março 28, 2006

A verdadeira essência do RPG

"acho que falhamos como amigos dele. E na verdade ainda naum aprendemos a verdadeira esencia do jogo. Que é de formar amigos, formar um grupo de amigos e naum um simples grupo de rpg"
André Galli

A frase acima foi me dita por um amigo ainda há pouco, e eu compartilho da mesma opinião.
Nós tinhamos um grupo de jogo, conturbado, cheio de picuinhas, como todos devem ser. Aos poucos os jogadores foram se afastando, deixando de jogar, fosse por causa do "mestre chato" (eu, hehe), porque não suportavam um ou outro jogador por causa de suas atitudes no jogo, ou até mesmo na vida real. Apesar de todas as picuinhas, mesmo com brigas e tudo mais, nós sempre conseguimos nos divertir e dar boas risadas juntos, eramos felizes e não sabíamos.
Um desses jogadores que se afastou, meu amigo Tiago, era chamado por todos de "embalista" pois sempre dizia "eu to com você então", as vezes repetia as ações de outros jogadores, e tal. Todos nós brigavamos com ele por causa disso, mas mesmo assim sempre nos divertiamos juntos. Mas, o grupo foi se separando até se desmanchar por completo.
Esse Tiago uma vez não apareceu pra jogar. Todos pensamos "dane-se, não ganha XP". Na outra semana ele também não foi, e na outra e na outra. Eu, o mestre, cheguei a pensar "o fdp não prestou nem pra dar uma satisfação pra gente, pra simplesmente falar que não ia mais jogar, então que se dane".
Logo depois que ele parou de jogar, eu o encontrei no ônibus. Fui conversar com ele e ele me tratou de um modo estranho, arrogante, metido mesmo. Novamente eu pensei "dane-se você, um inútil a menos ao meu lado".
Bom, nunca mais o procurei. Nunca fomos de sair juntos e tal, só jogávamos mesmo, e o cara ainda fez essa palhaçada com a gente, então deixei ele pra lá e continuei minha vida.
Continuei mestrando até o final do grupo. Cada um foi pro seu canto, formei um novo grupo, mas tive pouco contato com "os inúteis do grupo antigo".
Bom, ai chegou a quinta-feira passada. Segundo o irmão do Tiago, ele saiu à tarde pra dar uma volta. Tava afastado do trabalho por estar estressado. Um cara que fez faculdade, trabalhava no inss, na área que estudou, ganhando algo em torno de 3000 reais numa cidade do interior paulista, morando numa baita duma casa bonita, com apenas 22 anos de vida e um futuro promissor pela frente. Frescura, provavelmente eu pensaria se me falassem desse stress dele. Mas eu estava cego.
O Tiago não voltou pra casa naquele dia. Não se sabe os motivos ao certo (somente ele), ele decidiu encerar sua vida, se atirando de um viaduto de 30 metros de altura.
"Ótimo, um inútil a menos na Terra" vocês devem estar imaginando que eu pensei. Mas não, a primeira coisa que me veio à mente foi: se ele estivesse jogando com a gente ainda, será que ele teria feito isso?
Provavelmente não. Infelizmente, só agora é que a gente parou pra pensar. O Tiago era um cara que precisava de ajuda. Suas atitudes "embalistas" no jogo talvez fossem uma forma de ele expressar toda a carência que sentia, tipo "eu estou com você porque não quero ficar sozinho". Sua arrogância no ônibus talvez fosse apenas uma forma de ele chamar a atenção ou de evitar que a vida o ferisse mais ainda, tipo o dilema do ouriço mesmo.
E o que nós fizemos por ele? Brigávamos na mesa de jogo o tempo todo, por moedas que nem existiam. Odiávamos cada vez que, ao invés de tentar ser original, ele teimava em "ir no embalo" de algum outro personagem.
E quando ele se afastou, o que fizemos? "Nós estamos aqui, tentamos ser amigos dele, ele que não nos quis", era isso que pensávamos (e alguns daquele grupo ainda devem pensar assim)
Talvez, se nós tivéssemos procurado por ele, insistido pra ele permanecer ao nosso lado, ainda que tivéssemos picuinhas. Talvez, se nós tivéssemos enxergado algo além de nossos próprios umbigos, nossas próprias ambições. Talvez se nós tivessemos lhe estendido a mão ao invés de lhe virar as costas, talvez ele ainda estivesse vivo.
Como está no topo do email, nós falhamos com ele como amigos. Deixamos que um companheiro de grupo entrasse sozinho numa dungeon perigosa e perdesse a vida. Esquecemos do "trabalho em equipe" que o rpg nos ensina. Deixamos de agir em grupo e o pior aconteceu. Só que agora eu não vou mais ouvi-lo dizer "Jé, eu morri, me dá outra ficha". Agora não tem continue, é game over mesmo.
Como bem disse meu amigo André, "ainda naum aprendemos a verdadeira esencia do jogo. Que é de formar amigos, formar um grupo de amigos e naum um simples grupo de rpg" e talvez por isso o Tiago pagou com a vida.
O Tiago deu a própria vida pra que nós pudéssemos perceber isso, sua morte não foi em vão. Pena não ter entendido isso a tempo de salvá-lo.
Agora só o que podemos fazer é levantar a cabeça e seguir em frente, viver a parte dele também.

Desculpem se estiquei demais o assunto, mas acho super importante compartilhar isso com vocês. Esse é o exemplo de uma vida que talvez poderia ter sido até salva pelo rpg, contrariando o que alguns setores inescrupulósos da midia afirmam por ai. Esse acontecimento serviu de lição para mim, espero que para vocês também. E espero que vocês nunca passem por situação semelhante. Não dá pra saber se o Tiago ainda estaria vivo se nosso grupo tivesse continuado, só o que sei é que nós não tentamos descobrir a resposta.

Abraço a todos

Jefferson

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