março 21, 2006

Capítulo 185 – Uivos na neve


Capítulo 185 Uivos na neve

O primeiro dia de viagem até Follen foi tranqüilo. Os jovens cavalgaram por uma pequena estrada esburacada em meio às árvores, que mais parecia uma trilha do que uma estrada realmente. Uma brisa fresca, influenciada pela proximidade com as Montanhas Uivantes, soprava em seus rostos, ao mesmo tempo em que um sol tímido aliviava o frio e anunciava a chegada da primavera. Assim os heróis seguiam seu caminho, felizes por tudo estar bem. Aquela tranqüilidade toda chagava a ser tediosa. Acostumados a batalhar contra criaturas apavorantes, os heróis sentiam-se meio incomodados com todo aquele marasmo. Apesar de conhecerem os riscos, todos gostavam de usar suas habilidades para derrotar monstros, enfrentar desafios, vencer a própria morte. Entretanto, todos tinham que se contentar com a situação, e agradecer aos deuses por estarem vivos.

A única coisa que quebrava a monotonia naquele dia, era o ruído provocado pelo berloque de Legolas. Por três vezes os viajantes ouviram o som estridente, como o de vários sinos agitados rapidamente, avisando que Liodriel estava chamando por Legolas. Assim, o casal passava longos minutos se falando, enquanto os outros apenas observavam, invejando o jovem casal.

No entanto, essa calmaria logo teve seu fim. Já no dia seguinte, 29 de Exinn, Valag, o último dia do mês da morte e último dia no inverno, os heróis tiveram que enfrentar um novo desafio.

Já eram passadas mais de duas horas após a pausa para o almoço, quando um javali cruzou a estrada apressadamente, diante da caravana.

_ Ai! Mas que droga, já estou ficando farto desses javalis! Já é a segunda vez que isso acontece! – praguejou Sam, ao despencar do cavalo que empinara com o susto e se chocar no solo frio.

O javali era o prenúncio de algum perigo. Os jovens, com exceção de Sam e Legolas, já tinham passado por esta situação duas outras vezes, e sabiam que aquilo não era bom sinal. Esperaram até que Sam montasse novamente, para seguir viagem, mas um estranho ruído lhes chamou a atenção. Era uma voz fina a baixa, quase um choro que repetia constantemente “kiute...kiute...kiute”. Intrigado com o som, o grupo parou para investigar. Nailo desceu do cavalo e sacou sua espada, entrando na mata, no local onde Legolas indicava ter visto um vulto. Bastaram alguns passos do ranger para que o barulho dos arbustos sendo pisados chamasse a atenção do inimigo. Eram seis gigantescos lobos de pelagem branca como a neve que saltaram das moitas, indo na direção do aventureiro. Corriam sobre quatro patas grossas como troncos, saltando entre as árvores. Tinham cerca de um metro de altura, e quase três de comprimento. Suas bocas exalavam uma névoa branca e congelada, entre uma respiração e outra. Lobos das estepes. Animais muito comuns nas Uivantes, mas que costumavam avançar no território tolloniense nas épocas frias em busca de presas para se alimentar. Nailo percebeu que o líder, um lobo ainda maior que os outros e de patas negras como se vestisse duas meias sobre sua pelagem branca, cercava alguma coisa numa árvore. O animal correu na direção do ranger, enquanto sua presa fugia pelo mato, aproveitando a distração criada por Nailo. O ranger só teve tempo de mandar Relâmpago se esconder atrás do cavalo e evocar o poder de Allihanna para lhe ajudar. Magicamente, os arbustos, cipós e galhos começaram a se mover e se enrolar nos lobos e no próprio Nailo. Ele conseguiu escapar de sua própria armadilha, e conseguiu prender alguns dos lobos, ganhando algum tempo até que seus amigos pudessem vir ajudá-lo.

_ Lobos! Seis deles, enormes! – gritou Legolas, disparando duas flechas, nas costas e na orelha direita, do lobo de costas sem pelos, que avançava na direção do grupo.

_ Bola de fogo! – gritou Anix em dracônico, arremessando uma esfera negra na mata. O objeto se chocou numa das árvores próximas e explodiu, quase os atingindo com suas chamas.

_ Agüente firme ai Nailo! – Nevan saltou do cavalo, pegando sua espada e correu até o amigo que enfrentava sozinho o líder da matilha.

_ Meu raio ardente vai retardá-los por um tempo! – disse Squall, na borda da mata, evocando sua magia de fogo. Contudo, da mesma forma que Anix, Squall atingiu apenas as árvores que serviam de proteção para os animais.

