março 07, 2006

Capítulo 174 – Fuga

Capítulo 174 Fuga

Era o 18º dia de Wezz, um lanag. A manhã começava fria e úmida. Legolas acordou com o corpo dolorido e frio. Era mais uma noite mal dormida na cadeia. Mas agora ele estava sem seus companheiros, o que tornava a situação ainda pior. Fez seu desjejum, um pedaço de pão com um copo de leite, e voltou a se deitar. Não havia o que fazer, ainda mais no meio daqueles estranhos que pareciam estar todos contra eles. Todos menos um. Edgar, o homem que o havia salvado de ser estuprado por Gorosh, que tinha cedido sua cama ao arqueiro para protegê-lo do mesmo meio-orc. Legolas precisava agradecê-lo. Levantou-se e foi até o homem.

Edgar estava sentado em sua cama, com o olhar distante, estático, como se não estivesse ali. Legolas se aproximou vagarosamente, observando os outros prisioneiros amontoados no fundo da cela numa animada partida de Cavilan.

_ Obrigado por ter me ajudado ontem! – disse Legolas.

_ Não foi nada, cara! Não podia deixar o Gorosh fazer aquilo com você! Não precisa me agradecer! – respondeu o homem, ainda com o olhar distante.

_ Ele já tinha feito isso com alguém antes de mim aqui? – perguntou o arqueiro, já prevendo a resposta.

_ Não, nunca! Não sei o que deu nele ontem! Você ia ser a primeira vítima dele aqui dentro! A não ser que...não deixa pra lá isso não importa! Qual seu nome? – Edgar se virou para Legolas, olhando-o de cima da cama onde estava.

_ Legolas! – respondeu.

_ Muito prazer! Eu sou Edgar Sólon! Por que você está aqui? – Edgar estendeu a mão direita, cumprimentando o elfo.

_ Eu matei um cara do exército. Ele matou o meu avô e o curandeiro da minha vila. Eu vinguei a morte dos dois e vim parar aqui! – respondeu Legolas, desanimado.

_ Que coincidência! Eu era do exército! Quem era o cara? Será que eu o conhecia? – Edgar saltou da cama, tão surpreso quanto Legolas.

_ O nome dele era Elenindow! Era um moleque mau criado e folgado da minha vila! – respondeu o elfo.

_ Incrível! Que coincidência! Eu fazia parte do pelotão dele! Espera ai! Eu me lembro de você! Eu estava presente nesse dia, você é o cara que fugiu a cavalo! Quanta coincidência! – prosseguiu Edgar, ainda mais surpreso.

_ Coincidência mesmo! E você? Por que está aqui? – perguntou Legolas, ainda surpreso com tudo.

_ Bem, vai até parecer conversa de presidiário! Mas eu sou inocente. Armaram pra mim! Um dia eu estava na sala do capitão Ron, quando o general Raelf chegou e pediu para o capitão guardar as jóias dele no cofre do capitão! Depois eu sai dali, dei baixa nas minhas obrigações e fui pra casa. Quando estava saindo do quartel, vieram me revistar, dizendo que as jóias do general haviam sido roubadas e todos eram suspeitos! Algum maldito colocou aquelas jóias na minha bolsa e eu vim parar aqui! – respondeu Edgar.

_ E você não se defendeu? – perguntou Legolas.

_ Não, nem tive como! Fui pego em flagrante e preso até sem julgamento! Além disso, eu sempre aprontava no quartel! Era um encrenqueiro. O cara que você matou, eu vivia batendo nele! Ninguém iria dar ouvidos a um marginal como eu! Acho que algum dos soldados que eu atormentava quis se vingar de mim e armou essa pra me ferrar! Mas não tem problema, logo, logo eu saio daqui!­ E você, o que fazia antes de virar assassino? – continuou o homem.

_ Bom eu fugi de Tollon por um tempo. Meus amigos e eu vivemos algumas aventuras juntos! Inclusive, nós descobrimos a famosa mina do anão Durgedin! – prosseguiu Legolas.

_ Incrível! A forja do anão armeiro desaparecida há eras! Mas então você deve ser muito poderoso pra ter conseguido chegar até esse lugar! O que você sabe fazer? – sorriu Edgar.

_ Eu sou um arqueiro! – respondeu o elfo.

_ Um arqueiro! Que interessante! Olha Tinn, o Legolas é um arqueiro, e dos bons! – gritou Edgar para o anão caolho que jogava cartas com os outros presos.

