outubro 21, 2008

Capítulo 324 – Perigo no mar


Tinham viajado já por sete dias completos, quando ancoraram o navio no anoitecer 13º dia de Lunaluz. As velas foram recolhidas e os marujos entregaram-se a uma merecida noite de repouso. Era por volta de onze horas da noite quando o capitão Engaris encontrou os heróis no convés. Estava pensativo, andando de um lado para outro com a mente distante e o olhar perdido no horizonte.

_ Algum problema, capitão? – perguntou Nailo.

_ Sim, Nailo. Parece que vem uma grande tempestade ai. Dê só uma olhada nessas nuvens. – respondeu Engaris.

Nailo olhou para o alto e viu pesadas nuvens negras deslocando-se velozmente para o norte e fechando-se sobre a embarcação, com se atraída por ela. Distante no horizonte a situação era ainda mais sombria. Relâmpagos cortavam o céu, acompanhados do estrondo de poderosos trovões. E o vento se movia cada vez mais veloz, balançando as velas cada vez com mais violência.

O capitão chamou seu imediato e deu ordens para que as velas fossem recolhidas e amarradas. Em instantes Argis retornava do porão com um punhado de homens para cumprir as ordens do capitão. Nailo e os outros ajudaram e, por sua experiência anterior, pediram para que os marinheiros se abrigassem e se protegessem, enquanto eles ficariam em alerta no convés do Arthur Tym – Liberdade.

Pouco tempo depois, uma pesada chuva despencou sobre o navio. Eram gotas grossas e geladas, acompanhadas de grande quantidade de granizo. O vento sacudia o navio de um lado para outro e o faiscar dos relâmpagos iluminava o céu negro. A apenas algumas dezenas de metros da nau, viram um cone escuro descer das nuvens até tocar a superfície do oceano. A água subiu pelo cone, arrastada pelo vento e formando uma tromba d’água que cresceu e tomou a forma de um poderoso tornado.

Alheio a tudo o que acontecia estava Legolas, sentado no alto do cesto da gávea com o olhar perdido no horizonte a mente ainda tentando se adaptar a todas as desgraças pelas quais tinha passado dias atrás.

O navio jogou de um lado para outro e todos ouviram o som de algo se chocando contra o casco da nau. Nailo ouviu um som estranho da água se agitando e sentiu que havia algo errado. Seus olhos apurados viram uma sombra se movendo sob o navio e ele sacou suas rosas gêmeas e se preparou.

_ Todos às armas! – gritou Legolas, do alto do mastro principal após ver a gigantesca sombra passando sob o navio e desaparecendo nas profundezas.

_ O que foi Legolas? – perguntou Anix.

_ Tem uma lula nadando embaixo do navio! – respondeu o arqueiro, levantando-se e preparando sua arma.

_ Mas como você conseguiu ver essa lula através do casco do navio? – perguntou Engaris, sem suspeitar qual era o tamanho da tal lula vista por Legolas.

_ Ora, eu poderia ver uma lula através da sua alma! Parem de fazer perguntas e preparem-se! – gritou Legolas.

Na popa, Engaris preparava-se para fazer algum comentário, talvez uma bravata, quando empalideceu por completo, apontando para a proa da embarcação e gaguejando gritou:

_ Kra...kra...kraken!!!

Do fundo do oceano ergueu-se um gigantesco tentáculo de polvo. Tinha a grossura de um homem e cada uma de suas ventosas era do tamanho de uma cabeça humana. A massa de carne golpeou Lucano mais rápido do que qualquer um poderia esperar, arremessando-o longe. Antes que o clérigo pudesse cair, o tentáculo já o alcançara e se enrolava ao redor dele, esmagando-o com gigantesca força. Lucano gritou, sentindo seus ossos sendo esmagados como gravetos e, antes que seus companheiros pudessem correr para ajudá-lo, outros sete tentáculos se ergueram das águas, serpenteantes como cobras e acompanhados do gigantesco corpo do animal ao qual pertenciam, o corpo do kraken.

O kraken era um enorme molusco, uma lula imensa, tão grande quanto o próprio navio. Cada um dos seus tentáculos era longo o suficiente para abraçar a nau inteira e forte o bastante para parti-la em seu abraço mortal.

_ Kraken!!! Ataquem!!! Leusa thiareba!!! – gritou Legolas do alto, disparando uma rajada congelante de seu arco no monstro. A criatura pareceu nem sentir o ataque.

_ Nailo! Amigos! Fiquem perto de mim! – gritou Anix segurando o ranger que avançava ao encontro de Lucano. O mago pegou então um punhado de esterco bovino em sua bolsa, murmurou um feitiço e espalhou o esterco ao redor de si e em seus amigos. Seus corpos brilharam, imbuídos de força mágica e preparados para o combate.