Os lobos, sem se intimidar com os ataques de fogo de Anix e Squall, contra atacaram de forma feroz. O líder das criaturas encheu seus pulmões de ar, para logo em seguida lançar um sopro congelante sobre Nailo. Outros dois que estavam perto, repetiram o ataque do seu líder, ferindo Nailo e Nevan com se bafo congelante. Dois outros, mais distantes dali, tentaram primeiro se soltar das plantas animadas por Nailo. Como não conseguiram, também cuspiram gelo, mas desta vez na direção de Squall e Legolas. Felizmente os dois estavam longe das criaturas presas e não foram feridos. Já Anix não teve a mesma sorte. Uma das feras saiu da mata, colocando-se à frente do mago e atingindo-o com seu hálito gelado.

Yczar correu para ajudar o mago, enquanto Sam usava seu alaúde para atordoar os lobos com suas notas estridentes. Lucano repetiu o movimento de Sam, dando tempo para que Batloc penetrasse na floresta enquanto Sairf criava um portal mágico para reunir reforços.

Nailo atacava ferozmente com suas espadas o líder da matilha, Legolas disparava flechas e mais flechas de cima de seu cavalo, então Anix decidiu tentar uma atitude ousada. O mago pensou que era o momento de tentar usar uma nova magia que desenvolvera, mesmo sem ter certeza de seus efeitos, e assim o fez. Ele pronunciou as palavras e movimentou suas mãos formando os gestos necessários para a conjuração da magia. Uma parede de fogo, de seis metros de altura surgiu no meio da floresta, cercando os lobos e também os aventureiros. A gigantesca muralha de fogo descreveu um círculo de quase trinta metros de diâmetro, ferindo todos que estavam em contato com as chamas. Infelizmente, a imprudência de Anix custou mais ao seu grupo que a seus adversários. Com exceção de Lucano e Batloc, todos foram atingidos pelas chamas. Do lado dos lobos, somente o líder da matilha, que estava próximo da muralha, foi ferido. Os outros animais, que estavam exatamente no centro do círculo, ficaram a uma distância segura das chamas.

Mesmo assim, os heróis não recuaram e continuaram lutando bravamente. De um lado Nevan rasgava a carne do líder dos lobos. De outro, Squall avançava com seu cavalo em direção ao centro do círculo, para ajudar Batloc que enfrentava sozinho os três lobos que o cercavam. Squall sacou sua espada com uma mão, pegando impulso com a outra mão para dar um salto mortal para fora do cavalo. Já no chão, o feiticeiro arrancou o topo da cabeça de um dos animais com sua espada.

No entanto, não foram somente os heróis que continuaram a atacar. O líder dos lobos atacava Nailo, que se defendia com suas espadas, enquanto Nevan era derrubado por outro dos inimigos, bem ao lado do ranger. Perto dali, Batloc também era atacado pelos lobos, mas conseguia se defender sem grandes dificuldades. A situação pior era a de Squall. Uma das feras mordeu violentamente a perna do feiticeiro, rasgando-a. Depois, jogou-o no chão com uma puxada forte, deixando-o desprotegido contra os ataques do outro lobo que estava ao lado. Squall caiu no chão, desacordado, seu sangue tingindo de vermelho o chão da floresta. Batloc pediu ajuda aos demais, que não podiam ver o que acontecia dentro da barreira de fogo criada por Anix. Aflitos, todos tentaram ajudar o amigo ferido da melhor maneira possível.

Com poderosos golpes de espada, Yczar arrancava pedaços do lobo à sua frente, ganhando tempo para que Anix pudesse correr para ajudar o irmão. Sem se importar consigo mesmo, como sempre, Sam atravessou correndo a muralha de fogo, suportando o calor das chamas e conseguindo chegar até Squall. As cordas do alaúde vibraram e um grande dragão vermelho, pronto para cuspir fogo em todos, surgiu sobre sua cabeça. Os lobos se assustaram com a ilusão do bardo, e deixaram de mastigar a carcaça de Squall enquanto procuravam uma forma de fugir do dragão.

Lá fora, Lucano tentava, em vão, dissipar a muralha de fogo para que todos pudessem atravessá-la sem se ferir. Vendo o fracasso do amigo, Sairf invocou um grande lobo atroz, fazendo-o surgir dentro da muralha. O animal atacou ferozmente um dos algozes de Squall, e matando-o. Os gritos do lobo abatido guiaram o ataque seguinte de Sairf. Um limo escorregadio surgiu sob as patas do lobo que lutava com Batloc, impedindo-o de se manter firme no chão. Entretanto, o líquido tornou os arbustos escorregadios o suficiente para que o lobo se livrasse das amarras criadas por Nailo. Porém, ao se soltar, o animal apenas desejou fugir, assustado com a ilusão criada por Sam.

Batloc aproveitou a chance criada por Sam e Sairf, e se atirou sobre o corpo de Squall, usando seus poderes de paladino para tirá-lo da entrada da morte. Batloc, gritou, dizendo aos amigos que Squall estava salvo.