_ Bom cara, pode contar comigo pro que precisar! Se o Gorosh voltar a te encher, pode contar comigo! – Edgar sorriu e deu um forte aperto de mão em Legolas.

_ Obrigado! – sorriu o arqueiro de volta.

Neste exato instante, um grupo de soldados se aproximou da cela, olhando para o grupo como se procurassem por alguém.

_ Ei você! Edgar! Venha comigo! Você tem visita rapaz! – exclamou o soldado que liderava o grupo.

_ Visitas? Mas eu nunca recebo visitas!? Quem poderia ser? – estranhou Edgar.

_ É o seu advogado! – sorriu o soldado, maliciosamente.

Tanto Edgar quanto Legolas ficaram espantados. Edgar havia sido capturado em flagrante, sem necessidade de ser julgado como ele havia mencionado. Nunca recebera visitas e agora surgia um misterioso advogado para vê-lo.

_ Sinto que você está correndo perigo! – sussurrou Legolas.

_ Também sinto isso! Espero estar enganado! – concordou Edgar.

_ Boa sorte! – despediu-se Legolas.

_ Obrigado! – Edgar deixou a cela com um aceno, conduzido pelos soldados.

Se Edgar havia realmente sido vítima de uma conspiração, era bem possível que agora os responsáveis estivessem desejando eliminá-lo. A única pessoa que parecia de confiança naquele inferno poderia nunca mais retornar. Legolas estava sozinho novamente. O arqueiro retornou cabisbaixo para sua cama, onde se sentou e pôs-se a observar o jogo dos outros prisioneiros.

O ruído de chaves se agitando e portas se abrindo e fechando quebrou a concentração no jogo. Alguns segundos depois, estavam vários soldados diante da cela, com um prisioneiro algemado. Um meio-orc descomunalmente grande. Gorosh.

_ Ai pessoal! Valeu pela carona turma! Outro dia a gente dá um passeio desses de novo! Quem sabe a gente pode até se divertir de outra maneira! – Gorosh zombava dos guardas que o recolocavam na cela, mandando beijos e fazendo gestos obscenos.

Legolas estremeceu por dentro. Seu maior inimigo estava de volta e desta vez ele não poderia contar com a ajuda de Edgar. Tentando não ser notado, continuou com o olhar fixo nos que jogavam. Gorosh entrou na cela mancando. Talvez devido aos pontapés da noite anterior, pensou Legolas. Retiraram-lhe as algemas e trancaram novamente a cela. Os guardas se retiraram enquanto apenas um deles permaneceu, terminando de fechar os cadeados que lacravam o portão.

_ Valeu mesmo meu chapa! – o meio-orc se aproximou da grade, dando um leve tapa no ombro do soldado que sorriu com malícia.

Quando o soldado se retirou, Gorosh se virou para os companheiros de cela e se aproximou do grupo mancando.

_ Gorosh tá na área rapazes! To de volta! – gritou o grandalhão.

Todos o olharam e fizeram ao mesmo tempo um gesto com a cabeça, como se perguntassem algo. O meio-orc respondeu fazendo um gesto positivo com as mãos e sorrindo. Os presos comemoraram em silêncio.

_ E ai loirinha! Como é que você está?

_ Não me enche! – respondeu Legolas.

_ Uh! Ela continua irritada! Essa loirinha é muito rebelde! Adoro meninas assim! – provocou o mestiço.

_ Cuidado Gorosh! Ele é um arqueiro perigoso! Edgar que descobriu! – sorriu o anão com tapa-olho.

_ Então quer dizer que a loirinha sabe mexer com arcos? – provocou o meio-orc.

_ Se eu estivesse com meu aro, já teria acabado com você! – resmungou Legolas, irritado.

_ Nossa que medo! Não fique assim loirinha! Tenho uma surpresinha pra te mostrar daqui a pouco! – Gorosh riu e bateu com a mão na altura de sua genitália. Um som de metal chegou aos ouvidos de Legolas, revelando que havia alguma coisa muito dura entre as pernas do meio-orc.

_ E onde tá o Edgar pessoal? – perguntou Gorosh.

_ Foi falar com o advogado dele! – respondeu Tinn comprando uma carta.

_ Há! Esse cara é cheio de surpresas! Desde quando ele tem advogado? Essa é boa! – gargalhou o meio-orc, enquanto caminhava para sua cama.

Gorosh finalmente se calou, deitando em sua cama com dificuldade por causa da perna machucada. O jogo de cartas prosseguiu com reclamações de roubo e discussões. Legolas se acalmou, por enquanto.