Mas, antes que pudessem atacar com sua nova força, o Kraken reagiu primeiro, seus tentáculos imensos golpeando, agarrando e esmagando Lucano, Orion e Squall. Três dos heróis estavam presos pelo monstro, indefesos frente à sua incomparável força. A criatura atacou o cesto da gávea, destruindo-o, quebrando a ponta do mastro e tirando Legolas de seu esconderijo. A fera continuou atacando o elfo que se agarrara ao mastro, tentando derrubá-lo. O arqueiro segurava-se ao poste de madeira, resistindo bravamente às marteladas desferidas pelo inimigo. No solo seus companheiros se debatiam, subjugados pelo poder do monstro.

_ Grande Oceano! Clamo por tua ajuda nessa hora de necessidade! – orou Nailo. O ranger correu pelo convés, em direção à borda do navio e saltou. Mergulhou na água agitada, um ato suicida e desesperado. Porém, sua prece foi atendida. Em contato com a água do mar, o colar do deus surgiu de dentro do corpo de Nailo e ele podia respirar sob a água. Nadando o mais rápido que podia, Nailo tentava se aproximar do monstro para atacá-lo.

No convés, Orion golpeava o kraken com sua espada seguidas vezes. Mesmo assim, a criatura o agarrava cada vez mais forte, tirando-lhe o sopro de vida que ainda restava nos pulmões. Lucano e Squall não estavam em melhor situação. Já a beira da morte, o clérigo não podia fazer outra coisa além de usar sua magia e prolongar sua vida, na esperança de ser salvo pelos amigos. Vendo o desespero e o perigo no qual o clérigo se encontrava, sua espada novamente o ajudou.

_ Acalmai-te ó filho de Glórienn! Ajudar-te-ei a derrotar essa besta que tenta destruir a vós e a vossos irmãos elfos! – a voz da espada fez-se presente, alta e clara para todos ouvirem. De sua lâmina partiu uma faísca brilhante que atingiu o corpo do kraken e explodiu em chamas. O som da explosão rivalizava com o ribombar dos trovões no céu. Mesmo assim, o kraken não recuava.

Squall, esmagado por um dos tentáculos, concentrou sua mente e, pelo poder do anel mágico, transformou-se em dragão. Abriu as asas vermelhas, lutando contra a descomunal força do tentáculo do monstro e conseguiu se soltar. O feiticeiro alçou vôo, afastando-se do perigo para retomar o fôlego e retornar logo em seguida atacando. Em sua escapada, Squall foi novamente atingido por uma chicotada do longo tentáculo. Dessa vez, porém, conseguiu escapar do abraço mortal da criatura.

Os heróis se recuperavam da desvantagem inicial, mas a noite ainda tinha surpresas para eles. O capitão Engaris badalava o sino, desesperado, chamando por seus marujos. Os homens subiram ao convés e com arpões tentavam afastar o monstro do navio. Mas um perigo maior se aproximava. O tornado formado pela tempestade mudara sua direção, indo para cima da frágil embarcação. Engaris girava o timão, tentando virar sua nau, mas era inútil, já que ela estava presa pelo monstro. Enquanto alguns combatiam, outros começaram a soltar as velas para por o navio em movimento e escapar da tormenta.

Sentindo que era preciso agir rapidamente, Legolas se atirou corajosamente do alto do mastro central do navio, dando várias piruetas no ar e pousando sobre o convés. Mais dois ou três passadas largas e ele se atirava para fora da nau, mergulhando no vazio, escapando dos tentáculos que serpenteavam e aterrissando sobre o corpo do enorme molusco. Chrishe, gritou ele, disparando o arco sem munição na criatura. Um raio em formato de flecha se formou e atingiu o enorme olho da criatura, congelando-o quase totalmente, causando enorme dano ao kraken. Mesmo assim, a fera resistia.

Os tentáculos se voltavam para atacar Legolas, quando, de cima da nau, Anix atacou. Seu cajado estava erguido, faiscando como o céu tempestuoso, como se chamasse para si os relâmpagos que dançavam entre as nuvens. Anix apontou o dedo indicador para o kraken e um relâmpago brilhante e estrondoso partiu em direção ao monstro. Legolas saltou, enquanto o monstro tinha espasmos pelo ataque. Sob a água, Nailo via um belo brilho azulado envolvendo o inimigo. Mesmo assim, o kraken ainda resistia.

O monstro apertou ainda mais o corpo de Lucano e de Orion. Golpeou Legolas e Nailo com tamanha força que o arqueiro quase ficou inconsciente. Por fim, três de seus membros agarraram Orion e o colocaram diante da enorme bocarra em forma de bico que começou a comer a carne do guerreiro.