Sabendo disso, todos puderam voltar a se concentrar nos inimigos que enfrentavam. Nailo saltou para fora da muralha de fogo, protegendo Nevan com seu corpo, enquanto suas espadas cortavam as chamas e rasgavam a carne do líder da matilha. Cego de um olho, o lobo chefe já estava fraco demais para continuar a luta, e os heróis finalmente começaram a ver a vitória raiando no horizonte.

Legolas avançou pela muralha de fogo, um instante antes de Anix dissipá-la, e com suas flechas fez o lobo sem pêlos nas costas tombar no chão, já muito fraco. Anix disparou uma nova bola de fogo, perto de Nailo e Nevan. Por pouco o ranger não foi atingido pelas chamas, esquivando-se com grande habilidade da magia. O líder dos lobos, entretanto, não teve a mesma sorte e padeceu, carbonizado pelo poder do mago. Nevan se levantou, girando sua enorme espada no ar, e arrancou a cabeça do lobo que o derrubara. Nailo atingiu a cabeça do animal, que rodopiava no ar à sua frente, destruindo-a com a espada. Enquanto isso, Squall, mesmo caído, lançava um raio ardente no rosto da fera que lhe atirara ao chão. O ataque, feito à queima-roupa, fez a cabeça do animal explodir em chamas, encerrando seus dias em Arton. O outro lobo fugiu desesperadamente, perseguido de perto pelo animal invocado por Sairf.

Restava apenas um inimigo no campo de batalha, um enorme lobo branco com uma mancha negra sobre o olho direito, que atacava Yczar com suas presas. O servo de Khalmyr se desviou de cada ataque, contra-atacando com sua poderosa espada. Lucano cercou o animal, impedindo sua fuga para que um segundo lobo atroz invocado por Sairf pusesse um fim à batalha.

Sim, a batalha estava terminada. Sem que eles soubessem, aquela tinha sido a batalha de despedida daquele grupo. Parte deles ficaria treinando durante um ano no exército, enquanto os outros seguiriam seus próprios destinos. E nada era melhor para encerrar uma era do que uma grande vitória como aquela.

Os lobos de Sairf ficaram de prontidão enquanto seus amigos cuidavam dos feridos e Nailo perseguia o inimigo que fugira. Quando o ranger retornou, ele e Lucano foram verificar o que os lobos perseguiam.

Os dois chegaram perto da árvore onde o líder da matilha farejava antes de atacar Nailo. Ouviram o mesmo barulho “kiute...kiute” ecoando entre as folhagens. Os dois procuravam ansiosos pela fonte do estranho som, quando de repente, um estranho animal caiu sobre a cabeça de Lucano.

Era um pequeno animal peludo com o corpo do mesmo tamanho e aparência do corpo de um gato. Trazia em sua cabeça algo como um capacete ósseo e tinha um exótico rabo com formato de tentáculo, com ventosas e tudo, semelhante ao de um polvo.

Nailo tentou agarrar o bichinho, mas ele foi mais veloz e escapou das mãos do ranger. Então, a espada de Lucano brilhou, refletindo a luz do sol, e o pequeno ser tentou agarrá-la, repetindo “kiute...kiute....tentakiute”. Era um tentacute, um pequeno e dócil animal nativo de Arton, e que adorava objetos brilhantes.

Nailo lhe mostrou uma moeda de ouro. O pequeno a agarrou e subiu na árvore como um esquilo, escondendo a moeda dentro de um buraco na árvore. Nailo e Lucano procuravam pelo animalzinho, olhando para o alto, sem notar que ele já estava no chão ao lado dos dois, mexendo em suas armas. Nailo finalmente percebeu a presença do pequenino tentacute e, usando sua magia, começou a conversar com o inocente bichinho. Descobriu que os lobos das estepes o estavam caçando, isso após terem matado toda sua família. Os heróis viram os corpos dos tentacutes mortos e sentiram pena do pequenino. Nailo o convidou a acompanhar o grupo. Rapidamente, o animal subiu na árvore e pegou seus objetos pessoais: a moeda de Nailo, algumas outras moedas de cobre, pequenos estilhaços de espadas, enfim, apenas objetos sem valor, mas que brilhavam.

_ Kiute, kiute! Tentakiute! – gritava o animalzinho, alegre por ter encontrado alguém para cuidar dele, enquanto seus olhinhos telescópicos se projetavam pra fora da cabeça. Subiu na cabeça de Nailo feliz, e com sua cauda cheia de ventosas, tentou arrancar os olhos de Nailo. Após o ranger explicar ao animal que seus olhos não saltavam pra fora, todos retornaram para a estrada. Lá, relâmpago tentou comer o pequeno animal, que saltitava de cabeça em cabeça, assustado. Nailo acalmou Relâmpago, os heróis montaram em seus cavalos e prosseguiram em sua jornada rumo a Follen, desta vez, com um novo companheiro.

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