setembro 19, 2006

Capítulo 236 – O ataque da morta

Capítulo 236 O ataque da morta

A reunião finalmente começou. Anix subiu no balcão da taverna e se identificou como representante do exército. Um clima de esperança e euforia tomou conta do local. O mago pediu aos moradores que contassem com detalhes todos os contatos que cada um havia tido com o fantasma. Um a um, os aldeões foram relatando suas histórias, enquanto o sargento os ouvia atentamente. Com um pedaço de carvão e a ajuda de um garotinho, Mao Necro desenhou um mapa da vila sobre o balcão. Seguindo as instruções dos moradores, ele demarcou todos os locais onde a morta tinha aparecido. Pelo mapa, Necro supôs que a morta vinha da direção oeste, ou seja, da direção do tal pântano. E pântanos geralmente são habitados por mortos-vivos e outros monstros perigosos. Jack não participou da reunião. Ficou do lado de fora da taverna, conversando com Silmara. A jovem lhe contava sobre seu encontro com a morta, enquanto que o ex-pirata contava vantagens de suas aventuras e fazia galanteios para a jovem.

_ Eu vi a Morta do Bosque! Mas não pude vê-la muito bem, porque ela era muito rápida! Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ela já tinha arrancado meus olhos! Um deles explodiu dentro da minha cabeça, mas o outro ela arrancou inteirinho de mim! Mas a morta que eu vi era diferente do que os outros costumam dizer! Ela tinha cabelos verdes! Isso foi tudo que eu consegui ver! – Silmara falava calmamente, parecia conformada com sua tragédia e não se sentia nem um pouco constrangida em falar sobre aquele assunto.

_ Cabelos verdes? Poderia ser uma bruxa verde ao invés da morta! Eu já enfrentei uma bruxa verde antes, quero dizer, eram vinte delas, e mais uma dúzia de ogros! Eu e meus marujos derrotamos todos eles! – Jack se levantou e começou a falar, exaltado, sobre suas aventuras. A cada instante, aumentava o número de monstros supostamente abatidos. Silmara apenas sorria calada.

_ Nossa, gentil senhor! Mas então o senhor deve ser muito forte pra ter derrotado tantos monstros assim? – perguntou a moça, quando o soldado finalmente se calou.

_ Claro que sim! Você não viu o monte de kobolds que nós matamos quando chegamos na vila? – perguntou Jack, sorrindo orgulhoso.

_ Não! É claro que eu não vi, senhor Jack! – sorriu Silmara, apontando para os próprios olhos.

_ Ah, é verdade! Sinto muito! – Jack fez uma cara de espanto. É claro que ele não tinha visto nada, pois ela era cega. Arrependido, o rapaz desculpou-se, envergonhado.

_ Não tem problema, gentil senhor! Eu sei que o senhor não quis me ofender! – a jovem deu mais um sorriso e levantou-se, retornando para dentro com a ajuda do pirata.

Lá dentro, Anix dava instruções aos moradores para que se protegessem, pois era noite de lua em treva. Os moradores deveriam voltar aos seus afazeres, voltar a lacrar suas portas e janelas, enquanto que os soldados, acompanhados do caçador Mepisto, iriam atrás da tal Morta do Bosque. Com tudo decidido, Tomas começou a servir uma saborosa refeição, legumes, arroz e carne, aos aldeões. Passavam das quinze horas, quando os moradores retornaram para suas casas.

Tomas convidou os soldados para se hospedarem em sua casa, até concluírem sua missão em Rutorn. Mepisto foi até sua casa para preparar suas armas para a caçada da noite. Jack conversava com Anix, contando sobre o que Silmara havia dito, e suas suspeitas quanto à existência de outra criatura, além da morta, que havia arrancado os olhos da menina. Enquanto isso, Mao Necro e Dragnus tinham uma forte discussão na taverna.

Os dois brigavam sem terem grandes motivos para isso. Mao Necro relatava ao sargento que não havia detectado qualquer aura mágica entre os aldeões, e sugeria que eles seguissem para o oeste. Dragnus, pelos pontos demarcados no mapa, julgava melhor que fossem para o norte. Irritado com a opinião do meio-orc, Mao Necro o ofendeu, chamando-o de inútil e de feioso. Dragnus se irritou e atacou Necro com seu machado. O mago revidou tentando eletrocutar Dragnus com magia, mas o bárbaro conseguiu escapar do ataque. Anix interveio e ordenou que os interrompessem a discussão e se desculpassem um com o outro. Ignorando as ordens do sargento, Necro usou uma magia para enfraquecer Dragnus. Irritado, Anix ameaçou matá-los se não parassem com aquilo imediatamente. Dragnus se conteve e sentou-se. Já Necro, se recusou a sentar ao lado do meio-orc e pediu para sair da taverna. Anix negou. Irritado, o necromante disse que iria se deitar até o anoitecer e foi para o quarto indicado por Tomas. Descontente, Anix começou a escrever um relatório para entregar ao seu superior assim que retornasse ao forte Rodick.

Mas, Necro, ao contrário do que havia dito, não foi se deitar. Ao invés disso, ele pulou a janela do quarto e fugiu para o bosque. Seguiu por entre as árvores, passando perto dos locais que ele havia marcado no mapa com os locais de aparecimento da Morta. Viu alguns restos de animais mortos, com os olhos arrancados. Quanto mais ele seguia para o oeste, mais a floresta se tornava esparsa, até que ele chegou a um pântano. Necro se conteve diante do lamaçal por alguns instantes, temeroso.

