Capítulo 272 – Confusões no forte
Lucano dispensou seus soldados e foi ao encontro de Glorin. Devolveu-lhe o broche de folha de carvalho e relatou tudo que tinha acontecido. Acrescentou ao relato que Alejandro e Wood tinham se portado mal durante a viagem, contando da insubordinação de Wood, da agressão que ele fez aos netos de Laurelin e da briga que tivera com Alejandro. Contou também da deserção do guerreiro mascarado após o incidente do chicote na caverna de Laurelin. Glorin ouviu toda a história com displicência, como se sua mente estivesse em outro lugar, parecia distraído, distante. Apenas disse a Lucano que queria conversar com os dois soldados assim que possível, e suas palavras eram carregadas de insatisfação, pois ele talvez estivesse prevendo uma nova discussão, como a que ocorrera quando Nailo retornou de sua missão. Então, Lucano mostrou a Glorin sua nova espada e o amuleto que recebera de presente de Laurelin. O anão olhou os objetos sem interesse algum. Disse apenas que, apesar de ser um elfo, Laurelin tinha um bom coração, e por isso dera os presentes a Lucano.
_ Mas, capitão! Somente o broche foi presente de Laurelin! A espada não foi presente dele, mas sim de Glórien! – explicou Lucano, tentando conter o orgulho que sentia.
_ Ah! Tá certo, entendi! Mas quem é essa tal de Glórien? Namorada nova do Laurelin? – perguntou o capitão, como se nunca tivesse ouvido aquele nome que Lucano venerava.
_ Não capitão! Glórien é a deusa dos elfos anões! Digo, é a deusa dos elfos! Anões....pfftt! – Lucano sentiu-se ofendido com o descaso do anão e gritou descontroladamente, tropeçando nas próprias palavras. Então, lembrou que aquele na sua frente era seu capitão, e se preparou para a reação explosiva que viria a seguir.
_ Ah! Tá! É verdade! Tinha esquecido! Bom, vamos achar aqueles soldados encrenqueiros e resolver a situação! – Glorin permanecia pacato, mesmo após os berros do elfo e seu deboche para com a raça dos anões. Parecia distraído, pensativo, e Lucano achou isso estranho.
O clérigo permaneceu parado, enquanto o anão se afastava sem nem se dar conta de sua ausência, e assim, os dois se separaram. Enquanto isso, não muito longe dali, Wood Croft reencontrava seu mestre e tutor, o capitão Todd Flathead.
_ Licença, capitão! Acabo de chegar da missão com o sargento Lucano! Tenho uma coisinha pra mostrar pro senhor! – disse o goblin mais jovem ao entrar no alojamento de seu mestre.
_ O que é? Mostre logo, porque eu estou ocupado, Wood! – respondeu o capitão. E realmente parecia ocupado, já que havia se demorado a atender à porta, e Wood ouvira o ruído de coisas sendo guardadas às pressas assim que batera à porta.
_ Bem, é o seguinte! Olha o que eu consegui! – respondeu o goblin, despejando uma bolsa de moedas de ouro sobre a cama do capitão.
_ Nossa, quantas moedas, Wood! Onde conseguiu isso? Matou algum monstro por ai, ou foi em alguma masmorra cheia de tesouros? – indagou Todd Flathead, admirado.
_ Bem, não foi bem assim, capitão! Na verdade, quando estávamos fora, o sargento Lucano, aquele elfo orelhudo, ia entrar sozinho numa caverna, e ele me entregou essa bolsa! Disse que tinha três mil tibares de ouro ai, e me pediu para entregar pros amigos dele, pra que eles dividissem as moedas entre eles, caso o sargento não voltasse vivo da caverna! Bom, só que ele voltou vivo, e não pediu as moedas de volta, e nem disse o que fazer com elas, se ele voltasse vivo! Então eu vi esse monte de moedas esquecidas e não resisti à tentação! O senhor sabe bem como é isso, não é? Ai eu peguei e trouxe aqui, pra gente dividir, capitão! – explicou Wood.
_ Ah, entendi! Você roubou isso dele, então! Venha até aqui, seu ladrãozinho miserável! Eu vou te ensinar uma lição! Você vai aprender a jamais roubar um companheiro de grupo na sua vida! Seu vermezinho imprestável! – Todd ralhou e avançou sobre o ladino. Wood ainda tentou fugir, em vão, pois a adaga de Todd chegou ao seu pescoço mais rápido do que suas mãos na direção da porta.
Os dois saíram para o pátio do forte, onde Flathead chamou os soldados que estavam mais próximos, e ordenou que prendessem Wood e o levassem para uma cela. Entre esses soldados, estava Alejandro, que, ao descobrir o motivo da prisão de Wood, lembrou-se do seu chicote.
_ Desgraçado! Então você aprontou de novo! Tinha certeza que você tinha pegado meu chicote! Seu filho de uma cadela! – Alejandro gritou, acusando o goblin, enquanto ajudava a prendê-lo e o chutava com raiva.