Enquanto Orion se debatia sob a água, tentando escapar da mordida do kraken, Squall, em forma de dragão, voou até o inimigo, escapando da fúria de seus tentáculos e pousou sobre seu corpo enquanto lançava sobre ele uma poderosa baforada de fogo. Legolas subiu nas costas de Squall, disparando duas vezes o seu arco no monstro, ferindo-o ainda mais. E o kraken ainda resistia.

Lucano, auxiliado por Dililiümi, golpeava o tentáculo tentando se soltar. Sobre o dorso de Squall, Legolas continuava disparando seu arco sem cessar. Sob as ondas, Orion atacava o bico córneo do monstro até parti-lo em pedaços, enquanto Nailo fatiava o dorso do monstro com suas espadas gêmeas. Ainda assim a fera resistia. Anix então gritou:

_ Legolas, Squall, protejam-se! – e das mãos do elfo uma bola de fogo partiu, atingindo a cabeça do kraken e explodindo seu olho já ferido. Legolas e Squall voaram para longe das chamas. Nailo, Orion e Lucano continuaram atacando enquanto as chamas lutavam contra a chuva incessante. E o monstro não resistiu.

Os tentáculos caíram sem vida no oceano. O kraken começou a afundar lentamente. Na embarcação, os marujos lançavam cordas para resgatar Nailo e Orion, e o capitão começava a manobrar evasivamente para escapar do tornado. Nailo arrancou um grande pedaço do monstro antes de subir a bordo. Daria um ótimo assado segundo ele. Com a ajuda de todos, em poucos instantes o navio voltava a se mover, suas velas infladas pelo vendaval. Minutos depois a ameaça do kraken e do tornado eram apenas lembranças. Procuraram por uma área de águas calmas, onde finalmente puderam descansar.

Mais três dias de calmaria se passaram desde então, e na manhã do dia 17 de Lunaluz, o Arthur Tym – Liberdade finalmente alcançou a costa de Galrasia. Era uma ilha monumental tão extensa que parecia mais um continente. Uma floresta de árvores colossais se erguia logo após uma curta faixa de areia que formava uma pequena praia. No que calculavam ser o centro da ilha, uma montanha se erguia, solitária e imponente, centenas de metros acima do solo.

_ Bem, nós aguardaremos o retorno de vocês no navio, meus amigos. – disse Engaris. – Ficaremos a uma distância segura da ilha. Esse local é perigoso e não quero arriscar nossos pescoços.

_ Que tipo de perigos existem na ilha? – perguntou Nailo.

_ Monstros. Dinossauros, como aquele lá no alto! – exclamou o capitão, apontando para o céu, onde um monstro reptiliano voava tranqüilamente. Suas asas abertas chegavam a ter facilmente uns cinco ou seis metros de uma ponta à outra.

_ Há alguém que viva lá além dos monstros? Humanos? – perguntou Anix.

_ Nunca ouvi dizer isso e creio que não exista nada além de monstros por lá. Há um boato de uma humana que vive na ilha sozinha, mas eu duvido que uma jovem possa sobreviver sozinha nesse inferno verde. – respondeu o capitão.

_ Bem capitão! – disse Squall. – Para sua segurança, é melhor que não fique por aqui nos esperando. Volte para Malpetrim. Daqui pra frente nós podemos nos virar. Tenho pergaminhos mágicos que poderão nos transportar de volta para o continente.

_ Sério? Bom, então nós iremos embora mesmo! Fiquem com o barco salva-vidas e boa sorte a todos. E que nós possamos beber juntos novamente algum dia! – disse Engaris, despedindo-se dos heróis.

_ Adeus, capitão, e obrigado pela ajuda! – disseram os heróis.

O grupo desceu até a flor da água, onde um pequeno bote de madeira, cheio de provisões e ferramentas, os aguardava. Remaram em direção à ilha, enquanto o Arthur Tym – Liberdade se afastava levado pelo vento. Minutos depois eles pisavam na areia da praia de Galrasia. A vida era abundante naquele lugar, em cores, cheiros e sons. Era possível sentir a energia vibrante daquele misterioso lugar, na forma de um calor envolvia os corpos dos heróis como se eles estivessem próximos de uma fogueira acesa. Uma mosca do tamanho de uma mão humana voejou ao redor dos aventureiros, deixando-os espantados. Mas, não havia tempo para admirar o lugar ou para se assustar com ele. Tinham uma missão a cumprir e com isso em mente, os seis heróis penetraram no mundo perdido de Galrasia, onde o perigo e a aventura os aguardavam.

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