O charco dividia a floresta em duas. Do outro lado do brejo, o bosque era muito mais denso, e parecia intocado pelos lenhadores de Rutorn. Após hesitar por alguns instantes, o mago decidiu tentar atravessar. A água e a lama lhe iam até os joelhos. Mao Necro caminhou com dificuldade por alguns metros, quando ele ouviu sons de gemidos vindos do outro lado do pântano. Temendo enfrentar o espírito sozinho, ele decidiu voltar para a taverna, onde trocou de roupa para que seu sargento não desconfiasse de nada.

A noite finalmente caiu. As tochas na palidaça de madeira ao redor da vila fora todas acesas, e os moradores se esconderam em suas casas. Junto com as trevas, vieram os sons. Grunhidos, relinchos, grasnados, pios e gritos de todos os tipos ecoavam pela mata. Parecia que os animais levados pela Morta do Bosque retornavam com ela para aterrorizar a vila.

Rapidamente, os heróis correram pela mata, buscando a origem do som. Mepisto ia à frente, conduzindo-os pelo bosque e iluminando o caminho com uma tocha. O caçador parou de repente, e o restante do grupo logo atrás dele. Estavam na borda do pântano. A vários metros dali, flutuando sobre o lamaçal, estavam três esferas de luz, rodopiando no ar em alta velocidade e emitindo gemidos e gritos assustadores. Fantasmas!

Os soldados assumiram posição de combate. Jack disparou sua besta e viu o virote atravessando uma das luzes sem causar qualquer tipo de dano a ela. Assustado, o pirata agarrou sua garrafa de rum e deu uma golada.

Os espíritos avançaram, e cercaram os heróis. Giravam ao redor deles, e gritavam para assustá-los. Lee Wood tentava golpeá-las com suas mãos embebidas em água benta. Dragnus aspergia o líquido santo nos inimigos, mas nada disso surtia efeito. Anix ficou invisível para se proteger dos ataques. Mepisto tentou feri-los com um virote de besta, depois com uma cimitarra, mas nada disso funcionava. Mao Necro tentou ofuscar os espíritos com uma magia de luz, mas sua tentativa fracassou também. Jack, apavorado, não sabia se bebia seu rum, ou se tentava atacar com seu florete. A única coisa que ele sabia é que nada disso adiantaria contra os fantasmas. Nada afetaria aquelas luzes, era como se elas não estivessem neste mundo, como se elas não fossem reais.

_ Ilusões! Só podem ser ilusões! – gritou Mao Necro.

Os tais espíritos não atacavam e tampouco eram afetados pelos ataques do grupo, de modo que Necro deduziu que aquilo só podia ser uma ilusão. Anix usou seu poder mágico nas luzes, e sentiu que eram compostos de uma magia de luz. Necro estava certo, eram apenas globos de luz inofensivos. Os sons que emanavam deles também deveriam ser ilusórios. Anix se lembrou que seu próprio irmão Squall sabia imitar sons magicamente daquela forma. Anix entrou no pântano, estava invisível, mas o deslocamento da lama revelou sua presença aos companheiros. Logo ele foi seguido pelos outros e, após alguns instantes, as luzes desapareceram.

Desconfiados, os heróis entraram no pântano e começaram a avançar para investigar aquele local. Mas um grito de pavor, vindo da direção de Rutorn, os fez esquecer a idéia. Saíram em disparada, com lama até as canelas, em direção à vila. Ao chegarem lá, encontraram as ruas desertas e agradeceram aos deuses por não ter ninguém por perto para ser atacado pela Morta. Mas, perceberam que numa das casas, uma cortina era fechada às pressas. Correram até lá e bateram na porta, perguntando o que havia acontecido.

_ A Morta! Ela estava aqui, e levou uma cabra! Eu vi tudo! Ela fugiu para o bosque, foi na direção do pântano! – gritou uma mulher dentro da casa.

Sem perder tempo, os heróis correram de volta para o pântano. À medida que se aproximavam, os gritos dos animais retornavam, e ficavam mais alto. Um outro grito assustador, parecido com o de uma fera ou um monstro gigantesco, surgiu em outra direção, mas não foi capaz de amedrontar os heróis. Quando finalmente chegaram ao brejo, eles viram e entenderam os motivos pelos quais os moradores de Rutorn viviam apavorados. A Morta do Bosque estava lá, esperando-os.

A menina amaldiçoada estava do outro lado do pântano. Trajava um vestido branco que ia até os joelhos. Não possuía pés, parecia flutuar sobre a lama do brejo. Sua pele era pálida como a lua e tinha cabelos negros como a noite. Quatro globos de luz flutuavam ao redor dela, como se dançassem em sua homenagem. A menina esticou a mão direita na direção dos heróis que puderam ver, iluminados pelos globos, dois pares de olhos sobre ela. No chão, diante dos aventureiros, estava o corpo da cabra levada, sem seus olhos. A Morta do Bosque se virou, e os heróis puderam ver o profundo corte que havia em seu pescoço. Ela começou a se afastar lentamente e desapareceu em pleno ar, como que por mágica. Sem perder mais tempo, os valentes heróis correram em direção a ela, atravessando o úmido e perigoso pântano de Rutorn.

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