Assim, Wood foi levado até a prisão do forte, e trancafiado numa cela escura, enquanto implorava por misericórdia ao seu mestre. Todd, por sua vez, ordenou que o deixassem preso até segunda ordem, para aprender a não roubar companheiros de grupo, e foi embora. Recolheu todas as moedas e as colocou de volta na bolsa. Então, foi ao encontro de Glorin.
Nesse momento, Glorin conversava com Legolas, enquanto esperava por Lucano. Legolas avisava ao seu capitão que havia pedido alguns dias de dispensa no fim do ano para visitar sua esposa. Glorin, irritou-se ao ver outra vez a hierarquia sendo quebrada, e advertiu Legolas para que se reportasse diretamente a ele para qualquer coisa. Então, Anix apareceu, para atormentar ainda mais o anão.
_ Capitão, quando o senhor corta a barba, o que costuma usar como ferramenta? – perguntou inocentemente o mago.
_ Hunf! Legolas, tire-o daqui! – o anão bufou, irado, enquanto apertava firme o machado entre seus dedos.
_ Mas capitão, só quero saber que ferramenta o senhor usa, porque eu inventei um dispositivo aqui que pode... – Anix continuou insistindo, mas foi interrompido pelo capitão.
_ Legolas! Tire esse imbecil da minha frente! Depois eu converso com o general pra você! Mas agora, tira logo esse idiota de perto de mim! – ordenou o anão, já quase gritando.
_ Tá bom! Vem Anix, vamos embora daqui, antes que seja tarde demais! – Legolas puxou seu amigo mago e o levou para longe de Glorin. Sem entender o que havia se passado, Anix mostrou a Legolas o que havia criado. Era uma lâmina, extremamente afiada, que ele havia prendido a um cabo curto. A lâmina era curva e, segundo ele, se ajustava à curvatura do rosto, para raspar a barba com precisão. Anix a chamava de lâmina de barbear.
_ Venha Legolas! Vou lhe mostrar meu novo invento! Fiz uma carroça em miniatura, pra gente se divertir um pouco! – disse Anix, puxando o colega em direção ao laboratório do forte.
Glorin continuou andando a esmo pelo forte, como se estivesse perdido. Foi quando encontrou Squall.
_ Capitão! Não se esqueça! O final do ano já está chegando! Lembre que quando estávamos no castelo o senhor prometeu que iria me enfrentar num duelo! Eu quero desafiar o senhor, pra testar minhas forças, e mostrar que também sou forte! Mais forte que o senhor até! E eu quero lutar sem regras! Vai valer tudo, o senhor pode usar qualquer ataque e eu também! Só que vamos começar distante um do outro! – falava Squall, empolgado.
_ Ai não! Mais um! Tá bom! Quer lutar, então vamos lá! Moleque folgado, quer ficar de longe só mandando magias em mim! Tudo bem, então! Vamos acabar logo com isso! Prepare-se, eu vou contar até dez, pra você se afastar! Um...dois...três...
_ Calma capitão, não á agora não, a luta é pra ser no último dia do ano... – Squall ficou desesperado. A contagem de Glorin já chegava a sete.
_ Parece que você está tendo um dia cheio hoje, não é meu amigo? – era Seelan, que acabava de chegar.
_ Ai não, outro! – resmungou Glorin.
_ Ora, não seja rabugento, meu amigo! Eu sei porque você está assim! Está chegando a data, não é? Já faz três anos! Mas, não deve desanimar, amigo! Tudo ficará bem! – disse o mago, pousando a mão sobre o ombro do anão. – Squall, não vai haver luta! Glorin não costuma lutar no fim do ano!
Seelan estava quase resolvendo tudo, quando foi interrompendo. Ao lado deles passaram Legolas e Anix, dentro de um grande caixote com rodas, que se deslocava velozmente pelo chão do forte. Os dois passaram rápido por eles e foram em direção à horta do forte, gritando como loucos e sorrindo como crianças. Ao vê-los, Seelan correu atrás deles, querendo também dar uma volta no brinquedo de Anix.
_ Bom, se o senhor não luta no fim do ano, então vamos lutar hoje! Hoje á noite! Eu o desafio, capitão!
_ Squall, deixa disso! A gente só vai se machucar à toa!
_ Ora, vamos lá! Se o senhor ganhar, eu lhe pago um mês de cerveja grátis!
_ Bem, acho que eu estou precisando tomar algumas cervejas extras nesses dias mesmo!
_ E se o senhor perder, o que me dá? Que tal esse anel? Ou esse broche!
_ Ah! Não me enche, garoto! Eu vou embora daqui! E se você algum dia me derrotar, eu te darei meu broche! – Glorin começou a se afastar, já cansado de toda aquela ladainha. Squall tentou segui-lo, mas foi detido por Seelan.
_ Deixe-o, Squall! – a voz do elfo não tinha mais o tom infantil e afeminado de sempre. Era séria, austera. – Glorin não está bem nesses dias! Faz três anos que alguém muito importante pra ele morreu!
_ Quem Seelan? – perguntou o feiticeiro.