Depois de alguns minutos, a barulheira no pátio externo quebrou a monotonia da cela. Carroças passando, soldados correndo de um lado para outro agitados, gritos. Parecia que começava uma guerra. Os presos se agitaram também. Pareciam ansiosos por algum motivo desconhecido de Legolas. Gorosh se aproximou, com dificuldade, da grade da cela e olhou na direção da saída, onde ficavam os vigias.

_ Que tá acontecendo meu chapa? Por que essa barulheira? – perguntou Gorosh ao único soldado que permanecera no posto de guarda.

_ O general chegou para fazer uma inspeção! – respondeu o guarda.

_ E você vai ficar sozinho ai? Ai que delícia! Sorriu o filho de orc coçando sua genitália.

Gorosh sorriu ao ver o guarda se fechando do lado de fora do corredor da masmorra, com cara de assustado. Era óbvio que ele não queria servir de mulher para o meio-orc, assim como quase acontecera com Legolas.

_ Ele já se foi turma! Não vai dar pra esperar pelo Edgar, tem que ser agora ou nunca mais! – sussurrou Gorosh para os outros.

Todos se levantaram, correram até as camas, rasgando os colchões e retirando armas improvisadas de lá. Gorosh levantou a camisa, exibindo um enorme machado de metal que trazia preso à perna direita. Além do machado, duas espada que ele entregou aos companheiros. Todos armados, se viraram na direção de Legolas. O elfo estremeceu.

_ Agora você loirinha! Já que é arqueiro, fica com o arco! – Gorosh fez um gesto para um dos anões, que correu até uma das camas e pegou um arco e uma aljava rústica que estavam ocultos.

_ O esquema é o seguinte! O Edgar era do exército e por isso ele sabe que tem uns túneis que passam embaixo desse lugar! A gente cavou um buraco pra fugir! A hora é agora! É fugir ou ficar aqui pra morrer, você escolhe! – Gorosh entregou o arco e as flechas para Legolas, enquanto os outros se encarregavam de puxar um bloco de pedra solto ao redor do ralo onde eles urinava e defecavam. Legolas olhou desconfiado. Se não fugisse, os presos poderiam se voltar contra ele. Se fugisse, poderia arruinar os planos de seus amigos que queriam tirá-lo de lá de acordo com as leis. Mas, ele sabia que jamais seria absolvido por ter matado Elenindow.

_ Vamo lá loirinha! Tá esperando o que? – disse Gorosh – Tá bom já sei! Olha cara, me desculpe por tentar te comer ontem à noite! Mas é que eu precisava arrumar um modo de sair daqui pra pegar essa belezinha com o chapa de uniforme! Vamos esquecer tudo isso e começar de novo tá? Vamo lá cara! Me diz ai o seu nome! Vamos ser amigos! – o meio-orc estendeu a mão para Legolas, sorrindo como se suas palavras fossem sinceras.

_ Eu sou Legolas! - sem opção, Legolas aceitou a proposta e entrou no túnel com os outros. Aquele túnel era sua única esperança concreta de escapar da forca e, se surgisse uma oportunidade, ele poderia se livrar daquele meio-orc e se vingar pelo abuso da noite anterior.

O grupo desceu pelo túnel, fechando-o novamente para não levantar suspeitas. Fora da cela, chegaram a um complexo subterrâneo, cheio de túneis escuros e sinistros. Um dos humanos, Rodor Tellason, juntou alguns pedaços de pelos e raízes para improvisar uma tocha. Rodor era um ranger que usava sua influência com os animais para praticar roubos em pequenas vilas. Os animais afugentavam os moradores, enquanto o ranger invadia suas casas e pilhava seus bens.

Os outros integrantes do grupo eram Tinn Algar, o anão caolho perito em bater carteiras e seu comparsa, o guerreiro anão Durunn Werak. O feiticeiro Alberik Firesson, fornecedor de venenos para as guildas locais e o bardo especialista em assaltar os que adormeciam sob efeito de sua música, Dimitri Vallerikski davam apoio mágico ao grupo. Gorosh Klumm, o meio-orc condenado pelo estupro e assassinato de doze pessoas ia à frente liderando. Finalmente, mais atrás estava Legolas Greenleaf, o arqueiro que matar um soldado e salvara tantas outras pessoas com a ajuda de seus amigos e que agora arriscava sua vida na companhia daqueles criminosos temíveis.

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