentiu sua deusa mais próxima, e sorriu feliz, e abraçou as crianças, e juntos eles se dirigiram para a saída da caverna.

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