_ A companheira dele! Três anos atrás, estávamos em uma missão nas Montanhas Uivantes! Glorin, se você não sabe, foi um dos servos de Belugha, a grande rainha dos dragões brancos, uma dragonesa muito poderosa que vive naquelas montanhas e as governa! Lá ele conheceu uma anã, por quem se apaixonou! Um dia, enquanto explorávamos uma masmorra, como qualquer grupo de aventureiros, ela se afastou do grupo! Quando Glorin a encontrou, ela estava morta! Tinha sido assassinada! Quando chegamos, encontramos Glorin com ela nos braços! E, acredite, esse anão duro como uma rocha que você conhece, estava em frangalhos! Glorin não viu quem a matou e não conhece o rosto do assassino! Só o que ele sabe, é que foi um elfo quem fez isso a ela! Justamente por isso ele tem tanto mágoa dos elfos! Ele não confia em nenhum deles mais, pois não sabe quem foi o elfo que matou sua amada!
_ Nossa, por isso ele está tão estranho nesses dias! Não é Seelan?
_ Sim! Nesses dias ele costuma se isolar de todos, e chorar suas mágoas sozinho! Ele se culpa pelo que aconteceu a ela, acha que foi culpa dele, por tê-la deixa se afastar dele! Mas, o pior de tudo, é que Lars não pode trazê-la de volta! Nenhum tipo de ressurreição foi capaz de fazê-la retornar! E ninguém sabe o porquê! Agora, se quer um conselho, deixe-o afogar suas mágoas com cerveja, será melhor assim!
_ Está bem, Seelan!
Squall e Seelan se despediram e foram cuidar de seus afazeres. Squall encontrou seus amigos retornando da horta semi destruída pelo carrinho de Anix. Legolas ainda tinha alguns pedaços de alface presos ao cabelo. Os três pegaram o veículo e foram se divertir mais um pouco com ele. Perto dali, Glorin encontrava mais aborrecimentos.
_ Glorin! Isto pertence a um dos seus amiguinhos! É do Lucano! O Wood tinha roubado! Quer fazer o favor de devolver? – era Todd Flathead, em suas mãos estava a bolsa com as moedas de Lucano.
_ Tá bom! Deixe comigo! – respondeu o anão, secamente.
_ E como você está? – perguntou o goblin.
_ Hunf! Não me enche! Dá essa bolsa logo! – Glorin bufou, aborrecido, tomou o saco de dinheiro das mãos de Wood e foi embora.
Pouco tempo depois, ele encontrou Lucano e entregou-lhe o dinheiro roubado. Lucano então lembrou do que tinha acontecido, e tentou inocentar Wood Croft, dizendo que ele estava tomando conta das moedas a seu pedido. Glorin, cansado de tanta confusão com os soldados, resolveu tirar tudo a limpo. Junto com Lucano, foi ao encontro de Todd Flathead. No caminho, encontrou com Alejandro, e ordenou que os acompanhasse, para dar explicações sobre sua deserção e para servir de testemunha sobre no caso de Wood.
Todd explicou como a bolsa de moedas tinha ido parar em suas mãos, e contou quais eram as intenções de Wood Croft. Alejandro contou o que tinha acontecido com seu chicote e acusou Wood de tê-lo destruído de propósito. Então, Glorin decidiu que Wood deveria permanecer em detenção, para ser punido por ter tentado roubar Lucano. A Alejandro o anão deu apenas uma advertência verbal, ordenando que ele nunca mais abandonasse seu grupo, para própria segurança. Depois mandou o espadachim ir até o depósito do forte e pegar um chicote novo e esquecer o assunto, a menos que ele tivesse como provar que Wood era realmente o culpado. Glorin os convocou para deixarem Todd em paz e, quando o goblin foi se despedir deles, algo misterioso aconteceu. Dililiümi, a espada de Lucano, começou a trepidar e a vibrar, parecia que iria saltar de sua bainha para atacar, para atacar Todd. Então, Lucano lembrou das palavras de Laurelin Ramo de Carvalho, de que a espada tinha sido forjada para caçar e exterminar os inimigos dos elfos, entre eles os goblins, e Todd era um goblin. Lucano explicou a todos o que se passava, enquanto tentava manter a espada dentro de sua bainha, e deixou o quarto rapidamente, antes que a situação piorasse ainda mais.
Os três deixaram o alojamento do goblin, e Glorin achou que enfim fosse ter paz naquele dia. Deixou o soldado e o sargento para trás, e foi até a taverna do forte. Lucano foi ao encontro de seus amigos, para lhes contar tudo que tinha passado nos últimos dias, e Alejandro foi buscar seu chicote novo. Mas, ao contrário do que imaginava o anão, as confusões daquele dia estavam longe de terminar, pois Alejandro, de posse de sua nova arma, foi até a prisão de forte Rodick, para infernizar a vida do prisioneiro que ele mais detestava, Wood Croft. Assim, o jovem mascarado passou a estalar seu chicote próximo ao goblin cativo, durante grande parte do dia e teve, enfim, sua vingança.
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